Lugar comum
De Nara Vidal
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Sobre este e-book
Assim como acontecia na infância de Nara, na casa de sua avó, com seus primos que chegavam, "feito torneira aberta", estas crônicas e contos jorram com sabor de tempos bons e inesquecíveis, como quando todos os chocolates na venda eram a grande preocupação da menina durante a maior e assustadora enchente na cidade. O rio subindo, subindo sem parar, transbordando, engolindo quintais, ruas, quase invadindo o estoque de doces na venda do Zé Teixeira.
"O progresso falha, mas as estrelas resistem". A tecnologia, os aplicativos, as redes sociais, falham, mas as recordações não se apagam no céu infinito da memória de Nara, até aquela da notícia sobre o fim do mundo, no rádio, que tanto assustou a menina que não teve coragem de abrir os olhos ao acordar de manhã. Mas o mundo não acabou naquela vez, ela cresceu, atravessou o oceano e agora está em Londres. E levou na bagagem "lembranças embaralhadas, coisa de infância bem vivida que se misturou com um punhado de sonhos". "Poesia, contos e crônicas. Era a sua fortuna". E parte desta riqueza está aqui neste livro.
E lá no outro lado do mundo, casada, durante uma tempestade de verão, testemunhou na janela de casa, com os rostos se iluminando com os relâmpagos, a filha pequena de mãos dadas com o pai, encantada e assustada com a chuva que desabava sobre a cidade, construindo uma lembrança, e que é "bem assim que vamos fazendo a vida".
Lembranças de casas, lugares, pessoas, vizinhos, gente com muito "amor esparramado e uma generosidade que caía que nem manga madura do pé. Era de graça. Era pra quem quisesse pegar." E a pequena Nara pegava, e guardava esses bons momentos que agora se esparramam pelo livro, que basta virar a primeira página para começar a pegar.
Um livro tal qual um pé de fruta madura, em tardes de sol, no quintal, sem mais nada para fazer senão saborear lembranças e um olhar sincero, delicado, poético, de uma menina que cresceu inconformada que no novo terreno agregado ao fundo da casa cresciam espinafres, salsa e cebolinha, e não a piscina tão desejada.
"Que gosto tem a vida?", pergunta Nara em algum lugar do livro e começa a listar: de pipoca, queijinho, de curativo, beabá, bolo, brinquedos. Leite com mamão, pizza, flores. Tricôs e bordados. Caramujo com manteiga. Balas. Salsa e cebolinha do quintal. Uma música. Penteados, bailes. O primeiro beijo.
Que gosto tem esse livro? O gosto de vida.
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Lugar comum - Nara Vidal
Lugar comum
o
Nara Vidal
Copyright © 2015 Nara Vidal
Lugar comum © Editora Pasavento
Editores
Marcelo Nocelli
Rennan Martens
Revisão
Tuca Mello
EM Comunicação
Foto de capa e interna
Ronaldo Almeida
www.ronaldoalmeidafotografia.com
Design e editoração eletrônica
Negrito Produção Editorial
Produção de ebook
S2 Books
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
Bibliotecária Juliana Farias Motta (crb 7-5880)
Vidal, Nara
Lugar comum / Nara Vidal. – São Paulo: Pasavento, 2015.
216 p.; 14 x 21 cm.
isbn 78-85-68222-06-5
1. Literatura brasileira. 2. Contos brasileiros. 3. Ficção brasileira. i. Título.
v648l cdd b869.8
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura brasileira 2. Contos brasileiros 3. Ficção brasileira
Todos os direitos desta edição reservados à:
Editora Pasavento
www.pasavento.com.br
Para Laura, Marcela, Amelie, Louis e Beatriz
que são um lugar em comum de três.
Para a minha mãe (em memória)
e para o meu pai.
"Vivemos longe de nós, em distante fingimento. Desaparecemo-nos.
Por que nos preferimos nessa escuridão interior?
Talvez porque o escuro junta as coisas, costura os fios do disperso. No aconchego da noite, o impossível ganha a suposição do visível.
Nessa ilusão descansam os nossos fantasmas."
Mia Couto, Cada homem é uma raça
Os quintais de Nara
o
Ler este livro, no mínimo, vai deixar o leitor sem saber em que dia está; aqui, nestas páginas, todo dia é sábado e domingo, como na casa dos avós de Nara. E quando o leitor se vir no quintal da casa, na pequena Guarani, no interior de Minas Gerais, sentado no táxi feito com uma escada de madeira deitada sobre tijolos, não vai querer descer mais desse passeio pelas histórias dessa mineira que não via a hora de sair pelo mundo, desde criança. E um dia saiu. E com ela estão surgindo os seus livros. Logo vamos descobrir que era inevitável tal destino.
Assim como acontecia na infância de Nara, na casa de sua avó, com seus primos que chegavam, feito torneira aberta
, estas crônicas e contos jorram com sabor de tempos bons e inesquecíveis, como quando todos os chocolates na venda eram a grande preocupação da menina durante a maior e assustadora enchente na cidade. O rio subindo, subindo sem parar, transbordando, engolindo quintais, ruas, quase invadindo o estoque de doces na venda do Zé Teixeira.
O progresso falha, mas as estrelas resistem
. A tecnologia, os aplicativos, as redes sociais, falham, mas as recordações não se apagam no céu infinito da memória de Nara, até aquela da notícia sobre o fim do mundo, no rádio, que tanto assustou a menina que não teve coragem de abrir os olhos ao acordar de manhã. Mas o mundo não acabou naquela vez, ela cresceu, atravessou o oceano e agora está em Londres. E levou na bagagem lembranças embaralhadas, coisa de infância bem vivida que se misturou com um punhado de sonhos
. Poesia, contos e crônicas. Era a sua fortuna
. E parte desta riqueza está aqui neste livro.
E lá no outro lado do mundo, casada, durante uma tempestade de verão, testemunhou na janela de casa, com os rostos se iluminando com os relâmpagos, a filha pequena de mãos dadas com o pai, encantada e assustada com a chuva que desabava sobre a cidade, construindo uma lembrança, e que é bem assim que vamos fazendo a vida
.
Lembranças de casas, lugares, pessoas, vizinhos, gente com muito amor esparramado e uma generosidade que caía que nem manga madura do pé. Era de graça. Era pra quem quisesse pegar.
E a pequena Nara pegava, e guardava esses bons momentos que agora se esparramam pelo livro, que basta virar a primeira página para começar a pegar.
Um livro tal qual um pé de fruta madura, em tardes de sol, no quintal, sem mais nada para fazer senão saborear lembranças e um olhar sincero, delicado, poético, de uma menina que cresceu inconformada que no novo terreno agregado ao fundo da casa cresciam espinafres, salsa e cebolinha, e não a piscina tão desejada.
Que gosto tem a vida?
, pergunta Nara em algum lugar do livro e começa a listar: de pipoca, queijinho, de curativo, beabá, bolo, brinquedos. Leite com mamão, pizza, flores. Tricôs e bordados. Caramujo com manteiga. Balas. Salsa e cebolinha do quintal. Uma música. Penteados, bailes. O primeiro beijo.
Que gosto tem esse livro? O gosto de vida.
Alonso Alvarez
Sumário
o
Capa
Folha de rosto
Créditos
Dedicatória
Os quintais de Nara
1979 Tempestade
A louca do parque
Festa Junina
Estreito de Dover
Caduquice
Noite feliz
A morte
Chinelo
O táxi
Adèle
Mosquito
Os olhos verdes da Fernanda
Mesa posta
O primeiro beijo
Canal da Mancha
A vista da torre
A casa
4 de julho
Otimismo
O maior caso de amor do mundo
Prestígio
O dinheiro e o amor
Enrolado
Lugar comum
Marieta
Campos de lavanda
Desordem
O fim
Porta
Partícula
Procura-se amigo com piscina
La dolce vita (Dolce fa quase niente!)
Terça-feira de carnaval
Excursão
Alimento para sonhar
Cidade flutuante
Iniciação
José Vieira de Souza
O pão nosso de cada dia
Frango assado e sacolinha
Dominó
Antigamente
Problema
Com açúcar e com afeto
Damas e cavalheiros
O sonho da padaria
Paixão
Pureza
Lactário
Papel
Tesoura na janela
Viver de arte
Outono
Férias de verão
A figueira
Avião
Arte
O pirata e o monstro
O Pão de Açúcar
Sessenta e quatro
Pardal
Ms Lewis
Paletó de madeira
Vida de escritor
Figurino
Pilipirtas Blotícias
Meu pai
A mineirinha
Jane L. Marsh
Em praça pública
Sá Onça
Hello
Zora Ionara
Borboletas
Para a calma
No meio
A notícia
A caminho
Transparência
A leitura
Por pouco
1979 Tempestade
o
Toró
. Desde menina achava a palavra feia. Parecia palavra de feitiço ruim. Quando a tia gritava da cozinha que ia cair um toró danado era apreensão na certa. Enroscava os braços e ia ajudar a fechar as janelas, depois as tramelas de ferro, dignas da porta do céu. Não tinha cortinas na casa. Seguia com as tias e a avó para a gaveta de lençóis. As de enxoval ficavam no fundo, amparados por naftalina, esperança ou memória. Os panos mais velhos cobriam os espelhos. Um raio pode cair no reflexo e partir tudo!
Superstição pairava na casa tanto quanto fé e amor. Tudo era possível com Deus, mas não custava varrer a casa depois de um passarinho perdido entrar. Notícia ruim se espantava com a vassoura e bom bocado de fé.
O toró se formava com um pisca-pisca lá fora. Trovões indicavam a brabeza de Deus. Quem manda chuva é São Pedro. Deus não tem nada com isso!
falava um especialista lá da cozinha. Tv em preto e branco desligada. Rádio desligado. Geladeira fora da tomada. Lá na rua começava a tempestade. Não que a menina pudesse vê-la. Mas entrava na casa velha o melhor cheiro do mundo. O cheiro quente da chuva morna naquela terra sua. Se o cheiro era bom com a janela fechada, imagina se não houvesse a preocupação em molhar as tábuas do chão lustradas com esmero pela Tonha?
Não se formam grandes torós pelas bandas de cá, mas a qualquer chuvisco, ela corre para abrir a janela. O cheiro não vem, mas como os lençóis do enxoval, vêm a memória e a esperança. Afinal, os olhos de uma criança que sonha não têm tamanho. No ouvido cabe o infinito.
A louca do parque
o
Mãe! Fui promovida! Mãe! Fui promovida por puro mérito. Mãe, que orgulho, hein?
Não que fosse louca, mas a mania de falar sozinha pelo parque afora tornava-se lentamente um hábito.
Às vezes chegava a chorar pensando na emoção que a mãe sentiria se vivesse o mérito da filha. Precisava muito parar de carregar a mãe consigo. Andava pesada demais, doente. Tantos problemas. Mas o que pesava mesmo na mãe era a vontade louca de viver a vida que não tinha mais. As costas começaram a entortar. Sozinha, passou a dialogar com hipóteses. Mas era tudo normal. Vivia relembrando o passado, o bom, o ruim. Refazia passos dados. Pisava firme naqueles que antes cambaleara. Flutuava sobre aqueles que antes batera o pé em teimosia. Cuidava dos filhos. Fazia questão de preparar comida fresca, trancar as janelas antes de sair, fechar a porta duas vezes.
Mas dava dezesseis passos e adentrava o parque. O planalto da sua insensatez, dos seus surtos. Era seguro cometer loucuras ali em cenário bucólico, de famílias felizes feito a sua, quando ainda tinha paciência. O espaço vasto e sem esquinas do parque libertava sua amargura, seu inconformismo e sua raiva.
Mostrar pra quem seu feito? Mãe, você se orgulharia demais!
Era impossível colocar rédeas nos cavalos fortes e cegos da