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O diário de Roziane Jordão: Das Portas da Maternidade para o Auditório da Universidade
O diário de Roziane Jordão: Das Portas da Maternidade para o Auditório da Universidade
O diário de Roziane Jordão: Das Portas da Maternidade para o Auditório da Universidade
E-book209 páginas2 horas

O diário de Roziane Jordão: Das Portas da Maternidade para o Auditório da Universidade

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Sobre este e-book

Quem, em sã consciência e em perfeito uso de suas faculdades mentais, escreveria religiosamente um diário neste século XXI? Isso mesmo, Roziane Jordão. Antes de iniciar a leitura, concentre-se no fato de que estamos diante dos detalhes corriqueiros do cotidiano nada comum de uma garota comum, deslocada no tempo e no espaço, incompreendida e cuja principal via de interlocução sensata é o lápis e o papel de um caderno meio gasto que fora usado como material escolar no ano anterior. Os anos letivos tinham dessas consolações, gastavam um caderno inteiro e o outro sempre ficava pela metade. E foi de metade em metade, de rabisco em rabisco que se fez este livro.
Para além das crônicas pueris, baseadas em arroubos das paixões adolescentes, há também o registro minucioso das renúncias e desafios da mulher adulta, conciliando os mais diversos papéis sociais, profissionais e afetivos, sobretudo, no ápice da pandemia mundial do novo coronavírus.
Uma curiosidade sobre este livro é que ele foi gestado durante quatro anos, que é o tempo em que a autora escreveu também uma Tese de doutoramento. Conforme podemos constatar no seguinte trecho da obra: "Na Tese, precisei ser técnica e objetiva, escrevendo um material científico, passivo de ser consagrado por meus pares e aprovado por uma banca examinadora crítica e eficiente; aqui, você tem o melhor de mim, a minha subjetividade, meu riso, meu pranto"!
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento12 de dez. de 2022
ISBN9786525432830
O diário de Roziane Jordão: Das Portas da Maternidade para o Auditório da Universidade

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    O diário de Roziane Jordão - Roziane Jordão

    Dedicatória

    Dedico este Diário aos sobreviventes da pandemia mundial do novo Coronavírus.

    "Se há um livro que você quer ler, mas não foi escrito ainda,

    então você deve escrevê-lo."

    Toni Morrison

    Prefácio

    Escrever é desvendar-se: um ato de coragem.

    Sempre que sou convidada para escrever o Prefácio de algum livro, faço, primeiramente, algumas reflexões. Uma dessas reflexões recai sempre sobre a pergunta: Por que eu? Algumas vezes eu até entendo, outras, nem tanto. Se fui orientadora, se faço parte do grupo de pesquisa, tudo bem. Devo ter algum domínio do assunto, conhecer o tema, o escritor ou escritora.

    Quando recebi o convite da Roziane, foi inevitável pensar que se tratava de sua dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Mas eu não fui sua orientadora, não participávamos do mesmo grupo de pesquisa... A Roziane havia sido minha aluna na disciplina Pluralidade Cultural e Linguagem, oferecida no Mestrado em Letras e eu havia participado como membro interno de sua banca de defesa do Mestrado. Lembro que o tema era sobre a inserção social e cultural das mulheres imigrantes haitianas na capital de Rondônia e que o trabalho estava muito bom e, ainda, que a apresentação oral foi perfeita, assim como me encantou sua apresentação no Seminário Final da minha disciplina. Os slides eram bem elaborados e ela demonstrava muito domínio da tecnologia e do conteúdo. Durante a minha disciplina, ela se manteve discreta e, algumas vezes, até ausente. Só agora entendi o porquê. Lendo seu livro, descobri que ela estava gestante e que, inclusive, gozava de licença maternidade durante o oferecimento da disciplina. Vejam como ela conta:

    Para as aulas, eu tinha voltado após os primeiros quarenta dias do parto! Não utilizei a licença maternidade de que tinha direito. As professoras ficaram impressionadas com a velocidade do meu retorno, os professores, grande parte, sequer notaram que eu havia parido. Acontece! Às vezes, parece que o ser humano, em sua versão masculina, vem com um defeito de fabricação que o impede de ser sensível às condições do universo feminino. Ser mãe não te limita, te amplia!

    Que lição! Foi isso mesmo que aconteceu. E, eu, mesmo sendo uma das professoras que ficou impressionada com o rápido retorno, jamais poderia imaginar tamanho esforço e grandiosidade.

    No e-mail/convite que recebi, Roziane dizia:

    Querida Professora Nair, tudo bem? Espero e faço preces para que a senhora esteja bem! Escrevo esta mensagem para fazer um convite muito especial. Acabei de fechar, no início deste mês de fevereiro, um contrato com a Editora para fins de publicar o meu primeiro livro autoral O Diário de Roziane Jordão, que se pretende uma espécie de autobiografia a partir de memórias afetivas/poéticas. Uma parte substancial do livro está voltada para as experiências que tive ao conciliar os estudos e a profissão com a maternidade. Diante disso, considerando o carinho, o respeito e a admiração que tenho para com a sra., tenho a imensa honra de convidá-la para prefaciar meu livro que está com lançamento previsto para o fim deste semestre. Entendo que a sra. é muito ocupada com as várias atribuições e papéis que desempenha, no entanto, caso encontre um tempinho em sua agenda para ler meu manuscrito original e considerar meu convite, ficarei muito feliz. Respeitosamente, Roziane Jordão.

    Bem, eu não precisava mais entender o porquê do convite. Ela mesma acabava de explicar. E eu acreditei. Vou explicar: Há pouco mais de um ano, meu esposo faleceu, vítima da COVID-19, e eu recebi muitas mensagens de apoio e afeto na ocasião. Uma das mensagens que me chamou a atenção foi justamente a que me foi enviada pela ex-aluna Roziane. Além das palavras carinhosas, ela me dedicava uma canção tocada e cantada por ela. Como me emocionei.... Pensei: o que faz uma pessoa que conheço tão pouco enviar uma mensagem dessas, capaz de calar no fundo do meu coração e acalmar minha alma sofrida com a partida de meu amado para outra dimensão? Agora eu sei. Roziane é, mesmo intrafisicamente, um anjo amparador. Desses que, por vivenciar momentos felizes ou difíceis na vida, conhece as dores alheias e exerce a empatia como forma de bálsamo reconfortante. Obrigada, Roziane! É uma honra poder retribuir seu carinho.

    Mas, Quem é Roziane Jordão na fila do pão?. Deixemos ela mesma contar:

    Além de autora deste livro e sobrevivente de uma pandemia mundial de vírus mortal, sou também Licenciada e Mestra em Letras, bem como Doutora em Antropologia Social, sou Mulher.... Padeço as dores e saboreio as delícias de ser quem sou. Gosto de preparar sobremesas e bolos decorativos, pintar painéis e de tocar partituras clássicas no órgão eletrônico. [...] Até agora, gestei e pari dois filhos biológicos, um Trabalho de Conclusão de Curso, uma Dissertação de Mestrado, uma Tese de Doutoramento, este livro autobiográfico e uma porção de artigos científicos! Tenho sei lá quantos poemas engavetados e cadernos rabiscados. [...] Permeio universos conflituosos e habito ambientes que foram socialmente construídos para excluírem-se mutuamente, como por exemplo: maternidade e pesquisa científica, religião cristã e feminismo, casamento hetero e liberdade. Sou agente de relações que foram criadas socialmente para serem dicotômicas, mas vivo tecendo meios de conciliação, de continuidades e descontinuidades entre esses espaços e instituições e quem eu era, quem sou e quem pretendo ser.

    Nessa breve apresentação que recorto do seu livro, já dá para imaginar que conheceremos uma Roziane para além da fila do pão. Pois bem, a autora deste despretensioso diário é grande! E eu não estou falando de grandezas físicas, materiais. Falo de uma ruma (como ela gosta de dizer) de qualidades, de força de vontade, de persistência, de temperança, de amor... muito amor.

    O livro está dividido em três partes, porém eu o li como um todo e de um fôlego só; não consegui parar até chegar à última página. São exatas 137 em PDF.

    Até a página 40 do seu Querido Diário, a menina zinha que começa cheia de reticências, passa pela primavera, chega à aurora e encontra um companheiro para chamar de seu. Depois, seu mundo desaba e ela nos mostra suas feridas e cicatrizes.

    Na sequência, temos um longo percurso que vai da porta da maternidade para o auditório da Universidade, com direito a fogos de artifício e uma belíssima reflexão: a sabedoria é mulher, a inteligência é mulher e a resiliência é mulher preta. Reafirma: eu sei, eu posso sentir...

    Com as experiências adquiridas, nossa autora aprende a dançar no baile de máscaras, torna-se uma professora muito senhora de si, sofre afetos e afetações, porém encontra-se como uma tábua flutuando no naufrágio, mulheres sendo mulheres. Nas paredes da memória, relembra coisa de menina preta e, de vento em popa, proclama: decisões e bebidas foram feitas para serem tomadas. Os dias são de luta: ela ganhou um sobrinho e perdeu o pouco juízo que lhe restava. Pensam que acabou? Que nada! Nossa heroína vive um filme de terror na Transamazônica, revive o Haiti que a habita e vê gente morta o tempo todo, mas sabe que não está só, embora viva perigosamente. Mesmo sabendo que ninguém está obrigado a dar conta de tudo o tempo todo, Roziane sabe que a vida para ser vivida precisa estar envolvida com outras vidas. Ela é a LENDA!

    As muitas estórias que vocês irão ler são recheadas de intertextualidades, fruto da leitora assídua que Roziane demonstra ter sido. Vejam este trecho:

    Uma vez fui punida por excesso de reticências e como consequência disso acabei encontrando maior êxtase nos pontinhos proibidos, eles me lembram o olhar de Capitu sob a ótica de Bentinho, as aulas de piano da sra. Ema Bovary, a desflorada Diná e a fúria dos irmãos, a beleza de Abgail. Lembram também a insolente Teresa Tadeu de Albuquerque, o ato corajoso de Mariana ao lançar-se sobre o corpo de Simão, a astúcia de Rute e da sogra para angariar os favores de Boaz e, sobretudo, lembram-me as operárias do solene oito de março.

    Porque só quem leu muito é capaz de escrever bem e escrever bem não é escrever certo. Certo? Escrever bem é saber conquistar o leitor logo nas primeiras páginas, é abrir as portas e as janelas da sua experiência, porque escrever é desvendar o mundo, é inscrever-se nele e é, sobretudo, desvendar-se, mostrar-se. Isso é um ato de muita coragem.

    O que mais me chama a atenção no texto da autora é que ela grita suas angústias, suas lutas, seus sofrimentos sem ferir ninguém. É religiosa, é feminista, é livre, é resiliente, porque é mulher, preta, mãe, esposa, filha, neta, sobrinha, irmã, amiga, professora, aluna. Vi muita generosidade, sororidade e empatia no seu diário. A passagem, a seguir é um exemplo:

    É preciso muita coragem para entrar no baile sem máscaras! Aqueles que se acham os donos da festa, ditam quais performances são mais ou menos apropriadas para usarmos em lugares estes ou aqueles. Destoar dos padrões estabelecidos é uma afronta cujas retaliações são sentidas por nós mesmas, na pele, nas faces, no útero, nas cicatrizes e em toda a extensão dos corpos que são nossos e apenas nossos! Mas depois que a gente aprende que os muros simbólicos podem dar lugar a pontes físicas, destoar dos padrões passa a ser um exercício inebriante, uma prática rotineira e prazerosa.

    Sobre a religiosidade de Roziane, eis a lição:

    Muitos amigos já me perguntaram algo sobre fé, uns para saber sobre aspectos comportamentais (vestimenta, aparência...), outros interessados em saber se participo de alguma sociedade secreta, uma vez que, exceto quando me perguntam, nunca falo sobre a minha religião. Vivemos um período de ridicularização dos grupos religiosos. É difícil saber se as igrejas são templos de fé ou negócio com finalidade lucrativa e enriquecimento fácil para os líderes. Isso, sem mencionar os teatros e encenações de cura para a carne sem qualquer compromisso espiritual. Outra situação comprometedora é o envolvimento de pessoas influentes em alguns grupos religiosos na política partidária. Uma lista interminável de excessos e hipocrisias. Tem se tornado comum usar o texto sagrado para justificar posicionamentos conflituosos.

    A respeito do feminismo explícito de Roziane e de sua consequente sororidade, cito a seguinte passagem: As mulheres precisam umas das outras, não somos inimigas originais, como fomos ensinadas durante séculos, somos rede de apoio e parcerias. Roziane fala sobre aborto, estupro e outros temas polêmicos com muita naturalidade e, sobretudo, com propriedade.

    [...] essa moral, suposta e imposta, está cravada na consciência condenando ferozmente o aborto, mas essa mesma moral vira o rosto e suspira quando vê aquele bando de pivetes no sinal pedindo moedas numa tentativa desesperada de sobreviver. Ninguém é a favor do aborto! Eu não sou, você não é, as bravas mulheres que lutam em prol da causa feminista também não são, pode apostar! Não é parte do plano sair por aí matando vidas indefesas; o plano maior seria que todas as mulheres não necessitassem, nunca, de recorrer a uma prática tão fatal, de forma clandestina e perigosa para aquelas que não dispõe de recursos materiais para custear um procedimento de qualidade.

    Mas, então, querida autora: É possível ser cristã e compartilhar de ideias feministas? Foi isso que perguntaram a ela, que respondeu: é possível para uma mulher ser o que ela quiser sem necessidade alguma de prestar explicações a quem quer que seja. Viram? Isso é esclarecimento, lucidez, liberdade.

    Tem mais, sim. Sobre escravidão, aula de história que não aprendemos na escola:

    Precisamos falar sobre isso para deixar bem explícito que a nossa liberdade não é fruto da suposta bondade de uma princesinha colonial como insistem os livros didáticos, a nossa liberdade é a nossa luta! A nossa luta é a nossa liberdade! Há 130 anos, no Brasil, as pessoas negras eram vendidas na feira. Há míseros 130 anos! Há 86 anos, as mulheres não podiam votar! Praticamente ontem, há 33 anos, as pessoas que discordavam do regime eram torturadas até a morte e noticiadas como desaparecidas...

    Quanta coragem! É preciso saber sair do aconchego do casulo para viver a metamorfose, aprender a voar. Você diz que tem medo das manhãs que virão, mas como sou amante do sol, vivo em Porto Velho onde tem um sol para cada habitante, não posso sucumbir à escuridão. Não sucumbirá. Tenho certeza. Você é luz, responsável por iluminar muitos caminhos.

    Oh, quer saber? Eu também tenho um diário. Comecei há pouco tempo, inspirada nos hábitos de escrita do amor da minha vida: meu esposo. Ele também escrevia diariamente, embora não denominasse esse costume de diário. Nossa memória não dá conta de guardar tudo que vivenciamos e escrever é bom, um excelente exercício.

    De certa forma, sempre estimulei meus alunos a escreverem partindo de alguma coisa bem próxima, quase um diário. Pedia, por exemplo, para eles escreverem: Meu dia (contar como foi aquele dia desde a hora que acordou até a hora de dormir); quem sou eu? (é muito difícil falar de si próprio, mas quando encontramos uma oportunidade, soltamos as amarras); tenho medo de quê? (e quem não possui algum?) e outros temas que não demandam um processo argumentativo no primeiro momento. Sempre fazia isso respaldada por um livro de literatura e dando um tempo para a elaboração da escrita. Recebi tantas coisas bonitas! Li muitos depoimentos chocantes e conheci muitos mundos diferentes do meu. Ri bastante também. As pessoas possuem bom humor, tem coisas engraçadas para contar, sofrimentos e dores que gostariam de repartir. E nós só precisamos estimular e aprender a ler seus textos como leitores e não como professores. Lá, conheci estórias de estupros, ódio à mãe, toda espécie de bullyings, medos inusitados (descobri que os homens têm medo de baratas e que alguns têm medo de gente). Foram textos escritos

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