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Conflitos socioambientais: uma abordagem interdisciplinar
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Conflitos socioambientais: uma abordagem interdisciplinar
E-book269 páginas3 horas

Conflitos socioambientais: uma abordagem interdisciplinar

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Sobre este e-book

O livro Conflitos socioambientais: uma abordagem interdisciplinar objetiva contribuir para o debate sobre algumas das questões socioambientais da atualidade, a partir de diversas abordagens disciplinares. A grande preocupação está não só em provocar discussão na academia junto a professores e alunos, mas também junto a todos aqueles que buscam se conscientizar quanto à gravidade da crise ambiental e acerca da importância de nos mobilizarmos para enfrentá-la, com a urgência e a energia que ela exige.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de dez. de 2022
ISBN9788528306699
Conflitos socioambientais: uma abordagem interdisciplinar

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    Conflitos socioambientais - EDUC – Editora da PUC-SP

    Capa do livroBrasão da PUC-SP

    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    Reitora: Maria Amalia Pie Abib Andery

    Editora da PUC-SP

    Direção

    Thiago Pacheco Ferreira

    Conselho Editorial

    Maria Amalia Pie Abib Andery (Presidente)

    Carla Teresa Martins Romar

    Ivo Assad Ibri

    José Agnaldo Gomes

    José Rodolpho Perazzolo

    Lucia Maria Machado Bógus

    Maria Elizabeth Bianconcini Trindade Morato Pinto de Almeida

    Rosa Maria Marques

    Saddo Ag Almouloud

    Thiago Pacheco Ferreira (Diretor da Educ)

    Frontispício

    © 2022. Dulce Maria Tourinho Baptista e outras. Foi feito o depósito legal.

    Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP

    Conflitos socioambientais : uma abordagem interdisciplinar / Dulce Maria Tourinho Baptista; Lucia Helena Rangel; Marijane Vieira Lisboa, orgs. / São Paulo : EDUC: PIPEq, 2022.

        Bibliografia

        1. Recurso on-line: ePub

        ISBN 978-85-283-0669-9

    Disponível para ler em: todas as mídias eletrônicas.

    Acesso restrito: http://pucsp.br/educ

    CDD 363.70981

    338.981611

    344.046

    Bibliotecária: Carmen Prates Valls – CRB 8A./556

    EDUC – Editora da PUC-SP

    Direção

    Thiago Pacheco Ferreira

    Produção Editorial

    Sonia Montone

    Revisão

    Simone Cere

    Editoração Eletrônica

    Gabriel Moraes

    Waldir Alves

    Capa

    Gabriel Moraes

    Imagem: Jorge Guillen por Pixabay

    Administração e Vendas

    Ronaldo Decicino

    Produção do e-book

    Waldir Alves

    Rua Monte Alegre, 984 – sala S16

    CEP 05014-901 – São Paulo – SP

    Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558

    E-mail: educ@pucsp.br – Site: www.pucsp.br/educ

    Apresentação

    O livro Conflitos socioambientais: uma abordagem interdisciplinar objetiva contribuir, por meio dos artigos nele reunidos, para o debate sobre algumas das questões socioambientais da atualidade, a partir de diversas abordagens disciplinares. A grande preocupação está não só em provocar discussão na academia junto a professores e alunos, mas também junto a todos aqueles que buscam se conscientizar quanto à gravidade da crise ambiental e acerca da importância de nos mobilizarmos para enfrentá-la, com a urgência e a energia que ela exige.

    A coletânea reúne diferentes reflexões que professores do Curso de Ciências Socioambientais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) têm desenvolvido desde a sua criação, em diálogo entre si e com ativistas, operadores do Direito e pesquisadores da questão socioambiental no Brasil e no exterior, convidados a participar desta publicação.

    Devido a esse caráter multidisciplinar, o livro reúne artigos de professores da PUC-SP de diversas áreas de conhecimento: Dulce Maria Tourinho Baptista, da Sociologia; Lucia Helena Rangel e Mariza Werneck, da Antropologia; Marijane Vieira Lisboa, da História; Leslie D. Beloque, da Economia; Maria da Conceição Golobovante, da Comunicação (Publicidade, Multimeios e Jornalismo); Elaini Cristina Gonzaga da Silva, das Relações Internacionais; André Gustavo de Almeida Geraldes, do Direito; e Julianna Malerba, cientista social, membro da rede brasileira de justiça ambiental e também assessora da ONG Fase – todos estes atualmente atuando em nosso curso. Como convidados participantes da área de Ciências Socioambientais externos à PUC temos: o ex-professor de Antropologia da PUC Rinaldo Vieira Arruda, atualmente membro da ONG indigenista Operação Amazônia Nativa (Opan); e Cecília Carrizo, pesquisadora e professora da Universidad Nacional de Córdoba (UNC), e Maurício Berger, da Universidad Nacional de Rio Negro (UNRN), ambos importantes interlocutores no trabalho de acompanhamento aos movimentos de justiça ambiental na Argentina. Fábio Takeshi Ishisaki, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (Procam/USP) em Gestão e Tecnologias Ambientais, escreveu, juntamente com o professor André Giraldes, o artigo sobre litigância climática. A professora Tereza Cristina Carvalho, da Escola Politécnica da USP, junto com Conceição Golobovante, elaborou o artigo A percepção socioambiental dos catadores autônomos do Dique da Vila Gilda em Santos-SP: aprendizados locais para um problema global.

    As questões ambientais abordadas nos artigos aqui reunidos examinam suas causas sociais e discutem suas possíveis soluções a partir de uma perspectiva das ciências humanas e sociais. No plano do Direito e das relações internacionais, analisando a litigância em mudanças climáticas, André Gustavo de Almeida Geraldes e Fábio Takeshi Ishisaki trazem o artigo Litigância climática: breves considerações sobre a realidade brasileira e internacional. Elaini Cristina Gonzaga da Silva analisa a reprodução das desigualdades ambientais no sistema internacional em "Estrutura do sistema internacional e forum shopping em conflitos socioambientais".

    Numa análise sociológica dos conflitos e do ativismo social em áreas poluídas e sujeitas a riscos de nossas cidades, temos o artigo A percepção socioambiental dos catadores autônomos do Dique da Vila Gilda em Santos-SP, de Maria da Conceição Golobovante e Tereza Cristina Melo de Brito Carvalho; e o artigo Riscos e Desastres Ambientais nos Centros Urbanos, de Dulce Maria Tourinho Baptista. Os conflitos em torno da posse da terra por populações tradicionais e povos indígenas no Brasil e na Argentina são assunto dos artigos de Juliana Malerba – Mobilidade e ordenamento fundiário: a importância da destinação coletiva de terras para a reprodução social e a segurança alimentar no PAE Lago Grande (PA) – e de Lucia Helena Rangel – Povos indígenas, territorialidades, economias e direitos: resistências e persistências.

    Os pesquisadores argentinos Cecília Carrizo e Maurício Berger, em Hacia la constitución de un sistema precautorio. Aportes para la protección de derechos frente a la promoción de nuevas tecnologías, discutem a importância da inclusão do Princípio Precautório nos sistemas regulatórios técnico-científicos que tratam com direitos e bens comuns. Compõem ainda esta coletânea artigos que pretendem mostrar como a natureza é fonte não só de teoria, mas de inspiração estética e filosófica, como no texto de Mariza Werneck, Claude Lévi-Strauss, ambientalista, e também em Crônicas da Floresta: A Sucuri. Não era dia da onça beber água. Como é o nome disso na sua língua?, de autoria de Rinaldo Sérgio Vieira Arruda.

    Finalmente, o último artigo, de Leslie D. Beloque e Marijane Vieira Lisboa, discute as questões políticas, teóricas e práticas referentes à busca de alternativas para um futuro sustentável, evidenciando a contradição inquestionável entre as limitações físicas do Planeta e o ideal econômico de um eterno crescimento.

    Infelizmente, os resultados bastante insatisfatórios da 27ª reunião da Convenção de Mudanças Climáticas em novembro de 2022 no Egito, ao lado das catástrofes ambientais ocorridas em tantas partes do mundo e no Brasil e a intensificação dos conflitos fundiários em nosso País envolvendo comunidades tradicionais, povos indígenas, desmatadores, mineradores ilegais e grileiros, evidenciam que a humanidade necessita reavaliar seus objetivos e instrumentos políticos de modo a evitar o colapso ambiental que se aproxima. A situação que vivemos hoje mostra a urgência de serem desencadeadas reflexões como as que foram desenvolvidas nesse livro.

    Dulce Maria Tourinho Baptista

    Lucia Helena Rangel

    Marijane Vieira Lisboa

    Organizadoras

    Sumário

    Litigância climática: breves considerações sobre a realidade brasileira e internacional

    André Gustavo de Almeida Geraldes

    Fábio Takeshi Ishisaki

    Estrutura do sistema internacional e forum shopping em conflitos socioambientais

    Elaini Cristina Gonzaga da Silva

    A percepção socioambiental dos catadores autônomos do dique da Vila Gilda em Santos-SP: aprendizados locais para um problema global

    Maria da Conceição Golobovante

    Tereza Cristina Melo de Brito Carvalho

    Riscos e desastres ambientais nos centros urbanos

    Dulce Maria Tourinho Baptista

    Mobilidade e ordenamento fundiário: a importância da destinação coletiva de terras para a reprodução social e a segurança alimentar no PAE Lago Grande (PA)

    Julianna Malerba

    Povos indígenas: territorialidades, economias e direitos, resistências e persistências

    Lucia Helena Rangel

    Hacia la constitución de un sistema precautorio. Aportes para la protección de derechos frente a la promoción de nuevas tecnologías

    Cecilia Carrizo Mauricio Berger

    Claude Lévi-Strauss, ambientalista

    Mariza Werneck

    Crônicas da Floresta: A Sucuri. Não era dia da onça beber água. Como é o nome na sua língua?

    Rinaldo Sérgio Vieira Arruda

    A utopia impossível do eterno crescimento

    Leslie Denise Beloque

    Marijane Vieira Lisboa

    Litigância climática: breves considerações sobre a realidade brasileira e internacional

    André Gustavo de Almeida Geraldes

    ¹

    Fábio Takeshi Ishisaki

    ²

    Introdução

    As questões envolvendo as mudanças do clima vêm há décadas afligindo a sociedade global. Antes comumente conhecidas simplesmente como aquecimento global, as mudanças do clima vão além do aquecimento, incluindo fenômenos extremos, tais como frio intenso, calor escaldante e seca severa. Como problema mundial, o combate às mudanças do clima vem sendo debatido e desenvolvido desde 1992, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), quando, na Rio 92, houve a criação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC, em inglês).

    Nesse contexto, desde 1995 é realizada anualmente a Conferência das Partes (COPs, em inglês), encontro internacional que congrega a maioria dos países e que é local de intensas negociações e entendimentos entre os líderes mundiais sobre a questão climática. Dois grandes marcos na tentativa de combate às mudanças do clima foram formalizados na COP 3 (Quioto/Japão, 1997) e na COP 21 (Paris/França, 2015), nas quais tivemos, respectivamente, o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris.

    Ainda sem avanços efetivos ou queda nos extremos climáticos (especialmente aumento da temperatura do Planeta Terra), entidades e organizações civis têm se movimentado para agir diante da emergência climática, que já produz os seus efeitos no dia a dia das pessoas. Uma dessas iniciativas é a litigância, meio de combate aos efeitos adversos do ser humano no clima global e também meio de tentativa de efetivação de medidas governamentais e empresariais.

    Assim, adiante será pormenorizado cada ponto para uma melhor compreensão da temática.

    O que é litigância?

    A litigância é, em termos gerais, o ato de litigar, de se desenvolver uma discussão/disputa via ação judicial. Assim, litigar nada mais é do que protocolar uma ação judicial e acompanhá-la, prestando as informações cabíveis, a fim de garantir um direito e/ou dever. É, pois, buscar no Poder Judiciário a salvaguarda de direitos, deveres, obrigações. Pode-se solicitar, por exemplo, a efetivação de uma política pública, a suspensão dos efeitos de determinada norma jurídica, ou mesmo a garantia de um direito que está sendo violado.

    Como parte legítima para propor uma ação judicial dessa natureza, há pessoas físicas, jurídicas, associações, entidades, organizações, Ministério Público, dentre outros garantidores do cumprimento das leis e dos preceitos constitucionais, que tenham competência para tanto, seja via norma (ex.: Lei 7.347/1985 – Lei da Ação Civil Pública) ou via direito seu que tenha sido violado.

    O que é litigância climática?

    Como visto, a litigância é a busca no Judiciário pela garantia e efetivação dos direitos da cidadania. Com tal conceituação, é possível destrinchar o que seria a litigância climática.

    Basicamente, apesar de não haver ainda segmentação clara na doutrina e jurisprudência brasileira, a litigância climática pode ser entendida como o litígio que envolve questões diretamente relacionadas com as mudanças do clima. Tais questões podem abranger políticas públicas anunciadas pela administração pública, normas que tragam medidas possíveis para o combate às mudanças do clima ou mesmo o (des)cumprimento de metas/acordos/compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

    Moreira et al. buscaram definir o que seria litigância climática, estabelecendo ser um

    [...] conjunto de ações, de caráter judicial, administrativo ou extrajudicial, relacionadas direta ou indiretamente às mudanças climáticas, e que se desdobram nos seguintes níveis:

    (i) casos em que as mudanças climáticas constituem a questão central a ser analisada, figurando como o fundamento principal e expresso da ação (os fatos e argumentos jurídicos são articulados de forma a endereçar direta e especificamente a questão climática); (ii) casos em que as mudanças climáticas figuram explicitamente como um dos fundamentos discutidos, sendo articuladas, no entanto, em conjunto com outros argumentos ambientais e/ou técnicos não associados diretamente à questão; (iii) casos em que as mudanças climáticas não são mencionadas explicitamente, mas que têm claras implicações para a regulação climática de forma mais ampla. (Moreira et al., 2021)

    Diferenciam, também, a litigância climática da justiça climática, sendo que a segunda se foca no reconhecimento de que os impactos das mudanças climáticas atingem diferentes grupos sociais de forma e intensidade diversos (ibid.).

    Para a Conectas Direitos Humanos, os litígios climáticos funcionam

    [...] como uma maneira de provocar o Poder Judiciário a cobrar e auxiliar o Poder Executivo na execução de medidas de combate às mudanças climáticas e o Poder Legislativo na elaboração e revisão de marcos normativos climáticos. Por fim, o litígio climático também pode funcionar como um indutor de mudanças nos setores privados e empresariais. (Conectas, 2019)

    Assim, podem ser entendidos como ações judiciais que requerem do Poder Judiciário ou de instâncias administrativas decisões que expressamente abordem questões, fatos ou normas jurídicas relacionadas, em sua essência, às causas ou aos impactos das mudanças climáticas (ibid.). Interessante observar também que os litígios climáticos podem ser divididos em duas categorias: de mitigação (exigir do Poder Público a implementação de medidas) e de perdas e danos (responsabilização civil de emissores ou governos).

    O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) trouxe o seguinte entendimento:

    Os litígios climáticos podem ser entendidos, em geral, como ações judiciais que requerem do Poder Judiciário ou de instâncias administrativas decisões que expressamente abordem questões, fatos ou normas jurídicas relacionadas, em sua essência, às causas ou aos impactos das mudanças climáticas. Os litígios climáticos podem envolver questões relacionadas: à redução das emissões de gases de efeito estufa (MITIGAÇÃO), à redução da vulnerabilidade aos efeitos das mudanças climáticas (ADAPTAÇÃO), à reparação de danos sofridos em razão das mudanças climáticas (PERDAS E DANOS) e à gestão dos riscos climáticos (RISCOS). (Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, 2021)

    Ainda, estabelece que

    [...] a estratégia da litigância climática é fazer cumprir as leis, tratados e outros esquemas regulatórios em vigor, bem como impulsionar novas regulações neste sentido. Ela tem como objetivo central pressionar os poderes Legislativo e Executivo, mediante a provocação do Judiciário, para garantir um clima estável. (Ibid.)

    Segundo o advogado e ambientalista Fábio Feldmann, há grande importância estratégica nos litígios climáticos como um vetor de pressão para além dos acordos internacionais (Esteves, 2021). Cabe lembrar que a Constituição Federal de 1988 garante que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si (art. 2.º). Em outras palavras, é garantia constitucional que o Poder Judiciário não pode adentrar nas competências próprias do Legislativo e Executivo, mas também que as medidas tomadas por esses Poderes devem ter harmonia com o que é garantido e de competência do Judiciário, ou seja, a garantia e segurança do bom direito e sua efetivação.

    Nesse sentido, cumpre sublinhar que a política climática não é uma opção discricionária do gestor público, e sim uma política de Estado que enseja obrigações jurídicas imputáveis à administração pública. De acordo com Mendes e Alberto (2021, p. 49), uma vez demonstrada a ineficiência da administração no cumprimento dessas obrigações, bem como a ausência de motivação das razões que levaram a isso, a intervenção do Poder Judiciário é não só possível como juridicamente necessária.

    Estado da arte da litigância climática internacional

    Em diferentes continentes, observa-se o fenômeno da litigância climática. No continente europeu, por exemplo, podemos citar o célebre caso Urgenda v. Netherlands, em que os cidadãos argumentaram que o governo tem a obrigação legal de tomar medidas concretas para prevenir mudanças do clima perigosas à sociedade. Por outro lado, segundo o governo holandês, uma ordem judicial exigindo que o Estado limitasse as emissões de gases de efeito estufa violaria a doutrina clássica da separação de poderes, uma vez que uma decisão que tradicionalmente caberia a líderes eleitos pela população seria indevidamente tomada pelo Judiciário. Ocorre, porém, que o Judiciário holandês entendeu que o Direito holandês impõe aos juízes a função de examinar os atos praticados por agentes dos demais poderes sempre que os direitos dos cidadãos estiverem em risco. De acordo com o Judiciário, os pedidos formulados no caso Urgenda possuem natureza de proteção de direitos e, por isso, justificam a revisão judicial (Urgenda, 2022). Em dezembro de 2019, a Suprema Corte da Holanda decidiu que o governo holandês tem a obrigação legal de agir, de modo urgente e significativo, no sentido de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (ibid.).

    Na América do Norte, por sua vez, registra-se o famoso caso Juliana v. United States, em que um grupo de 21 jovens moveram uma ação judicial contra os Estados Unidos da América (EUA) e vários entes do governo estadunidense. Grosso modo, os jovens sustentavam que o governo violava seus direitos à vida, à liberdade e à propriedade, uma vez que incentivava e permitia a queima de combustíveis fósseis. Cumpre sublinhar que a demanda judicial foi proposta em 2015 (Juliana v. United States, 2015).

    Na Austrália, em 2020, registrou-se o caso O’Donnel v. Austrália, em que a autora argumenta que a economia australiana, bem como a reputação da Austrália nos mercados financeiros internacionais, será afetada significativamente, conforme a resposta do governo australiano à questão climática. Segundo a autora, os investidores que negociam títulos do governo australiano enfrentam riscos reais decorrentes da mudança global do clima (O’Donnel v. Austrália, 2022).

    Estado da arte da litigância climática brasileira: Caso IEA X União

    No Brasil, a litigância climática ainda depende de maior desenvolvimento (Rodrigues, 2019). Conforme estudo da Conectas Direitos Humanos, as ações climáticas normalmente tangenciam questões ambientais ou de direitos humanos de forma mais genérica (Conectas, 2019). Ainda, é importante apontar que no Brasil há outra grande dificuldade para a litigância climática: a falta de casos julgados (Gasparini, 2022). A bem da verdade, desde 2019 houve uma profusão de ações judiciais que debatem diretamente temas relacionados às mudanças do clima, como é o caso da ADPF 708 (funcionamento do Fundo Clima) e a ADPF 760 (operacionalização do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm e cumprimento das metas climáticas assumidas pelo Brasil) (Política por inteiro, 2021).

    Segundo a diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Ana Toni, já há arcabouço jurídico necessário para os litígios climáticos, tanto é que os advogados, ao iniciarem uma ação judicial, sempre citam a legislação climática brasileira, bem como os planos climáticos estaduais e municipais (Rodrigues, 2019). No entanto, é possível notar um estranhamento por parte do Judiciário quanto à identificação das obrigações jurídicas descumpridas pela administração pública. De acordo com Mendes e Alberto (2021, p. 49):

    O estranhamento em relação a experiência de litigância climática parece decorrer, assim, da falta de experiência – jurisprudencial e doutrinária – em lidar com infrações estruturais a obrigações constitucionais complexas, aliadas ao caráter ainda recente da incorporação da tutela de direitos transindividuais ao processo coletivo brasileiro.

    Afinal, se entendida como obrigação jurídica, nada impede que a política climática constitua típico objeto de tutela judicial. Violações estruturais geram provimentos estruturais, Falhas de Estado pedem decisões de Estado. E é aí que repousa a legitimidade do Poder Judiciário nos litígios climáticos.

    Para trazer um aspecto prático, tem-se a ação judicial (Ação Civil Pública), na qual

    [...] o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) apresentou uma ação judicial contra a União Federal que visa obter não apenas uma ordem judicial para obrigar o governo federal a cumprir a legislação nacional sobre mudanças climáticas, mas uma decisão que reconheça o direito fundamental a um clima estável para as gerações presentes e futuras. (Instituto de Assuntos Amazônicos, 2021)

    Nela, houve o estabelecimento do entendimento de que

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