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Governança, Riscos Socioambientais e Educação das Águas
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E-book345 páginas4 horas

Governança, Riscos Socioambientais e Educação das Águas

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Sobre este e-book

Este livro navega na esperança da governança, ou uma associação frutífera entre os dois polos. A degradação vertiginosa das águas e o estado calamitoso e de carência em que elas se encontram, em muitos contextos, enchem-nos de profunda indignação. No mais, não somos vítimas de uma falta de recursos ou de capacidade técnica, mas, sim, da "ausência de humanidade". Ou ainda: "o ser humano está se desumanizando em sua prática de ser humano", isso porque vigoram relações injustas dos seres humanos para com os bens da natureza.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de set. de 2020
ISBN9788547334604
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    Pré-visualização do livro

    Governança, Riscos Socioambientais e Educação das Águas - Aloísio Ruscheinsky

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO SUSTENTABILIDADE, IMPACTO, DIREITO, GESTÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

    APRESENTAÇÃO

    O processo de delineamento dos temas abordados ao longo do livro envolveu desde seu início o papel do conhecimento ambiental em sua relação e interdependência com a cultura política e a formulação de políticas ambientais para a governança, essas entendidas como confluência entre demandas de atores sociais e as iniciativas da institucionalidade. Ao se tratar do conhecimento ambiental no âmbito dos recursos hídricos, nos referimos a um padrão mínimo de informações que permitam reconhecer a relação entre qualidade/quantidade hídrica e a capacidade de gerenciamento; inclui, também, as implicações desse gerenciamento na definição de riscos e exigências locais/regionais, frente à emergência de novas formas de uso/apropriação, além do prolongado processo de degradação.

    Assim, envolvido numa causa pessoal, profissional e social, este livro propõe-se a desvelar aspectos que envolvem a formação da cultura política, tendo como mote orientador a conflitualidade pelos usos e sua relação com os mecanismos limitativos circunscritos à gestão das águas. A análise aflui na busca de entendimentos acerca dos modos como as práticas e projetos ambientais se engendram na formulação dos arranjos instituídos na bacia do Rio dos Sinos. Ao mesmo tempo os autores renunciam à missão de vender soluções simplificadoras, antes pautam a complexidade e as contradições que conduzem a lerdeza quanto à efetividade de alternativas e processos decisórios.

    A contribuição às Ciências Sociais reporta-se a elucidar uma trajetória de uma temática peculiar como tarefa própria da construção do conhecimento. Reconhece-se que a Sociologia Ambiental é campo em construção e crescimento, ou seja, o ambiente como questão sociológica, em especial na perspectiva de desenhar os conflitos ambientais. A abertura da Sociologia assinala um momento de reposição de questões fundamentais, com o adensamento da degradação de bens naturais e a sua institucionalização. Assim, consolida um instrumento para investigar a trajetória de práticas, protagonistas e projetos no âmbito da ecologia, percorrendo desde os primórdios, ao momento em que se engendra a formulação de propostas de educação ambiental como dos arranjos instituídos. Sob essa perspectiva, este estudo visa colaborar na leitura interpretativa de propostas com potencial de conjugar dois processos num só movimento: a redefinição da atuação dos agentes políticos em conjugação com a identificação de estruturas legais e viáveis à formalização de um arcabouço institucional com capacidade de desenvolver o papel de mediador entre os interesses dos diferentes usuários das águas.

    A perspectiva dos autores é uma relação de educadores frente às questões ambientais almejando um itinerário de lento processo de transição democrática da degradação à sustentabilidade socioambiental ou governança pelos atores. Da ótica de ativistas ambientais deparam-se com os conflitos pelos usos das águas, com proximidade à gestão integrada pelos atores sociais. A partir daí aprofundam temáticas para compreender as muitas formas de subjetivação que instituem as ações socioambientais dos sujeitos cada qual fazendo a sua parte. No título, Educação das águas conecta com a vertente da conflitualidade ambiental, numa analogia: se o clima mata, então parte dos problemas ambientais que envolvem os recursos hídricos pode ser solucionada quando educarmos para o cuidado das águas.

    Segue a importância de referir-se ao princípio da narrativa que pretende caracterizar a construção de conhecimento ao longo da trajetória de atores sociais e o seu envolvimento na definição progressiva de políticas de governança. Dessa forma, espera-se que o levantamento de alguns elementos que caracterizam a cultura política, os modos como se realizam as práticas relacionadas aos cuidados e a competência social no exercício de direitos, contribuam na criação de conhecimentos e instrumentos que oportunizem a emergência de novos modos de viver no cotidiano, além de gerar aportes para o planejamento público e ambiental.

    Frente a esse quadro, cabe indagar pela forma como a agenda das demandas sociais e seus atores são afetados e afetam a formulação das políticas ambientais no campo dos recursos hídricos. Apresenta-se a vulnerabilidade dos mecanismos de participação nas decisões por profissionais e/ou categorias sociais. É possível considerá-la medida/resultado do nível de (des)conhecimento da noção de sociedade de risco, quanto do jogo de forças entre os atores socioambientais? Como apropriação da condição de formuladores ativos/passivos dos riscos e exigências ambientais? Capacidade de perceber a relação entre exigências, formuladores e políticas de governança ambiental? Que instrumentos metodológicos apresentam potencial de formulação da cultura política no contexto da educação e cuidado das águas?

    PREFÁCIO

    O TÍTULO É MAIS DO QUE UM TÍTULO...

    Um dos maiores desafios da humanidade, hoje, está na garantia da conservação saudável das águas para a vida do planeta. Uma grande diversidade de iniciativas, com diferentes alcances e intensidades, vem buscando respostas viáveis a esses desafios. A publicação aqui em pauta traz um recorte interessante sobre uma iniciativa mobilizadora que se tornou emblemática.

    O texto do livro se move dentro de um horizonte amplo, que está muito além dos seus objetivos propriamente ditos. Mais do que falar em desafios da humanidade, devemos focar-nos nos riscos da humanidade. Riscos que são socioambientais. Ou seja, trata-se de processos que colocam a própria humanidade e o planeta terra, perigosamente, à beira do precipício. A gravidade disso aumenta quando nos damos conta que são riscos não propriamente exógenos, mas profundamente enraizados (viciados) na própria irresponsabilidade e comportamento inconsequente dos seres humanos. As relações entre os seres humanos, as estruturas por eles criadas e permanentemente reproduzidas e a sua relação com os bens da natureza, tornaram-se, em muitos pontos, de alerta máximo.

    Vivemos em uma época de progressos técnicos sempre mais acelerados, os quais, no entanto, se misturam paradoxalmente com um tremendo obscurantismo humano. Podemos levantar a hipótese de que, em termos de gestão das águas, se considerarmos a amplitude e a urgência das demandas e a fragilidade das soluções incrementadas, a época atual talvez tenha que ser apontada, no futuro, como uma das fases mais obscurantistas vividas pela humanidade.

    A degradação vertiginosa das águas e o estado calamitoso e de carência, em que elas se encontram, em muitos contextos, devem encher-nos, nesse sentido, de profunda indignação. Pois, não estamos sendo vítimas de uma falta de recursos ou de capacidade técnica, mas, sim, vivemos ausência de humanidade. Vivemos situação de obscurantismo porque o ser humano encontra-se atrapalhado com a sua própria identidade humana, deixando-se bitolar por modelos tecnológicos e desenvolvimento, no mínimo, equivocados. Ou, como tantas vezes já ouvimos, O ser humano está-se desumanizando em sua prática de ser humano.

    Tudo isso nos conduz a vislumbrar um panorama tenebroso de injustiças, que vão desde as relações injustas em nível interpessoal e em nível estrutural, até as relações injustas dos seres humanos para com os bens da natureza. Existe a rigor uma relação íntima entre os três níveis dessa trilogia, que expressa uma tríplice complexidade de injustiça.

    Um turbilhão de ideias ancoradas nessa trilogia, por meio da qual nos aproximamos da formulação de um conceito de justiça socioambiental, veio à mente ao ler o título provocador do livro: Governança, riscos socioambientais e educação das águas.

    Nos lembramos do Prêmio Nobel de Química de 1977, Ilya Prigogine. Em uma de suas obras de maior repercussão, elaborada em coautoria com Isabelle Stengers, A Nova Aliança (1984), esse cientista apelava para um reencantamento do mundo. Naquela obra a expressão nova aliança é utilizada como superação da antiga e moderna, recompondo de forma nova a aliança entre a história dos homens, de suas sociedades, de seus saberes e a aventura exploradora da natureza.

    Segundo essa reflexão acontecida na década de 1980, a aventura exploradora da natureza chegou ao limite e passa-se a ouvir uma multiplicidade de vozes a pedir e a proclamar: Precisamos salvar o planeta terra; Precisamos salvar a água. O verdadeiro brado, no entanto, é: Precisamos salvar a vida da humanidade; Precisamos salvar a vida de nossas futuras gerações. Isso envolve uma radical recomposição nas relações dos seres humanos entre si e com os bens da natureza. A recomposição envolve desde os mínimos gestos diários de cuidado e atenção com o bem-estar e o conforto da vida em nosso redor até o empenho nas causas e lutas contra os assustadores desmandos destrutivos da vida do planeta, em grande escala.

    O livro que as leitoras e leitores têm em mãos, com o título Governança, riscos socioambientais e educação das águas, é uma sistematização provocadora a partir de um caso específico. O seu título, muito para além de ser um título diretamente alinhado à obra, é um horizonte guia dentro do qual a obra quer e deve ser lida. Certamente as leitoras e os leitores encontrarão belos exemplos e ideias inspiradoras para prosseguir na construção das bases da boa governança e dos processos educacionais para ajudar a evitar os riscos socioambientais da humanidade. Em suma, trata-se de mais um aporte na articulação desafiadora da assim denominada nova aliança (Ilya Prigogine, 1977) para a salvação da vida da humanidade.

    Boa leitura.

    José Ivo Follmann

    Sumário

    1. A EMERGÊNCIA DE UM ATOR SOCIAL ECOLÓGICO NO VALE DOS SINOS

    1.1. DIMENSÕES PRÁTICAS DA AÇÃO AMBIENTALISTA

    1.2. PROGRESSO REGIONAL E A GÊNESE DA POLÍTICA DAS ÁGUAS

    1.3. DA MODERNIZAÇÃO À GOVERNANÇA AMBIENTAL NA REGIÃO

    1.3.1. Depredação ambiental e política do Estado moderno

    1.3.2. Proteção à Natureza: educação e associacionismo

    1.4. DA PROTEÇÃO DAS FLORESTAS E DAS ÁGUAS: LEGADOS

    1.4.1. Uma Escola de Educação das Águas

    1.4.2. Direito de fazer: formação de atores e capacidades ambientais

    2. RISCOS E CONTROLE DAS ÁGUAS DO RIO DOS SINOS

    2.1. A NOÇÃO DE RISCO EMBUTIDA NAS EXIGÊNCIAS AMBIENTAIS

    2.2. POLÍTICA REFLEXIVA, TERRITÓRIO E GESTÃO DAS ÁGUAS

    2.2.1. Regime e/ou política reflexiva na gestão das águas

    2.2.2. Ambiguidade da subpolítica como garantia de participação

    2.3. TERRITÓRIO, AMBIENTE E SOCIEDADE

    3. GESTÃO E EVIDÊNCIAS DE UM MAPA DE RISCO

    3.1. FORMAÇÃO DE INTERESSES E CAPACIDADES SOCIAIS

    3.2. A PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DO PARLAMENTO DAS ÁGUAS

    3.3. SANEAMENTO BÁSICO: CUSTO OU INVESTIMENTO

    3.4. SUSTENTABILIDADE AMBIEMTAL E COMÉRCIO DE ÁGUA VIRTUAL

    4. MECANISMOS DE GESTÃO DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS 

    4.1. Gestão e riscos: dissonâncias 

    4.2. O plano de Bacia e a gestão dos conflitos de recursos hídricos 

    4.3. A delimitação geográfica da planície de inundação e os mecanismos de gestão

    4.4. Ética e democracia na luta ambiental contra diques

    4.5. Sem meias palavras

    5. Riscos, mitigação e percepção dos sujeitos sociais

    5.1. Os conflitos pelos bens naturais: uma questão de cultura política 

    5.2. Cultura contemporânea, contingência dos olhares e riscos ambientais

    5.3. Projetando o progresso e degradação ambiental: percepções e sujeitos sociais

    5.4. As percepções e o Plano de Ações para resolução de conflitos

    5.5. Diagnósticos e cuidados das águas

    6. FORMULAÇÕES E CAMINHOS NA EDUCAÇÃO DAS ÁGUAS

    6.1. SOBRE O PROBLEMA INVESTIGATIVO E GOVERNANÇA DAS ÁGUAS

    6.2. ESTADO DE BEM-ESTAR E IMPASSES DA QUESTÃO AMBIENTAL

    6.3. EDUCAÇÃO, RELAÇÕES SOCIAIS E AMBIENTE

    6.4. CUIDADO DAS ÁGUAS: CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA AMBIENTAL

    considerações finais

    referências

    1

    A EMERGÊNCIA DE UM ATOR SOCIAL ECOLÓGICO NO VALE DOS SINOS

    Este capítulo traz à luz episódios pelos quais se desvendam os fenômenos, os atores, os conflitos em torno da construção da governança ambiental ao longo da história relativa ao espaço da bacia do rio dos Sinos. Uma das expectativas da discussão central, portanto, remonta à emergência de uma agenda com a criação de organismos gestores dos recursos naturais. No caso presente, especialmente a partir de um personagem histórico.

    Não há provas de que o cenário de conflitos políticos, culturais e econômicos seja uma analogia à sinuosidade do rio que dá nome ao Vale do Rio dos Sinos no histórico de críticas aos usos das águas. A atualidade histórica de degradação e marcas de confronto, na confluência de diferentes instâncias político-administrativas, características da governança conflituosa em torno dos usos das águas na região.

    As imagens que surgem ao indagarmos acerca do envolvimento do ativista Henrique Luiz Roessler (1896-1963) no processo de ambientalização dos conflitos sociais no Vale do Rio dos Sinos, reportam ao rio e ao seu legado, envolvendo os conflitos pelos usos das águas e as perdas delas provenientes, por todos os seus diferentes usuários. Por força dessas memórias, ambientalistas e historiadores creditam ao ativista a cunhagem do termo águas nocivas, recorrente nas denúncias e críticas dirigidas ao desmatamento e à desordenada explosão industrial. O intuito dos desdobramentos a serem apresentados no presente capítulo ao enfocar a trajetória, protagonismo e memória de um ambientalista acompanham de perto o exposto por Pereira (2011, p. 7).

    O trabalho se desdobra em dois eixos, a trajetória de Roessler e a memória construída sobre ele. No eixo da trajetória, tenho como objetivo, a partir da análise de sua produção oral e escrita, bem como de suas estratégias de atuação, acessar, além dos meandros de seu projeto pessoal, uma dimensão mais ampla, a saber, as ideias e práticas da proteção à natureza no Rio Grande do Sul, nos anos 1930-60. Enfoco também os elementos que possibilitaram a construção de uma memória que o situou como precursor do movimento ambientalista/ecologista no Estado, através de suportes escritos e da construção de lugares de memória. Examino elementos da vida pessoal, assim como das duas principais fases em que se divide sua atuação em prol da natureza para compreender como seu projeto se desenvolveu no campo de possibilidades a que pertenceu [...] as ideias presentes em seus textos (crônicas jornalísticas), palestras e nos cartazes educativos distribuídos pela UPN, com destaque para sua concepção de natureza, articulada a partir de um discurso nacionalista, educativo e sacralizante.

    A poluição do Rio dos Sinos constituiu-se um dos focos centrais das campanhas de proteção e informação ambiental do ambientalista. O trabalho de protagonista envolveu a natureza de forma ampla e interdisciplinar, dando-se ênfase aos elementos que configuram o processo de ambientalização dos conflitos sociais sob a perspectiva do controle sobre os usos das águas. Cabe reconhecer que há largos debates sobre a contaminação das águas e do lençol freático, bem como a questão da saúde pública questionada pelas práticas no espaço urbano.

    O protagonista externava um posicionamento de insatisfação e indignação, entre outros, com os rumos que, sob o signo da modernidade, levaram à licitude do uso industrial das águas. A situação sanitária antes dos serviços de água e esgotos levaram o protagonista a propor e buscar avanços como sinal de progresso, onde serviu posteriormente de inspiração ou referência para a administração pública, com uma trajetória de obras e de resultados cuja repercussão cabe ser destacada até a sociedade atual.

    Neste processo de constituição das relações ambiente/conflito participam diferentes atores e grupos sociais, desde os empreendedores, a classe política, a população e de forma especial os grupos em situação de vulnerabilidade e/ou sob perigos diversos. O artigo 109 do Código das Águas afirma A ninguém é licito conspurcar ou contaminar as aguas que não consome, com o prejuízo de terceiros.

    No transcorrer de várias décadas, os conflitos gerados pelos usos das águas na região, a partir da promulgação do Código das Águas, não se diferenciaram em conteúdo e forma. Definido por Foladori (2008), a quebra do metabolismo social com a natureza é pautada na crença da contínua metamorfose das riquezas naturais em riquezas monetárias, repetidas em diferentes ciclos do capital. Tal modelo decorre, segundo o autor, da ineficácia das políticas e acordos internacionais para reverter a crise ambiental em que a sociedade humana se encontra, confrontada com as forças socioeconômicas em contínua reprodução da degradação e depredação do meio ambiente externo, na forma de uma reedição capitalista das crises ambientais.

    Uma compreensão desse processo, elementos e atores, necessita partir, segundo Alonso e Costa (2002), do reconhecimento e análise de uma estrutura de oportunidades políticas que condicionam o próprio surgimento dos atores, encaminhando a inteligibilidade da questão ambiental na ótica de uma sociologia dos conflitos ambientais, atenta à dinâmica conflituosa que se estabelece entre os diversos elementos, num determinado transcurso de tempo. A narrativa aqui esboçada flui como algo próximo ao que se propuseram realizar Nunes, Figueiredo e Rocha (2015, p. 3).

    [...] uma análise do processo de industrialização e urbanização do Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul, a partir do estabelecimento da indústria de couro e calçados na região durante o século XIX, quando os curtumes e fábricas de calçados. Começaram a surgir componentes para calçados, com especial atenção aos aspectos relacionados ao impacto ambiental na bacia hidrográfica do rio Sinos. Constatou-se que os conflitos ambientais contemporâneos emergem de uma memória de trabalho e de uma memória ambiental em que as fábricas, a urbanização não planejada e a utilização da água e de outros recursos naturais formam uma cadeia de significados. Significância que exclui qualquer forma de análise fragmentada que isole qualquer um desses aspectos dos demais: o econômico, sócio-histórico, cultural, político ou ambiental.

    No caso do Vale do Rio dos Sinos, esta trajetória apresenta-se associada a um processo de interiorização individual e coletiva das diferentes facetas da questão pública do meio ambiente, que tem a figura de Henrique Luiz Roessler e seu legado, presente nas diferentes circunstâncias sociopolíticas nas qual elementos em conflito vão surgindo, interagem e se redefinem, constituindo nesse processo a cultura ambiental da região.

    Com este entendimento e foco na trajetória ambiental do Vale do Rio dos Sinos, iniciada pelas campanhas educativas do protagonista e seus desdobramentos até a criação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Vale do Rio dos Sinos (Comitesinos), nos anos 80, o conjunto percorre o fluxo de sedimentação da cultura de educação das águas, em correlação com os movimentos de governança instituídos ao longo do período, buscando apontar indicadores de sintonia/confronto ao cenário nacional e internacional. Isso desdobra a historicidade da modernização na forma de três argumentos centrais:

    a.  o processo de constituição da questão ambiental no Vale do Rio dos Sinos conformou-se na resistência e adesão a práticas cotejadas pelos princípios da modernização e de degradação intensiva, gradativamente instalados no vale;

    b.  as campanhas deram início a um movimento de recusa regional ao ordenamento global do projeto de modernidade, antecipando, na forma de uma pré-edição regional, o confronto às (re)edições de ruptura do metabolismo da sociedade com a natureza externa (FOLADORI, 2008), em consonância com os ciclos econômicos do capital;

    c.  neste exercício contínuo de defesa da (re)formulação das exigências políticas e práticas ambientais, tendo seu legado uma conotação de pioneirismo no Vale do Rio dos Sinos.

    1.1. DIMENSÕES PRÁTICAS DA AÇÃO AMBIENTALISTA

    Aos verdadeiros amantes das nossas incomparáveis belezas e riquezas naturais, podemos transmitir uma boa notícia: A União Protetora da Natureza está vencendo lentamente a Campanha do Idealismo, apesar das enormes dificuldades a enfrentar constantemente. Como Centro de divulgação de ensinamentos e orientação, manda afixar em todos os locais públicos do Estado e enviar periodicamente seu material de propaganda a 3.000 colégios. Estes avulsos ilustrados sobre conservação da flora e fauna tem sido usados com grande proveito na educação da juventude, conforme atesta a vultuosa correspondência recebida de benemérita classe educadora. (ROESSLER, 2005, p. 75).

    Esse representante¹ de um punhado de idealistas (de acordo com o próprio agente), possui um legado historicamente referido no processo de conformação da cultura ambiental do Vale do Rio dos Sinos. Como compreender seu repertório fundamentado na mescla de medidas de proteção ambiental e medidas econômicas, concebidas na forma de um dever a ser cumprido por seus agentes (econômico e estatal) e seu descumprimento caracterizando [...] uma alarmante anarquia, da qual nos lamentaremos profundamente (ROESSLER, 2005, p. 134)?

    Entre os estudos de cunho regional que abordam as campanhas e o legado do ambientalista nesse período, Pereira (2010; 2011) analisou a ideia de natureza concebida com base no caráter educativo dos panfletos da UPN (União Protetora da Natureza) em conclamação à participação popular, à denúncia, e à perseguição aos infratores. Segundo Pereira (2010, p. 59), o protagonista em termos ambientais [...] formulou sua concepção de natureza: uma dádiva de Deus aos humanos e, ao mesmo tempo o patrimônio maior da nação, por isso o incentivo à sua proteção, através de campanhas educativas, era fundamental. As desventuras também se fizeram presentes na defesa dos bens naturais.

    A rede de relações tecida por Roessler foi de fundamental importância em dois momentos difíceis: um acidente automobilístico e um processo judicial movido por caçadores descendentes de imigrantes italianos. No episódio do acidente em que perdeu o pé direito, porque, neste momento, começam a ser consolidadas as categorias de abnegado, mutilado e pioneiro através das correspondências trocadas;

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