Luzes da Independência: o constitucionalismo áulico e a formação de um projeto de Brasil na Corte do Rio de Janeiro
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Sobre este e-book
Trouxe à baila os áulicos do Primeiro Reinado (1822-1821), suas ideias e o seu projeto político difundido especialmente na imprensa do Rio de Janeiro, nas duas primeiras legislaturas na câmara dos deputados e no senado. As principais metas dos áulicos foram a defesa contra os ataques perpetrados pela oposição e a afirmação de seus postulados políticos, que tinham como ideias basilares a manutenção da ordem pública, a presença de uma monarquia constitucional com forte poder centralizador e a defesa da soberania legítima de D. Pedro I, que convivia com outros poderes constitucionais, entretanto estava acima deles.
Por sua originalidade e proposta desafiadora, Luzes da Independência se torna uma excelente fonte de estudos sobre a história política no Primeiro Reinado, além de apontar como essas ideias e contradições continuavam a reverberar na política do Brasil.
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Luzes da Independência - Nelson Ferreira Marques Júnior
Luzes da Independência
o constitucionalismo áulico e a formação de
um projeto de Brasil na Corte do Rio de Janeiro
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2022 do autor
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Nelson Ferreira Marques Júnior
Luzes da Independência
o constitucionalismo áulico e a formação de
um projeto de Brasil na Corte do Rio de Janeiro
Dedico esta obra à minha amada mãezinha,
Maria Augusta Gonçalves, in memoriam (*03/10/1952 † 19/07/2008);
à minha esposa, Gabrielle, e ao meu filho, Pedro (Pito).
AGRADECIMENTOS
A história deste livro confunde-se com a minha trajetória acadêmica. O desejo de mergulhar nessa temática foi gestado quando me tornei bolsista de iniciação científica, há 14 anos, orientado pelo professor e amigo Marcello Basile. Daquele momento em diante, não parei mais de estudar e pesquisar. Ser pesquisador e professor faz parte da minha essência, não há mais como dissociar. Sempre quis ser historiador e nunca titubeei. Vivi a minha vida em Nilópolis, terra da minha amada G.R.E.S. Beija-flor; e como ocorre na maioria dos lugares carentes, fui alijado de muitas oportunidades. Entretanto, devido ao projeto de expansão das universidades públicas (Reune), tive o privilégio de me graduar pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro — meu segundo lar —, próxima à minha casa, no município de Nova Iguaçu. Desde então, descobri novos mundos. Com o coração aberto e ouvido atento, iniciei a minha trajetória acadêmica e profissional. Hoje, trago aos leitores o capítulo profissional mais importante da minha história.
Por mais que o doutorado seja um percurso solitário, seria de extremo egoísmo ignorar as pessoas que me ajudaram a chegar a esse ponto. Desde já tenho profunda gratidão a todos que contribuíram para essa realização. A vocês, manifesto os meus agradecimentos.
Em primeiro lugar, minha imensurável gratidão ao meu orientador e amigo professor Marcello Basile. Fui um de seus primeiros bolsistas de iniciação científica e tive a honra de ser orientado no doutorado. Conhecemo-nos há mais de uma década, construímos uma relação de muito respeito, amizade e benquerença. A cada realização dele, fico muito feliz, e as minhas gosto de compartilhar como amigo. Com uma orientação precisa e anos trabalhando juntos, nossas reuniões sanavam meses de dúvidas. Mesmo quando cursei o mestrado na Uerj, Marcello continuou atento aos meus passos. Saiba que sempre terá um amigo para conversar sobre qualquer assunto e, de preferência, acompanhado de um bom café, com moderação, como sempre recomenda. Obrigado.
Agradeço à Lucia Bastos, que foi dedicada e incansável orientadora durante o mestrado na Uerj. Deu-me a honra de compor a banca de qualificação e defesa de doutorado. Contribuiu com sugestões, críticas e correções valiosas. Da mesma maneira sou grato à Adriana Barreto, que me acompanha como banca desde o mestrado. Suas recomendações e seus conselhos deram novos ares à obra. Não menos importante, quero agradecer à Lucia Guimarães, à Iara Lis Schiavinatto e ao Julio Bentivoglio (suplente), por terem gentilmente aceitado participar da banca. Sou muito grato a todos vocês.
Agradeço à Capes, que financiou por quatro anos as pesquisas com uma bolsa de doutorado, culminando neste livro.
Direciono a minha profunda gratidão ao Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados (Cedi), localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília-DF, que generosamente me disponibilizou, de forma compilada, todos os anais da Câmara dos Deputados, de 1826 a 1831.
A convivência com alguns colegas da UFRRJ foi muito agradável, permitindo também uma troca de experiências de trabalho. Entre eles, incluo: Christiane Pereira, Juliano Tiago, o secretário do PPHR Paulo Longarini, Cristiane Vargas, Rafael França e Natalia Baptista.
Contei com a ajuda de raros amigos. O historiador Gabriel do Nascimento Silva, que me auxiliou em grande parte da pesquisa para a elaboração desta obra; a Prof.ª Dr.ª Emili Feitosa e a sua cuidadosa revisão; aos historiadores Vinícius Fernandes dos Santos e Claudielle Pavão. Sem vocês, certamente, teria muita dificuldade de chegar tão longe. Eterna gratidão.
Aos meus familiares que enchem a minha vida de felicidade e apoio. Ao meu pai, Nelson, à minha irmã, Crissyen, ao meu irmão, Almir, e aos meus avós, tios, primos, sobrinhos e cunhados da família paz e amor, além da minha imensa família cearense. Nossos laços são inseparáveis.
Por fim, por mais que tenha escrito um livro, não encontro palavras para agradecer à minha esposa, Gabrielle, e à mais linda obra que criamos: o pequeno Pedro. A vocês seria descabido agradecer com alguns parágrafos, por isso lhes dedico esta obra. Obrigado por compartilharem esta vida comigo. Amo vocês!
Nada supera o trabalho duro.
(Marcello Basile)
APRESENTAÇÃO
Observamos, na história política do Brasil e do mundo, que grupos políticos emergem e expiram em diferentes processos históricos, nem sempre eles se autodeterminam como grupo ou facção. É a partir do olhar atento do pesquisador que se perceberá como as ideias, a formação, a carreira, os empregos ou a experiência política e administrativa cruzam-se. As variadas circunstâncias, sejam elas de ordem política, intelectual, econômica, social e cultural, podem construir grupos políticos mais fortes, efêmeros ou, até mesmo, uma coalizão para determinado fim, mesmo que divirjam em muitas outras demandas programáticas. O caso histórico mais recente de aliança que uniu grupos divergentes para um arranjo político em comum foi o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff.
A partir dessas premissas, o objeto central do presente livro foram os áulicos do Primeiro Reinado (1822-1821), suas ideias e seu projeto político difundido especialmente na imprensa fluminense e nas duas primeiras legislaturas na Câmara dos Deputados e no Senado. Os áulicos se constituíram nos representantes que gravitavam em torno do imperador Pedro I, procurando dar sustentação e visibilidade ao seu governo diante da opinião pública. A obra perpassou pela formação do grupo durante as discussões da Assembleia Constituinte de 1823 até a sua derrocada com a Abdicação de D. Pedro I. A seleção desses homens deu-se por meio da análise de vários jornais políticos fluminenses e pelos discursos proferidos nas câmaras do Poder Legislativo. As principais metas dos áulicos foram a defesa contra os ataques perpetrados pela oposição e a afirmação de seus postulados políticos, que tinham como ideias basilares a manutenção da ordem pública, a presença de uma monarquia constitucional com forte poder centralizador e a defesa da soberania legítima de D. Pedro I, que convivia com outros poderes, mas estava acima deles. Na convivência entre as ideias modernas constitucionalistas e os fortes preceitos do Antigo Regime, forjou-se o projeto político áulico. Sob essas perspectivas entre o novo e o antigo, as continuidades e descontinuidades das práticas políticas, buscou-se o fio condutor dos áulicos.
A proposta da obra é evidenciar a existência de um grupo que articulava as principais diretrizes do governo de Pedro I, especialmente na corte do Rio de Janeiro; dar a visibilidade a um grupo — muitas vezes esquecido pela historiografia — que sustentou política e ideologicamente D. Pedro I no poder; referendar o papel decisivo dos áulicos na imprensa, além de ter ajudado a consolidar o mercado artesanal de impressos já existente; e, por fim, alinhar um grupo político heterogêneo, em prol de uma causa maior, que era a manutenção da monarquia constitucional fortemente centralizada na soberania augusta do rei.
PREFÁCIO
Entre os campos de pesquisa que a historiografia sobre o Império do Brasil mais tem avançado nas últimas três décadas estão situados a imprensa e os grupos políticos. Ambos os temas estão frequentemente entrelaçados, uma vez que a imprensa periódica e panfletária era privilegiada por tais grupos como principal mecanismo de ação política no âmbito do espaço público. Observa-se, no entanto, certa disparidade desses avanços no que tange à sua distribuição temporal e geográfica. Enquanto grupos como os liberais moderados e os liberais exaltados, em fins do Primeiro Reinado e durante o período regencial, e os conservadores, já no Segundo Reinado, têm recebido mais atenção dos pesquisadores — sobretudo na capital imperial e nas principais províncias —, outros têm sido menos contemplados, a despeito do relevante papel que desempenharam.
Um dos grupos políticos que estavam por merecer estudo mais aprofundado é a chamada facção áulica do Primeiro Reinado, cuja firme atuação em defesa de Dom Pedro I muito contribuiu para que seu governo perdurasse por quase toda uma década, em meio às sucessivas crises pelas quais atravessou. Oportunamente, é esse o tema do presente livro de Nelson Ferreira Marques Júnior, originalmente elaborado como tese de doutoramento, defendida em junho de 2018, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
O autor lançou mão de um respeitável aporte documental — jornais, anais parlamentares, leis e dicionários biográficos — para acompanhar o percurso político dos áulicos na corte do Rio de Janeiro, desde o momento em que o grupo começava a se delinear, no contexto dos trabalhos da Assembleia Constituinte de 1823, até a sua desestruturação, ao término do Primeiro Reinado. Assim como as demais facções políticas da época, os áulicos não constituíam um partido formalmente organizado nem formavam um grupo ideologicamente homogêneo. Tampouco se autodenominavam como tais, embora muitas vezes fossem assim reconhecidos por seus oponentes. Mas compartilhavam um conjunto de valores, tradições, ideias e linguagens que configuravam um projeto político próprio, demarcavam certa identidade política e norteavam sua atuação em distintos espaços de sociabilidade.
Primeiramente, o autor traçou um instigante perfil prosopográfico de 57 integrantes das elites política e intelectual áulica (deputados, senadores e redatores de jornais), identificando elementos basilares concernentes à condição socioprofissional e à trajetória política do grupo. Em seguida, foram detidamente analisados as ideias, as propostas e os princípios políticos dos áulicos propagados por meio da imprensa periódica e sustentados nas tribunas da Câmara dos Deputados e do Senado, contrapondo-os aos posicionamentos de liberais moderados e exaltados. Da análise dos discursos emerge um projeto político áulico filiado à vertente conservadora do liberalismo, em larga medida tributária das ideias do filósofo político irlandês Edmund Burke. Incorporava postulados liberais clássicos (constitucionalismo, divisão de poderes, representação política, direitos de cidadania), sem abdicar de um Estado forte, avesso a reformas políticas e sociais, e calcado em uma visão aristocrática da sociedade. Observa-se, assim, a defesa de uma monarquia constitucional centralizada, amparada na Constituição de 1824, no Poder Moderador, no Senado de mandato vitalício e no Conselho de Estado; a rejeição à soberania do povo, às revoluções, ao federalismo e à república, identificados aos princípios democráticos; e a apologia das desigualdades e das hierarquias sociais, dos privilégios, dos títulos de nobreza e de restrições às liberdades (em particular, a de imprensa). Acima de tudo e de todos, sacralizavam a figura de Pedro I, enaltecido como o fundador da nação, o Anjo tutelar do Brasil, revelando uma concepção de soberania que conjugava o direito dinástico com o referendo popular, e que conferia lugar de destaque, como evento legitimador, à proclamação da independência.
Identificado no modelo político vigente no Primeiro Reinado, o projeto áulico sobreviveu ao desmantelamento do grupo em 1831 — após o longo processo de desgaste que resultou na abdicação de Pedro I ao trono brasileiro — e fincou raízes na história política do Império. Muitas de suas ideias e propostas foram logo adotadas pelos caramurus, no período das regências trinas e, em seguida, forneceram as bases do regresso, sendo afinal incorporadas ao sistema político abraçado pelos conservadores no Segundo Reinado.
Luzes da Independência constitui, desde já, importante referência para a compreensão da história, ainda relativamente pouco estudada, do Primeiro Reinado. Em meio às reflexões suscitadas pelo bicentenário da independência do Brasil, a obra se torna tanto mais oportuna, trazendo à baila aspectos reveladores dos dilemas e embates políticos que marcaram a construção do Estado imperial.
Marcello Basile
Professor associado de História do Brasil da UFRRJ
Sumário
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
A FORMAÇÃO DOS ÁULICOS: A ELITE INTELECTUAL
1.1 A virada na imprensa nos anos de 1820
1.2 Áulicos e áulico: uma questão de princípios e soberania
1.3 A elite intelectual áulica: jornais, redatores e o inesperado clube da Gazeta
1.4 O clube da gazeta: o caso da galeota imperial
CAPÍTULO II
O PERFIL ANALÍTICO DAS ELITES POLÍTICAE INTELECTUAL ÁULICA
2.1 Elite intelectual: os redatores áulicos
2.2 A elite política áulica: perfil dos senadores e deputados
2.3 A Batalha do Jenipapo: João Cândido de Deus e Silva, um áulico na corte fluminense
CAPÍTULO III
A ELITE INTELECTUAL ÁULICA: AS IDEIAS DA IMPRENSA POLÍTICA NA CORTE FLUMINENSE
3.1 A legitimidade e a soberania do imperador
3.2 Liberdade de imprensa, opinião pública e público leitor
3.3 Defesa da Constituição de 1824 e o reconhecimentoda independência
3.4 Questão da Cisplatina: a batalha de uma folha
3.5 Poder Executivo e a importância dos jornais
3.6 As questões sociais e a ideia de liberdade
3.7 A abdicação e o fim da agremiação: momentos finais
CAPÍTULO IV
A ELITE POLÍTICA ÁULICA: ANÁLISE DOS PRINCIPAIS TEMAS DISCUTIDOS NASDUAS CASAS DO LEGISLATIVO (I)
4.1 A legitimidade e a soberania do imperador
4.2 Ser áulico é ser cordato e sensato
4.3 Liberdade de imprensa e a opinião pública
4.4 As questões sociais, a liberdade e a naturalizaçãodos estrangeiros
CAPÍTULO V
A ELITE POLÍTICA ÁULICA: ANÁLISE DOS PRINCIPAIS TEMAS DISCUTIDOS NASDUAS CASAS DO LEGISLATIVO (II)
5.1 As querelas entre a Câmara dos Deputados e o Executivo
5.2 As questões acerca da criação das universidades
5.3 Banco do Brasil e a sua liquidação
5.4 Discussão sobre a dotação da família imperial
5.5 O caso do marquês de Santo Amaro
5.6 Sobejos da Abdicação
CONCLUSÃO
ÁULICOS: UM PROJETO DE BRASIL INCONCLUSO
REFERÊNCIAS
IMAGEM DO HANGAR DA GALEOTA IMPERIAL
INTRODUÇÃO
O objeto central do presente trabalho é a atuação política dos áulicos¹ durante o Primeiro Reinado, com ênfase nos deputados, senadores e publicistas áulicos fluminenses, além do entendimento de um projeto político² áulico. Entende-se o grupo dos áulicos como aqueles indivíduos que apoiaram o governo de D. Pedro I, mais precisamente após a dissolução da Constituinte de 1823, contra as facções políticas rivais, e optaram pelo posicionamento político favorável à Monarquia Constitucional centralizada, sob o Reinado e a representação política-administrativa centralizada de D. Pedro I. A imprensa áulica exerceu papel de destaque nesse período, ao buscar defender a legitimidade do governo constitucional e a imagem de D. Pedro I perante a opinião pública³, reafirmando seus postulados políticos por meio dos impressos. Os áulicos inicialmente tinham como ideias basilares a defesa dos ataques emanados pelos partidos⁴ rivais, a manutenção da ordem pública e da integridade territorial, o reconhecimento internacional da independência e a construção de uma monarquia constitucional com forte poder centralizador.
O recorte temporal da obra circunscreve-se ao Primeiro Reinado (1822-1831), tendo como pilares a conjuntura que se segue à independência, em 1822, e os rearranjos da elite⁵ política, no mesmo ano, as discussões na Assembleia Constituinte de 1823, a dissolução desta, em 12 de novembro de 1823, a reabertura dos trabalhos na Assembleia Geral, em 6 de maio de 1826, findando no desgaste político dos áulicos durante as discussões nas duas legislaturas (1826 e 1830), e a subsequente abdicação do imperador D. Pedro, em 7 de abril de 1831.
Embora o objeto central sejam os áulicos no Primeiro Reinado, são trazidos à luz, de forma secundária, outros grupos políticos que formaram e compuseram esse período, principalmente a partir de 1826: os liberais moderados e, posteriormente, os liberais exaltados⁶. Nesse caso, a análise desses dois grupos consiste somente nas ideias veiculadas por meio de alguns periódicos e nas propostas discutidas na Assembleia Geral, a partir de 1826. A finalidade deste estudo é construir um paralelo ideológico para compreender o grupo que, de fato, é o alvo do livro: os áulicos. Para estes, serão consideradas as discussões nos jornais e na Assembleia Geral, mas é feita, também, a identificação de alguns dos representantes que atuavam nesses distintos espaços de representação política, isto é, na imprensa e no Legislativo. Para isso, o cruzamento de elementos biográficos desses indivíduos, por meio de estudos prosopográficos, permite saber se esses homens frequentaram círculos comuns de amizade e sociabilidade. Esses esforços ajudaram a visualizar se, de alguma forma, esses indivíduos favoráveis ao governo central conviviam, coadunavam e articulavam ideias similares e propostas entre os diferentes setores.
A política centralizada do Primeiro Reinado — encabeçada pelo imperador e apoiada pelos áulicos — foi patente em diversos eventos, como a dissolução da Constituinte, a expulsão da Bahia das tropas portuguesas, a outorga da Constituição, a prerrogativa do Poder Moderador, a nomeação de presidentes de Província, a formação e nomeação de conselheiros de Estado e Ministérios aristocráticos sem o apoio parlamentar, o Senado vitalício, a violenta repressão à Confederação do Equador e à Cisplatina, além de quaisquer outros movimentos no mesmo período contrários à soberania do imperador; a prisão e extradição arbitrária de opositores políticos, o cerceamento à liberdade de imprensa e expressão, a postergação da implantação das assembleias gerais, os embates constantes com a Câmara dos Deputados, em 1826, a concessão de honrarias e títulos de nobreza, o envolvimento na questão da sucessão do trono lusitano, a outorga de uma Constituição em Portugal após a morte do seu pai, D. João VI, e os elevados gastos públicos em meio à crise econômica. Com isso, percebe-se que o Primeiro Reinado foi o período em que a prática centralizadora do poder imperial extrapolou a esfera política e permeou a esfera administrativa. Ambos os poderes — político e administrativo — foram vigiados nas províncias⁷.
Os áulicos apoiavam as políticas autoritárias de D. Pedro, além de construírem um perfil positivo da Constituição outorgada de 1824. O Poder Moderador foi um dos pontos mais polêmicos e criticados pelas facções rivais, porém defendido firmemente pelos áulicos como um poder que desfrutava de um lugar superior em relação aos outros poderes. José da Silva Lisboa⁸, por exemplo, enalteceu esse poder como a mais brilhante joia do diadema imperial
⁹. Em minha dissertação de mestrado, foram analisados 17 áulicos entre o período de 1824 e 1826, três publicistas e 14 conselheiros de Estado e ministro. Foram eles: João Vieira de Carvalho (marquês de Lages), Luís da Cunha Moreira (visconde de Cabo Frio), José Joaquim Carneiro de Campos (marquês de Caravelas), Manuel Jacinto Nogueira da Gama (marquês de Baependi), Francisco Vilela Barbosa (marquês de Paranaguá), José Egídio Álvares de Almeida (marquês de Santo Amaro), Antônio Luís Pereira da Cunha (marquês de Inhambupe), Clemente Ferreira França (marquês de Nazaré), João Severiano Maciel da Costa (marquês de Queluz), Estêvão Ribeiro de Resende (marquês de Valença), Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta (marquês de Barbacena), Mariano José Pereira da Fonseca (marquês de Maricá), João Gomes da Silveira Mendonça (marquês de Sabará), Sebastião Luís Tinoco da Silva, José da Silva Lisboa (visconde de Cairu), Pierre Plancher e Jean Baptiste Desloye. Todos foram conselheiros de Estado e/ou ministros no período de 1824 a 1826, afora José da Silva Lisboa, o principal representante áulico na imprensa, Jean Baptiste Desloye e Pierre Plancher, que também tiveram papéis de destaque como publicistas, representando a imprensa áulica fluminense. Todos esses homens ocupavam os principais cargos de confiança do imperador e apoiavam D. Pedro como soberano perpétuo, responsável pela manutenção da ordem, do bem comum e da unidade nacional.
Vale ressaltar que esses áulicos foram formados nos moldes da ilustração portuguesa¹⁰. Essas luzes adotavam parte das ideias de progresso do iluminismo, principalmente o constitucionalismo, ao mesmo tempo que conviviam com práticas e ideias de Antigo Regime. As luzes portuguesas visaram ao fortalecimento do Estado e à racionalização administrativa, entretanto, continuavam presas a uma mentalidade que resguardava a visão litúrgica do mundo e os valores monárquicos, como o status de nobreza e a concessão de privilégios e honrarias¹¹.
No dia 6 de maio de 1826 houve a reabertura dos trabalhos na Assembleia Geral, na qual senadores e deputados disputaram arduamente os espaços pela soberania política. Uma das primeiras críticas levantadas pelos deputados — em sua grande maioria formada pela bancada dos liberais moderados¹² — foi sobre a liberdade de imprensa, que, desde 1823, era duramente perseguida. A reabertura da Assembleia Geral representou a volta das discussões políticas e a retomada de um importante espaço político, dissolvido em novembro de 1823.
Mesmo o poder central se utilizando de outros espaços de representação política, como as praças, a imprensa, o Conselho de Estado e o Ministério, que também tiveram um papel importante na formação política do Império recém-independente do Brasil, a Assembleia Geral, a partir de 1826, sem dúvida, tornou as discussões mais candentes e enriqueceu os debates entre os políticos de diferentes matizes, com apoio da imprensa, que fervilhavam diferentes ideias e projetos. Toda imagem de uma sociedade justa, tranquila, amiga do bem comum, da justiça e da ordem que foi sendo construída pelos áulicos durante o período de maior controle do Primeiro Reinado (1824-1826), começou a ser criticada pelas facções rivais com o recomeço das atividades parlamentares.
Portanto, desde 1826 até à Abdicação, os áulicos começaram a vivenciar variadas experiências de debates políticos, com maior intensidade e em diferentes espaços públicos¹³. É nesse período que a obra pretende ater-se com maior esmero, mas sem deixar de lado o período anterior a 1826. A intenção deste estudo é compreender a atuação política dos áulicos durante todo o Primeiro Reinado.
Os áulicos trabalhados são aqueles que ocuparam posições privilegiadas dentro do centro político do Império: senadores, deputados e os redatores da imprensa áulica. Investigar a relação desses homens com o soberano facilita a compreensão de um tipo de conduta política imperial unificada e forjada por ambas as partes.
A proposta maior é mostrar que o elo entre os áulicos foi o próprio governo central, suas ações políticas, ideias e práticas. Além disso, cabe evidenciar que foi por meio desses representantes áulicos que as ações do governo espraiavam-se. Para identificar essas relações, foi fundamental compreender se os áulicos seguiram e apoiaram aos menos os princípios básicos do governo central de D. Pedro I. Esse foi o norte condutor para entender os áulicos como grupo.
O Primeiro Reinado foi um contexto que conheceu pouca ênfase pela historiografia, exceto as sublevações nas províncias do norte, no extremo sul e os estudos biográficos sobre a vida de D. Pedro¹⁴; esses sim foram temas mais visitados pelos historiadores. A pouca expressividade sobre esse período político deve-se a um somatório de questões, como ausência de atividades parlamentares durante três anos (1824-1826), predominância de apenas um grupo político ligado ao governo central, ausência das atas do Conselho de Estado, que só começaram a ser registradas em 1828, os intermitentes cerceamentos aos impressos, além da visão habitual de se tratar o Primeiro Reinado como um período político absolutista. Todos esses fatores, sobretudo os específicos daquele período, reduziram a quantidade de fontes se comparado aos períodos históricos posteriores.
A maioria dos trabalhos sobre o Primeiro Reinado hesita acerca do período de 1824 a 1826, por ser de forte controle e ausência do Poder Legislativo. Além disso, analisando todo o Primeiro Reinado, pouco se sabe sobre os áulicos¹⁵ e seus jornais. Talvez o grupo tenha sido preterido por estar ligado aos principais núcleos de poder junto ao imperador. Outros também avaliaram o Primeiro Reinado apenas como um período de transição e adaptação política no pós-independência. Convém, então, discutir parte da historiografia sobre o Primeiro Reinado relacionada ao presente objeto.
Grandes trabalhos sobre o Primeiro Reinado estão registrados na primeira metade do século XX, período em que a produção sobre a independência e o Império teve seu auge e foi estimulada devido à comemoração do centenário da independência, em 1922. Inúmeras coleções sobre história do Brasil Império foram lançadas e reeditadas. Tobias Monteiro foi responsável por uma grande obra na década de 1930 sobre o período, talvez a mais completa até hoje. Dividida em dois tomos, sua obra tem um caráter mais descritivo, utilizando-se de um enorme aparato de fontes institucionais, sinônimo de fidedignidade, aos moldes de Ranke. De forma pormenorizada, descreveu as situações políticas, administrativas e pessoais de D. Pedro. Enfatizou o autoritarismo do imperador, a dissolução da Constituinte, a outorga da Constituição de 1824 e a criação do Poder Moderador, que foi influenciado diretamente pelas ideias de Benjamin Constant¹⁶, que propunha o Poder Neutro. A preferência pela análise política, basicamente a política institucionalizada, na obra de Tobias Monteiro, segue os mesmos parâmetros dos historiadores políticos do final do século XIX¹⁷.
Esses assuntos pontuais e mais descritivos também fizeram parte do trabalho de outro autor contemporâneo a Tobias Monteiro, o historiador Pedro Calmon. Calmon foi responsável pela volumosa e importante obra: História do Brasil, em cinco volumes. O primeiro tomo foi publicado em 1939, e o último, em 1955¹⁸. O autor, assim como Tobias Monteiro, fez uso de um enorme arcabouço de fontes, inclusive citando algumas vezes Monteiro como referência para falar sobre o Primeiro Reinado. A obra tem algumas características teóricas dos grandes manuais históricos produzidos no século XIX, como a supervalorização dos grandes eventos e das grandes personalidades históricas. Todavia, há na obra um olhar mais amplo sobre os eventos, que transcende a visão puramente política e adentra em aspectos econômicos e culturais. Além disso, as fontes utilizadas extrapolam as institucionais; os jornais e outros impressos também foram utilizados como recurso para identificar as diferentes tendências de pensamento da época.
Outro ponto interessante do autor foi o esforço em compreender o Primeiro Reinado não exclusivamente a partir da figura do imperador. Constatam-se na obra, mesmo que de forma superficial, a presença de diferentes ideias que circulavam no Brasil e a importância das sociedades secretas, agremiações e outras redes de sociabilidade para o jogo político durante o Primeiro Reinado. Calmon reforçou a relevância da análise dos jornais que fornecem aos movimentos de contestação a exaltação verbal, incendiando