Direito na Ditadura: O uso das leis e do direito durante a ditadura militar
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Pré-visualização do livro
Direito na Ditadura - Demetrius Silva Matos
LISTA DE SIGLAS
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
AI – Ato Institucional
AL – América Latina
CF – Constituição Federal de 1988
EUA – Estados Unidos da América
FIP – Força Interamericana de Paz
JID – Junta Interamericana de Defesa
Mw – Megawatt
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OEA – Organização dos Estados Americanos
STF – Supremo Tribunal Federal
UDN – União Democrática Nacional
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
PREFÁCIO
Nada enche mais um professor de orgulho do que ver o desenvolvimento pessoal e acadêmico dos seus alunos. Quando esse crescimento se converte em uma pesquisa monográfica de qualidade, e esta, em livro, a satisfação e sensação de cumprimento de dever só aumentam.
A obra que você, leitor, agora lê é fruto da incansável curiosidade do autor com a história do nosso país e do mundo. Difícil deixar de notar o autor que, ainda no começo da sua trajetória de estudante de Direito, estava sempre pronto a responder, com a humildade e exatidão que lhe são peculiares, qualquer indagação que o seu professor de História do Direito dirigisse à turma.
Difícil, também, deixar de notar que o autor sempre podia ser encontrado em sala e nos corredores da faculdade com um livro de história nas mãos e com um sorriso terno pronto para explicar a que período e lugar a sua paixão lhe levavam daquela vez. E foi essa paixão pelo conhecimento sobre a história recente do país que levou o autor a escrever a presente obra e que dá a certeza de que, em um futuro próximo, pelo seu empenho e esmero com a pesquisa acadêmica, estudantes e profissionais ávidos por conhecimento histórico estarão com a presente obra em suas mãos, pelos corredores e salas de aula do país.
Do mesmo modo, se destaca a coragem que levou o autor, em tempos tão ameaçadores à democracia e ao Estado de Direito, a enfrentar tema tão intrigante e que ainda suscita tantos debates e reflexões: como se deu a relação entre as instituições jurídicas responsáveis por salvaguardar a ordem jurídico-constitucional brasileira e a ditatura militar?
Não é de hoje que os golpes perpetrados contra regimes democráticos usem de artifícios os mais diversos para promover a sua legitimação, assim como não é de hoje que as instituições jurídicas sejam convidadas, em maior ou menor medida, a fazer parte de um grande acordo nacional
de justificação e legalização
de atitudes arbitrárias de cerceamento das liberdades civis e políticas.
Mas como se deu tal relação no caso específico do Brasil a partir do golpe civil-militar de 1964? Como isso ainda repercute nos dias de hoje? Como agiu e age o Supremo Tribunal Federal quando o tema é a cruel ditadura que se instalou no país por mais de vinte anos?
O esforço de entender o nosso passado recente é o esforço de enxergar e mostrar aos demais as feridas abertas que alguns teimam em dizer que nunca existiram. São esses temas que, corajosamente, o autor enfrenta nesta obra e que em muito podem contribuir para que você, caro leitor, compreenda mais acerca de um período tão conturbado da história do nosso país, e para que, vigilantemente, cuidemos do fortalecimento das nossas instituições e da nossa democracia, para que o mal não se repita e o nosso Estado Democrático de Direito cumpra o seu papel constitucional.
Arnaldo Vieira Sousa
Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão
INTRODUÇÃO
Contemporaneamente, tem-se uma noção de que o Estado e as leis são frutos da racionalidade humana, criados por meio do diálogo entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), assim como entre os demais integrantes do governo e do estado, de modo a efetuar legislações, jurisprudências e políticas que melhor sirvam ao interesse dos cidadãos, ou seja, da sociedade (Novelino, 2016).
Tal visão, embora referendada pelos diversos doutrinadores do direito, demonstra-se superficial e ingênua quando vista pelo ponto de vista histórico. Em diversas ocasiões, ao longo da história, tanto a figura do Estado quanto as leis por ele feitas foram utilizadas para propósitos que em nada refletem o papel, hoje, estabelecido para ele, geralmente por aqueles que governavam por uma perspectiva não democrática, ou seja, autoritária. Diversos déspotas e ditadores de toda estirpe, quando no controle de um Estado, o utilizam, bem como suas leis, para fazer valer suas posições, seus objetivos e propósitos, sendo esses que dificilmente comungariam com o atual papel do Estado e das leis de fortalecer a democracia e a cidadania. Como exemplo desta brutalidade de outrora, tem-se a seguinte frase: Parem de citar leis para nós. Carregamos espadas
(Martin, 2014).
A frase acima foi proferida por Cneu Pompeu Magno, político e general romano, como resposta a um grupo de estrangeiros que reclamaram do tratamento injusto que recebiam dele. Tal frase, por meio de uma análise ampla, demonstra uma grande prepotência e arrogância de Pompeu, pois este, um dos maiores e mais poderosos generais de sua época, estava deixando bem claro que poderia fazer o que bem entendesse, independentemente de haver leis ou costumes que contrariassem sua vontade, e aqueles que não estivessem satisfeitos poderiam simplesmente tentar enfrentá-lo, o que, considerando seu poder e influência, seria o mesmo que um suicídio.
Embora milênios separem a época em que essa frase foi proferida, em relação à nossa realidade atual, percebe-se com certo pesar que ela, bem como seu contexto, permanece bastante atual. Nos dias de hoje, apesar de todos os esforços jurídicos e legais para que as leis e as instituições democráticas prevaleçam sobre a vontade dos indivíduos, quando estes possuem metas ou objetivos impuros, o que mais se encontra presente no meio social são pessoas que buscam burlar ou contornar as normas, a fim de verem cumpridos os seus objetivos, sem se importar com as consequências de suas ações. Tal atitude, embora bastante atual, foi vista nitidamente no Brasil há mais de cinco décadas e, pior, feita por pessoas que deveriam em tese manter a lei e a ordem.
Entre os anos de 1964 e 1985, o Brasil passou por um traumático e ainda controverso período conhecido como ditadura militar. Período – considerado um dos mais sombrios da história brasileira ou uma era de paz e prosperidade, a depender do interlocutor – que marcou e ainda marca muitos dos diversos aspectos da sociedade brasileira.
Dentre as influências e heranças da ditadura militar para o Brasil, essas se encontram presentes em aspectos populacionais, sociais, políticos, ambientais e jurídicos (o foco desta pesquisa). Como exemplo, temos a existência de diversos direitos sociais e políticos, bem como garantais individuais, presentes na Constituição de 1988, que tratam de consequências da época em que tais garantias individuais e direitos foram sumariamente ignorados e/ou violados, durante a ditadura, de modo a evitar que tais violações e abusos voltem a acontecer.
Da mesma forma que a Constituição atual, a criação de entidades como a Comissão Nacional da Verdade também se deve como uma resposta aos abusos cometidos durante a ditadura, no caso de violação dos direitos humanos, tais como a tortura e o desaparecimento de opositores dos militares. Para além dessas duas, foram criados diversos outros mecanismos legais e extralegais para servirem como resposta à herança nefasta da ditadura, cujos detalhes não serão adentrados.
Então, para o melhor entendimento dessas e outras construções contemporâneas que visam coibir abusos e garantir direitos, como se fosse uma espécie de reparação histórica
, é necessário ressaltar o óbvio: os militares da ditadura foram efetivamente o Estado brasileiro, entre 1964 e 1985, e os cinco generais que ocuparam o posto de presidente da República (Humberto de Alencar Castelo Branco; Arthur da Costa e Silva; Emílio Garrastazu Médici; Ernesto Geisel e João Figueiredo) se valeram do direito, das leis e das instituições brasileiras para realizarem seus propósitos e planos, que diversas vezes ocasionaram a violação de