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Tramas Que A Vida Tece
Tramas Que A Vida Tece
Tramas Que A Vida Tece
E-book364 páginas5 horas

Tramas Que A Vida Tece

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Sobre este e-book

Na busca por estabilidade financeira Luiza enfrenta diversos desafios e os mais distintos problemas dos seus pacientes e da sua própria vida. Nesse percurso, ela se apaixona e se defronta com situações e pessoas inescrupulosas em um jogo de vale tudo. Uma história envolvente e emocionante com doses de drama, amor, suspense e cobiça, onde a vida caprichosamente tece suas tramas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de jan. de 2010
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    Tramas Que A Vida Tece - Elizabeth Marra Marques

    PREFÁCIO

    TRAMAS QUE A VIDA TECE envolvem os leitores a tal ponto que eles se sentem próprios personagens, pois, a narrativa entre eles e os acontecimentos os fazem teletransportar através da imaginação viajando entre o verossímil e o fictício da vida real.

    O Trunfo de ELIZABETH MARRA como escritora é abranger questões de como lidar com os relacionamentos em geral. Na incansável busca pelo que move os seres humanos ‘ Amor, felicidade e prosperidade.

    Mas a vida tece tramas que só o destino é capaz de desvendar.

    Ele brinca e surpreende, coloca e tira pessoas de nossas vidas, como num jogo de xadrez e nos faz perceber que ninguém entra ou sai de um relacionamento por acaso.

    E muitas pessoas se perdem no caminho, usando ou deixando ser usadas, se tornando reféns do medo da solidão, sem se dar conta de que a felicidade independe do outro.

    Outras para alimentar sua ambição que gira em torno de tramas engendradas, pautadas em mentiras e posturas antiéticas para conseguir bens materiais e posição social na ilusão de que se pode ter tudo. E a vida não descansa continua tecendo para que o positivo e o negativo encontre o equilíbrio.

    TRAMAS QUE A VIDA TECE os capítulos são narrados na 3ª pessoa, onde os personagens aparecem e desaparecem á deriva dos acontecimentos.

    Um romance bem escrito com colocação de ações, espaços, tempo e personagens bem delineados.

    O enredo se desenvolve rápido, prendendo nossa atenção.

    Uma linguagem coloquial, simples, objetiva e interativa, permitindo ao leitor uma imediata aproximação com os personagens e suas vidas.

    ELIZABETH MARRA desperta o leitor em elevar a autoestima, para então, seguir em frente; é preciso se posicionar nos relacionamentos, pois, a vida sempre nos dá uma nova chance a cada amanhecer...

    Ninguém nota uma flor murcha, mas se encanta imensamente, pela flor forte que se sustenta na sua plenitude e dignidade.

    I

    Luiza subia devagar uma íngreme ruela em pedras, que não se permitia subir a não ser a pé. Ia completamente inebriada com o doce perfume que emanava dos grandes eucaliptos, dispostos metodicamente enfileirados de ambos os lados.

    Parou. Olhou com êxtase o muro de pedra de um metro e setenta de altura, forrado por duas cores de flores buganvília, vermelha e branca, que vinham do outro lado, os galhos transpassando-se entrelaçados como se estivessem abraçados, um verdadeiro cartão postal. Minha casa, finalmente pronta!, pensou. Depois de três longos e difíceis anos, ela havia conquistado seu sonho. Na construção da casa onde todo seu salário era empregado, na busca de um sonho, quase impossível para uma psicóloga do interior, de família humilde.

    Morava em Andorinhas, uma cidade onde seu pai tinha apenas um pequeno pedaço de terra que herdara de seu avô; dele tirava o sustento de sua família de três filhos, trabalhando arduamente, todo o ano, sob o sol escaldante.

    Luiza, como filha mais velha, tentava ajudar no sustento dos irmãos menores. Toda semana ela atrelava uma carroceria, feita de madeira por seu pai, ao único cavalo que possuíam. Colocava nela as verduras e legumes produzidos pelo pai e os vendia na feira, semanalmente, no centro da cidade. E quando voltava para casa, parava na rua e olhava aquele terreno, fascinada. O terreno que ela tanto almejava e que mais tarde viria a ser dela, pertencia então, à família Godoy.  Ali moravam os irmãos Gilberto e Gilmar com seu tio, que os criara como filhos. E Luiza sempre dizia que um dia teria dinheiro para comprar aquele terreno e construiria ali uma linda casa. Era seu sonho: o lugar mais alto da região, de onde a vista era privilegiada.

    Os anos se passaram. Luiza havia se formado. Sua jornada foi árdua. Tinha que percorrer todos os dias, a pé, dez quilômetros para chegar até a faculdade e sempre ajudando sua mãe a cuidar da irmã caçula então um bebê. Não foi nada fácil. Depois de formada, arrumou emprego como voluntária no único hospital da cidade.

    Dr. Jorge Vianna era o dono do hospital. Tinha quarenta e cinco anos, cabelos muito negros, que pareciam ser pintados, olhos castanhos escuros, nariz delgado, lábios finos e bem delineados. Adorava sorrir e mostrar seus grandes e brancos dentes. Dr. Jorge sempre gostou de Luiza e a admirou por sua garra e beleza.

    Ela, com seus lisos e finos cabelos castanho mel, olhos da mesma cor, um corpo perfeito, uma cintura tão fina que lhe dava ar de fragilidade, como se fosse quebrar, com seus movimentos. Com seu jeito gracioso de andar, uma voz tão suave, que expressava toda sua calma, era querida por todos os pacientes.

    Ela os compreendia tanto que, por vezes, parecia ver sua alma. Ser psicóloga, para ela, além de profissão, era um dom divino. Gostava de ajudar as pessoas a resolver ou aprender a viver com seus problemas. E foi assim, graças a seu amor pelo trabalho, que conseguiu ser contratada rapidamente, com um salário razoavelmente bom. Com isso, conseguia ajudar seu pai no sustento de seus irmãos, Rui e Raquel, e pôde concretizar seu sonho de outrora.

    Rui, o irmão do meio, dizia que queria ser médico e trabalhar perto da irmã, a quem ele admirava e amava mais do que à própria mãe. Raquel, a rapinha do tacho, como dizia seu pai, era ainda muito pequena quando Luiza trabalhava na feira. Para Luiza, Raquel era a boneca que ela não pôde ter quando criança e divertia-se cuidando dela. Fantasiava ser sua mãe. Trocava as fraldas, cantarolava com ela em seus braços até que ela adormecesse. Adormecia com o semblante de quem estava tendo o mais lindo dos sonhos. Colocava-a no berço e ali permanecia por um bom tempo, a certificar-se de que ela não acordaria. Só então ia ajudar sua mãe nos afazeres domésticos. Todos os dias ela levava o almoço do pai na lavoura e saía em seguida para a feira. Nunca se queixou de nada. Estava sempre a sorrir e perdida em seus pensamentos, sonhando. Luiza era uma incurável sonhadora. E era dos seus sonhos que ela tirava toda a força e energia para lutar por seus ideais.

    Lembrava-se ainda, porém com pesar, da triste cena que encontrara quando da vez em que decidira ir fazer uma oferta pelo terreno. Era uma tarde de outono, e as folhas de tamanhos e cores diferentes caíam, devido ao frio que fazia na cidade nessa estação, desfolhando suas árvores para assim enfeitarem as calçadas. Época de colheita, boa e farta, como dizia seu pai. Luiza, aproveitando seu dia de folga no hospital, passou horas no pomar com uma grande cesta feita por sua mãe com varas de vimeiro, planta abundante na região, ajudando seu pai a colher as frutas, principalmente as que haviam caído de maduras. Lavou-se na bica e bebeu dela água fresca e se foi esperançosa rumo ao seu sonho. 

    Quando chegou ao portão de Gilberto e Gilmar pôde ouvir um choro forte. Entrou apreensiva sem bater e viu Gilmar sentado na soleira da porta, inerte enquanto Gilberto chorava ao lado do corpo privado de vida do seu tio Hermes, vítima de um infarto fulminante. Gilberto o sacudia, parecendo querer fazê-lo ressuscitar. Luiza aproximou-se e fez com que ele deixasse o corpo do tio, que ainda estava na cadeira de vime, onde ele sempre se sentava quando queria fumar seu cigarrinho.

    — Gilberto, deixe-o. Ele se foi — disse, virando-o para si e abraçando-o com força, como se seu abraço fosse tirar-lhe a dor. — Venha, sente-se aqui.

    E ajudou-o a se sentar numa poltrona ao lado, passando a mão por seus cabelos, acariciando-o, até sentir que ele estava calmo. Aproximou–se também de Gilmar, segurou–o pela mão e o ajudou a levantar-se.

    — Venha Gilmar, preciso de sua ajuda. Temos coisas a providenciar.

    Ele levantou-se e, como um pedido de socorro, com um choro embargado e um nó na garganta, agarrou-se a ela e apertou-a contra o peito. Luiza disse calmamente:

    — Chore Gilmar, chore! Ponha para fora essa dor.

    Ela o deixou chorar até que ele desabafasse toda a angústia contida no peito. Depois o fez voltar à razão.

    — Vamos — ela disse, calmamente. — Temos que levar o corpo para o hospital, para fazer a autópsia para o laudo do atestado de óbito.

    Gilmar se aproximou, abraçou o irmão. Um transmitia força ao outro através do abraço, um abraço que desatava os nós de angústia formados dentro do coração.

    — Está bem, vamos — disse Gilmar.

    Carregaram o corpo do tio até descer a rua e colocaram-no na velha caminhonete. O enterro prosseguiu normalmente. Quase todos os moradores compareceram. Hermes era muito respeitado por todos. Luiza se despediu deles e foi para casa sem dizer nenhuma palavra acerca do motivo de sua visita, o momento não era propício.

    Luiza sabia que Hermes fora como um pai para os dois e que cuidou deles desde que seu irmão Joaquim morreu. Talvez Joaquim tenha morrido de desgosto por não suportar a dor que sentiu por Wanda ter ido embora com seu melhor amigo, Fausto. Luiza se lembrava vagamente de tudo. Era ainda criança e ouvia sua mãe dizer que ele morreu de amor. E pensava: Nunca vou amar ninguém!

    Hermes dedicou-se inteiramente a seus sobrinhos, que, para ele, eram seus maiores tesouros. Fê-lo em gratidão ao seu irmão, a quem ele tinha como pai. Joaquim cuidou dele quando a febre amarela os fez órfãos. Nunca tiveram uma vida farta, mas nunca lhes faltou o essencial, e foram felizes.

    E toda vez que Hermes se sentava naquela cadeira e acendia o cigarro, deixava seus pensamentos divagarem em busca das lembranças de Margareth, seu amor adolescente. Lembrava-se de seus beijos, os sonhos e planos que faziam juntos nos momentos íntimos de amor. A beleza de seu corpo nu, com cabelos tão longos que alcançavam a linha da cintura. Entrelaçado a ela, na beira do riacho de águas verdejantes, como esmeraldas, eles faziam amor até extasiarem-se. E depois dormiam abraçados por horas. Hermes suspirava profundamente, entre um trago e outro, saudoso.

    Gilberto e Gilmar, os gêmeos, eram ainda muito crianças quando Wanda, sua mãe, se foi. Não entendiam o que se passava. Joaquim, o saudoso e amado irmão de Hermes sempre arranjava uma desculpa, nunca quis denegrir a imagem da mãe diante dos filhos. E no seu âmago nutria a esperança de que um dia ela fosse voltar e que tiraria dele aquela catatônica dor. 

    Mas Hermes deixou tudo para trás. Precisou largar mão de tudo. Não conseguia trabalhar, estudar e cuidar de duas crianças, sozinho. Era ainda muito imaturo. Estava saindo da adolescência, cheio de sonhos e nunca havia trabalhado, pois Joaquim não deixava, temia que fosse prejudicá-lo nos estudos. E além da dor da perda do irmão Joaquim teve que amargar sua primeira grande decepção quando se encontrou com Margareth, sua namorada desde a infância, que já estava a par da morte de Joaquim — coisa de cidade pequena, onde as notícias corriam, principalmente as ruins, diziam até que elas vinham a cavalo.

    Ela o deixou falar, chorar, enfim desabafar, mas já tinha em mente sua decisão. Mesmo que fosse parecer cruel aos olhos dele, precisava usar de toda franqueza, sabia que o apunhalaria cruelmente e sofria também sua dor, mas não se perdoaria se abrisse mão dos seus sonhos e mais tarde cobrasse isso dele. Seriam duas vidas infelizes e sacrificadas. Disse-lhe tudo, amargando cada palavra. Beijou-o no rosto e se foi, sem olhar para trás e sem deixá-lo dizer mais nada. Ele não queria acreditar na agrura do destino, que parecia brincar com ele também, repetindo ironicamente sua façanha: duas vidas, dois irmãos; Hermes e Joaquim, que foram abandonados por seus amores.

    Três semanas se passaram desde a morte de Hermes. Luiza estava atendendo em seu consultório, quando a porta se abriu e os irmãos Godoy entraram.

    — Com licença, Dra. Luiza.

    — Entrem, por favor. Sentem-se e fiquem à vontade.

    — Doutora — começou Gilberto. Sei que é muito ocupada e não vou fazer rodeios. Estamos aqui para perguntar-lhe se ainda tem interesse por nossa casa.

    Luiza, sem conseguir esconder seu contentamento, abriu um largo sorriso e respondeu prontamente:

    — Sabem que sempre gostei daquele lugar.

    Quando Gilberto disse o preço que queriam, Luiza não pôde acreditar, era uma oportunidade irrecusável.

    — Claro, sinceramente não queria que fosse nessas circunstâncias, mas... — Luiza ia dizer mais alguma coisa quando foi interrompida por Gilmar.

    — Resolvemos vender e ir embora. Vamos andar por aí e procurar nossa mãe. Quem sabe ela ainda pode estar viva. E gostaríamos muito de encontrá-la. Afinal, é nossa mãe, e também é nosso único parente vivo.

    — Que bom! Fico feliz por vocês, principalmente porque vejo que não guardam nenhum ressentimento.

    — Aprendemos com tio Hermes, que sempre nos ensinou que, quem tem o direito de julgar é Deus. Grande sujeito! Deu-nos tanto e nunca pediu nada em troca. Então, voltando ao assunto... Como sabíamos que íamos fazer negócio, já providenciamos tudo no cartório, ratificou Gilberto.

    Luiza leu o documento, assinou e fez o cheque, feliz. Seu sonho, agora, era real. Quando iam saindo, Luiza disse:

    — Escrevam dando notícias...

    Luiza, então, logo que pôde, mandou derrubar a velha casa que era feita de madeira e já estava completamente tomada pelos cupins. A construção da nova casa levou oito meses, mas valeu a pena. Admirada, abriu o portão em madeira que ela mandara envernizar para proteger do sol e da chuva.

    À frente da casa havia um lago artificial, que ela mandara fazer, com pilares em pedras para servir de travessia, com muitas plantas aquáticas e uma fonte em forma de livro aberto, de onde entornava água. Era uma reverência ao senhor do saber, de onde se podia ter todo o conhecimento que se quisesse de tudo sobre o mundo. Os livros sempre exerceram um grande fascínio a ela. Desde criança. Na escola, na hora do recreio, preferia ficar na biblioteca a brincar com as outras crianças.

    — Um dia vou ter uma biblioteca igual a essa! — dizia. E quando recebeu seu primeiro salário, comprou seu primeiro livro. Daí em diante todo mês reservava parte do salário para os livros. E os lia, um após o outro.

    Dos irmãos, ela tinha sempre notícia. Rui não se tornou médico como queria; virou piloto. Raquel estava na capital, estudando, abrindo e trancando matrícula na faculdade. Não conseguia decidir o que realmente queria. Pulava de um curso a outro, como macaco de galho em galho. E Luiza, sempre mandando dinheiro para ajudá-la. Sua mãe, por ironia do destino, havia falecido no mesmo dia em que as chaves de sua casa foram entregues, pela construtora. Foi um momento muito conturbado para Luiza. Dor e alegria em grandes proporções misturavam-se dentro de si, uma verdadeira orgia de sentimentos. E olhava para a varanda que rodeava sua casa, com muitos vasos de samambaia, a planta preferida de sua mãe. Desejava que ela pudesse estar ali, contemplando aquela beleza. Imaginava o quanto ficaria feliz com algo para ocupar-se.

    Ao lado, da quina da varanda, podia ver toda a cidade. Tinha a cadeira de balanço que ela havia colocado para o seu pai. Ele ficava balançando e sentia-se feliz e orgulhoso por Luiza.

    Ele pouco falava de Sílvia, sua finada mulher. Era uma espécie de fuga. Não falava pra não pensar e, consequentemente, não sofrer. Sílvia tinha sido sua grande companheira; uma mulher batalhadora, que havia falecido depois de lutar durante anos contra um câncer. Nunca a ouviu se queixar de nada. Quando as dores começavam, ela encostava a porta do quarto, e todos já sabiam que não era para entrar. Lá dentro, ela chorava silenciosamente, sufocando os gemidos entre dentes serrados para que ninguém sentisse pena dela. Sílvia jamais suportaria ver pena nos olhos de quem quer que fosse. Numa tarde fria e sombria chamou Luiza. Sílvia precisava agradecer-lhe e dizer o quanto se orgulhava por ela sempre se dispor a ajudar a todos, com satisfação e alegria.

    Luiza olhou para ela e teve receio de abraçá-la e vê-la morrer em meus braços. Não conseguia conter as lágrimas que se formavam em seus olhos. Correu e abraçou-a, na tentativa inútil de esconder-lhe o medo que a assombrava. Tinha que continuar se fazendo de forte, tinha que passar a ela a impressão de que tudo ficaria bem, de que ela ia ficar boa, mesmo contrariando sua convicção. Sua mãe, lutando contra a grande dificuldade de exprimir seus sentimentos, murmurou baixinho ao seu ouvido: Eu te amo!, beijando ainda sua face úmida pelo choro que não conseguia conter. Foram as lágrimas mais salgadas e ardidas que seus olhos despejaram. Depois, ela disse:

    — Não se preocupe, ainda não chegou a minha hora.

    Deitou-se lentamente na cama, com os olhos fixos em Luiza. Ela nunca mais, nem que vivesse por mil anos, se esqueceria daquele olhar. Saiu daquele quarto e foi para a parte de trás da casa. Sentou-se no chão e chorou. Chorou até aliviar toda aquela dor acumulada no recôndito da alma.

    II

    Seis meses se passaram desde a morte de Sílvia. A saudade ainda latente doía, era dor que nunca se acabava, mas que se transformava e amenizava pelas boas lembranças, num compartimento do pensamento. Lembrava vez por outra das palavras de incentivo da mãe, da sua bravura em lutar sem nunca se cansar. Sílvia era sábia. Apesar do pouco estudo, sabia o que dizer, como dizer e o momento em que dizer. Suas palavras sempre se encaixavam como luvas, e moldaram o caráter dos filhos. Uma tarefa difícil, que Sílvia desempenhou bem, com porções de amor e doses de paciência.

    Luiza estava às voltas com a construção de seu consultório, mais um de seus sonhos. Uma sala ampla com estrutura em metal, toda em vidro temperado, lembrando uma grande estufa. Queria um ambiente condizente com as necessidades de seus pacientes, que pudesse fazê-los se sentirem bem e acomodado; que transmitisse paz e harmonia, facilitando assim a conexão médico e paciente. De cada parede de vidro, um deslumbrante cenário. À frente, via-se o lago na entrada da casa. Do lado direito, eucaliptos enfileirados, formando uma enorme e deslumbrante cerca viva, e por fim as buganvílias floridas, formando um arco colorido por cima dos muros. Um espetáculo! Do lado esquerdo, ao entardecer, viam-se as luzes de toda a cidade, milhares de pontinhos como se fossem estrelas. Dava para a imaginação viajar nelas. E, na outra parede, cortinas em organdi, em toda sua extensão, protegendo assim a mobília dos primeiros raios de sol que ali insistiam em pousar todas as manhãs. A mobília era toda branca. Havia um aparador disposto lateralmente com as cortinas e as portas pareciam grandes harpas.

    Em cima do aparador, duas jarras azuis em vidro transparente, que Luiza nunca deixava sem flores. As flores eram colhidas em seu próprio jardim, todas as manhãs de domingo, antes de ir para a capela que ficava próxima ao calçadão na orla da lagoa, onde corria aos domingos antes de o sol nascer. O divã era também branco, em couro. Havia também uma mesinha redonda com tampo em vidro pulverizado com jato de areia onde sempre tinha um jarro de vidro com água fresca, um pote com biscoitos tipo grissini e uma estante com portas em treliças, protegendo, assim, os livros da poeira e do sol e mantendo uma ligeira ventilação.

    Luiza pretendia abandonar o hospital e trabalhar por conta própria. E sempre se deitava na rede que havia na varanda, para descansar um pouco antes de retornar ao hospital. Luiza não sabia porquê, mas agora que havia conquistado grandes sonhos, deveria estar feliz, e no entanto, sentia uma profunda melancolia que ela não sabia explicar, colocando em conflito seus sentimentos.

    Permaneceu por ali, aproximadamente uma hora, balançando de um lado para outro, pensativa, tentando entender o que se passava com ela. Só despertou ao maravilhar-se com num filete dourado de raio solar pousado nas colinas, bordando toda sua superfície como se fosse uma deslumbrante pintura viva. Podia perde-se para sempre diante daquele cenário hipnótico.

    No hospital, Dr. Jorge Vianna andava de um lado para o outro, impaciente, quase perfurando o assoalho com o impacto do seu calcanhar. Não sabia como dar a notícia a ela. Luiza entrou cheia de entusiasmo para contar ao Dr. Jorge Vianna, seu chefe e grande amigo, que seu consultório estava pronto. Correu ao seu encontro com um sorriso que foi se fechando à medida que se aproximava e via, em sua expressão, que algo não ia bem.

    — Luiza, venha comigo. Não sei como te dizer...

    Dr. Jorge, hesitante, temendo que ela desfalecesse, pediu-a para se sentar. Ela notou em sua tez uma ruga de preocupação e sentiu um mau presságio. E, se enchendo de coragem, não hesitou em perguntar:

    — Diga doutor, o que houve? Algum paciente meu cometeu um desvario? Não me diga que a Natália...

    — Não, não. — Jorge interrompeu-a. — É sobre Rui...

    — O que houve com ele?

    — Deu entrada no hospital. O avião que ele pilotava caiu.

    — Como caiu? Não pode ser. Diga que não é verdade! — Luiza ficou paralisada e boquiaberta.

    Ela ficou por um tempo, atônita, sem saber o que dizer. As palavras lhe escapavam dos lábios pelo abalo emocional que sofrera; ela andava de um lado para outro, tentando se restabelecer do choque. A única preocupação que lhe passava à cabeça eram como seria a reação de seu pai ao receber aquela horrenda notícia. Respirou fundo, engoliu o choro que lhe subiu sufocante à garganta e pediu ao Dr. Jorge que a levasse até Rui, mas antes, à custa de uma angústia cortante, perguntou:

    — Meu Deus! Onde ele está? Está vivo?

    — Calma, ele está vivo, sim.

    — Graças a Deus, doutor.

    — Parece que estava voltando para casa, com sua noiva.

    — Noiva!? Que noiva? — perguntou Luiza, aturdida. — Não sabíamos que ele tinha uma noiva! Como eles estão? O que aconteceu? Por favor, me diga tudo.

    — Calma, Luiza, calma! Rui está em coma. O estado dele é grave, muito grave.

    — Meu Deus, não!

    Enquanto caminhavam, ele entregou a ela a bolsa de Mirian. Dentro estava o convite de casamento dos dois, que se realizaria no próximo mês. Luiza olhou, soltou um suspiro profundo e engoliu em seco.

    — Como ela está doutor?

    — Fizemos de tudo para salvá-la... e ao bebê.

    — Bebê? Meu Deus! Tem um bebê também? Não me diga...

    — Sim Luiza, ela estava grávida. Infelizmente, ele não resistiu. Conseguimos tirá-lo com vida, prematuro. Parecia forte. A mãe permaneceu viva e lúcida até o filho nascer. Sinto muito...

    Luiza entrou na UTI e olhou o irmão. Tentava se controlar. Seu estado físico não era nada animador, entre gessos, ataduras, sondas e um maquinário assustadoramente necessário, ligado a ele por intermináveis fios, que preservavam ainda a vida em seu corpo inerte.  Luiza, por um instante, perdeu o controle. Chorando, Luiza saiu aos tropeços. Dr. Jorge a abraçou. Desejou beijá-la naquele momento e dizer o quanto a amava. Queria poder tomar conta dela, envolvê-la em seus braços e protegê-la, quando viu aquela forte mulher, tão destemida, agora tão frágil, respirou fundo, teve que se conter.

    — Você precisa ser forte. Tem providências a tomar. Precisamos avisar a família da moça e cuidar dos enterros.

    — Jorge — chamou Luiza, esquecendo as formalidades.

    Ele olhou surpreso, mas com contentamento. Era a primeira vez em que ela o tratava assim. Imediatamente, Luiza percebeu e se desculpou.

    — E o papai? Meu Deus, doutor, como dizer tudo isto a ele? Não sei o quanto ele pode aguentar.

    E deixou escapar um suspiro profundo como um pedido de socorro.

    — Não se preocupe, Seu Pedro é forte. Se você quiser, eu posso acompanhá-la.

    — Obrigada, eu aceito.

    Pedro reagiu melhor que esperavam. Ficou abalado, mas instantaneamente se recompôs. Correu até o quarto, pegou seu gorro, seu cachecol, e pediu que o levassem imediatamente para o hospital.

    — Mas papai, não vai adiantar nada o senhor ir lá agora, ele não pode vê-lo, nem ouvi-lo.

    — Não importa filha. Quero vê-lo, não entende? Preciso ficar perto do meu filho nesse momento. Por favor, Luiza, leve-me.

    O mais difícil para eles foi quando viram a preparação do bebê no caixão. Foi um momento de desolação total. Sem dúvida, a cena mais deprimente e angustiante na vida de todos.

    Wanda e Fausto chegaram e foram direto conhecer a criança. Quando entraram, a criança já estava coberta por cravos amarelos e brancos. Wanda estava totalmente apática, nem tocou na criança, e olhou à distância para o corpo inerte da filha, fruto do seu grande e único amor. Ela mal podia respirar, não acreditava que Mirian estivesse morta, pelo seu semblante, ela parecia dormir. Seu rosto denotava uma satisfação plena, de quem havia conseguido algo muito especial em seus últimos momentos. Uma realização, ver que seu filho nascera, e morreu acreditando que ele sobrevivera. Fausto não tirava os olhos de sua mulher. Ela já tinha sido internada outras vezes com depressão profunda, e sempre começava assim. Ficava parada, olhando para o nada, insensível à dor ou a qualquer sofrimento, apática. Parecia que sabia a hora exata de entrar no seu casulo intocável.

    Logo depois do enterro, Fausto levou Wanda para o hospital, já sabia que era caso de internação. Na recepção, pediu uma consulta com um médico de plantão. A secretária fez a ficha e o pediu para aguardar na sala ao lado. Algum tempo depois, a porta do consultório se abriu e eles foram convidados a entrar. O médico que os atendeu era residente e clinico geral. Deu uma olhadinha na ficha de Wanda e perguntou:

    — Sou o Dr. Mattos. O que os trouxe aqui?

    — Doutor, minha esposa está começando a ter outra crise de depressão. Moramos em outra cidade e viemos aqui para o enterro de nossa filha e do nosso neto, vítimas da queda do avião.

    — Sei, estou sabendo do caso. Eu sinto muito.

    — Obrigado, doutor.

    — Isso é perfeitamente compreensível. Vou receitar uns tranquilizantes e ela ficará boa.

    — Não, doutor. Não se trata só de hoje. Minha mulher sofre de depressão, e quando entra em crise, fica dias

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