Construir a Ficção, Reler a História: Literatura Contemporânea e Ditaduras Latino-Americanas

De Amanda Lacerda

Esse livro originou-se da dissertação de mestrado produzida com apoio da CAPES e defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em abril de 2022. A obra trata das relações entre literatura e história e do modo como a mescla entre ambas pode contribuir para ressignificar as reflexões sobre a violência de Estado e o trauma social vivido em períodos ditatoriais. O conteúdo principal dos capítulos é a análise de narrativas literárias latino-americanas (Brasil e Chile) que abordam as ditaduras militares dos anos 1960/70, com foco no modo como a arte, com suas potencialidades próprias, pode interferir no real para repensar o passado e transformar o presente.

• Idioma: Português
• Editora: Editora Lutz
• Data de lançamento: 1 de out. de 2022
• ISBN: 9786584722064

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Aos mortos e desaparecidos

pelas violências de Estado

de ontem e de hoje

À Leila Darin pela parceria generosa, entusiasmo sincero e leitura crítica do texto aqui publicado. À Beth Brait e Paloma Vidal pelas contribuições no processo da pesquisa que originou este livro. Ao Edu Chammas, Joana Salem, Leonardo Mendes, Diana Navas e Jaime Ginzburg pelo apoio em forma de aulas, leituras e indicações bibliográficas. Aos colegas do Grupo de Estudos Literatura e Ditaduras, vinculado ao PEPG de Literatura e Crítica Literária (PUC/SP). Aos amigos que ganhei ao longo do mestrado: Rose Hirasike, Marcelo Ramalho, Leo Claudiano, Rodrigo Audi, Ju Mutafi, Gi Nascimento e Val Pizzani. Aos amigos de sempre: Micheline Ferreira, Julie Oliva, Camila Petrasso, Marcus Pacheco. Ao Matheus, companheiro de todas as horas. À família Lira de Lacerda, pelos abraços calorosos. Aos meus pais, pela inspiração, vida e amor partilhados.

APRESENTAÇÃO

Construir a ficção, reler a História: literatura contemporânea e ditaduras latino-americanas ilustra exemplarmente o que a Academia espera de uma pesquisa de Mestrado. Desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, por Amanda Lacerda de Lacerda, o estudo centra-se na leitura crítica de obras literárias de dois escritores latino-americanos contemporâneos, o chileno Alejandro Zambra – com Meus documentos, Camilo e Instituto Nacional – e o brasileiro Bernardo Kucinski, com o romance K. Sua proposta é analisar os recursos estéticos utilizados para representar as ditaduras civis-militares da segunda metade do século XX.

A sensibilidade linguística da pesquisadora, sua curiosidade intelectual e seu empenho investigativo transparecem em uma escrita clara, agradável e consistente, que leva o leitor a acompanhar seu trajeto e explorar as várias e imprevistas camadas que vão sendo exploradas ao longo do texto. Dentre as muitas virtudes do livro que ora apresento, considero especialmente valiosa a forma criativa como conceitos criteriosamente selecionados e pertinentes são entrecruzados com as análises das narrativas literárias que constituem o corpus. Desse esforço, emerge um texto que captura o leitor em um movimento bastante próximo à própria escrita literária.

A força do texto de Amanda emana da profunda coerência e harmonia que ela estabelece entre os fundamentos teóricos que a inspiram e a análise crítica que empreende. Logo no início, a opção pela dimensão intervalar (BARBOSA, 1990) é um acerto, pois que lhe abre o necessário espaço tensional que a autoriza a olhar para as obras de Kucinski e Zambra, sem extirpar suas raízes históricas e condições contraditórias e sem despi-las de sua subjetividade. Afinal, afirma a pesquisadora, a experiência do literário não é apaziguadora, como não deve ser a vivência do crítico e analista, ainda mais quando o tema vem revestido da urgência de rememorar/elaborar a dor, a perda, o trauma, lacunas que as ditaduras latino-americanas abriram – e continuam abrindo – na cultura, na história, na sociedade, na educação e na vida de tantas famílias e gerações.

É na confluência entre a vida e a obra, que Amanda nos apresenta o projeto estético dos dois escritores. De forma concisa e relevante, situa a produção literária do autor chileno no realismo contemporâneo, por meio da memória de uma segunda geração. Valendo-se das escritas de si, do testemunho e da autoficção, Zambra registra a experiência dos que vivenciaram a ditadura na infância, revelando a extensão dos danos de um poder duramente repressor. É deste ângulo que Amanda analisará as narrativas fragmentadas da Literatura dos filhos, em Meus documentos, Camilo e Instituto Nacional.

Mantendo sua linha de raciocínio, a pesquisadora entrecruza dados biográficos do jornalista e escritor Bernardo Kucinski ao enredo da obra K. Em K., a desgastante e incansável busca do pai pela filha desaparecida nos anos 1970 ecoa a experiência do desaparecimento da irmã do autor, Ana Rosa Kucinski Silva. Trata-se da elaboração de mortes inexplicadas, do resgate dos lamentos de pais, mães, filhos, irmãos, amigos, companheiros. A despeito da eloquência dos eventos históricos