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Páginas perversas: narrativas brasileiras esquecidas
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E-book232 páginas3 horas

Páginas perversas: narrativas brasileiras esquecidas

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Sobre este e-book

O livro Páginas perversas: narrativas brasileiras esquecidas traz ao público leitor 12 escritores brasileiros que, por diferentes razões, tiveram reconhecimento em seu tempo, mas que foram sendo esquecidos pela historiografia literária. Esses autores tiveram progressivamente seus nomes apagados de antologias e algumas de suas obras deixaram de merecer uma republicação. Os organizadores da obra consideram que revisitar uma história literária baseada em arquivos abandonados nas bibliotecas, retomando as obras "fora de uso" – ou aquelas que aparecem como "desagradáveis" ?, pode trazer uma contribuição efetivamente importante para enriquecer e compreender melhor o acervo literário brasileiro, ensejando a possibilidade de desdobramento em novas pesquisas e novas descobertas. Aqui se encontram reunidas algumas narrativas curtas, representativas da literatura brasileira de meados do século XIX e dos primeiros anos do século XX, selecionadas pelo critério de suas "afinidades temáticas". Os autores trazem à tona contos surpreendentes, forjados por uma visão de mundo sombria, que dá vida a uma galeria de personagens perturbadas e perturbadoras, sobrevivendo em locais, em alguma medida, inóspitos – a floresta, a cidade, o sertão ou simplesmente um ambiente doméstico violento. Vemos, então, desfilar uma série de histórias com variadas encarnações do Mal: a violência, o crime, a vingança, a feitiçaria, o sexo, a doença e a morte. Contrariando a importância dada ao caráter documental da literatura e às formas literárias realistas que dominam o panorama literário brasileiro do período, essas páginas perversas revelam um lado lunar que subverte, de um modo ou de outro, a predominância do belo, mostrando aqui o trágico, o sublime terrível, o grotesco, o horror artístico e o melodramático.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de out. de 2017
ISBN9788547306984
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    Páginas perversas - Maria Cristina Batalha

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    PREFÁCIO

    O que chamamos literatura constitui um recorte específico – e historicamente datado – no vasto campo das letras em geral. Configura-se por volta da segunda metade do século XVIII, no âmbito da modernização social, política e cultural então processada, de que a Revolução Francesa se tornou o símbolo mais evidente. Define-se por certas contraposições em relação à milenar tradição literária do Ocidente, que podemos sintetizar na opção pelas convenções românticas em detrimento das clássicas, o que implicou subversão profunda dos fundamentos das belas-letras, sua antecedente mais próxima: em resumo, no lugar das intenções edificantes, utilitárias e didáticas – a fórmula horaciana do útil e doce, ou do ensinar deleitando –, a gratuidade estética e o apreço pela imaginação; em vez do primado da poesia, concebida como decoro e elevação, o privilégio da prosa, por sua adaptabilidade a todos os temas; enfim, a destinação não a um círculo restrito de leitores seletos e de alta cultura, mas ao público em geral, isto é, a um contingente vasto e heterogêneo de – digamos assim – neoleitores, constituído pelos beneficiários tanto da expansão da alfabetização, promovida após a Revolução Francesa pelos estados nacionais como direito dos povos, quanto da facilitação do acesso a livros e impressos em geral, proporcionada pela aplicação de processos industriais à já então secular técnica da imprensa.

    Ora, é nesse contexto aqui sumariamente descrito que a prosa narrativa prospera: o chamado folhetim fascina os leitores de jornais e periódicos, consolida-se o romance como gênero, a novela se despe do didatismo e abandona a técnica da proliferação interminável de capítulos, e o conto ganha contornos propriamente literários, passando a figurar entre os gêneros cultivados por escritores de elevado mérito. E nesse momento de tamanha valorização pública da prosa narrativa é que o subgênero objeto destas Páginas perversas se define e se expande – no romance, na novela, no conto –, com toda a sua carga de descomedimentos, sensacionalismo, falta de decoro, atributos, como logo se vê, inteiramente refratários ao universo equilibrado e sóbrio das belas-letras, e só admissíveis no âmbito pluralista da literatura.

    No entanto parece que esse subgênero, que afinal conquistou vastos públicos e fidelidades no curso do século XIX e primeiras décadas do XX, logo se viu como que cercado, contido no seu livre desenvolvimento: acabou expurgado dos cânones literários escolares, banido das antologias, e teve suas manifestações, sem excluir as mais exitosas, interditadas às reedições. Talvez se possa mesmo dizer que sua sobrevida acabou se viabilizando somente fora da literatura, mediante um trânsito para as histórias em quadrinhos e o cinema, sob a forma de uma de suas modalidades mais assimiláveis, as chamadas histórias de terror, de fato muito presentes na cultura de massas a partir da segunda metade do século XX, sobretudo em produções cinematográficas catalogadas como filmes B.

    Tendo em vista essa trajetória – da consagração popular à virtual desqualificação cultural e estética –, um dos muitos méritos da pesquisa que redundou nesta antologia é justamente, ao resgatar produções ficcionais do subgênero em causa, disponibilizá-los para possíveis revisões críticas, que possam reconstituir contextos, descrever as recepções, recuperar fortunas críticas, e, enfim, analisar suas possíveis formas de reciclagem e atualização, ou, dizendo de outro modo, de funcionalidades no nosso tempo.

    Não menos meritória, porém, foi a demonstração de que a literatura brasileira, longe de permanecer encerrada na sua especificidade nacional, integra, muito pelo contrário, âmbito mais amplo, haja vista o vigor que teve entre nós a prática de um subgênero à primeira vista privativo de literaturas tidas por centrais, fato plenamente evidenciado pela pesquisa e seu resultado em termos de edição.

    Encontra-se, assim, nestas Páginas perversas, uma criteriosa amostra de importante vertente da literatura brasileira, recortada do lapso de tempo que vai da década de 1850 à de 1910, afinal, os cerca de 60 anos em que se delineou a própria ideia de literatura brasileira, isto é, em termos de historiografia literária, da consolidação do romantismo entre até o decênio imediatamente anterior à Semana de Arte Moderna. Quem percorrê-las com atenção, entre sustos, surpresas e sorrisos (efeitos de recepção próprios do gênero, programados ou involuntários), terá não só ampliado seu repertório, pelo acesso a criações hoje de acesso difícil, mas também obterá estímulos para a renovação de suas leituras ou objetos de pesquisa.

    Roberto Acízelo de Souza

    Professor titular de Literatura Brasileira (Uerj)

    APRESENTAÇÃO

    — Tudo na vida é luxúria. Sentir é gozar, gozar é sentir até ao espasmo. Nós todos vivemos na alucinação de gozar, de fundir desejos, na raiva de possuir. É uma doença? Talvez. Mas é também verdade. Basta que vejamos o povo para ver o cio que ruge, um cio vago, impalpável, exasperante. Um deus morto é a convulsão, é como um sinal de porneia. As turbas estrebucham. Todas as vesânias anônimas, todas as hiperestesias ignoradas, as obsessões ocultas, as degenerações escondidas, as loucuras mascaradas, inversões e vícios, taras e podridões desafivelam-se, escancaram, rebolam, sobem na maré desse oceano.

    (João do Rio¹)

    São muitos os fatores que levam à entronização de autores e obras e, paralelamente, à exclusão de outros. Escritores que tiveram reconhecimento em seu tempo foram sendo esquecidos pela historiografia literária, foram tendo seus nomes apagados de antologias e suas obras deixaram de ser objeto de republicação. Isso ocorre também com alguns textos que, mesmo assinados por autores renomados, são relegados pela tradição. Os chamados grandes textos seriam aqueles canonizados e fecundados, integrados pela posteridade a uma longa cadeia textual e dando a impressão de um percurso evolutivo e linear, ou seja, aqueles que são investidos do poder de modelo para emulação. Em contrapartida, há uma certa proporção de textos literários não fecundos, mantidos à margem dos arquivos canônicos. O julgamento de valor a que as obras são submetidas só pode ser feito a partir daquilo que se estabelece como cânone, que implica alguma coisa de qualidade superior, elevada ao estatuto de obra genial ou divina, perfeita o suficiente para ser preservada. Tendo como principal aliada a historiografia, o cânone funciona tal como uma instituição de natureza literária, sempre pronta a ditar conceitos sobre o belo, operar classificações e escolhas e definir sucessos e fracassos.

    A história literária, muitas vezes, comete seus pecados em relação à memória e ao arquivo literários. Assim, sucessos retumbantes e reveses de fortuna, entronizações e desaparecimentos, vitórias e silêncios pontuam o percurso coletivo de obras e autores ao longo dos tempos. Entretanto, se as instituições legitimadoras promovem um jogo de seleção e exclusão, vemos, nos dias de hoje, a preocupação por parte de muitos estudiosos em promover o resgate desse material esquecido.

    Vários são os fatores que concorrem para a movimentação no campo literário, alimentando os conflitos, as afinidades e divergências, e orientando direta ou indiretamente a produção ficcional, as escolhas genéricas e as diferentes motivações dos escritores. Ora, revisitar uma história literária baseada em arquivos abandonados nas bibliotecas, retomar as obras fora de uso – ou aquelas que figuram como desagradáveis – pode trazer uma contribuição importante como instrumentos capazes de deixar antever as práticas responsáveis por essa movimentação do campo literário. No caso brasileiro, mas não restrito a ele, autores vindos do interior enfrentaram o desafio de estarem longe da Corte, o que implicava estratégias literárias para superar as deficiências de publicação e distribuição do livro. A glória literária ficava, então, à mercê do poder central, abafando pretensões e sucessos provincianos. Como desabafa Franklin Távora, [o]s moços que, sedentos de glória, cheios de talento e de saber, querem firmar o seu nome nas letras pátrias, que desejam trabalhar e colher o fruto dos seus esforços, veem-se na necessidade de emigrar às palmas fluminenses para não ter a fria desilusão da improficuidade do seu trabalho².

    O julgamento retrospectivo sobre uma época (aquele operado pela crítica, pelos manuais escolares, pela autoridade do ensino, pelos programas dos concursos, pela reedição ou não de obras etc.) revela que alguns escritores e obras sofreram um processo de maldição, e que um texto menor seria aquele marcado por um afastamento negativo com relação a um conjunto de obras que lhe servem de referência. Sabemos que os conceitos de maior/menor estão intimamente vinculados aos mecanismos de seleção e exclusão operados pelas instâncias de legitimação dos cânones e, por conseguinte, os critérios balizadores dessa seleção são predominantemente históricos e contingenciais. Em nossa opinião, são os não canônicos que nos deixam perceber a diversidade de uma época, pois eles iluminam os fenômenos de anacronismo, desatualização, policronia ou heterocronia de um mesmo momento da cultura.

    Parece-nos, então, que existe um patrimônio de valor a ser descoberto fora dos já consagrados grandes nomes, se trabalharmos numa perspectiva do salon des refusés, ou seja, daqueles que ficaram de fora dos espaços oficiais da cultura de uma determinada época, mas não só. Autores como Coelho Neto e Medeiros de Albuquerque, por exemplo, tiveram seus nomes reconhecidos por seus pares e pela crítica. O primeiro deles, Coelho Neto, viveu inteiramente de sua pena, escrevendo contos, romances, novelas e textos jornalísticos. O outro, Medeiros e Albuquerque, foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Entretanto, muitos entraram em ostracismo por razões diversas, inclusive por representarem uma poética que seguia na contramão de poéticas consagradas posteriormente como inovadoras. Em sentido oposto, há casos de outros autores e obras que, sem legitimação na época em que escreveram, foram resgatados em função de circunstâncias várias, que vão desde o reconhecimento da qualidade estética surpreendente até fenômenos ligados a modismos literários.

    Norteado por esse princípio, o projeto da Antologia Páginas perversas: narrativas brasileiras esquecidas tem por proposta resgatar algumas manifestações literárias consideradas pela crítica como menores, notadamente no espaço da literatura brasileira, a fim de trazê-las à visibilidade.

    Se tomarmos o exemplo da produção ficcional de perfil mais sombrio no Brasil, constatamos que ela empurrou autores e obras para um lugar de borda na série literária do país. A produção fantástica brasileira, por exemplo, espaço de questionamento de realidades extraficcionais pelo viés da incerteza, notadamente no período romântico, tem vida muito curta e logo é associada ao mau-gosto, à produção marginal e à baixa qualidade literária. Assim, desqualificadas, essas narrativas foram deixadas de fora de antologias e manuais escolares.

    Esta coletânea propõe-se a resgatar parcialmente essa dívida, buscando apresentar algumas narrativas curtas, representativas da literatura brasileira do período que vai de meados do século XIX aos primeiros anos do século XX, aqui selecionadas por suas afinidades temáticas e os efeitos de leitura que esses textos produzem.

    Acreditamos, assim, que o não canônico pode revelar a luz secreta de uma época – seu lado lunar e não apenas o solar, este mais afinado com o propósito do programa romântico de construção positiva e laudatória da nação. O viés do pessimismo, a face Caim da moeda, como havia sugerido Álvares de Azevedo com a sua poética da binomia, também encerra um verdadeiro potencial explicativo: a partir da paisagem caleidoscópica que conseguimos iluminar com a ajuda dos não canônicos, parece possível podermos questionar certas hierarquias estabelecidas e unificar o nosso olhar sobre um momento da história da nossa literatura.

    Entendemos, por conseguinte, que recuperar a representação da história literária como um espaço pluridimensional, atravessado por incessantes conflitos, e não apenas por uma linha única, constitui um empreendimento de pesquisa bastante fecundo e pertinente, pois a própria presença de experiências paralelas poderia nos levar a ressignificações, não somente do cânone, como também dos que dele foram excluídos. Em nosso entender, o menor é a liberdade na história literária, o inimigo do academicismo que, por seu turno, também o ignora. Assim, revisitar a historiografia literária é, sobretudo, integrar aquilo que foi expulso ou negligenciado; é pertinente, pois, revisitá-la, trazendo de volta aqueles que foram por ela obliterados por razões diversas.

    Nosso propósito foi, então, trazer algumas narrativas curtas de autores não consagrados pela tradição literária brasileira, e que ficaram esquecidos das antologias. Ao longo da pesquisa, fomos nos deparando com quantidade e diversidade bastante significativas; por esse motivo, um recorte fazia-se necessário. Optamos, então, pela delimitação no tempo, restringindo-nos a narrativas curtas às quais tivemos acesso, a partir de meados do século XIX, chegando até as primeiras décadas do século XX.

    As narrativas aqui reunidas mantêm, sob sua variedade de temas, espaços, temporalidades e estilos, uma profunda e incômoda semelhança entre si. São forjadas por uma visão de mundo sombria que dá vida a uma galeria de personagens perturbadas e perturbadoras, sobrevivendo em locais, em alguma medida, inóspitos – seja a floresta, a cidade, o sertão ou simplesmente num ambiente doméstico violento. Do ponto de vista da fatura artística, essas narrativas mobilizam recursos expressivos diversificados, mas sempre tributários do que poderíamos chamar de estéticas negativas, isto é, de categorias da arte que subvertem, de um modo ou de outro, a hegemonia do belo: o trágico, o sublime terrível, o grotesco, o horror artístico, o melodramático.

    São como produtos de poéticas do feio, do mal e do caos que essas narrativas podem ser melhor compreendidas e apreciadas. Para tanto, é preciso se afastar um pouco das orientações críticas tradicionalmente dominantes nos estudos literários brasileiros: por um lado, atenuar a importância dada ao caráter documental da literatura e às formas literárias realistas que intentam uma representação imediata da realidade; por outro, moderar a ênfase na figura e na vida dos escritores, em detrimento de análises que reconheçam suas obras como parte de tradições literárias singulares. Em suma, o valor de tais obras é mais bem estimado quando suspendemos as abordagens sociológicas em favor de leituras dessas narrativas em diálogo com as linhagens poéticas a que pertencem.

    Foi nesse sentido que elegemos um termo sem carga conceitual, perversas, para denominar as narrativas que compõem esta antologia. As múltiplas acepções do adjetivo perverso adequam-se ao espírito comum das obras selecionadas. Primeiramente, os significados má índole e crueldade carregados pela palavra coadunam com o caráter malévolo das personagens, dos eventos e dos locais

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