A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL
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A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL - MAURICIO MURAD FERREIRA
A violência no futebol
titulo_folhaMAURICIO MURAD
SEGUNDA EDIÇÃO REVISTA E AMPLIADA
logo_editoraeditora_somos_benviraAv. das Nações Unidas, 7221, 1º Andar, Setor B
Pinheiros – São Paulo – SP – CEP: 05425-902
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De 2ª a 6ª, das 8h às 18h
www.editorasaraiva.com.br/contato
Presidente Eduardo Mufarej
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Gerente editorial Rogério Eduardo Alves
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Produtores editoriais Deborah Mattos
Rosana Peroni Fazolari
Comunicação e produção digital Mauricio Scervianinas de França
Nathalia Setrini Luiz
Suporte editorial Juliana Bojczuk
Produção gráfica Liliane Cristina Gomes
Preparação Tulio Kawata
Revisão Fabio Storino
Sandra Kato
Diagramação Nobuca Rachi
Capa Bruno Sales
Imagem de capa Ververidis Vasilis / Shutterstock.com
Impressão e acabamento
544.535.002.001
ISBN 978-85-5717-088-9
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
ALINE GRAZIELE BENITEZ CRB-8/9922
M944v
Murad, Mauricio
A violência no futebol: novas pesquisas, novas ideias, novas propostas / Mauricio Murad. – 2.ed. – São Paulo: Benvirá, 2017.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-5717-088-9
1. Futebol – violência. 2. Torcidas organizadas. 3. Crime – drogas. 4. Desigualdade social. I. Título.
CDD-364.155
CDU-316.35
Índice para catálogo sistemático:
1. Futebol: violência 364.155
Copyright © Mauricio Murad Ferreira, 2017
Todos os direitos reservados à Benvirá,
um selo da Saraiva Educação.
www.benvira.com.br
2ª edição, 2017
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Saraiva Educação. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
CL
670713
Sumário
Nota do autor
Introdução
1. Futebol e segurança pública
2. A popularidade do futebol
3. O êxodo dos estádios
4. A bola está com o Estado
5. Vândalos no futebol: uma minoria, mas perigosa
6. Mortes de torcedores: neste quesito, somos campeões
7. Impunidade e corrupção, os males do Brasil são
8. A parte e o todo: contextualizando a violência
9. A violência como fator humano e social
10. A violência no futebol brasileiro
11. Um pouco de história
12. O futebol e o Brasil: mais um pouco de história
13. Futebol e torcidas organizadas
14. A importância do exemplo na vida social
15. Competição e conflito
16. Para além do futebol profissional
17. Experiências esportivas bem-sucedidas
18. Violências e violentos no futebol
19. Principais resultados das pesquisas sobre o perfil dos violentos
20. Existem torcidas e torcedores pacíficos?
21. Na Europa é pior?
22. As condições do espetáculo
23. O futebol pode ser um tipo de laboratório
?
24. O papel da mídia
25. Listagem elaborada das conclusões
26. Resumo das conclusões
Referências bibliográficas
Aos amigos Ronaldo Iack e Sonia Lentine,
consistentes e inesgotáveis na celebração da verdadeira amizade.
Nota do autor
Desde a primeira edição deste livro (Para entender a violência no futebol, Benvirá, 2012), as práticas de violência em geral cresceram, se diversificaram e se sofisticaram muito no Brasil e, por via de consequência, no futebol brasileiro. Minha intenção com esta nova edição é agregar novos elementos, análises e propostas a partir de investigações mais recentes e aprofundadas de caráter teórico, metodológico e prático consistentes, a fim de atualizar, ampliar e multiplicar as bases de um planejamento estratégico nacional para reprimir, prevenir e controlar as transgressões e os delitos no âmbito do futebol por aqui.
Esta é, portanto, uma tarefa inadiável. Afinal de contas, o futebol é um dos nossos maiores e mais importantes patrimônios culturais, simbologia e identidade coletivas da história e da formação social no Brasil. E é por essa perspectiva e magnitude que a população exige e merece que o atual cenário de violências no futebol seja enfrentado e transformado.
Pelo fato de a violência no futebol já ser um assunto espinhoso por si só, tento aqui abordá-lo de maneira simples e direta, para atingir o maior número possível de leitores e levá-los não somente à compreensão, mas também à reflexão e à busca por maneiras para reduzir a violência no futebol brasileiro.
Mauricio Murad
Introdução
Repare bem que neste livro falaremos sobre a violência no futebol, e não do futebol.
Não há dúvida de que existe também a violência do futebol, própria dessa modalidade esportiva. Afinal, trata-se de um esporte coletivo, considerado o mais apaixonante e massivo de todos, de alta competitividade (inclusive comercial), de contato físico e jogado com os pés, bem mais instintivos e brutais
do que as mãos.
E essa violência dentro de campo pode, em alguns casos, levar à violência fora dele. Num levantamento que fizemos por e-mail com líderes de torcidas do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, perto de 70% dos consultados afirmaram que a violência em campo contamina as arquibancadas
. O que significa dizer que a consciência coletiva e, digamos, civilizatória
(respeito às leis, às regras, aos adversários e ao público) de todos os agentes no mundo do futebol torna-se uma prioridade necessária e imediata.
Embora essa violência em campo, direta ou indireta, desgaste o espetáculo e a beleza do esporte e reduza o tempo de jogo corrido, as práticas de violência mais sérias e que agridem a consciência das pessoas são aquelas de caráter mais geral, as que ocorrem entre torcidas organizadas (chamadas de uniformizadas, em São Paulo), ou melhor, entre grupos de delinquentes infiltrados nas organizadas, rixas, confrontos e combates dentro dos estádios e principalmente fora deles. Esses conflitos, cada vez mais bélicos, é que serão o alvo central deste livro.
A violência que se manifesta no futebol não é apenas o resultado daquilo que acontece nos estádios; embora isto também contribua, ela tem sua origem em questões mais profundas, de ordem social ampla. Os principais exemplos dessas questões são o desemprego e o subemprego, a falta de uma educação efetiva e de qualidade, uma cidadania de baixa intensidade (falta de consciência social, de valores coletivos, culturais, políticos, éticos), o tráfico de drogas, o mercado negro de armas e o crime organizado, o descaso das autoridades públicas, a desagregação das referências e dos valores familiares e escolares, a falta de policiamento ostensivo e preventivo, a impunidade, a corrupção.
Essas e outras são as chamadas macroviolências, que aparecem nos microcosmos do futebol, assim como em outros, por exemplo, no trânsito, na escola, na família. Neste último âmbito, chama atenção a crescente violência contra mulheres, crianças, idosos e deficientes físicos ou mentais, cujo número de ocorrências é assustador.
E pasmem: pesquisa realizada em 2015 pela onu em 127 países concluiu que a escola brasileira tem o ambiente mais violento entre todos, com índices crescentes de depredação e vandalismo, bullying e agressões diversas entre alunos/as e de alunos/as e seus pais contra professores, direção e funcionários.
No caso do Brasil, devemos destacar também dois fatores macrossociais, a corrupção e a impunidade, porque ambas podem ser consideradas violências em si e, por assim dizer, sobreviolências, ou seja, elementos multiplicadores de condições existentes para mais atos violentos, já que estimulam e acentuam outras causas sociais, culturais, jurídicas e psicológicas de diversas tipologias transgressoras. Em determinados países, como a China, corruptos podem até ser condenados à morte, em rito sumário, por serem considerados moral e juridicamente serial killers, porque suas atitudes infracionais provocam um efeito dominó
e direta ou indiretamente ocasionam muitas mortes, em número difícil de prever e calcular, mortes em série, portanto.
Mais grave e lamentável no Brasil é que a corrupção e a impunidade são problemas estruturais – porque estão presentes em quase todos os grupos, setores e instituições sociais – e históricos, uma vez que acontecem em todas as conjunturas, isto é, em todas as épocas, em todos os momentos de nossa formação cultural. E na sequência alimentam, multiplicam as condições já dadas para as diversas práticas de violência que assolam a existência social em nosso país.
De modo geral, a violência cresceu muito no Brasil nos dois últimos anos (entre 2015 e 2016). Neste biênio houve em média 17 mortes/dia só por bala perdida. De acordo com os dados de 2015 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (fbsp), divulgados em novembro do mesmo ano, a cada 10 minutos mais de uma pessoa é assassinada no Brasil, somando cerca de 60 mil mortes/ano, índice que recai sobretudo entre jovens, negros e pobres. A título de comparação, a Europa como um todo soma aproximadamente 10 mil homicídios por ano, conforme o Relatório de Segurança Pública da Comunidade Europeia divulgado em 2016.
E o pior é que, no mesmo período e reeditando anos anteriores, segundo números do Tribunal de Contas da União e do Ministério da Justiça, somente cerca de 5% dos processos criminais desses óbitos foram finalizados indicando a materialidade (circunstâncias) e principalmente a autoria dos delitos, como manda o Código Penal (direito material) e o Código do Processo Penal (direito processual).
Em fins de 2015, o Ministério da Justiça consolidou em relatório que a decisão final de processos de homicídios no Brasil demora até dez vezes mais do que prevê a legislação, especialmente quando os casos envolvem negros e pobres. Vale lembrar o que Rui Barbosa (1849-1923) afirmou: Justiça lenta é injustiça
.
No universo do futebol brasileiro, que está contextualizado, é claro, nas realidades do país, de todos os crimes ocorridos em 2015 e 2016, a saber, depredação do patrimônio público e privado, injúrias e racismos – intensos neste biênio –, formação de bando e quadrilha, rixa qualificada, incitação à violência, tráfico de drogas, agressões, mutilações, homicídios, somente 3% tiveram seus processos devidamente concluídos e seus autores penalizados até o limite previsto em lei.
Em 2015, ainda segundo os números do fbsp, nosso país gastou 277 bilhões de reais em segurança, o que corresponde a quase 4,7% do pib do mesmo ano. Já gastamos mais em segurança pública, cerca de 7% do pib em média, nas séries históricas de 2009, 2010 e 2011 e na seguinte de 2012, 2013 e 2014, períodos que antecederam a Copa das Confederações e do Mundo no Brasil.
Embora muito, nem sempre gastamos bem. Em média, o Brasil gasta aproximadamente três vezes mais com os efeitos
da violência do que com suas causas
. Isso tanto em relação à violência geral como à no futebol. Em pesquisa realizada pelo Programa de Mestrado da Universidade Salgado de Oliveira (Universo), que coordeno, chegamos à conclusão de que a prevenção é sete vezes mais barata, mais rápida e mais eficiente do que a repressão, embora esta seja necessária. Isso diz muito do país, de sua política, de sua gestão pública, das prioridades e interesses governamentais.
O filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), um dos nomes mais respeitados na história do pensamento universal, comentou em relação à vida individual: O mais importante não é aquilo que fazem com você, mas o que você faz daquilo que fazem com você
. Acredito que a sabedoria desse pensamento pode ser aplicada também à vida coletiva, no que diz respeito ao tema deste livro. Seria algo como: o mais importante não é a constatação das práticas da violência e sim o que a sociedade faz com isso, como suas instituições reagem aos crimes, já que estes sempre poderão ocorrer, pelo menos em certos níveis e proporções, tanto no futebol quanto em qualquer outra realidade social.
A corrupção e a impunidade anestesiam as reações éticas, jurídicas, políticas, culturais e policiais de uma sociedade. E, como são essas reações que definem uma sociedade democrática de direito, se não forem acionadas normalmente pelas instituições, o efeito, mesmo que indireto, é o incentivo a novas práticas delituosas.
E sabem por quê? Porque a violência fica banalizada (tudo é assim
) e, pior, naturalizada (sempre foi assim
). Em resumo: a ideia que pode ficar na cabeça, no coração e na alma das pessoas é a de que não há conserto. Trata-se de uma verdade
que vale para o futebol, e não somente para o futebol. Ela é aplicável a quase tudo, à política inclusive.
Portanto, para entender a violência no futebol, aquela que chamamos de violência do público, é preciso começar a compreender a violência que a precede, a violência pública. E esta, como já vimos, tem raízes culturais, sociais, históricas, humanas.
Para entender a violência no futebol de determinado país, é preciso contextualizá-la nas violências macrossociais no e do país em questão. E, para tanto, é necessário estudar um pouco sua cultura, sociedade e história. Isso é contextualizar, e a contextualização é um instrumento típico da análise sociológica.
Assim, temos que interpretar não apenas, mas principalmente, a violência no futebol mais que a violência do futebol. Sim, estudar, sobretudo, aquelas práticas agressivas que vêm do universo global da sociedade e examinar o que, quando, como, porque e para que chegam ao mundo do futebol.
No caso desta obra, o que está em jogo é a violência no futebol brasileiro. Por isso, temos de procurar entender os contextos gerais e setoriais das práticas de violência no e do Brasil, fazendo-o de maneira integrada, articulada, sustentável, para perceber as relações de reciprocidade e interfaces entre a violência como um todo e suas manifestações no âmbito específico do futebol.
Em outras palavras, combinar estudos, análises e interpretações macro e microssociológicas, antropológicas, históricas, jurídicas, no esforço de evidenciar diferenças e semelhanças, generalidades e particularidades, bem como interações existentes entre a violência de modo geral e a de uma parte específica da sociedade: as torcidas de futebol, neste nosso caso.
O geral e o específico devem caminhar juntos. Dialeticamente.
Mas entender não basta, é necessário, mas não é suficiente, é preciso agir. É preciso buscar a definição de políticas públicas de segurança em diversos ambientes – algo que poderia ocorrer em qualquer outro cenário cultural e social, mas nos concentraremos no futebol brasileiro, foco deste livro.
Assim, são três os níveis que formam os conjuntos de medidas de um plano nacional de segurança no futebol, de uma estratégia permanente, consistente, sustentável e atualizada sempre por novas pesquisas científicas. Prioridade de governo e de Estado.
O plano deverá ser constituído por três conjuntos de medidas articuladas e adotadas ao mesmo tempo. Simultaneamente. Concomitantemente. Medidas de caráter repressivo, cujos efeitos devem acontecer no curto prazo. Medidas de caráter preventivo, cujos efeitos devem ocorrer no médio prazo. E medidas de caráter reeducativo, cujos efeitos são de longo prazo.
Este livro analisa as relações entre violência e futebol partindo do princípio de que esse esporte não é violento por si só, nem necessariamente violento, ao contrário do que muitas vezes aparece no imaginário popular e na espetacularização, no sensacionalismo da mídia.
É bom lembrar que a espetacularização não é exclusiva do futebol, e sim um fenômeno da vida contemporânea, seu modelo quase dominante, como preconizou o pensador francês Guy Debord (1931-1994). Trata-se de um processo sensacionalista, que transforma tudo em espetáculo, em show. Em outras palavras, é o showrnalismo adotado por muitos telejornais, um dos efeitos da chamada sociedade do exagero, na qual vivemos.
O futebol pode ser, e tem sido, muitas vezes uma instituição cultural voltada à não violência, numa tentativa concreta de inclusão social e cidadania, de educação e paz. Isso por ser uma modalidade de esporte coletiva e democrática e por causa de sua intensa e extensa popularidade, de seus sentidos de identidade e simbologia, além de seus aspectos institucionais de associativismo e senso de pertencimento comunitário.
De maneira geral, os esportes podem e devem cumprir esse papel pedagógico, esse compromisso ético, como o que foi consagrado pelo Comitê Olímpico Internacional, o coi, para os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. O lema explícito e coletivo se resume na frase símbolo dos Jogos: Esporte, Educação, Direitos Humanos, Paz – uma celebração da humanidade. Se a teoria não se transforma em prática nos esportes em geral, e mesmo no futebol – onde há desvios, não se pode esquecer, exploração do trabalho, inclusive de menores, corrupção, pedofilia, exclusões, violência –, que pelo menos sirva como farol de guia e ferramenta de denúncia e de pressão políticas.
O futebol (outros esportes também) pode ser, ainda, um processo lúdico, que ajuda a reeducar, em especial crianças e jovens. Tem potencial para isso, já que sua lógica e funcionamento estão fundados, pelo menos em tese, na igualdade de oportunidades, no respeito às diferenças e na assimilação e respeito a regras e normas de convivência com o outro. Não é panaceia, isto é, remédio para todos os males, mas que ajuda, ajuda.
Nosso maior desafio é fazer essa força latente que existe no futebol (e nos demais esportes) virar realidade manifesta, para que,