SOBRE VIVER
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SOBRE VIVER - Cleisla Vieira Garcia
INTRODUÇÃO
O PESO DO TABU
A redação da equipe de jornalismo da Record TV é um estúdio vivo. Trabalhamos numa extensa sala iluminada bem atrás da bancada dos apresentadores. Quando os telejornais estão no ar, tentamos ser silenciosos, discretos, nos movimentar pouco para não chamar a atenção, esconder bolsas ou apetrechos espalhafatosos, copos coloridos, lenços estampados e afins: qualquer coisa que atraia o olhar do telespectador e desvie sua atenção da notícia ou atrapalhe quem está na bancada. Os telefones ficam quase mudos. Já entendemos a responsabilidade que é trabalhar em um lugar assim, real e virtual ao mesmo tempo.
Naquele dia, finzinho de março de 2017, cheguei à redação num horário em que se podia falar mais alto. Melhor assim. Nasci com o botão do volume quebrado – e não me gabo disso. Era início de tarde e os produtores e a chefia de reportagem discutiam informalmente o tema de uma nova série. A curiosidade me fez entrar de supetão na conversa, como de costume. Foi quando ouvi a palavra suicídio
. Um golpe para quem buscava novidades e pautas leves.
Vocês estão pensando em fazer uma série sobre suicídio? Uma série?!
, perguntei, incrédula e assustada.
Sim!
, respondeu Maria Paula Bexiga, a Paulinha, responsável pelo Núcleo de Séries Especiais do Jornal da Record.
Nossa, isso é perigoso! Um tema complexo, que afugenta as pessoas
, objetei, reproduzindo o lugar-comum, quase slogan de um tabu, repetido como um mantra ao longo dos anos. Sempre que falamos em suicídio, o número de casos aumenta. Imaginem o impacto na TV. Pode ser o gatilho para a morte de um monte de gente
, argumentei.
Com uma cara de espanto, me afastei, carregando um misto de medo e incômodo, já tentando evitar qualquer envolvimento com o tema, como acontece com a maioria das pessoas ao ouvir falar sobre suicídio. Seja por preconceito ou por não saber lidar com o assunto, preferimos empurrá-lo para debaixo do tapete – comportamento adotado por décadas, séculos e até milênios, já que se matar é uma prática que remonta aos primórdios da humanidade. Porém, não pude deixar de pensar: Que missão! Como falar de suicídio por quase uma hora em capítulos divididos por subtemas? Como explicar a prática, informar sem sugerir? Não queria estar na pele desse repórter
.
No dia seguinte, me deram a notícia: além dos repórteres Rodrigo Vianna e Luiz Carlos Azenha, eu era uma das escaladas para tratar do assunto. Devo admitir que, pelo menos para mim, aquilo foi como um soco no estômago. Tanta coisa linda para mostrar na TV – as belezas da Serra da Canastra, um mar de corais com peixes coloridos na costa brasileira, os projetos ambientais e científicos da Amazônia –, e eu convocada para falar sobre morte? Suicídio? Parecia uma provação.
Provação ou não, sou da opinião de que, apesar das preferências e habilidades, repórter não deve escolher pauta. Deve ir para a rua e, como um cão farejador, escarafunchar pistas em busca de informação confiável. Por isso, mesmo descontente, me entreguei ao trabalho. Durante a apuração, morri um pouco, todos os dias. Só para enxergar melhor o assunto, com outros olhos.
O suicídio é antigo e democrático
. Matar-se é um procedimento que se dá entre ricos e pobres, famosos e anônimos, jovens e idosos. A história está recheada de casos de celebridades, artistas, atletas, líderes políticos, cientistas, entre outros, que puseram termo à própria vida em momentos dramáticos ou aparentemente tranquilos.
Nem sempre, no entanto, essas mortes são identificadas como suicídio. É aí que uma outra faceta do tema se apresenta. Por muito tempo, e ainda hoje, o suicídio é a causa de mortes apelidadas
, disfarçadas como acidentes para fugir da perseguição pós-trauma. Assim, o autoextermínio muitas vezes é camuflado em atestados de óbito como acidente de trânsito, acidente com arma de fogo, overdose não intencional, contaminação por medicamento, agrotóxico ou pesticidas.
Por conta dos índices crescentes, desde 2011, a notificação de tentativas e de óbitos decorrentes do suicídio se tornou obrigatória no Brasil. O prazo para que a informação seja registrada é de 24 horas, pelo menos é o que orienta o Ministério da Saúde. Mesmo assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece em seus mais recentes relatórios sobre o tema que os números, apesar de assustadores, ainda são subnotificados na maior parte do planeta. Por falta de metodologia e de uma apuração mais rigorosa dos casos, e devido a um sistema público de saúde precário, a subnotificação virou rotina.
Falar sobre o autoextermínio também se tornou tabu. É como se a palavra viesse junto com uma superstição ou mau agouro, voando nas asas de uma borboleta bruxa que, segundo a crendice popular, quando pousa na parede da casa, macula a vida dos moradores, trazendo uma fatalidade presumida. Uma crença sem base na razão ou no conhecimento, mas não rara nas zonas rurais e municípios do interior do país. Eu mesma cresci ouvindo isso nos rincões de Goiás. As superstições não costumam colaborar muito com nenhum tipo de tema, e pobres das borboletas
.
Depois de muita pesquisa, aprendi que falar sobre o suicídio não leva as pessoas a se suicidarem – meu primeiro pensamento ao ficar sabendo sobre a série de reportagens. Apenas se for tratado de maneira inconsequente, desordenada e cheia de ideias preconcebidas é que o tema pode provocar em pessoas vulneráveis a tendência ao suicídio por repetição, ameaçando vidas que teriam tudo para florescer, desabrochar. Vidas que escapam da vida por medo do não viver.
Para que pudéssemos informar sem influenciar, todo o trabalho da equipe de jornalismo foi orientado passo a passo por manuais de conduta jornalística e de métodos indicados por profissionais de doenças mentais. Um extenso cardápio de cuidados, até então inimagináveis. A orientação da direção era expressa: construir cuidadosamente uma série que esclarecesse e orientasse pessoas em risco.
A equipe do Núcleo de Reportagens Especiais do Jornal da Record estava bem instruída pelos diretores Leandro Cipoloni e Thiago Contreira. Norma Pocker iria cuidar da produção jornalística, com o apoio de outra produtora, Rosana Mamani. Enquanto isso, a editora Camila Moraes ficou com a incumbência de reunir e editar de forma delicada uma hora de reportagens sem contar métodos de suicídio, nem provocar ou sugerir a intenção em vulneráveis.
Além dos manuais, tudo seria acompanhado por uma equipe de especialistas. Psiquiatras, psicólogos, investigadores, delegados. Mas o que delegados e investigadores tinham a ver com isso? Tudo. Estávamos no meio de um fenômeno que ainda não sabíamos se era real ou midiático: o Baleia Azul.
O fato era que o jogo que levava jovens à morte por meio de cinquenta desafios, que incluíam as macabras práticas de mutilação, já deixava em alerta a polícia de pelo menos oito estados brasileiros. A população dessas cidades, algumas bem pequenas, como Vila Rica, no interior do Mato Grosso, acompanhava em choque e incrédula jovens tirando a própria vida, induzidos pelo jogo surgido em uma rede social russa.
Enquanto a produtora Norma Pocker se empenhava em checar números, acompanhar casos de suicídio e mortes suspeitas que surgiam por todo o país e entrar em contato com personagens que se encaixavam na nossa série – familiares de vítimas e jovens vulneráveis que lutavam contra o risco iminente de suicídio –, outro grupo trabalhava em silêncio no meio da madrugada, o Núcleo de Investigação Jornalística.
Foi esse grupo que, após um mês de trabalho, descobriu o perfil de quem se esconde do outro lado da tela do Baleia Azul para guiar sem piedade e remorso jovens vulneráveis e solitários para mortes dolorosas.
O Baleia Azul chegou ao Brasil oficialmente em 2017 e fez algumas vítimas. E seu nado vigoroso revelou todo o poder destrutivo da internet quando mal utilizada. Além dele, pouco antes, outros desafios menos midiáticos circulavam na clandestinidade existente na rede mundial, longe da atenção dos pais, que nem suspeitavam de atividades altamente perigosas, como o Jogo da Fada. Nesse desafio, crianças e adolescentes eram orientados a provocar acidentes com gás de cozinha durante a madrugada, enquanto a família inteira dormia.
Esses jogos de desafios sádicos, letais e macabros deixam de ser invenções e brincadeiras de adolescente e passam a ser um perigo real quando unem, de um lado da tela ou do celular, jovens que precisam de ajuda e, do outro, personalidades doentias que sentem prazer na dor dos vulneráveis: os psicopatas.
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria e a Organização Mundial da Saúde, para cada jovem que comete suicídio, de cinco a seis pessoas entre amigos e parentes da vítima são afetadas direta ou indiretamente e vão precisar de um acompanhamento médico e psicológico. Algumas vão ficar temporariamente incapacitadas para o trabalho e para uma rotina de normalidade.
O preço do suicídio espelhado – a consequência que o ato de tirar a própria vida provoca nas pessoas à volta – é a dor, um efeito rebote de uma droga mortal: um sofrimento e uma culpa sem limites que muitas vezes se arrastam por anos na vida dos que ficam. Uma morte lenta num caminho conflituoso de pais aflitos que não conseguiram suspeitar, adivinhar, deduzir ou perceber que seus filhos enfrentavam pesadelos intermitentes de viver até o cometimento de suicídios impulsivos ou a décima tentativa certeira.
Quem tenta não se mata
é um dos maiores mitos sobre o suicídio. Quem tenta muitas vezes tenta até criar coragem e meios. Até conseguir. Um dos grandes mitos sobre o autoextermínio diz respeito justamente às ameaças. A maioria dos suicidas dá sinais sobre a ideia da morte que ronda. Boa parte deles, dias ou semanas antes de consumar o ato, expressa sua vontade a familiares, amigos e principalmente a profissionais de saúde, mesmo que de maneira velada. Mas esses sinais, muitas vezes, são ignorados ou tratados, no caso dos jovens, como fase.
Preconceitos e mitos que só dificultam a compreensão do tema e o desenvolvimento de medidas oportunas de prevenção. Quem pensa em se matar não se vê muito à vontade com nada. Muito menos em desabafar diante de um complexo estigma. Essas pessoas quase sempre se sentem envergonhadas, acuadas, discriminadas. Enfrentam um sofrimento solitário e silencioso. Mas emitem sinais.
"Quando fazemos a prevenção, usamos nossas ferramentas, o suicídio passa a ser um problema tratável e evitável em mais de 90% dos casos. Aí deixamos de perder essas pessoas, esses jovens. É um tema que merece nossa atenção, todo o nosso cuidado. Se existiu pelo menos uma coisa boa nessa série 13 reasons why, da Netflix, e no Baleia Azul, foi trazer à tona esse problema, um assunto tão importante para que possamos evitar que outros jovens se percam", afirma a psiquiatra Alexandrina Meleiro, que prestou assessoria aos jornalistas envolvidos com as reportagens.
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A série 13 reasons why, transportada para a TV pelas mãos do premiado dramaturgo Brian Yorkey, causou rebuliço assim que foi lançada, em 31 de março de 2017. Os episódios deixaram adolescentes curiosos e pais chocados, botaram o dedo na ferida jamais tocada, desafiaram a sociedade moderna sem restrições, ajudaram e ao mesmo tempo contrariaram a Organização Mundial da Saúde, escancarando cenas explícitas de estupro e a dolorosa passagem da morte da protagonista Hannah Baker.
Já a nossa bem-intencionada série jornalística, tímida e cheia de cuidados para não ferir ninguém, ainda dava os primeiros passos, tateando o terreno do tabu, driblando os limites perigosos de um assunto pantanoso e delicado. Em março de 2017, ninguém de fora da equipe de execução sabia que a preparávamos. E os casos estavam lá, bem na nossa cara. Como antes. Como sempre estiveram. Só que agora ganhavam visibilidade, começavam a rastejar de debaixo do tapete para fora, motivados por doenças e transtornos não tratados, por uma baleia cibernética questionável, pela crise política, por dúvidas existenciais comuns da raça humana, pelo desemprego, pelo bolo de problemas não resolvidos que cresce e quer sair da garganta.
Pouca gente sabe, mas enquanto você respira uma vez só, ou seja, a cada três segundos, uma pessoa no mundo, em algum canto agitado ou remoto do planeta, tenta tirar a própria vida. E, em menos de um minuto, uma delas consegue. Os dados são da Organização Mundial da Saúde.
Quando você convive com pessoas afetadas, e não só com números, essa descoberta é dolorosa, quase insuportável, quando se desnuda bem na nossa frente, sem máscaras, sem piedade, desafiando o tabu. É tão penosa e dilacerante que alguns de nós sofreram os efeitos de um tsunami emocional. Depois de longas e densas entrevistas com especialistas, vítimas, vulneráveis e sobreviventes, sentimos o impacto do tema.
Vimos de perto as marcas ainda recentes de mutilações conduzidas e voluntárias, o sofrimento de pais impotentes, perdidos e apavorados, lutando, quando ainda havia tempo para lutar, para salvar os filhos de uma prática que surgiu na Antiguidade e que agora ganha outra dimensão, mais digital, com mortes on-line, em tempo real.
Da aversão, caminhamos para a sensação de impotência, de comoção e de vontade de ajudar. Eu fiquei estranha, tive insônia e crises repentinas de choro. Achei que fosse precisar de ajuda médica. Mas, no meio da correria, deixei para depois, como tantos, de maneira equivocada. E agora? O que fazer com todas essas descobertas? Parece que fomos contaminados
pelo assunto e adoecemos um pouco.
A explicação veio de uma conversa impactante e acolhedora com Robert Paris, presidente do Centro de Valorização da Vida (CVV), e um dos nossos principais entrevistados. Há mais de 50 anos, a ONG ouve, com técnica apurada, pessoas que se sentem vulneráveis e as aconselha. Paris me contou um pouco mais sobre o princípio ou a alma da chamada escutatória
, a técnica do ouvinte amoroso e eficiente. Para ouvir de coração, sem julgamentos e entender a dor do outro, além de ter vontade, é preciso encarar de frente e curar as próprias dores.
Este livro é uma tentativa de colaborar com o esclarecimento da população, em especial dos jovens, pais e responsáveis, por meio de uma abordagem cuidadosa do tema, mas de forma franca e objetiva. Espero que essa meta seja alcançada. Se a leitura destas páginas servir para impedir uma única morte ou um gesto de automutilação, todo o esforço e medo terão valido a pena.
OS SOBREVIVENTES
*
Cansei de inventar histórias. Cansei de esconder cicatrizes. Cansei da insistência no tabu, da prevalência do preconceito. Cansei de proteger as pessoas da própria curiosidade e do medo de descobrir a verdade. Sempre quis ser invisível, mas cansei de me camuflar.
Carla Hidalgo, sobrevivente
Liga pra minha mãe!
O porteiro daquele condomínio pode viver mais 200 anos, mas jamais esquecerá essa frase. Jamais esquecerá aquela cena.
Era dezembro de 2004. Mês do Natal. Época festiva e alegre. Mas não para todos. A ceia e a confraternização podem até ter data e hora marcadas. A sensação de satisfação e plenitude, nem sempre. Bate na alma e é metabolizada de forma diferente por cada um. Não se sabe ao certo até hoje se ainda era sexta, 3, ou já era sábado, 4 de dezembro, quando o porteiro do prédio de classe média alta da zona oeste de São Paulo teve seu sossego entre uma chamada e outra de interfone bruscamente interrompido por um estrondo sinistro que reverberou na noite tranquila e empurrou para longe o silêncio.
A entrada principal do prédio era toda calçada por pequenos ladrilhos e cimento no lugar em que antes havia um pequeno jardim. Na dureza do concreto, e não na terra, o impacto pareceu mais forte. Seu José, despertando do estado de torpor, aproximou-se, curioso para saber o que havia despencado das alturas. Não precisou de mais que três passos. Tomou coragem para chegar ainda mais perto, curvando levemente o corpo, cauteloso e impressionado, embora quisesse mesmo andar para trás. Foi com imenso espanto que viu a bela menina com grandes olhos cor de esmeralda. Era real, a cena mais triste que já havia presenciado. José pede todos os dias para o infinito para nunca mais testemunhar uma imagem dessa natureza. O terror no rosto do porteiro só não foi maior que a surpresa quando Carla Hidalgo pediu:
Liga pra minha mãe!
A estudante, na época com 12 anos, ainda ditou devagar o número do celular da mãe. Em choque, o porteiro ficou sem ação, mas o barulho da queda tinha acordado o vizinho do primeiro andar, que desceu rapidamente para saber o que tinha acontecido. Foi ele quem ligou para Isabel Cristina e deu a notícia, sem ser capaz de amenizar o relato. Antes de telefonar para a mãe da menina, porém, fez o mais certo. Ligou para o resgate. Ainda consciente, Carla chegou ao Hospital das Clínicas de São Paulo à 0h34 do dia 4 de dezembro. Foi lá que nasceu de novo.
Nascer de novo, ter uma nova chance, uma possibilidade estatisticamente remota em casos assim, dói e pode ser o início de um longo processo de reabilitação. Nem sempre o renascer devolve ao sobrevivente os mesmos movimentos, o mesmo rosto, a mesma capacidade cognitiva e intelectual, as mesmas habilidades – até mesmo nas tarefas mais simples do dia a dia. A vida que escapa da morte por um fio deixa sequelas no corpo, na mente, na alma. E abre indiretamente um rombo naqueles que estão à sua volta. Em especial, os pais.
Turbulência no tempo em que os jovens deveriam sonhar
Num dos mais importantes e recentes relatórios lançados sobre o tema, Preventing suicide: a global imperative,¹ a Organização Mundial da Saúde traça um panorama completo sobre esse fenômeno mundial e trata os casos de suicídio, até então camuflados nas estatísticas, como um problema de saúde pública que exige ações e medidas emergenciais. Tomando como referência os dados de 2012 – último ano em que os números foram totalizados –, a OMS estima que, em apenas um ano, 804 mil pessoas tenham se suicidado nos países analisados, o equivalente a pelo menos um caso consumado a cada 40 segundos. Uma média de 2,2 mil casos por dia. Esse número vem crescendo.
Desde que os dados passaram a ser contabilizados, os maiores índices de suicídio no Brasil e no mundo sempre pesaram sobre pessoas com idade mais avançada. Em especial, aquelas com mais de 70 anos. Os motivos não variam muito: solidão, viuvez, doenças crônicas, falta de perspectivas e a sensação de inutilidade trazida pelo afastamento do trabalho. Tudo isso acrescido pelo aumento da expectativa de vida nem sempre acompanhado por políticas públicas que priorizem ou pelo menos respeitem os mais velhos.
Mas, se os índices de infelicidade sempre aumentaram com a idade, na última década, os pesquisadores observaram uma leve inversão na curva, o que talvez explique o fato de os casos de suicídio terem crescido também entre os mais jovens, a parcela da população que, diz o senso comum, está no auge da vida, no ápice da alegria, no topo do universo de projetos e sonhos. Na faixa etária entre 15 e 29 anos, o suicídio já é a segunda causa de morte por atos violentos no mundo. Só não mata mais que os acidentes de trânsito. Uma revelação preocupante.
No Brasil, não é diferente. Segundo o Mapa da violência, estudo publicado anualmente a partir de dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM), o suicídio juvenil cresce de maneira lenta, mas constante.² A taxa de suicídio entre jovens de 15 a 29 anos subiu de 5,1 casos por 100 mil habitantes em 2002 para 5,7 por 100 mil habitantes em 2015. Parece um crescimento tímido diante do número agressivo de homicídios