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Sentir & Ressentir
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E-book262 páginas3 horas

Sentir & Ressentir

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Sobre este e-book

Numa vida tão repleta de tecnologia e uma estranha amizade social deixamos muitas vezes de ser nós mesmos. Temos dentro de nós a capacidade de sentir e ressentir um mundo diferente que criamos quer em sonhos, em memórias, ou simples devaneios de um final de dia com um copo na mão.  
Nada nos impede de sonhar, de criar com a mente, de acreditar e construir algo que nos traga um sorriso no canto dos lábios que só nós mesmos sabemos ter e também nada nos impede de sofrer em silêncio com um riso rasgado no rosto! 
Compete-nos distinguir a vida real da imaginária e em tempo algum, mesmo misturando-as não as confundir, este livro é assim um resumo de uma mente estranha num mundo estranho que estranhamente se acha normal. 
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de jan. de 2023
ISBN9791222079653
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    Pré-visualização do livro

    Sentir & Ressentir - Pedro D'aparte

    O PALCO

    Desci as escadas em busca do meu lugar, procurei a fila de cadeiras e o número correto para não ter de me levantar depois de me sentar, aquele teatro sempre tinha tido a acústica perfeita, esperei assim que os atores entrassem em palco, o cadeirio vermelho de um lado e de outro quase que parecia um sofá completamente deserto na vã esperança que me deitasse sobre ele. Tinha chegado muito mais cedo que os restantes espetadores, pois assim como tinha escolhido o lugar perfeito, mesmo ao centro da plateia, esperei pela hora perfeita para entrar, antes de todos, antes das velhas de vestidos com cheiro a naftalina, antes dos burbúrios constantes das pessoas que se sentam, antes das luzes acenderem e antes da claridade total dar luz à escuridão. Sentei-me, desliguei o telemóvel, e aguardei que a sala se enchesse, que as luzes se acendessem e se apagassem, esperei calmamente que tudo em meu redor fosse aquilo que esperava para que, no meio de todos, na minha solidão, observasse o encenar, sem cortes, a peça que queria ver. E assim expectante fui olhando para os camarotes de cima com as cortinas ainda fechadas, e imaginei quem os preencheria, desde o casal mais novo que estaria ali para ver e sentir tudo menos a peça a fim de se envolver em hora e meia de delírio amante, até àqueles que somente lá vão para ver quem ao teatro vai e no fim cumprimentar os ditos importantes. Senti o cheiro a madeira antiga, a alcatifa já desgastada, aquele cheiro que sem qualquer peça já nos faz sentir parte do teatro e da sua encenação. Confesso que escolhi a peça não pelos atores, não pelo enredo que não li e nem sequer pelo folheto que vi, escolhi a peça pelo teatro em si, pela sua acústica que sempre me surpreendeu e pelo título da peça: O palco da minha vida achei que esse título deveria ser algo de expectante, queria ver o que conseguiam fazer com um título desses. Apeteceu-me acender um cigarro e não o fiz por ser proibido, enquanto olhava para as cortinas inertes tive a vã esperança de a meu lado se sentar um ser feminino cujo silêncio expectante fosse igual ao meu na expectativa do resultado do título que li e que no fim, à saída ambos sorríssemos e em simultâneo disséssemos: esperava mais. Imaginei também todos os que a mim se iriam juntar na ilusão da peça e do título da mesma, visualizei o homem dos bilhetes a acompanhar ao lugar aqueles que chegam sempre atrasados, aqueles que não têm qualquer interesse na peça senão chegariam a horas, mas que somente vêm pois não tinham mais nada que imaginar para levar o outro a sair e essa ser uma boa forma de passar o tempo inútil que inutilmente já passam lado a lado. Fiquei assim sorridente, expectante, de brilho nos olhos, assim na penumbra da escuridão até que as cortinas se abriram e o palco se iluminou, compus-me no meu lugar, endireitei as costas e sorri, a peça ia finalmente começar, vi as luzes marcarem o lugar principal mesmo no centro do palco e aguardei que o ator lá se dirigisse, esperei uns minutos que pareceram horas, senti em mim o verdadeiro impulso, levantei-me e de olhar empertigado segui em frente, ao mesmo tempo que subia as escadas do palco ouvi as pancadas secas de Molière, dirigi-me ao centro, fiz uma vénia pausada e estudada, e, de voz rouca pela emoção, para uma plateia completamente vazia disse bem alto:

    Bem-vindos ao palco da minha vida

    CAPÍTULO I

    SENTIR

    Na ponta dos dedos, no toque, no sonho,

    nos desejos, nas ilusões e na memória.

    Nada como sentir para nos fazer sentir

    vivos...

    A LUA

    Levantei-me, estava sentado há horas, encostado no tronco daquele carvalho centenário, lamentando em mim nada mais ter para te dar pois já tudo tinha tentado para que me visses e me olhasses, já te tinha enviado flores pelo miúdo pobre da aldeia, já tinha pedido ao alfaiate que te fizesse um vestido por medida sem nunca te ter tocado, pois eu de tantas vezes te olhar ao longe já sabia exatamente as tuas formas. As flores tu recusaste e o vestido nunca to vi. Já tinha rezado a Deus para que esses olhos notassem as minhas passagens constantes e incontáveis à frente da tua janela, e já te tinha enviado mordomo e cocheiro chamar por ti, mas Deus não favorece descrentes e tu não aceitas boleia de estranhos sem saber o destino. Fiz-me de inválido e bati à tua porta, comprei anel de rubi e te enviei, mas deste-me esmola sem me olhar e anéis e jóias não te faltavam. Esperei por ti ao amanhecer nos primeiros raios de sol, e durante noites montei acampamento na casa de madeira em frente à tua, mas tu levantavas-te sempre tarde e só em noites de luar te conseguia ver, naquelas noites de lua cheia, mandei o coro da igreja cantar para ti a um domingo de manhã, vesti-me de xerife e bati à tua porta, mas tu só gostas de música com instrumentos e não respeitas a autoridade. Estava assim sentado há horas, há tantas horas que até o meu cavalo se tinha deitado e adormecido, encostei-me a ele, deitado na relva de cabeça para o ar, e deixei-me adormecer, quando acordei, acordei exatamente com o mesmo problema com que me tinha deitado, pensando em ti, que mais te poderia dar para que me visses? Olhei as estrelas e dessa forma verifiquei que já era noite, que a lua no seu grande esplendor iluminava tudo em redor, e foi assim dessa forma que os meus lábios sorriram, estava ali o presente ideal, aquele que te dando tu irias reparar em mim e jamais me esquecerias, sim estava mesmo ali á minha frente, a lua, pois o que mais recordava de ti era a tua imagem ao luar, mas assim como sorri depressa o meu sorriso se desvaneceu, como te poderia dar algo assim tão inalcançável, ai se eu pudesse dar-te a lua, estiquei a minha mão na sua direção e com os meus dedos tentando segurá-la os apertei, fechei-os e ela ficou no mesmo sitio, disse baixinho para mim mesmo mas ao mesmo tempo num tom de voz audível: ai se te pudesse apanhar, dito isto suspirei fundo com todo o meu sentimento vindo lá do fundo de todo o meu ser e toda a minha essência, o que eu queria aquela lua, queria-a tanto que repeti de novo enquanto a olhava: ai se te pudesse apanhar. Ouvi uns passos leves em simultâneo com uma voz rouca que me disse: queres assim tanto a lua? Pus-me de pé num salto, não estava à espera de companhia, o meu cavalo relinchou, levantou-se mas ao mirar a figura estranha que estava a meu lado e deitou-se de novo como que com receio, eu gaguejei, não sabia o que responder, aquela figura estranha, magro, alto, de cabelo completamente branco e olhos negros como a noite mirou-me como se esperasse resposta, eu nada disse de espanto e ele voltou a perguntar: queres assim tanto a lua Leonardo? Fiquei de boca aberta, além de estranho e sinistro sabia o meu nome, respondi com a garganta em seco: sim quero, como sabes o meu nome? Como te chamas? Quem és? Ele sorriu de uma forma cínica e disse-me: O Meu nome é Nerceu, e sim, dou-te a lua, mas tens de me dar algo em troca Eu achei muito estranho o que me estava a dizer mas a sua convicção era tanta que acreditei mesmo que ele estava a dizer a verdade e sem que mandasse nos meus lábios lhe respondi: pela lua dava qualquer coisa, ele deu uma gargalhada sinistra e respondeu: qualquer coisa mesmo? Tens a certeza? Pensa bem! E eu de imediato retorqui: sim qualquer coisa. Olhou-me como quem olha para um moribundo nos seus segundos finais de vida, olhou-me com alguma compaixão e disse: dou-te a lua na condição de nunca mais veres a luz do dia, se te der a lua somente viverás na noite, aceitas? Eu fiquei especado a pensar na proposta dele, ele não a conseguiria realizar e mesmo que conseguisse não me faria diferença pois tu levantas-te sempre tarde, e somente te consigo ver em noites de lua cheia, ora se realmente te pudesse dar a lua, mesmo que fosse sempre de noite eu seria um homem feliz pois dando-te a lua assim como ela estava seriam sempre noites de lua cheia o que significava que te veria todas as noites e assim teria mais hipóteses que me visses ou que me sentisses por te ter dado o presente ideal, então com a minha voz mais convincente retorqui: sim aceito. Ele nem esperou pela segunda vez, simplesmente levantou a mão ao céu repetindo exatamente o mesmo gesto que eu tinha feito minutos atrás, só que desta vez eu vi a lua a encolher-se, eu nem queria acreditar, ele tinha pegado mesmo na lua e de forma delicada foi encolhendo os dedos até que ela ficou do tamanho de um berlinde, puxou a mão para baixo e com uma delicadeza suave a pousou na palma da minha mão. Fiquei estupefacto a olhar para aquele berlinde brilhante e pálido que tinha na minha mão e quando levantei a cabeça ele já não estava ali, tinha simplesmente desaparecido, levantei novamente a cabeça e só vi estrelas, eu tinha realmente a lua na palma da minha mão! Fiquei com um sorriso de criança, com um brilho enorme nos olhos, peguei no meu cavalo e fui direito a tua casa, nada mais tinha senão um lenço preto de seda e foi nele que a embrulhei, cheguei à tua porta, pousei o lenço, bati à porta e afastei-me, fui de novo para a casa de madeira em frente a ver se te via a vir à porta, para finalmente poder ver-te todos os dias. Abriste a porta, olhaste para ambos os lados e não vendo ninguém olhaste para o chão, pegaste no lenço e sem entrar o abriste, todo o céu se iluminou, pela primeira vez vi o teu rosto como nunca o tinha visto. Fiquei completamente deslumbrado com a tua beleza, cada vez que fecho os meus olhos recordo-te assim, perfeita, a olhar meio assustada para a lua que na palma da mão sustinhas, aquele brilho intenso assim como te surpreendeu te assustou e tu de impulso lançaste fora a lua que enquanto assim reluzente voava te iluminava e caiu numa poça de água. Apagou-se num ápice como se de um fósforo se tratasse, nunca mais vi a luz do dia, nunca mais vi a lua e nunca mais te vi a ti, roubei a lua para te dar e esqueci-me que ficávamos sem luar.

    SENTI-TE

    Senti-te. Senti-te minha e só minha, naquela cama daquele quarto, e naquele momento dominei-te, como se tu fosses minha e a mais ninguém pertencesses. Senti-te. Senti-te submissa e dona de mim, sem que quisesses mandar e a tudo obedecesses. Senti-te. Senti-te envolver-me em ti, sentindo-me em casa, como se nunca de lá tivesse saído. Senti-te. Senti-te como se sente o frio e o calor, a chuva e o sol, a praia e a montanha. Senti-te. Senti-te falar para mim, em que a tua voz repetia e ecoava num gemido interminável, num fim do mundo inimaginável. Senti-te. Senti-te no meu respirar, no brilho do meu olhar e nas palavras que não disse. Senti-te. Senti-te cada vez que as tuas mãos me agarraram e as tuas pernas se entrelaçaram. Senti-te. Senti-te devota a mim e exigente, desejosa de dar, e carente. Senti-te no meu corpo e na mente. Senti-te. Senti-te no abraço prolongado, e no sorriso final, no lençol dobrado e no sono natural. Senti-te. Senti-te nas tuas mãos cravadas, na sede do teu olhar e no aumento do teu respirar. Senti-te. Senti-te no silêncio deitados, nos pés entrelaçados e nos mimos trocados. Senti-te. Senti-te na nossa liberdade, naquele à-vontade, e na cumplicidade. Senti-te. Senti-te nas palavras trocadas, no que ficou por dizer e no toque das almofadas. Senti-te. Senti-te na chegada e na partida, na presença, na persistência e na despedida. Senti-te. Senti-te nos quase insultos e na meiguice, nos tremores, nos respiros e pouco houve que não sentisse. Senti-te. Senti-te solta, livre, liberta, quase dormente, mas desperta. Senti-te. Senti-te de tal maneira, que tenho a certeza que não minto, se te disser que ainda te sinto!

    Sentiste-me?

    VITÓRIA

    Entrou assim de casaco rosa

    Num café em busca do desconhecido

    Ao fundo na mesa ele a esperava

    Foi seguindo, elegante, glamorosa

    De olhar no chão, tremido

    Meio certa, incerta, ansiosa

    Deu a face para um beijo de rosto

    E nos lábios foi beijada

    Surpreendida mas não tanto

    Pois era o que de alguma forma esperava

    Timidamente conversando a gosto

    De olhar assertivo, não de encanto

    Enquanto de ouvidos escutava

    A certa altura teve a questão

    Que não esperava ouvir

    Firmemente disse que não

    E aqueles lábios teve de sentir

    Foi ao céu, voltou à terra

    E colocou de novo os pés no chão

    Depois de três horas de conversa

    Saíram de café porta fora

    E encostados num cigarro

    Numa conversa dispersa

    Sentiu que não havia demora

    Ao verificar tal agarro

    De mãos que a desejavam

    E lábios que a beijaram

    E foi, encostada ao carro

    Sentindo dedos tresloucados

    Que criança se sentiu

    E criança deixou sentir

    Fechou os olhos, sorriu

    Relaxou, deixou-se ir

    Quis a ironia do destino

    Que a porta de casa abrisse

    Antes de um prometido jantar

    Abriu-a com carinho

    E deixou que ele sorrisse

    Por tê-lo permitido entrar.

    Havia sede em ambos eles

    E nada os poderia parar

    Sentir o encosto das peles

    Deixar o corpo falar

    E os corpos sim falaram

    Mais que quaisquer palavras até ali

    Os mesmos mostraram

    Que era mais que tarde, já aqui

    Que tinham de se consumir

    Deixar mais que receios, fluir

    Acordou, deixou-o deitado

    No seu lar, na sua cama

    Foi trabalhar de sorriso rasgado

    E no olhar uma chama.

    Jamais poderia imaginar

    Tantas barreiras assim transpor

    Á rigorosidade de sua vida

    Mas não se estava a importar

    Ou a trazer qualquer dor

    Esta cedência consentida

    Sempre dominadora tinha sido

    Dona de seu nariz

    Senhora da sua razão

    Mas aquele desejo reprimido

    De em segredo dar tudo, ser feliz

    Estava a preencher-lhe o coração

    Era na entrega a sua vitória

    Que em segredo tinha de ocultar

    Pois jamais poderia admitir

    Alguma vez em si, na história

    Que se deixava entregar

    No momento em que se estava a vir

    De nódoas negras marcada

    Sem dor ter sentido

    Nem as palavras ter ouvido

    Quando mais que carinho, insultada

    Quando mais que entrega desafiada

    Em que dando não era dominada

    Mas sim dona de si por se entregar

    Numa imagem que ninguém podia sonhar

    Pois sendo doutora na vida real

    Era ali que se sentia normal

    Naquelas quatro paredes

    Que mais que casa eram cela

    Eram fontes saciadas de sedes

    E a chave era dela!!!

    A VARANDA

    João ligou a Ana, deu-lhe por telemóvel a localização exata de onde estava e o número do quarto de hotel. Estava deitado na cama sem saber se ela viria ou não, pois não tinha avisado que iria ter com ela, não se deu ao trabalho de ver se ela tinha respondido, deixou-se ficar a ver televisão mudando de canal maquinalmente. Passado algum tempo, que não soube precisar pois não contava as horas, ouviu um bater na porta, o seu coração acelerou-se a pensar se seria Ana a chegar, sem a certeza de o ser, levantou-se e disse: só um momento. Dirigiu-se à porta, abriu-a devagar e ela estava de frente a ele, ela olhou-o nos olhos e logo baixou os seus naquele gesto tímido que tantas vezes fazia e a caracterizava, João fê-la entrar puxando-a por um braço, bateu a porta com força, encostou-a à mesma vigorosamente e ela naquele tom de voz quase inaudível disse: "pára João, só vim

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