Desordem E Progresso
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Desordem E Progresso - Manoel Freitas
"O Estado é o mais frio de todos os monstros frios;
mente friamente e eis a mentira que escorrega da sua boca:
‘Eu, o Estado, sou o Povo’." Nietzsche
– Bom dia, ouvintes da Rádio Libertas. O sol já está
brilhando nessa bela manhã de 15 de janeiro de 2050. A
previsão para hoje é de tempo bom: céu limpo, sem
possibilidade de chuva e temperatura girando na casa dos
25ºC.
Hoje, nosso lindo país está de parabéns pelos quinze anos
de sua fundação. E pra comemorar esse aniversário, teremos
uma programação especial.
Começaremos o nosso programa entrevistando o
presidente do Sindicato dos Professores, da nossa província,
que vai explicar as novidades no setor do homeschooling.
Na área da saúde, conversaremos com o Dr. Haroldo
Mattos, diretor da Saudex, que está trazendo, para nossa
região, um novo conceito em plano hospitalar, e pretende
competir com as principais marcas do setor. A Saudex é a 36ª
empresa a atuar aqui em Liberlândia, e deverá aumentar ainda
mais, a concorrência no setor clínico hospitalar.
Teremos, ainda, uma conversa com os ativistas de uma
ONG, contrária ao porte de arma para deficientes físicos, o
que diverge da nossa Constituição.
Para finalizar, o novo gerente da província, contratado
para os próximos dois anos, falará da sua expectativa para
governar nossa região e explicará suas táticas para conseguir
agradar os nossos exigentes cidadãos, que não tiveram muita
paciência com o último gestor e o demitiram com apenas oito
meses de administração.
Então, fique aí, que nós voltaremos daqui a pouco com
tudo isso e muito mais.
In medias res
O ano era 2035. O caos tomara conta do país há pelo menos
uma década. A democracia, definida aqui, não como oposto à
ditadura, mas como um regime de governo no qual seus
membros são eleitos pelo povo
, falhou drasticamente.
Conforme esperado, o Estado não conseguiu solucionar sequer
os problemas básicos dos cidadãos, simplesmente porque essa
nunca foi a sua função, embora fosse vendida essa mentira aos
eleitores. A verdadeira função de qualquer governo estatal
sempre foi a de extorquir o dinheiro dos trabalhadores, com o
intuito enriquecer os políticos, e encher os bolsos dos seus
amigos e agregados
.
Tratando seus eleitores como gado de um rebanho acéfalo,
os políticos distribuíam migalhas, disfarçadas como serviços
públicos e gratuitos
. Caso o rebanho reclamasse da qualidade
dos serviços, os sábios governantes alegavam que a culpa era
da arrecadação que estava baixa, o que justificaria um aumento
nos impostos.
Esse acréscimo na arrecadação gerava sentimentos
distintos, a depender da classe social: a casta
política,
habitante do topo da pirâmide, sentia um frisson, ao perceber
essa nova injeção de dinheiro nos seus cofres; já os ferrenhos
defensores da democracia, amontoados na base da pirâmide,
sentiam uma esperança infantil de que, dessa vez, as coisas
iriam melhorar.
Apesar desse fracasso na política, muitos cidadãos
continuaram a votar: os ingênuos, acreditando que bastava
mudar o partido para que tudo melhorasse, de maneira mágica;
e os parasitas
que faziam parte, ou dependiam do Governo,
tratavam de eleger aqueles que defendessem suas causas
pessoais.
O estopim da mudança aconteceu quando, após uma
pandemia mundial, a taxa de desemprego formal cresceu de
maneira absurda, caindo vertiginosamente a arrecadação de
impostos, nas esferas federal, estadual e municipal. Não tendo
como se manter, nem como pagar o funcionalismo, e não
querendo diminuir a máquina estatal, os governos começaram a
falir
.
Sem receber os salários e precisando pagar as contas, os
funcionários públicos foram gradativamente abandonando seus
empregos estáveis
e passando a buscar outras fontes de
renda, dentro do livre mercado. Sem funcionários, as
instituições entraram em colapso. As três principais frentes de
atuação do Estado: saúde, educação e segurança, foram as
primeiras a sentir a falta de recursos.
– E agora, Ana? O que vamos fazer pra pagar as parcelas
da casa e do carro? Já faz um ano que não recebo salário e
nossa poupança tá quase no vermelho!
– Eu já disse, Antônio! Faça a mesma coisa que seus
colegas fizeram: abandone esse emprego e arrume outro.
– Não posso fazer isso, coração! Eu sou concursado.
Tenho estabilidade…
– Do que adianta isso, homem, se não tão te pagando? O
governo tá falido, meu amor. O barco tá afundando e a
maioria dos seus colegas já pularam fora.
– Mas, Ana! Eu nem sei pode onde começar…
– Primeiro, você tem que sair desse emprego sem futuro,
meu bem. Você tá pagando pra trabalhar!
– Mas…
– Depois, você liga pros seus amigos, pra saber o que eles
estão