A Função Social do Imposto sobre Grandes Fortunas
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Sobre este e-book
Por outro lado, a imposição de um imposto sobre o patrimônio com finalidade essencialmente extrafiscal, como a proposta pela tributação das grandes fortunas, vem gerando intensos debates por parte de economistas e tributaristas brasileiros, muitos amparados na tese de que com a regulamentação desse imposto haveria um desestímulo à iniciativa privada e aos seus investimentos e uma evasão fiscal. Diante desse cenário, seria viável a regulamentação do tributo no Brasil?
Esta obra busca proporcionar uma reflexão sobre a possibilidade de a função extrafiscal do Imposto sobre Grandes Fortunas vir a torná-lo um instrumento de concretização da justiça social no Brasil, tornando o sistema tributário brasileiro mais justo e equânime, na medida em que passaria a constituir um mecanismo garantidor da igualdade sócioeconômica, uma vez que esse tributo não tem função apenas arrecadatória, não sendo, portanto, o potencial financeiro seu principal atrativo, mas sim, prioritariamente, corrigir distorções na mal conduzida distribuição de renda no Brasil.
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A Função Social do Imposto sobre Grandes Fortunas - Aline Ribeiro Mamede
realidade.
SUMÁRIO
Apresentação
A tributação sobre grandes fortunas está prevista no inciso VII do art. 153 da Constituição. Cabe à União, por intermédio do Congresso Nacional, exercer a faculdade de tributar grandes fortunas. No entanto, até o presente momento, e apesar das diversas iniciativas, o imposto ainda não fora regulamentado, constituindo-se em um raro caso em que a União não exerce sua competência tributária.
Por outro lado, a desigualdade social é um componente histórico do País. A enorme disparidade na distribuição de renda no Brasil revela que o país ainda encontra-se em uma posição extremamente desfavorável se comparado a algumas nações no mundo,¹ apesar de nos últimos anos terem ocorrido avanços com relação às políticas públicas de inclusão social, diante da iniciativa estatal de desenvolver programas de transferência condicionada de renda que buscam a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem-estar social.² No entanto o problema da desigualdade no Brasil não poderá ser totalmente solucionado apenas com a manutenção ou expansão de programas dessa natureza. Outros instrumentos, contidos no ordenamento jurídico brasileiro, poderiam ser utilizados para a consecução da justiça social.
Inserto no sistema tributário brasileiro, o Imposto sobre Grandes Fortunas fora inicialmente concebido como um valioso instrumento de justiça social, por meio do qual seria possível corrigir as distorções encontradas com relação à má distribuição de renda no País, tornando o sistema tributário mais justo com a incidência de um tributo que atingisse os mais afortunados cidadãos. Vislumbrando esse objetivo, o legislador constituinte de 1988 justificou a necessidade da criação do IGF, argumentando que o dispositivo poderia corrigir graves disparidades econômicas entre pessoas e classes sociais ao minimizar injustiças provocadas pela obtenção e acúmulo de grandes fortunas.
A partir desse entendimento, a pergunta que constitui o fio condutor da investigação realizada nesta obra foi: seria esse tributo um instrumento eficaz na luta pela melhor distribuição de renda, tendo em vista que os recursos provenientes da tributação de grandes patrimônios poderiam, ao menos, minimizar as graves distorções sociais em um país como o Brasil?
Este livro, em sua concepção e desenvolvimento, levou em conta aspectos históricos e conceituais dos tributos, mais especificamente do tributo do tipo imposto, compreendendo seus elementos formadores e as funções fiscal e extrafiscal que pode vir a exercer, servindo de guia à análise da possibilidade, na prática, desse tributo vir a ser um instrumento efetivo na busca pela redução das desigualdades sociais e da pobreza no País.
Obedecendo a essa linha de raciocínio, o primeiro capítulo procura discorrer acerca do conceito de tributo, desde sua primeira acepção até os dias atuais, perpassando pelos seus elementos caracterizadores – presentes na redação do art. 3º do Código Tributário Nacional – e os tipos de tributos existentes na legislação tributária brasileira, além de especificar as funções que o tributo pode exercer (função fiscal, parafiscal e extrafiscal), dedicando um tópico específico para a função extrafiscal, haja vista ser essa função que vai além dos propósitos meramente arrecadatórios, atuando no contexto econômico, político e social do Estado.
O segundo capítulo apresenta o tributo do tipo imposto, haja vista o IGF se enquadrar nessa espécie tributária, além de tecer comentários acerca de importantes princípios constitucionais de ordem tributária, inerentes a essa modalidade de tributo, tais como o Princípio da Legalidade e o Princípio da Capacidade Contributiva, que se caracterizam como normas principiológicas norteadoras da atividade estatal de tributação.
No terceiro capítulo, inicialmente se expõe as origens do IGF no Brasil, relatando sua evolução histórica no contexto nacional, desde a primeira iniciativa de projeto de lei parlamentar (PLP nº 162/89), datada de 23 de junho de 1989 até o mais recente projeto de lei parlamentar (PLP nº 277/2008), de autoria da Deputada Luciana Genro. No segundo tópico deste capítulo, são descritas as mais relevantes experiências internacionais de instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas: umas bem-sucedidas, em países onde até hoje o IGF constitui-se em uma considerável fonte de renda e de financiamento estatal, e em outros países que chegaram a cogitá-lo, mas posteriormente o aboliram de forma definitiva de seus sistemas tributários. No entanto não é suficiente abordar apenas aspectos históricos e experimentais do IGF. No último momento deste capítulo, adentra-se na problemática da função social do imposto, contextualizando o tema com uma discussão acerca da questão da distribuição de renda no Brasil, apresentando dados constantes em estudos recentes de renomados institutos brasileiros que pesquisam sobre o assunto para, dentro desse contexto, inserir o IGF como um possível instrumento de efetivação da função social exercida pelo Estado, mediante a promoção do bem comum, da igualdade e da justiça social.
Por fim, o quarto, e último, capítulo analisa a questão da importância do Imposto sobre Grandes Fortunas para a emancipação dos direitos humanos, primeiramente discorrendo sobre o tema direitos humanos sem a pretensão de esgotar o debate sobre o assunto para, depois, iniciar uma discussão mais objetiva sobre a emancipação dos direitos humanos no Brasil, na tentativa de averiguar se o IGF poderia ser utilizado como instrumento garantidor da igualdade econômico-social, à medida que poderia minimizar as situações de desigualdades sociais no País, tudo se levando em conta a necessidade da observância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (fundamento da República Federativa do Brasil) como ponto de convergência para os que defendem os valores dos direitos humanos.
Portanto, o objetivo desta obra é proporcionar uma reflexão sobre a possibilidade da função extrafiscal do Imposto sobre Grandes Fortunas vir a torná-lo um instrumento de concretização da justiça social, servindo como mecanismo de inclusão social, por meio do qual seria possível corrigir distorções na malconduzida distribuição de renda no Brasil.
1
DO TRIBUTO E SUA FUNÇÃO SOCIAL
Para uma melhor compreensão do objeto principal desta obra, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), sente-se a necessidade de discutir, preliminarmente, o conceito de tributo, desde sua primeira acepção até os dias atuais, haja vista o IGF ser um tributo da espécie imposto.
1.1 Conceito de tributo
O termo tributo, como hoje é conhecido, apresentou ao longo dos séculos modificações substanciais em sua conceituação, levando-se em consideração, especialmente, a evolução natural das sociedades e do homem propriamente dito.
O professor português José Albano dos Santos, em sua obra intitulada Teoria Fiscal, discorre acerca das origens do tributo, afirmando que:
A origem do fenômeno tributário perde-se na noite dos tempos, de tal modo que não é possível delimitar um momento histórico e um local onde, com um mínimo de rigor, o seu aparecimento possa ser circunscrito³.
Os primeiros tributos tiveram origem na Idade Média, em princípio espontaneamente, como forma de premiação para líderes ou guerreiros tribais pelos serviços prestados à comunidade. Posteriormente, as contribuições passaram a ter caráter obrigatório, quando os perdedores das guerras eram forçados a entregar na totalidade, ou de forma parcial, seus bens para os vitoriosos. No entanto, foi na Grécia Antiga que a concepção de tributo como entrega compulsória de dinheiro ao Estado ganhou força, permanecendo até os dias atuais.
Nesse caso, conforme assevera o citado jurista português, tomando como fundamento a lição de Edwin Saligman, a acepção arcaica do conceito de tributo passa por três fases distintas:
Uma primeira, em que o sentimento é o de que, ao pagar o imposto, o indivíduo dá um presente à autoridade, caracteriza-se pelo vocábulo latino donum (dom, presente, dádiva); uma segunda fase, em que a autoridade que toma a iniciativa de pedir ao povo o seu apoio financeiro, surge o termo precarium (obtido com súplicas, concedido por favor); num terceiro estágio, em que prevalece a idéia de assistência pecuniária à autoridade, numa acepção mista de oferta, de favor e de dever, para recorrer-se à designação adjuntorium (ajuda, auxílio, socorro)⁴.
Portanto, paralelamente ao contínuo avanço das sociedades, os custos advindos das atividades executadas pelo Estado começaram a atingir níveis incompatíveis com a voluntariedade do cidadão, levando as autoridades, com base na imposição de seus poderes, a cobrarem contribuições necessárias ao custeio das atividades de interesse coletivo.⁵ Desde então, o tributo passou a ser considerado como um dos meios de que o Estado dispõe para arrecadar recursos financeiros com os objetivos precípuos de custear suas atividades e garantir a satisfação do interesse público.
Dentro desse contexto, surge a denominada relação