Hipérion
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Hipérion - R. C. Zímmerl
HIPÉRION
R. C. ZÍMMERL’
1ª Edição
São Paulo
Ricardo Cordeiro Zimmerl
2011
4 R. C. Zímmerl
Edição 2020, revista e ampliada
Comemorativa de 10 anos do lançamento dos livros da saga Hipérion.
5
Hipérion – A Grande Jornada
Leonardo Da Vinci
6 R. C. Zímmerl
7
Hipérion – A Grande Jornada
CAPÍTULO 1 - Amanhã até quando?
A masmorra
Jogando Xadrez
O Almoço
CAPÍTULO 2 - Hipérion 3.0
CAPÍTULO 3 - O Jato Cósmico
Testando as Armas
Além dos Sonhos
CAPÍTULO 4 - O Jardim do Éden
Um pequeno passo...
Os passos de Darwin
CAPÍTULO 5 - De novo não!
Resgate de risco
CAPÍTULO 6 - Um problema muito maior
Preparar... Apontar...
O Arcanjo
Triste realidade
CAPÍTULO 7 - Retorno muito amargo
Amigos outrora, inimigos agora
Terrível despedida
CAPÍTULO 8 - A Fuga
8 R. C. Zímmerl
9
Hipérion – A Grande Jornada
Capítulo 1
Dois meses se passaram desde nosso regresso e, em
meus ossos, sinto novos problemas se avizinharem, a
despeito da relativa calmaria até o presente.
Tão logo Phil se recuperara fizemos o tal churrasco de
carne de dino. Ocasião de festa não fosse a indigesta presença
de Moacyr. Estorvo que a WOM, para meu infortúnio, até o
presente foi incapaz de resolver, porém que, se tiverem um
pingo de competência, hão de dar jeito, assim espero.
Bianca, dividida entre a corte de dois pretendentes,
tem se tornado cada vez mais serelepe. Não que Max se
assuma como tal, entretanto não quer perdê-la para as garras
famintas de meu amigo que fixou
residência na fausta
mansão, ajudando aos outros nas fainas de aprimoramento
de Hipérion.
Essa, é claro, é a desculpa oficial
. Na verdade,
protege-os contra incursões da WOM. Ao menos é no que ele
pretende que eu acredite, bem sei que, no fundo, quer é por
as mãos em sua gata selvagem antes que venhamos a por um
fim neles. Hehe.
Não me oponho de qualquer modo. .
. . Ele não está cobrando por isso!
10 R. C. Zímmerl
Nesse ínterim precisei me ausentar por motivos
familiares. Minha mãe adoeceu e retornei ao meu país, à casa
de meus pais. Não fui seguido.
... Sou ótimo em despistar!
Um talento nato que me foi sempre útil
principalmente quando moleque fazia alguma travessura.
Morar em fazenda, longe do burburinho da cidade
grande é excelente à saúde exceto por um detalhe: a falta de
convívio com outras pessoas torna o sistema imunológico
frágil, principalmente quando se tem certa idade. Por sorte
não foi nada sério, duas semanas de cama e minha mãe
estava nova em folha
. Uma gripe forte. De qualquer modo
fiquei um tempo a mais. Quis saborear estar de volta, na
época certa e no local certo: a casa onde cresci.
Foi ótimo revê-los, voltar às raízes.
Billy, meu sobrinho, ganhou uma coleção de bichos
em miniatura feitos em resina flexível, muito bem-acabados e
coloridos, dinossauros. Fica brincado pela casa com eles e me
disse que adoraria poder tê-los visto. Perguntou-me o que os
fez serem extintos. Deu-me vontade de responder: "Foi um tal
de Roy", mas ele não entenderia.
. . Melhor deixar para lá.
Tenho certeza que se os tivesse conhecido como os
conheci, a essa hora estaria destruindo os bonecos ao invés
de brincar com eles. Hehe.
Aproveitei, à revelia, minha estada para cumprir uma
velha promessa: comprar um novo trator para o sítio. O
nosso, desde quando era pequeno, vivia dando problemas
mecânicos. Geoffrey, meu irmão, não me permitiu continuar
postergando a aquisição do novo equipamento.
... Compramos a nova máquina e outros implementos.
11
Hipérion – A Grande Jornada
Compramos
é o modo simpático
de dizer: "ele
escolheu o que precisavam e eu paguei a conta".
Buá! Todavia meus pais se encheram de orgulho e
alegria ao ver o presente que o filho doutor
finalmente lhes
dava.
... Se soubessem de onde vem meu dinheiro duvido
que sentissem orgulho ou que aceitassem o presente.
Certas omissões são essenciais para a felicidade de
quem amamos. E ficaram felizes de fato! Em especial minha
mãe.
Comemoramos o presente
assando o leitão mais
gordo numa festa na qual toda a vizinhança se fez presente.
Revi Ritinha, linda moça que namorei quando jovem, antes
de partir para a faculdade. ... Bons tempos... Hoje, casada, tem
uma trinca de filhos. Ela enrubesce ao me cumprimentar,
diante de seu marido.
Pudera! Fizemos tantas coisas loucas juntos que se ele
soubesse...
Por esse tempo Psyquatic persistiu, obstinadamente,
na busca de pormenores sobre a WOM. Está encafifado:
Detesta ser incapaz de obter informações, por mais tolas que
sejam. Está determinado a encontrar a fonte das mensagens
dessa organização e, quando o fizer, sugará qualquer mísero
bit de dado que contiver. Acredito que há de conseguir!
... Como sempre, aliás.
Bastou, porém, após o ótimo tempo em companhia de
meus pais, retornar à minha residência oficial
na terra de
Lreorod para a safra de problemas recomeçar. Estava calmo
demais! E por mais que almejasse que a calmaria continuasse
indefinidamente era óbvio que uma hora a WOM faria algum
movimento: Não iam simplesmente desistir.
12 R. C. Zímmerl
... Ou desaparecer.
Sempre procuro prever as ações de meus adversários.
Adiantar-me a eles para não ser surpreendido, ou, pior,
derrotado. Um esforço mais que necessário quando se está no
meu ramo de trabalho, no qual erros podem lhe custar a vida.
Para tanto, em geral, procuro caminhar à noite, pelas ruas
desertas. Isso aguça os sentidos, deixa alerta. À sombra de
perigos quiçá espreitando em vielas escuras e becos sujos a
mente, ou melhor, o hipotálamo, comanda a liberação de
adrenalina e noradrenalina pela medula adrenal,
aviventando o raciocínio. O coração acelera preparando o
corpo para reações rápidas. A oxigenação celular revigora os
músculos. A pituitária libera hormônio adrenocorticotrópico
e este, ao chegar ao córtex adrenal, desencadeia a efusão de
cerca de trinta diferentes hormônios na corrente sanguínea.
... Tudo isso para aumentar as chances de sobrevivência ao
perigo. Exatamente o que preciso!
Outrossim, o silêncio da noite, das ruas desertas e
luzes perdidas cintilando a esmo, é ótimo para espairecer,
refletir. Pensar nos próximos passos. No caminho a seguir.
Um incerto caminho, velado, oculto sob pesadas
sombras, em meio às quais surge um vulto... Um sujeito
soturno, aparentemente a me aguardar solitário num beco
ermo, mal iluminado. Um homem mais velho, pouco mais
baixo que eu.
Embora noite, está de chapéu.
Aborda-me. Diz ser detetive, amigo de Roy.
Pergunto o que quer.
Ele responde dizendo que Roy foi capturado pela
WOM, entrega-me um pedaço amarfanhado de papel no qual
vejo, rabiscados, um endereço e desenhos, um tipo de mapa.
13
Hipérion – A Grande Jornada
– Ele esta nesse lugar, preso no subsolo. Sob tortura,
estão interrogando-o. – Afirma com certo tom de gravidade
na voz.
Desconfio: – E o que espera que eu faça?
Passe os desenhos a limpo? Penso, infame.
– Que vá salvá-lo! Ele confia em você! Mencionou que
já o salvaste noutra ocasião.
Conversa esquisita! Principalmente vinda de um
sujeito desconhecido se ocultando na escuridão de um beco
sombrio à noite.
Fico reticente: – Ora sou somente um médico. Se é
detetive por que não o salva você?
O sujeito suspira aborrecido: – Ele é uma excelente
pessoa e ótimo amigo. De modo algum merece o que está
sofrendo, Steven Sunderman... – Há uma pausa sinistra, como
que carregada de reflexões – ... Sei quem você é!
Franzo a testa. Sabe? Duvido: – E quem sou?
Ele me olha nos olhos acusativo: – Ex-médico, trabalha
há oito anos como espião industrial para a agência de
inteligência de seu país.
Meu sangue gela. Como ele sabe?
Todavia, a bem da verdade, sou um espião conhecido
no mercado, não é difícil obter informações sobre mim...
... Se souber onde procurá-las!
Entretanto isso me traz um sério problema: – Roy sabe
quem sou?
– Não. – Abaixa o olhar – Quando falou comigo sobre a
WOM investiguei. – Ergue-o novamente e volta a fitar-me nos
olhos – Investiguei igualmente você.
14 R. C. Zímmerl
Investigou a WOM?
Há! Essa historinha
está é muito estranha, difícil de
engolir: se Psyquatic, com toda sua experiência, talento e
recursos não foi capaz de descobrir nada, ainda, como um
detetivezinho borra-botas pode saber sobre a WOM?
Isso me cheira à cilada!
Resolvo ser rude: – Como um detetivezinho furreca
sabe sobre essa WOM? Que mais sabe?
– Furreca? – Ele sorri arrogante e ergue as
sobrancelhas como que debochadamente surpreso: – Vindo
de um mero peão
não sei se encaro isso como elogio ou
ofensa. – Disse com ênfase à palavra peão.
Perco as estribeiras, estou frustrado: Se minha
dissimulação está comprometida é melhor jogar limpo e
rápido, pois posso ter pouco tempo para agir.
Se este sujeito trabalhar para a WOM, o que me
parece ser muito provável, diria, até, inequívoco, talvez tenha
não mais que esta noite!
Ninguém sabia de minha volta, mesmo assim ele
estava aqui, me aguardando!
Coincidência?
Tudo ou nada: – Peão? Acaso sabe, de fato, quem sou?
Para sua informação sou o melhor espião industrial do
mundo!
– Jura?! – Provoca em tom de deboche – Te disseram
que rastrearam as comunicações do Lreorod, que ficaram
preocupados e te mandaram descobrir de que tratava o
projeto, não é?
Ei! Essa informação é confidencial!!! – Como sabe
disso?
15
Hipérion – A Grande Jornada
– Contaram-lhe essa história da carochinha
e você
creu cegamente. Nem se questionou sobre qual seria a
verdade e os interesses por detrás disso.
– Verdade? Por que esconderiam o que fosse de mim?
Sou o melhor, nunca dei furo. Não há por que não confiarem
em mim e omitirem o propósito da missão.
Ele emite um Humpf e diz: – Amadores.
Amador, eu?
Meu sangue ferve. – Sempre tive cem por cento de
êxito em todos os trabalhos, sem falhas ou indiscrição. Em
minha ficha há quilômetros
de elogios e nenhum ponto ou
vírgula a me desabonar! Meus superiores se referem a mim
como o mais talentoso espião que tiveram.
Ele ergue o sobrolho: – Pode ser talentoso, no entanto
não é esperto! Sequer sabe quem é que o quis nisso nem por
quê.
– Meu governo! – Retruco nervoso.
– Impessoal? – Ele dá um irritante sorriso de escárnio
– Governo não existe, é figura simbólica. O que existem são
pessoas imiscuídas no governo, seu tolo. Nem imagina o
imbróglio em que se meteu!
Isso é demais!
Estou aborrecido.
Amador?
Tolo?
Esse detetivezinho tem é pressa em ir para a terra dos
pés juntos!
Tento manter a compostura; preciso saber qual o nível
de meu comprometimento: – Tudo bem, então conte!
16 R. C. Zímmerl
– Não estou aqui para isso. Vim por meu amigo. Ele
estará lá até amanhã. Precisa ir de dia. E se apresse! Esteja no
local precisamente às dez da manhã e terá uma chance. A
melhor rota de entrada é a que está desenhada no mapa. – E
aponta com o indicador da mão esquerda o papel em minhas
mãos
– Por que devo me apressar?
Ele coloca as mãos nos bolsos do casaco, recosta-se na
parede e apoia o calcanhar do pé esquerdo a ela, flexionando
ligeiramente a perna. – Acham que ele está envolvido com
uma entidade que atacou uma base deles. Querem descobrir
quem mais sabe sobre a WOM. Se ele falar. .
– Por que crê que posso salvá–lo?
– É o único que pode!
– E você?
– Eu? Sou um detetivezinho furreca
. Além disso,
você o meteu nessa, a obrigação de tirá–lo é sua!
– Eu? Como assim?
– Nem sabe por que te mandaram. . – Sorri
escarnecendo enquanto abana a cabeça negativamente.
– Explique! – Demando.
Ele ergue as sobrancelhas: – Ora o melhor espião não
é você? Então deve ser muito fácil para você descobrir.
Descubra! – Diz em tom de ironia.
E vai se retirando, mantendo as mãos nos bolsos, com
a cabeça baixa, usando o chapéu para não ser reconhecido,
caso seja filmado, se houverem câmeras próximas.
– Isso está me cheirando à encrenca da grossa
. O que
me motivaria a querer salvá–lo?
17
Hipérion – A Grande Jornada
Ele satiriza: – Ora, meu caro espião, você está até o
talo mergulhado em encrenca da grossa
, muito além do que
imagina. Se o salvar talvez lhe conte mais sobre a WOM.
Creia-me: Há muita coisa que você adoraria
saber!
– E por que acha que não posso descobrir o que quiser
sozinho?
Ele ri enquanto se afasta. Distante diz: – A vida é sua!
Dada a distância, coisa de quinze metros, sou forçado,
a contragosto, a elevar a voz: – Se Roy ou alguém do grupo do
Lreorod souber quem sou, serei obrigado a matá–los!
– Estou ciente disso, não se amofine: Não tenho a
menor intenção de lhe trazer complicações, você as tem de
sobra. Ajude meu amigo e verei o que posso fazer para lhe
retribuir o favor. Siga as instruções no papel se quiser viver e
lembre–se de ser pontual. – Ergue o braço direito com o
indicador em riste – Dez horas!
Embarca em um carro escuro, estacionado a trinta
metros de onde me aguardou e parte. Memorizo a chapa, já
imaginando ser fria. Ao retornar para casa checo: O endereço
é um complexo industrial. Movimentado.
A placa? De um carro acidentado há dois anos.
Todos os ocupantes morreram.
... Estive conversando com um fantasma?
Ao contrário: O sujeito era muito vivo, quiçá vivo
demais!
Ligo para Phil usando os óculos em canal codificado.
Conversamos. Folga em saber que estou de volta e confirma
Roy haver desaparecido
, está a fazer sessões de fisioterapia
à noite por conta da perna e ontem não regressou da sessão
nem deu qualquer notícia.
... Ontem?
18 R. C. Zímmerl
Exatamente um dia antes do meu retorno?
Outra feliz
coincidência?
Ele acha que não: – Está com jeito de emboscada!
– Também penso assim, Phil. Estão usando o Roy como
isca para me pegarem!
Meu amigo vai mais além: – E se Roy for da WOM?
– Por que ia querer me prejudicar? Salvei a vida dele.
– Pretende apostar sua vida nisso? Se ele for da WOM
sabe que você os conhece. Faz sentido entregá–lo.
– É verdade! Todavia a história do detetive bate. Roy
disse que procuraria amigos que nos ajudariam.
– E por que esses tais amigos
não o resgatam?
– Medo, talvez...
– Sunderman, isso está é muito estranho!
Conto-lhe sobre o que aconteceu na base da WOM.
Ele fica apreensivo: – Sabem que foi você?
– Creio que não.
– Se souberem então é certeza ser cilada! Será que
esperam nós dois lá?
– Penso que não. Entretanto é perigoso demais Phil! E
você não é especialista em infiltração.
Contudo meu amigo é confiante e teimoso: – Está com
a razão, não sou. Porém te dou cobertura!
– Acho mais que provável ser o local defendido por
androides de segurança!
– Pois os deixe comigo! Entretanto, por que ir salvá-lo,
afinal? Deixe-o morrer. Foi pego? Azar!
19
Hipérion – A Grande Jornada
Embora Phil esteja, em essência, correto, infelizmente
não posso abandonar minha marionete que pode ter se
tornado mais valiosa: – Fiquei intrigado com o que disse o
detetive. Se tiver as informações que desejo sobre a WOM isso
me permitirá encerrar esse caso de vez.
Ele pondera: – Sunderman, mesmo que seja verdade,
que possua as informações que quer, acha que seria tão
ingênuo a ponto de lhas dar? Se for minimamente esperto
sabe que ao fazê-lo irá acabar com eles. Dar-lhe-á sinal verde
para eliminar todo o grupo da base.
– Isso ele não tem como saber: Somente nós sabemos
disso, Phil! As ordens que recebi são outras. Ele deve supor,
imagino, que minha meta seja desvendar a WOM para enviar
as informações em meu relatório ao escritório.
– E como saberia sobre ela?
– Essa é uma grande pergunta cuja resposta adoraria
saber. Porventura tenha informantes infiltrados. . – Opino.
Phil persiste cético: – Isso é pouco plausível, você bem
o sabe. Sinceramente minha opinião é que, o mais provável,
ele seja dessa WOM e armaram uma arapuca para pegá-lo.
O pior é que concordo com meu amigo, contudo sinto
que há alguma coisa além nessa situação: – Pode ser. Só existe
um jeito de descobrir!
– Tomara que não nos arrependamos dele! – Pondera
– Por que não os mata a todos de uma vez e põe um fim a esse
assunto, Sunderman?
– Ora, amigo, você está careca
de saber a resposta.
Não é falta de vontade, mas se a WOM tiver outra nave, vou
fazer o quê? Sem saber quem está por trás dela ou quais as
intenções deles, sem a Hipérion ficaríamos indefesos.
Poderiam dominar o mundo, acabar com a liberdade,
20 R. C. Zímmerl
destruir nosso país, aí eu iria fazer o quê? Chorar? Não sei
construir uma nave transdimensional!
– Seu velho discurso se torna um tanto quanto
ridículo. E se não tiverem nem souberem fazer, o que é mais
provável? Tanto sufoco que você passa por nada!
– Estou ciente, mas não quero arriscar. As
consequências de ser imprudente seriam terríveis demais
para ignorá-las.
– Deixe de bobagem, Sunderman! Se fizessem uma e
tentassem conquistar o mundo haveria resistência, ora!
Rio: – Contra uma nave transdimensional? Com que
arma? É impossível, Phil! Nada que temos pode destruí-la!
– A nave porventura não, mas sua base sim!
– E esta seria onde? Você sabe? – Meu amigo está
sendo simplório – Poderiam construir na Lua ou em Marte ou
em um planeta a zilhões
de anos luz daqui.
– Sequestre Lreorod então!
– Ah, tá! Simples! E acha que ele cooperaria depois de
eu haver matado toda sua equipe e destruído a base?
– Ora, ele não precisa saber quem foi. Eu achava que
havia me chamado justamente para isso. Por outro lado, pode
despistá-lo facilmente, basta forjar um ataque da WOM.
– Phil, você tem noção do que seria necessário? Teria
de adquirir robôs de assalto e importá–los pelo mercado
negro. Custam uma fortuna! Não tenho dinheiro para isso,
estouraria o orçamento do escritório. E como iria justificar
depois? Comprei os robôs para treinar tiro ao alvo? Seria
obrigado a devolver o dinheiro e nem em quinze vidas
quitaria a dívida! Posteriormente precisaria manter o "bom
doutor" em cativeiro. E por quanto tempo? E se não fizerem
outra nave a não ser daqui a dez anos? E se nunca fizerem?
21
Hipérion – A Grande Jornada
Ah não! Essa ideia é inviável. É mais fácil e econômico
protegê–los até descobrir se a WOM tem ou não capacidade
de produzir outra nave. Se não tiver ser-lhes-á o fim. Se tiver
restar-me-á neutralizar a ameaça, se possível, ou informar ao
escritório o que sei e deixar que tomem conta a partir daí.
– Confiaria no escritório?
– Claro que não! Todavia se for briga de cachorro
grande melhor um chihuahua igual a mim pular fora.
– Se você puser um fim no Lreorod e na turma dele
poderá se concentrar em investigar a WOM, se eles
representarem essa ameaça, de ter outra nave, certamente o
escritório lhe dará todo apoio e recursos para cumprir essa
missão. Não é muito mais simples assim?
– Infelizmente não, Phil. Se eu acabar com Lreorod e
sua gangue e destruir a Hipérion minha missão acaba e terei
de explicar o que foi que aconteceu e, por que não obtive o
que queriam. Você sabe melhor que ninguém que eles
detestam falhas em missões, independente da desculpa que se
queira dar, isso lhes é inadmissível, não aceitam bem, nada
bem! E, além de falhar, eu precisaria cooptá-los para essa
cruzada contra um inimigo que, se bobear, pode até estar
infiltrado no escritório, o que torna tudo muito mais difícil,
senão impossível, até que seja tarde demais.
Ele insiste: – Prefiro neutralizar Lreorod e a WOM.
– Concordo contigo, Phil! Não obstante, meu problema
imediato é Roy: Devo resgatá-lo.
Deixamos de lado a conversa improfícua e nos
concentramos no que interessa: o resgate. Combinamos de
nos encontrar num velho galpão, às três da manhã. Insones,
movidos à base de anfetaminas militares, para preparar o
equipamento e planejar a estratégia de invasão. O local alvo é
22 R. C. Zímmerl
movimentado. Dez horas da manhã, horário incomum, como
passar despercebido?
... É provável que não seja essa a intenção!
O movimentado horário, em plena luz do dia nos
impede de chegar pesadamente armados. Devemos ter o
máximo de sutileza.
Armamos nossa estratégia. Phil sai. São quatro horas.
Estará lá antes das seis. Aproveitando a escuridão e o
movimento menor para se posicionar num lugar donde seja
possível prover cobertura de fogo.
Levarei a pistola, farta munição e explosivos. .
. . Explosivos pesados: Se quiserem me capturar,
haverá de ser um estouro!
O disfarce que pretendo usar me permite levar um
novo fuzil, similar à minha saudosa arma abandonada no
Triássico.
Às oito horas passo em frente ao local. Uma entrada
de serviço, secundária. Há uma guarita, nitidamente
desocupada. Porém há câmeras! Cercas elétricas e sensores
de movimento dificultam o acesso por cima
do muro. Muro
alto, quatro ou cinco metros. A rua é bem arborizada, tráfego
leve... Perfeita para uma armadilha!
Não vejo nenhum sinal de robôs de segurança.
Estarei aqui as dez, como pediu o detetive
, virei de
moto, disfarçado de entregador.
O pacote?
Você sabe bem qual é. Hehe.
23
Hipérion – A Grande Jornada
Chegado o fatídico momento, sou pontual. No horário
exato me encontro diante da portaria. A porta de aço, velha,
com marcas de ferrugem, pintada de azul, contrastando com
o amarelo sujo e desgastado do muro.
Sem saber o que fazer, aguardo, ansioso e temeroso o
que irá acontecer. Subitamente ouço um barulho metálico.
A tranca é aberta.
Vacilo. Pouso a mão sobre a pistola. . . O portão abre.
Quem vejo diante de mim é ninguém menos que o tal
detetive
. Uniformizado com macacão de trabalho verde, tal
qual um ajudante ou alguém da limpeza. Ele fala baixo, há
urgência em sua voz: – Siga o mapa que lhe dei. Sabotei o
sistema de câmeras. Você deverá dispor de cerca de trinta
minutos.
– E quanto aos seguranças?
– Com sorte seu caminho estará livre nesse tempo.
– Robôs?
– Sim. Guardando Roy. Isso é contigo. Agora vá,
rápido!
Não que esteja indiferente à situação trágica de meu
coió, contudo não quero perder a chance de resolver este
enigma: – Antes, me responda: a WOM tem ou pode fazer
uma nave igual à Hipérion?
24 R. C. Zímmerl
Ele sorri: – Você está perdendo tempo precioso!
Sou rude: – Tanto quanto você!
– Creia-me: seus problemas são muito maiores do que
imaginas. Talvez possa ajudá-lo, contudo terá de merecer
minha ajuda!
Estou confuso: – Como?
– Comece por libertar o Roy.
– Terminando por??? – Insisto, afinal, quais serão as
exigências sem fim
para que granjeie seus favores? Pensa
que sou um idiota? – E por que espera que confie ou acredite
em você?
Ele responde com ar enfastiado: – Não espero! Faça o
que achar melhor. Mas se decida rápido, pois estamos sem
tempo.
O detetive tranca o portão, dá as costas para mim e
some por uma passagem lateral de um imenso galpão a
minha direita. Fico por instantes parado, boquiaberto, incerto
quanto ao que fazer. Titubeio. Devo segui-lo e forçá-lo a dizer
o que quero?
Adiantaria? E Roy?
E se que o detetivezinho
estiver dizendo for
verdade?
Enfim, receoso quanto à veracidade do que dissera
esse estranho sujeito, ponho-me a correr por um corredor
tortuoso à esquerda, ladeando o muro do complexo, em meio
a contêineres e maquinaria até me deparar com uma porta
cinza escuro, de aço, em outro grande galpão, exatamente
como ilustrado no mapa.
... Até aqui nenhum problema, daqui para diante...
25
Hipérion – A Grande Jornada
Eu e Phil portamos comunicadores auriculares,
todavia usá-los-emos exclusivamente se imprescindível, por
que podemos ser localizados pelas transmissões. Nem
imagino se meu amigo me vê ou não, tampouco qual a
situação dele. Confio em seu talento e em nossa amizade.
Minha vida depende disso!
A grande porta, encostada, convida a entrar. Se é
armadilha ou não chegou o momento de descobrir, vamos lá:
três, dois, um e...
Tcharam! Abro-a. Ouço um estouro distante, do lado
oposto do complexo industrial. Um estridente alarme de
incêndio se faz ouvir. Seria um despiste? Um presentinho
do tal detetive para tornar minha vida um pouco menos
difícil?
... É possível!
Arrisco: adentro o galpão. Tubos, máquinas enormes,
tudo automático. Trata-se de instalação química de algum
tipo.
Descendo uma escadaria contígua à porta, encontro
um funcionário fazendo a manutenção de uma válvula. Deu
azar! Antes que possa dizer ou fazer qualquer coisa pulo por
sobre ele e cravo a faca em seu pescoço, secionando-o. Está
morto!
Vou pelo caminho desenhado,