Politiks
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Politiks - Bruno Lopes Araujo
POLITIKS
BRUNO LOPES
POLITIKS
Como é que uma nação pode perder o amor por suas crianças? Como elas podem estar soltas no mundo, abandonadas? O Brasil não tem um bezerro abandonado, um cabrito. Um frango qualquer que você encontra, tem dono. Mas tem milhares de crianças abandonadas
Darcy Ribeiro
Apresentação
Escrever um conto é mais fácil do que escrever um romance, disso não tenho a menor dúvida. O romance é mais extenso, maior que a novela, os personagens são mais bem explorados em sua profundidade psicológica, e costumam cativar ou causar repúdio no leitor. Além disso, a história deve ser bem encadeada, e não deixar pontas soltas. A não ser que seja intencional.
O conto não. O conto é despretensioso, é livre, e uma vez reunidos não possuem obrigação de estarem encadeados logicamente entre si. Portanto, o leitor pode ler de forma aleatória, escolhendo um conto ao acaso, quando bem lhe aprouver, ou pode ler em sequência, do primeiro ao último.
Além disso, o conto é como um retrato, uma cena. Os personagens já aparecem prontos e em movimento. Talvez não se saiba sobre seu passado ou seu futuro.
Este livro representa minha estreia na literatura.
Boa leitura!
Índice
Carta de Amor
M., Coach de Relacionamento
Fanatismo
Jessé
O melhor amigo do homem
Politiks
Recanto da Paz
Vende-se votos
Recuperando a mais-valia
Elite
Incêndios
Ronda Noturna
O ex-estranho
Aventura no Del Rey 1984
Vingança
Incantado
Feliz Natal
Assombração
O preço
Conquistando o eleitorado
O Doutor
Carta de Amor
A carta tinha sido entregue pelos correios na tarde do dia anterior, provavelmente. Eu cheguei do trabalho já tarde da noite e encontrei-a perto do portão, sobre a grama. Se tivesse chovido teria virado sopa, pensei com meus botões. Para todo efeito ele até que demorou pra enviar-me algo depois de tanto tempo que partiu. Uma mulher inteligente sabe esperar o momento certo para tudo, quando quer. Apanhei o envelope, entrei em casa, fiquei só de sutiã e corri para o banheiro. Abri o envelope amarrotado, retirei a carta e comecei a ler. Eram estas suas palavras:
‘‘Já não sou o mesmo sem você. Tenho assistido filmes no cinema e lido livros que abordam o tema em suas mais variadas vertentes e não tenho me encontrado em nenhum deles. Marquês de Sade me impressionou, como você previra. Aqui na capital é tudo muito difícil, meu amor. Trânsito caótico, violência, indiferença política. Você já sabe muito bem de tudo isso.
Comprei aquela fita de Nossa Senhora que você me pediu, mas você sabe que minha filosofia não reside aí. Na mesma loja encontrei um punhal com o cabo em forma de cruz. Interessante. A solidão é uma doença crônica, meu amor. Na pensão, os ratos e as baratas têm mais liberdade que nós aqui na cidade. Às vezes passo a noite em claro pensando em você, na distância que nos separa, nas nossas brigas, nos rituais que fazíamos, nas nossas loucuras amorosas. Lembro quando você pulou da cama e caiu sobre mim e meu pênis estava ereto. Aquela foi uma noite que quase terminou em tragédia, mas era pra eu... Enfim, tenho muita saudade, Ana me envia cartas constantemente perguntando por você. Estão falando que em pouco tempo os telefones vão permitir ligações baratas para todo o país. Aí vamos conversar por horas a fio, eu te juro, vamos passar a noite inteira falando de nós e você vai gemer pra me excitar.
O patrão é um crápula, vive reclamando que não estão vendendo nada e que a culpa é dos funcionários da empresa que fazem tudo errado. Se falirem eu não contarei história, só vou arranjar uma grana pra viagem e voltar pros teus braços. Hoje tenho saudade de teu ensopado de carneiro, de teu feijão com abóbora e de teu doce de leite, da nossa cama... até mesmo de nossos peidos eu tenho saudade. Ah, meu amor, não me esqueça, por favor! Não me esqueça... Aqui a paisagem não muda, as pessoas parecem estátuas de caras enferrujadas. Não dão bom dia, andam correndo, xingam e se matam por muito pouco. Dizem que tem uma droga nova por aqui que destrói o organismo do usuário em meia hora. Cansei, meu amor... Ah, perdão, não poderia esquecer... Perdão por ter te tratado daquela maneira quando vim embora. Não gosto de relembrar isso, mas não posso evitar. Como vai Trina, continua derrubando o vasilhame de leite? E Mauro, o papagaio? Você já cobriu o telhado da casinha de Zoreba? E as margaridas? E, você, meu amor, fale-me sobre você. Escreva-me muito, estou com tesão pra ler tuas palavras.
Todo seu, Gilmar.’’
Confesso que fiquei meio chocada com aquele jogo sentimental dele. Gilmar me impressionou com suas palavras. É interessante como às vezes conhecemos as pessoas somente quando estão distantes de nós. Bem, em suma, eu sabia que eu e Gilmar... Ora, o fato é que dei descarga e notei que o papel higiênico havia acabado, restando apenas o tubo de papelão. Aquela carta de amor me pareceu bem mais confortável. Ah, cartas de amor!
M., Coach de Relacionamento
"A vida em casal é muito gostosa. É muito bom conviver com quem a gente aprende a gostar, como a alma gêmea escolhida. No primeiro encontro, rola aquele clima, aquela troca de olhares, a perna que roça sem querer na outra. Depois, a gente pega na mão, e o primeiro beijo sob a luz da lua é inesquecível. A partir daquele momento, nossa vida muda. Nós passamos a pensar nele ou nela o dia inteiro, a mandar mensagens, dizendo ‘bom dia meu amor’, ‘boa tarde meu amor’, ‘boa noite meu amor, dorme bem’.
E tem que ser assim mesmo! O namoro é a fase mais linda do relacionamento, é a fase em que um conhece o outro, os desejos, os medos, os sonhos, os defeitos e qualidades. Tem que ser assim. Um belo dia, marcamos o encontro mais esperado. É aquele a dois, à luz de velas, com vinho, ou champagne. Tem que ter uma comidinha também. Depois da refeição e de ficarmos um pouco mais alegres por causa do vinho, chega o momento mais aguardado.
Ele toca nela devagar, dá uns beijinhos no pescoço... e a partir de então a magia acontece.