Despertar para a Fé
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Despertar para a Fé - Ian Farias de Carvalho Almeida
O toque que intima e intimida
Desde ontem, tenho sido interrogado por Tomé, e ainda há, para certas coisas, um pouco de Tomé em mim. Ele me pergunta se tenho tocado
o Cristo. Não o faço pelas mãos, mas pela boca, na Eucaristia, e pelos olhos, na adoração.
Tocar as chagas de Cristo é fazer a experiência da sua morte dolorosa e ressurreição gloriosa. Aquelas chagas vivas, abertas, capazes de nos dar certo temor, são-nos acalentadas pela suavidade das palavras: A paz esteja convosco!
(Jo 20,21).
Curioso o evangelista dizer sobre os discípulos se alegrarem por quem viram, não pelo que ouviram. Se tivessem ouvido, mas não vissem, ainda assim estariam desconsolados, porque, certas coisas, não basta ouvir, é necessário ver. Tal acontece com o pregador que profere belíssimas prédicas, não tomando para si o que dissera.
Jesus aparece justamente no dia em que Tomé não estava, e disso Ele sabia! Que jeito belo de ensinar: para falar, primeiramente faz; para intimar, deve intimidar. Veio porque precisava deixar-nos aquela bela promessa: Bem-aventurados os que creram sem ter visto
(Jo 20,29). Somos felizes porque o que vimos, vimos com olhos da fé; o que tocamos, tocamos com as mãos da fé.
Intimidado fora Tomé para que, sabendo da sua descrença, pudesse professar: Meu Senhor e meu Deus!
, sendo intimado a conscientizar-se de quem ele era seguidor.
Se Tomé tocou ou não as chagas de Cristo, não me fará desistir do que eu quero: entrar nelas e esconder-me. Nesse confronto de misericórdia, quero afrontar a mim mesmo, sendo vencido pelo coração que, na cruz, foi trespassado, mostrando-se aberto a todos. Ou, como se diz: Perto estás se dentro estás
.
Maria e o caminho para o Ser
No mistério da Páscoa, toda criatura se faz participante da divindade de Cristo, como Ele no-la quis conceder. Maria ocupa, em relação a Deus e a seu Filho, uma posição singular na história. Totalmente consumida pelo Tudo, não deu reservas de si. Não hesitou diante do chamado de Deus, não se esquivou das intempéries. Abraçou a integralidade que o seu chamado comporta.
Há, contudo, em nós, um dualismo entre o que somos e o que fazemos. Aqui talvez devêssemos retornar um pouco à dimensão filosófica do ser e do ente: ontológica e ôntica, quais sejam, as duas são realidades que, se não postas em consonância, podem gerar radicalismos. O Ser abarca todo o conjunto dos entes, perpassa toda a realidade existente, muito embora nenhum dos entes possa encarná-lo. Os entes trabalham no ordenamento do Ser, por ele estão entrelaçados. Também Tomás de Aquino, usando esse pensamento nas provas da existência de Deus, dirá que em cada coisa criada está a marca do Criador – não se tratando da presença em si, pois sucumbiríamos no panteísmo vendo Deus em tudo.
Sob o olhar teológico, dá-se não apenas certa confirmação dessa filosofia, mas, até certo ponto, a sua virada epistemológica. Deus contraria esse princípio filosófico e o confirma através da pessoa de Maria. Maria, o ente, é tomada pelo Ser de Deus que se faz ente em Cristo, e por ela se deixa conter em seu ventre. Ao mesmo tempo, deixa nela a sua marca divina como participante da dignidade do Ser. É isso que a Assunção nos retrata: o Ser de Deus consome a tal ponto o ser de Maria que lhe caberiam, com justeza, as palavras de São Paulo: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim
(Gl 2,20).
A Mãe torna-se sinal da esperança para os que conformam a sua vontade à de Cristo. Os olhos para os céus são a resposta necessária em meio a tantas quinquilharias que acorrentam o nosso coração. O medo maior, para muitos, não está no desconhecido que sucederá à morte, mas nas imediatas realidades abandonadas. A Virgem ensina: o verdadeiro Bem não aprisiona, liberta; e só com liberdade o coração sabe ler, na história, os sinais da esperança.
Não era apenas um homem, era Pedro
Ao cair da tarde duma sexta-feira chuvosa e fria, em Roma, uma imagem fez marejar olhos e tremer consciências. Lá estava o homem vestido de branco, cruzando a Praça de São Pedro. Naquele percurso decidido, sob a chuva fina, não era apenas o papa Francisco, era Pedro.
Nele, contemplávamos toda a Igreja reunida num só coração, todas as vozes ecoando numa só voz e todos os sentimentos ali expressos num único grande sentimento. Francisco traz à memória, com o seu simbólico gesto, uma Igreja do Quo Vadis. Para onde vais, Pedro?
Para onde vais, cristão? Tu que tentas fugir de Roma para não seres crucificado. Aceita o teu destino e toma o teu caminho, o mesmo caminho que tomou o Mestre. Naquele curto itinerário, está impressa a marca de um longo caminhar, uma peregrinação da humanidade que se distanciou de Deus e não aceitou tomar parte na cruz de Cristo.
Aquele ancião que sobe as escadarias até o Crucificado, banhado da chuva, mas, sobretudo, banhado do sangue de tantos irmãos violentados por fome, guerras, perseguições e doenças, assume o posto do Príncipe dos Apóstolos, e ali é o primeiro dentre todos os servidores, o servo dos servos de Deus. A nossa dor, unida à sua, é imbuída da dor do Cristo.
Com ele, fomos todos levados à presença do Senhor e contemplamos a mística do encontro no silêncio, na oração, numa prece como que orvalhando do céu, tão discreta quanto uma gota, tão intensa como uma chuva. E é da boca de Pedro que ecoa: Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos em face de guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente
.
O temor, a oração e a fé, expressos na fragilidade de um homem, são a certeza de que a Igreja e o mundo não estão entregues ao mar revolto. Jesus pode até dormir na barca, mas não a abandonou. Ele