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Luar da Feiticeira de Ossos
Luar da Feiticeira de Ossos
Luar da Feiticeira de Ossos
E-book489 páginas8 horas

Luar da Feiticeira de Ossos

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Sobre este e-book

Apenas elas são capazes de manter os mortos longe do mundo dos vivos. Mas o poder para fazer a travessia dos espíritos, seja para os Céus Noturnos da deusa Elara ou para o Submundo do deus Tyrus, vem às custas de sacrifícios. Os deuses exigem um juramento de lealdade – e para completar o rito de passagem uma Feiticeira de Ossos precisa encontrar o seu amor verdadeiro, aquele que os deuses escolheram como a metade perfeita para ela, e então matá-lo dentro de um ano.

Desde que nasceu, Ailesse foi treinada não só para ajudar a transportar os mortos, como também para ocupar o lugar de sua mãe e se tornar a matriarca das Feiticeiras de Ossos. Mas primeiro ela precisa completar seu rito de passagem e matar o garoto que é destinada a amar.

Bastien viu seu pai ser morto por uma Feiticeira de Ossos e, desde então, ele busca por vingança. Mas sua vingança dá errado quando o ritual de Ailesse é iniciado e agora seus destinos – e suas almas – estão entrelaçados na vida e na morte.

Sabine nunca quis ser uma Feiticeira de Ossos, porém quando sua melhor amiga é sequestrada por Bastien e seus amigos, ela irá fazer de tudo para salvá-la e garantir que Ailesse termine seu ritual antes que os dois morram.

Primeiro volume de uma duologia, Luar da Feiticeira de Ossos é uma história de tirar o fôlego, com um romance destinado ao fracasso, muita magia e uma traição com a capacidade de romper os limites entre o mundo dos vivos e dos mortos."
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de jul. de 2023
ISBN9786555663785
Luar da Feiticeira de Ossos

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    Luar da Feiticeira de Ossos - Kathryn Purdie

    1

    Sabine

    É um bom dia para caçar tubarão. Pelo menos é o que Ailesse está dizendo. Estou ofegante, escalando atrás dela enquanto ela salta de uma de rocha para a outra. Seu cabelo ruivo-escuro brilha como papoulas à luz do sol da manhã. Os fios chicoteiam descontroladamente com a brisa do mar enquanto ela escala o penhasco sem esforço.

    — Você sabe o que uma amiga de verdade faria? — Agarro-me a uma pedra e recupero o fôlego.

    Ailesse gira e olha para mim. Ela não se importa de estar em pé em uma saliência instável.

    — Uma amiga de verdade me daria aquele pingente de lua crescente. — Aceno para o osso da graça que balança entre as pequenas conchas e miçangas em seu colar. O osso veio de um íbex alpino que caçamos no extremo norte no ano passado. Foi a primeira morte de Ailesse, mas fui eu quem esculpiu o pingente que ela usa com o pedaço do osso esterno. Sou a melhor escultora de ossos, um fato que Ailesse me encoraja a me gabar. Deveria, porque é a única coisa em que sou melhor do que ela.

    Ela ri, meu som favorito no mundo. Rouca, despreocupada e nunca condescendente. Isso me faz rir também, embora meu riso seja autodepreciativo.

    — Ah, Sabine. — Ela desce de volta para mim. — Você deveria se olhar no espelho! Você está uma bagunça.

    Eu bato em seu braço, mas sei que ela está certa. Meu rosto está quente e estou pingando suor.

    — É muito egoísta da sua parte fazer isso parecer fácil.

    O lábio inferior de Ailesse se projeta em um beicinho jocoso.

    — Sinto muito. — Ela apoia a mão nas minhas costas e eu relaxo sobre os calcanhares. A distância de nove metros até o chão não parece mais tão vasta. — Tudo o que consigo pensar é como será ter o sexto sentido de um tubarão. Com o osso da graça dele, serei capaz de…

    — Descobrir quando alguém está por perto, o que fará de você a melhor Barqueira que as Leurress já viram em um século — murmuro. Ela praticamente não falou de outra coisa a manhã toda.

    Ailesse sorri e seus ombros tremem de alegria.

    — Venha, ajudo você a se levantar. Estamos quase lá. — Ela não me dá seu pingente de lua crescente. Não adiantaria nada. A graça só pode pertencer à caçadora que a infundiu com o poder do animal. Caso contrário, Ailesse teria me dado todos os seus ossos. Ela sabe que detesto matar.

    A jornada até o topo é mais fácil com ela ao meu lado. Ailesse guia meus pés e pega minha mão quando preciso de uma pequena ajuda. Ela tagarela sobre todos os fatos que aprendeu sobre tubarões: seu senso aprimorado de olfato, sua visão superior mesmo com pouca luz, seus esqueletos maleáveis feitos de cartilagem — Ailesse planeja selecionar um dente duro para seu osso da graça, já que ele não se deteriorará durante toda sua vida. O principal componente mineral do osso também é abundante nos dentes, de modo que as graças do tubarão o impregnarão da mesma maneira.

    Finalmente chegamos ao topo, e minhas pernas tremem enquanto meus músculos relaxam. Ailesse não faz uma pausa para descansar. Ela corre para o lado oposto, planta os pés na borda extrema do penhasco e grita de alegria. A brisa ondula em seu vestido curto e confortável. Sua alça única complementa seu colar de ombro, que envolve fios do pescoço até abaixo do braço direito. O vestido tem o comprimento perfeito para nadar. Antes de partirmos esta manhã, Ailesse tirou a saia branca mais comprida que costuma usar por cima.

    Ela abre bem os braços e estica os dedos.

    — O que eu lhe disse? — ela me chama de volta. — Um dia perfeito! Quase não há uma onda no mar.

    Eu me junto a ela, embora não tão perto da borda, e olho para baixo. Catorze metros abaixo, a laguna é cercada por falésias calcárias como esta. O vento crispa a superfície da água.

    — E um tubarão?

    — Apenas me dê um momento. Já vi raças de recife de corais aqui antes. — Seus olhos castanhos se aguçam para ver o que eu não posso, nas profundezas da água. O segundo osso da graça de Ailesse, de um falcão-peregrino, dá a ela uma visão aguçada.

    A maresia faz cócegas no meu nariz enquanto cautelosamente me inclino para a frente. Uma brisa inebriante me desequilibra, e eu luto para não cair. Ailesse continua firme, seu corpo imóvel como pedra. Conheço aquele olhar, predatório e paciente. Ela espera assim — às vezes por horas — pelo que quer. Ela nasceu para caçar. Sua mãe, Odiva, matrone da nossa famille, é nossa maior caçadora. Talvez o pai de Ailesse fosse um soldado habilidoso ou um capitão. O meu provavelmente era um jardineiro ou um farmacêutico, alguém que curava ou ajudava as coisas a crescerem. Habilidades insignificantes para uma Leurress.

    Eu não deveria me perguntar sobre nossos pais. Nunca os conheceremos. Odiva desencoraja nossa famille a falar sobre amourés mortos, os homens seletos que complementam perfeitamente nossas almas. Nós, noviças, teremos que fazer nossos próprios sacrifícios um dia, e será mais fácil se não nos apegarmos aos que estão destinados a morrer.

    — Lá! — Ailesse aponta para uma área de água mais escura, perto da parede do penhasco abaixo de nós. Eu não vejo nada.

    — Tem certeza?

    Ela acena com a cabeça, flexionando as mãos em antecipação.

    — Um tubarão-tigre, um verdadeiro predador! Quer maior sorte que isso? Estava preocupada que você tivesse que mergulhar atrás de mim e assustar os outros tubarões do recife que fossem atraídos pelo sangue. — Engulo em seco, imaginando-me como isca. Felizmente, nenhuma criatura chegará perto de um tubarão-tigre. Exceto Ailesse. Ela solta um suspiro de admiração. — Ah, Sabine, ela é linda… e grande, ainda maior que um homem.

    — Ela? — Ailesse pode ter uma visão de longo alcance, mas ela não pode ver através do tubarão até sua parte inferior.

    — Só uma fêmea pode ser tão magnífica.

    Zombo:

    — Diz a pessoa que ainda não conheceu seu amouré.

    Ela sorri, sempre se divertindo com o meu cinismo.

    — Se conseguir esse osso, vou ter os três necessários, e vou conhecê-lo na próxima lua cheia.

    Meu sorriso vacila. Cada Leurress deve escolher e obter três ossos da graça para se tornar uma Barqueira. Mas esse não é o único requisito. É o pensamento da conquista final que me deixa em silêncio. Ailesse fala tão casualmente sobre seu rito de passagem e a pessoa que terá que matar: um humano, não uma criatura que não pode gritar quando sua vida acaba. Mas sua tolerância é natural; eu sou a anormal aqui. Devo aceitar, como as outras Leurress aceitam sem hesitação, que o que fazemos é necessário, um preço exigido pelos deuses pela segurança deste mundo.

    Ailesse esfrega as mãos no vestido.

    — Tenho que me apressar. O tubarão está voltando para a foz da laguna. Nunca vou pegá-la se tiver que lutar contra a corrente. — Ela aponta para uma pequena praia de areia abaixo. — Me encontre lá embaixo, tá? Vou arrastá-la para a margem quando terminar.

    — Espere! — Pego o braço dela. — O que acontece se você não conseguir? — Pareço a mãe dela falando desse jeito, mas é algo que deve ser dito. É a vida da minha amiga. Esse risco é diferente dos que Ailesse assumiu antes. Talvez as graças de um tubarão não valham o perigo. Ela ainda poderia escolher um osso de outro animal.

    A animação some de seu rosto. Costumo apoiá-la em tudo.

    — Consigo enfrentar um tubarão. A maioria é dócil, a menos que seja ameaçada.

    — E um ataque mergulhando de um penhasco não é uma ameaça?

    — Melhor do que ir nadando lentamente desde a costa. Eu não teria nenhuma vantagem sobre ela assim.

    — Não é essa a questão.

    Ailesse cruza os braços.

    — Nossa caça deve envolver perigo. Essa é a questão. Os animais com as melhores graças devem ser difíceis de matar. Caso contrário, todas estaríamos usando ossos de esquilo.

    Sinto uma dor aguda. Minha mão se fecha em torno do pequeno crânio que descansa acima do meu coração. Está pendurado em um cordão encerado, meu único osso da graça.

    Ailesse arregala os olhos.

    — Não há nada de errado com seu osso — gagueja, percebendo seu erro. — Não estava fazendo pouco caso dele. Uma salamandra-de -fogo é muito melhor do que um roedor.

    Olho para os meus pés.

    — Uma salamandra é ainda menor que um roedor. Todo mundo sabe que foi uma morte fácil.

    Ailesse pega minha mão e a segura por um longo momento, ainda que seu tubarão esteja nadando para longe.

    — Não foi fácil para você. — Nossos dedos dos pés estão quase se tocando, sua pele clara contra a minha bronzeada. — Além disso, uma salamandra-de-fogo tem o dom de curar rapidamente. Nenhuma outra Leurress teve a sabedoria de obter essa graça antes.

    Ela me faz parecer tão inteligente. A verdade é que Odiva estava me pressionando para executar minha primeira morte, e por desespero eu escolhi algo que não me fizesse chorar. Escolhi errado. Meus olhos ficaram vermelhos por dias e eu não suportava tocar na criatura morta. Ailesse descarnou o animalzinho em água fervente e fez um colar para mim. Ela sugeriu que eu usasse as vértebras, mas, para sua surpresa, escolhi o crânio. Lembrava mais a vida e personalidade da salamandra. Foi a melhor homenagem que pude prestar. Não consegui entalhar desenhos bonitos no crânio, e Ailesse nunca me perguntou por quê. Ela nunca me faz falar sobre nada que eu não queira.

    Limpo o nariz com as costas da mão.

    — É melhor você ir pegar seu tubarão. — Se existe alguém que pode fazer isso, é Ailesse. Vou parar de me preocupar com o perigo.

    Ela abre meu sorriso favorito, aquele que revela todos os dentes e me faz sentir como se a vida fosse uma longa aventura, grande o suficiente para deixar até minha amiga satisfeita.

    Ailesse tira uma lança de suas costas. Nós a fizemos com um galho e sua faca de osso. Como todas as armas rituais, é feita de ossos de veado para simbolizar a vida perpétua. Ela recua vários passos e agarra a haste da lança. Com uma corrida, ela se joga do penhasco.

    Seu salto é incrível. Seu osso de asa de falcão não pode fazê-la voar, mas definitivamente a faz saltar de um jeito impressionante.

    Ela grita na emoção do momento e junta os braços, uma mão sobre a outra, para quebrar a água. Seu corpo se alinha, os dedos dos pés apontam para o alto e ela mergulha de cabeça.

    Seu mergulho mal cria um respingo. Eu me aproximo da borda do penhasco e aperto os olhos, desejando a visão de Ailesse. Ela não vai subir para respirar? Talvez ela pretenda atacar o tubarão primeiro. Essa seria a maneira mais inteligente de pegá-lo desprevenido.

    Espero que ela emerja, e meu coração bate mais rápido. Conto cada batida. Oito, nove… treze, catorze… vinte e um… quarenta e sete…

    Ailesse tem dois ossos da graça, o íbex e o falcão. Nenhum dos dois pode ajudá-la a prender a respiração por muito tempo.

    Sessenta e três.

    Eu me agacho e me inclino sobre a borda.

    — Ailesse? — grito.

    A água se agita. Nada vem à tona.

    Setenta e cinco.

    Meu pulso acelerado não consegue manter o tempo correto. Ela nunca tinha ficado submersa tanto tempo. Talvez trinta segundos. Possivelmente quarenta.

    Oitenta e seis.

    — Ailesse!

    Noventa e dois.

    Observo a água azul ficar vermelho-sangue. Mas sangue de quem?

    Cem.

    Eu amaldiçoo todos os nomes dos deuses e me jogo do penhasco.

    Em meu pânico, pulo em pé. Rapidamente me endireito e puxo meus braços agitados para o lado do corpo — quase consigo. Ainda assim, eles batem na água. Arquejo de dor e libero um jato de bolhas — ar de que ainda preciso. Fecho a boca e olho ao meu redor. A água é clara, mas o sal arde em meus olhos; minha salamandra era uma criatura de água doce. Nado em círculos, procurando minha amiga. Ouço um som fraco de luta.

    Vários metros abaixo de mim, Ailesse e o tubarão travam combate.

    A lança dela está na boca do tubarão. A fera não parece ferida e morde a haste que Ailesse está segurando. Ela balança como um junco ao vento, recusando-se a largar.

    Grito o nome dela e perco mais fôlego. Sou forçada a nadar até a superfície e pegar mais ar antes de nadar de volta para baixo.

    Eu avanço sem nenhum plano em mente, apenas agressividade em minhas veias e medo desesperado em meu coração. Ailesse não pode morrer. Minha melhor amiga não pode morrer.

    O rosto do tubarão-tigre está feroz. Dentes serrilhados. Olhos sem pálpebras. Um focinho enorme que o faz parecer ainda mais faminto. Como Ailesse pensou que poderia derrotá-lo? Por que permiti que ela pulasse?

    Sua lança se parte em duas entre as mandíbulas do tubarão. A faca de osso afunda. Ailesse fica apenas com uma vara de um metro. Ela golpeia a mandíbula do animal e desvia por pouco de uma mordida cruel.

    O tubarão não nota que estou ali. Tento pegar minha adaga, mas a lâmina está presa em minha bainha inchada. Sem armas, eu uso toda a força que posso reunir e chuto a lateral do tubarão. A cauda chicoteia, mas nada além disso. Eu agarro suas guelras e tento rasgá-las. Não consigo. Pelo menos eu o perturbei. O animal quase me morde uma vez — errando meu braço por pouco — e se afasta atrás de um recife de coral.

    Ailesse flutua por perto, já sem energia. A lança quebrada escorrega por entre seus dedos. Vai! Sinalizo com os lábios e aponto para a superfície. Ela precisa de ar.

    Ela luta para subir. Agarro seu braço e bato as pernas por nós. Seus olhos se fecham pouco antes de chegarmos à superfície. Ailesse tosse um bocado de água, e bato em suas costas, fazendo-a cuspir o resto.

    — Sabine… — Minha amiga se engasga e pisca para tirar a água salgada dos cílios. — Eu quase consegui. Mas ela é tão forte. Eu não estava preparada para o quão forte ela é. — Ailesse olha para baixo. Não preciso de sua visão aguçada para ver o que ela vê: o tubarão circulando e se aproximando. Está brincando conosco. Sabe que pode nos matar a qualquer momento que desejar.

    Bato as pernas loucamente em direção à costa.

    — Vamos, Ailesse. Temos de ir. — Eu a arrasto atrás de mim. — Nós vamos encontrar uma caça melhor outro dia.

    Ela tosse novamente.

    — O que é melhor do que um tubarão?

    — Que tal um urso? Vamos viajar para o norte como fizemos no ano passado. — Estou divagando, tentando convencê-la a nadar. Ailesse ainda é um peso morto em meus braços, e o círculo do tubarão está se fechando.

    — Minha mãe matou um urso — despreza ela, como se fosse o animal mais comum de Galle, embora o urso de Odiva fosse um raro albino.

    — Vamos pensar em outra coisa, então. Mas por enquanto preciso da sua ajuda. — Minha respiração fica mais pesada. — Não posso nadar por você o caminho todo. — Sinto os músculos de Ailesse ganharem força. Ela começa a dar braçadas, mas então os olhos dela se estreitam, e a mandíbula fica rígida. Ela endireita o corpo. Não, não, não.

    — Eu me lembro onde a ponta da lança afundou — ela murmura.

    — Espere!

    Ailesse mergulha novamente.

    O pavor toma conta de mim. Mergulho atrás dela.

    Às vezes eu realmente odeio minha amiga.

    Meus olhos ardem e eu volto a enxergar. Ailesse nada veloz em uma linha reta. O tubarão para de circular e a encara diretamente. Ailesse provavelmente está sorrindo, mas não acho que conseguirá pegar sua lança rápido o suficiente. Os tubarões-tigre são brutos. Este vai atacar primeiro. Ela precisa de uma distração.

    Nado mais rápido do que pensei ser possível. Meu único osso da graça se mostra útil; as salamandras se movem pela água com mais facilidade do que falcões, íbex ou mesmo humanos. Essa é a minha única vantagem.

    Passo por Ailesse e brevemente encontro seu olhar. Rezo para que dezesseis anos de amizade a ajudem a entender minhas intenções.

    Ela concorda com a cabeça. Nós nos separamos. Mergulho para o recife de coral e minha amiga mergulha para a lança.

    O tubarão persegue Ailesse, não a mim. Ela foi quem começou essa luta.

    Alcanço o coral e raspo minhas palmas contra ele, então ambos os meus braços para garantir. Minha pele arde como fogo. Meu sangue faz um redemoinho na água agitada. Luto para libertar minha adaga, mas a lâmina ainda está presa na bainha. Avisto uma grande rocha no coral. É pontiaguda e irregular, recém-caída dos penhascos. Eu a solto.

    A um metro de Ailesse, o tubarão se vira, seus olhos mortos fixos em mim através da água cheia de sangue. Por um momento, tudo que consigo entender é a besta aterrorizante e os seis metros entre nós. Mal noto Ailesse nadando em direção ao fundo do mar.

    O tubarão vem atrás de mim, nadando através da água como um raio.

    Preparo-me para o impacto. Sou feroz. Forte. Destemida.

    Sou como Ailesse.

    Um instante depois, o rosto medonho do tubarão está diante de mim. Bato a pedra contra seu focinho com um gemido abafado. Não sou nada como Ailesse.

    Meu golpe mal corta seu rosto. A criatura se inclina para o lado e bate na minha mão com a cabeça. A pedra se desvencilha do meu aperto. A fera não foge desta vez. Ela me rodeia duas vezes. Tão perto que sua barbatana arranha meu ombro. Tão rápido que sua cabeça e cauda se misturam. Ela tenta morder. Desço abaixo dela com a velocidade de salamandra e tateio em busca da rocha. Está fora de alcance.

    Olho para cima e me assusto. Bem acima de mim, eu olho para as mandíbulas abertas do tubarão e inúmeras lâminas de dentes. Soco seu focinho obtuso. Ele não recua. Não o assusto.

    Suas mandíbulas se fecham. Não saio rápido o suficiente. Seus dentes prendem meu vestido. A criatura me puxa para mais perto, mastigando mais tecido. Eu torço e chuto enquanto sua boca se abre novamente. Vejo dentro do túnel cavernoso de sua barriga. Estou sem ar, sem opções. Desesperadamente, tento desvencilhar o cabo da minha adaga. Por fim, a lâmina se solta.

    Eu a levanto e esfaqueio o focinho do tubarão, depois um de seus olhos. Ele se debate loucamente, meio cego. Minha manga se rasga, e junto com ela um dos dentes serrilhados do animal se solta. Peço aos deuses que seja o osso de que Ailesse precisa, mas um animal deve morrer para conceder suas graças.

    Enquanto o tubarão sacode e cambaleia, vou até a superfície e ofego por ar. Três respirações depois, estou debaixo d’água novamente.

    Viva, Ailesse; viva, Ailesse; viva…

    Eu paro de nadar quando uma nuvem vermelha cresce abaixo de mim. Minha garganta aperta. Justo quando temo o pior, Ailesse surge através do sangue, com a haste da lança nos dentes. Nado atrás dela até a superfície.

    Empurro os cachos pretos molhados do meu rosto e procuro os olhos da minha amiga.

    — Você o matou?

    Ela tira a haste da boca. Sua mão está sangrando. Machucou-se durante a luta.

    — Não consegui chegar perto o suficiente para esfaquear o cérebro, então cortei a barbatana dorsal.

    A náusea se acumula dentro de mim. O vermelho na água se espalha mais. O tubarão está lá embaixo, terrivelmente ferido, mas ainda vivo. Ele pode aparecer a qualquer momento e acabar com nós duas.

    — Ailesse, já chega. Me dê a lança.

    Ela hesita e olha para baixo com anseio. Espero por aquele trejeito teimoso de sua mandíbula. Mas ele não vem.

    — É sua, se quiser — ela finalmente diz.

    Recuo.

    — Não, não foi isso que eu quis dizer.

    — Dei-lhe um ferimento fatal, Sabine. Ela está fraca e parcialmente cega. Mate-a. — Quando não digo nada e apenas continuo a encará-la, Ailesse nada para mais perto de mim. — Estou dando para você, outro osso da graça. Certamente matar aquele monstro não vai partir seu coração.

    Imagino o rosto grotesco do tubarão. Eu vejo a criatura tentando arrancar a vida de Ailesse. Não é majestosa como o íbex alpino ou bonita como o falcão-peregrino. Ela nem é charmosa como a salamandra-de-fogo. Não vou chorar por vê-la morta.

    Mas isso significa que ela mereça morrer?

    — Eu… não consigo. — Estou congelando na água, mas a vergonha ainda cora minhas bochechas. — Sinto muito.

    Ailesse olha para mim por um longo momento. Eu me odeio por recusar o presente mais generoso que ela já me ofereceu.

    — Não se desculpe. — Ela consegue dar um pequeno sorriso enquanto seus dentes batem. — Nós vamos encontrar outro osso da graça quando você estiver pronta.

    Segurando a faca com convicção, Ailesse desce novamente.

    2

    Ailesse

    O frio do Château Creux arrepia minha pele enquanto Sabine e eu descemos a escadaria de pedra e passamos pela entrada das ruínas do antigo castelo. Há muito tempo, o primeiro rei de Galle do Sul construiu esta fortaleza, e seus descendentes governaram aqui até que o último de sua linhagem, o rei Godart, morreu de morte não natural. Os moradores acreditam que ele ainda assombra esses terrenos. Sabine e eu os ouvimos contar dos velhos tempos enquanto viajam pelas estradas esburacadas fora dos muros da cidade. Eles não nos veem empoleiradas nas árvores ou escondidas na grama alta. Mas não precisamos nos esconder perto do Château Creux. Os locais nunca se aventuram aqui. Eles acreditam que este lugar é amaldiçoado. O primeiro rei adorava os antigos deuses — nossos deuses — e o povo faz o possível para fingir que Tyrus e Elara nunca existiram.

    Minha mão enfaixada queima e lateja. Acidentalmente cortei a palma com minha faca ritual quando serrei a barbatana do tubarão. Ainda estou chateada comigo mesma por sua morte demorada. Temia que os deuses não considerassem a morte honrosa, mas devem ter considerado; recebi as graças do tubarão quando escolhi um osso e o pressionei no sangue de minha mão ferida.

    Ao meu lado, Sabine carrega um saco de carne de tubarão no ombro. Ela agarra a corda apertada com facilidade. Seus ferimentos do recife de coral estão quase curados. Ela desmerece seu crânio de salamandra como se fosse um osso patético, mas foi uma escolha inteligente. O que ela realmente lamenta é ter matado a criatura. Um dia ela verá que foi feita para esta vida. Conheço Sabine melhor do que ela mesma.

    Nós nos abaixamos sob vigas caídas e um arco desmoronado. As Leurress poderiam fortificar o castelo se minha mãe assim desejasse, mas ela prefere que pareça destruído e perturbador. Se nossa casa fosse bonita, atrairia as pessoas. E uma Leurress só deve atrair alguém uma vez na vida.

    Ajusto meu colar de ombro e traço o maior dente de tubarão, meu mais novo osso da graça. Os outros dentes são apenas decorativos, mas vão me fazer parecer formidável quando eu transportar os mortos. Após meu rito de passagem, poderei finalmente me juntar às Barqueiras em seu trabalho perigoso.

    — Você está nervosa? — Sabine me pergunta.

    — Por que eu deveria estar? — Abro um sorriso para ela, embora meu coração bata forte.

    Minha mãe aprovará minha caça. Sou tão inteligente quanto Sabine.

    A presença de minha amiga atrás de mim faz cócegas na minha espinha. Agora ela está a três metros de distância. Dois e meio. Dois. À medida que as vibrações se tornam mais fortes, o sexto sentido que eu queria tanto começa a me incomodar. Afasto-me para que Sabine não veja a frustração em meu rosto. Se ela achar que estou nervosa, ela também ficará nervosa.

    Vamos para um nível mais baixo do castelo, depois mergulhamos mais fundo. Os corredores de pedra feitos pelo homem, esculpidos com o brasão do rei Godart do corvo e da rosa, dão lugar a túneis moldados pelas marés. Nenhuma água permanece aqui, mas conchas peroladas brilham, embutidas nas paredes como fantasmas agarrados ao passado.

    Logo o túnel se abre para uma enorme caverna. Eu pisco devido a luz do sol refletida no chão de calcário. Uma magnífica torre costumava erguer-se sobre este lugar, mas não resistiu aos vendavais do mar. Depois que Godart morreu, a torre caiu. Ela esmagou e demoliu o teto da caverna. As Leurress escolheram este castelo como nossa casa exatamente por isso. Uma visão clara dos céus é necessária. Metade do nosso poder vem dos ossos dos mortos, mas a outra metade flui dos Céus Noturnos de Elara. Nossa força diminui se passarmos muito tempo protegidas, longe da lua e da luz das estrelas da deusa.

    Cerca de vinte mulheres e meninas circulam pela caverna, o vasto espaço que chamamos de pátio. Vivienne carrega uma pele de veado recém-curtida. Élodie pendura fileiras de velas mergulhadas em uma prateleira para endurecer. Isla fabrica pano cerimonial branco em seu tear. As pequenas Felise e Lisette carregam cestas de roupas para serem lavadas. Duas das mais velhas, Roxane e Pernelle, estão em um canto, treinando com seus cajados. O resto das Leurress deve estar caçando, colhendo frutas e ervas ou cuidando de tarefas nas profundezas do castelo.

    Isla se afasta de seu tear e se coloca em meu caminho. Suas sobrancelhas ruivas baixam enquanto ela examina meu colar de ombro. Franzo os lábios para não sorrir. Ela não consegue identificar pelos dentes a besta que matei.

    — Vejo que teve uma caçada bem-sucedida — observa ela. — Certamente demorou bastante. Vocês, meninas, partiram há quase quinze dias.

    Meninas, nos chama com o nariz empinado. Ela é apenas três anos mais velha que eu e quatro anos mais velha que Sabine. Isla completou seu rito de passagem aos dezoito, mas eu o farei aos dezessete — e com graças melhores.

    Empurrei meus ombros para trás. Até agora, nenhuma Leurress jamais tinha matado um tubarão. Provavelmente porque nunca tiveram ajuda de uma amiga como Sabine.

    — A caçada foi excepcional — respondo. — E mais ainda porque fizemos tudo com calma.

    Sabine me dá um olhar sarcástico. Ficamos muito tempo fora porque eu sempre mudava de ideia. Eu precisava de um osso da graça inspirador para completar meu conjunto de três e rivalizar com os cinco da minha mãe — o que é permitido apenas a uma matrone.

    Isla torce o nariz para o saco de carne crua de Sabine. O fedor é terrível. Depois de cumprimentar minha mãe, vou lavar o vestido de Sabine. É o mínimo que posso fazer. Ela insistiu em carregar a carne por causa da minha mão ferida, mas sei que ela não vai comê-la com o resto de nós.

    — Outra longa jornada com Ailesse e sem novos ossos da graça? — Os olhos de Isla se voltam para o crânio de salamandra de Sabine.

    Meus dentes rangem.

    — Você gostaria de ter ido no lugar dela, Isla? — Viro-me para Sabine. — Diga a ela o quanto você gostou de lutar com um tubarão-tigre. — Minha voz aguda ecoa pelo pátio e vira cabeças.

    Sabine levanta o queixo.

    — Nunca tive um mergulho mais prazeroso no mar.

    Seguro um riso e entrelaço meu braço no dela. Deixamos para trás uma Isla sem palavras enquanto as mulheres de nossa famille afluem a nós em uma enxurrada de suspiros, felicitações e abraços.

    Hyacinthe, a Leurress mais velha, segura meu rosto em suas mãos envelhecidas. Seus olhos leitosos brilham.

    — Você tem a ferocidade de sua mãe.

    — Eu decido isso. — A voz sedosa de Odiva ondula com autoridade, e modero meu sorriso. As mulheres abrem caminho para a matrone, mas quando Sabine se move para fazê-lo, toco seu braço e ela fica comigo. Ela sabe que sou mais forte com ela ao meu lado.

    — Mãe — digo, e abaixo a cabeça.

    Odiva desliza para a frente, seus pés caçadores silenciosos no chão de pedra. Partículas de poeira brilham sobre seu vestido de safira como estrelas no céu. O que é mais impressionante são seus ossos da graça. O pingente de osso de um urso albino, esculpido em forma de garra, balança entre as garras reais do urso em seu colar de três camadas, junto com a faixa de dentes de uma arraia-chicote. Garras e penas de um bufo-real formam dragonas em seus ombros. Uma das garras também é esculpida em osso, como o pingente de garra de urso. E depois há a coroa da minha mãe, feita a partir das vértebras de uma víbora-áspide e do crânio de um morcego-arborícola gigante. Os ossos são compensados por seus cabelos pretos e pele branca como giz.

    Eu mantenho minha postura com perfeição enquanto seus olhos escuros caem para o meu colar. Ela desliza um dedo sob o dente maior.

    — Que graça você ganhou de um tubarão-tigre para ter valido a pena se arriscar a tal ponto? — Ela pergunta de maneira casual, mas seus lábios vermelhos se contraem em desaprovação. Sua famille, a única famille nesta região de Galle, diminuiu ao longo dos anos, chegando a quarenta e sete mulheres e meninas. Ainda que devamos buscar as melhores graças, a caça para obtê-las não deve comprometer nossa vida.

    Tínhamos números de sobra até quinze anos atrás, quando a grande praga atingiu a terra. A luta para transportar as inúmeras vítimas matou metade dos que morreram entre nós; o resto morreu da doença. Desde então, lutamos para administrar a população de Galle do Sul. Mas apesar do tamanho, ainda somos a famille fundadora, escolhida pelos deuses. As outras Leurress pelo mundo não podem transportar seus mortos sem nós. Nosso poder está ligado.

    — Melhor olfato, boa visão no escuro, e um sexto sentido para detectar quando alguém está por perto, mesmo sem olhar — digo, recitando a resposta que preparei.

    Estou prestes a acrescentar natação, caça e ferocidade, quando minha mãe responde:

    — Consegui o mesmo de uma arraia.

    — Exceto visão no escuro. — Não posso deixar de corrigi-la.

    — Desnecessário. Você tem o osso da asa de um falcão-peregrino. Essa é toda a visão aprimorada de que você precisa.

    Algumas Leurress sussurram em concordância. Cada Barqueira usa um osso de um animal — principalmente ave — que lhe dá a visão para ver uma cor adicional. A cor dos mortos.

    Eu cruzo meus braços e os descruzo, lutando contra uma onda de defesa.

    — Mas o tubarão era forte, mãe. Você não pode imaginar o quão forte. Ela até nos pegou de surpresa. — Com certeza Odiva não pode discutir o fato de que eu precisava melhorar minhas graças. Agora consegui — com uma medida extra de ferocidade e confiança também. Mas ela só prestou atenção em uma parte do que falei.

    Nos pegou?

    Brevemente abaixo os olhos.

    — Sabine… ajudou.

    Minha amiga endurece ao meu lado. Sabine odeia chamar a atenção para si mesma, e agora todas as Leurress estão olhando para ela, e o olhar de minha mãe é o mais pesado.

    Quando Odiva olha para mim, sua expressão é tão suave quanto as águas da laguna. Mas algo mais feroz do que um tubarão se agita abaixo. Está com raiva de mim, não de Sabine. Ela nunca fica brava com Sabine.

    As Leurress fazem silêncio. Os sons distantes do mar se espalham pela caverna como se estivéssemos presas em uma concha gigante. Meu coração bate no ritmo das ondas quebrando. Receber a ajuda de outra Leurress durante uma caça ritual não é estritamente proibido, mas não é aprovado.

    Ninguém se importou um momento atrás — a incrível matança ofuscou esse fato —, mas o silêncio de minha mãe fez com que todas reconsiderassem. Eu reprimo um suspiro. O que será preciso para impressioná-la?

    — Ailesse não pediu minha ajuda. — responde Sabine, baixo, mas com a voz firme. Ela pousa o saco de carne de tubarão e junta as mãos. — Eu me preocupei que ela pudesse ficar sem ar. Por temer pela vida dela, mergulhei atrás.

    A cabeça de Odiva se inclina.

    — E você descobriu que a vida da minha filha estava realmente em perigo?

    Sabine escolhe suas próximas palavras com cuidado.

    — Não mais do que sua própria vida foi ameaçada, Matrone, quando a senhora enfrentou um urso com apenas uma faca e uma graça. — Nenhum cinismo escorre de seu tom, apenas uma verdade gentil, mas poderosa. Odiva tinha a minha idade quando caçou o urso, sem dúvida para provar o seu valor à própria mãe, a avó de que mal me lembro.

    As sobrancelhas de minha mãe se erguem e ela reprime um sorriso.

    — Muito bem. Você poderia aprender uma lição com Sabine, Ailesse. — Seus olhos deslizam para os meus. — Se tivesse mais cuidado com as palavras, poderia conter sua propensão a me provocar.

    Endireito a mandíbula para mascarar minha dor. Sabine me lança um olhar de desculpas, mas não estou chateada com ela. Ela só estava tentando me defender.

    — Sim, mãe.

    Não importa o quanto eu tente provar meu valor como a futura matrone da nossa famille, fico aquém das virtudes simples que vêm naturalmente para minha amiga. Um fato que minha mãe nunca deixa de me contar.

    — Deixe-nos — ordena ela às outras Leurress. Com uma onda de reverências, elas se dispersam de volta ao trabalho. Sabine começa a segui-las, mas minha mãe levanta a mão para ela ficar. Não sei por qual motivo, porque as palavras dela são para mim: — A lua cheia é em nove dias.

    Minhas costelas relaxam contra meus pulmões e inalo profundamente. Ela está falando do meu rito de passagem. O que significa que aceitou meus ossos da graça, todos eles.

    — Estou pronta. Mais que pronta.

    — Hyacinthe vai te ensinar o canto da sereia. Pratique-o apenas em uma flauta de madeira.

    Concordo com fervor. Sei de tudo isso. Até já sei o canto da sereia de cor. Hyacinthe toca à noite. Às vezes eu a ouço chorar depois, seus soluços suaves fluindo com as marés ecoantes do mar. O canto da sereia é lindo demais.

    — Quando posso receber a flauta de osso? — Meus nervos vibram com a ideia de poder tocá-la. Estou prestes a realizar um sonho

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