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Contos Incomuns
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E-book235 páginas3 horas

Contos Incomuns

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Sobre este e-book

Passava da meia-noite, talvez uma, duas da madrugada. O amplo quarto da casa de veraneio estava na penumbra. O casal dormia. De súbito, Letícia abriu os olhos. Ergueu-se e sentou-se na cama. Com os olhos vidrados, parecia não está ali, mas sabia muito bem o que fazia, e assim, descalça e vestida numa camisola de seda branca, contrastando com o seu corpo negro, dirigiu-se à porta do quarto, girou-lhe a maçaneta e saiu, seguindo calma pelo corredor de acesso à ampla sala da casa. Parou um instante, virou-se, e continuou andando rumo à porta principal. Ao abri-la, correu o olhar pela varanda, depois sentou-se numa cadeira confortável, e ficou ali numa aparente abstração, diante da beleza noturna, contemplando-a com os olhos perispirituais expansivos, por assim dizer, transportando-se espiritualmente para mais perto das constelações estelares ou do brilho esplêndido do luar. Após algum tempo, ela fez o percurso de volta e deitou-se novamente. (Trecho inicial de A SONÂMBULA, um dos contos impactantes e interessantes, constante nesta Obra)
IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de jun. de 2023
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    Contos Incomuns - Adilson Fontoura

    PREFÁCIO

    Dotado de um incomensurável e impecável talento da escrita literária, Adilson Fontoura é um Escritor e Poeta Baiano, que narra através do seu livro Contos Incomuns, uma coleção de contos curtos sequenciais, cujas histórias algumas foram escritas na primeira pessoa, provavelmente experiências vividas pelo mesmo, e algumas nas personagens de protagonistas terceiros.

    Em um dado momento você talvez poderia se questionar, por que contos incomuns?

    Para começar, gostaria de destacar aqui alguns pontos marcantes, com que me esbarrei ao longo da minha leitura cuidada: pois o livro contém textos impressionantes de tirar o fôlego, ao ponto de querer mais, sobre um determinado conto contidos nele, quando o leitor percebe que chegou ao fim de cada história. Fontoura, com uma certa maestria de quem é Poeta e Escritor ao mesmo tempo, um verdadeiro autor, que em muitos casos vivenciou os contos aqui narrados, direta ou indiretamente, o que faz dele, por assim dizer, um onisciente narrador quanto a classificação literária, sendo um conhecedor absoluto. O autor, por intermédio dos seus textos, destaca pontos diversos, como mediunidade, reencarnação, a vida em outro plano ou dimensões, mistérios e até mesmo contos engraçados.

    Baseando-me nessas citações, faço questão de destacar alguns textos aqui escritos, como é o caso dos contos: A Aparição, Roberta Chegou, O Espelho, tantos outros que me deixaram boquiaberta e outros um tanto engraçados como é o caso do texto A Fantasia.

    Já a partir do conto O Espelho, se você é aquela pessoa que crê numa vida após a morte ou reencarnação, então poderá aprender muito por meio dessa história. A vida às vezes, pode nos levar em caminhos menos acolhedores, que por vezes, não nos faz enxergar o valor daqueles aquém poderíamos chamar de nossos deuses terrenos encarnados, e uma hora quando partem a outro plano, podemos saber o quanto eles eram valorosos se ainda estivessem aqui junto de nós. Porém, nem tudo estaria perdido, e sempre poderíamos ter uma segunda chance quando partíssemos ao outro lado junto deles, assim que nos desencarnássemos, traduzindo isso à próxima dimensão ou ao plano fluídico da vida espiritual, constituído de várias etapas evolutivas.

    E quanto A Aparição?

    Caro Leitor, o ceticismo às vezes, nos leva a não acreditar no poder ou dom mediúnico existente em nós. Frequentemente eu me questionei sobre quem eu era, quando em certos casos, amiúde, vivi experiências inimagináveis em outras dimensões, estando eu dormindo ou não; algo do tipo que, você sabe que não está dormindo nem está acordado, porém navegando mundos em outros planos, ouvindo vozes, ou até mesmo interagindo com pessoas nunca antes conhecidas nesse mundo aqui. Isso até pode parecer uma loucura, mas estas experiências, outras em sonhos que pareceram ser muito reais (e que deveras são, quando o espírito está desdobrado, ausente por algumas horas do corpo físico em sono profundo, mas também atuante no corpo fluídico), me fizeram várias vezes questionar, quem realmente sou e qual é o meu propósito aqui na terra. Eu acho que, você já deve ter passado por experiências semelhantes, não é mesmo?

    E o que dizer-se em um dado momento, estando num quarto fechado e escuro, e de repente surpreender-se com a aparição de um indivíduo com a cabeça decapitada? Parece mesmo assustador não acha? Será que eventos alarmantes como esses são sempre ruins assim como todos os tipos de pesadelos? No meu humilde entendimento, segundo Adilson em seu texto, a Aparição queria nos dizer que, a mensagem emitida por essa entidade lá do outro lado da vida, dependia muito da forma como o personagem descrito na história acreditava ou não. Enquanto cético, o personagem na pessoa do próprio narrador, recebera a mensagem emitida pelo seu próprio ídolo de forma assustadora, enquanto não aceitava o seu dom mediúnico, mas após a sua aceitação, o ídolo apareceu-lhe de uma forma mais clara, incutindo-o a continuação do seu legado.

    Já quanto a história das duas primas, sobre suas escolhas, gostos e opções, me faz lembrar uma fábula africana, sobre Pushi, o Gato Selvagem e Seu Primo, que morava em uma cidade. Após uma visita na cidade, onde enfrentara um monte de coisas diferentes e inusitadas nada semelhantes às do seu mundo no interior, sem nem deixar de falar nos perigos que encarava para atravessar estradas cheias de carros, caminhonetes e caminhões, todos os cuidados que lhes eram requeridos, depois de alguns dias voltara para a sua aldeia, onde com espanto seu primo vira apenas dezenas de casas e o lugar era muito tranquilo, diferente do seu mundo na cidade. De noite, tinham que dormir em uma caverna no meio do mato, onde era a casa de Pushi. No meio da noite, um leão rugia, às vezes vibrava. Neste instante, o primo pensara que era um caminhão vindo. Em resposta, Pushi dissera ao primo:

    – Não, primo, aquele é o velho Leão rugindo.

    – Ué, ele vem aqui? Esse lugar é muito perigoso! Vamos de volta para a cidade - disse o primo.

    – Ahaha, gargalhou o Pushi. Como somos diferentes! Você gosta da cidade com seus prédios altos, carros e cheia de pessoas. Eu gosto do interior e dos animais que moram em nosso redor.

    O que estou tentando dizer através dessa breve ilustração: nota-se como as duas primas eram diferentes, quanto aos seus gostos e preferências. Apesar de ambas desejarem a independência em suas vidas, uma acabou descobrindo com a presença da outra, que não gostava de homem, mas sim de mulher. Já a outra, tinha convicção de que preferia manter uma relação comum e natural entre homem e mulher. Contudo, o importante nessa história, é saber respeitar as diferenças, os gostos que cada um nessa vida tem ou prefere.

    Por fim, o Livro é realmente impressionante com vários textos que vão encantá-lo, ensinando assim, em muitos aspectos.

    Moisés António 

    (Poeta e Escritor Angolano)

    O ESPELHO

    U

    m gesto simples e vaidoso de Marina era olhar-se no espelho, cada vez que se achava em seu quarto. Lhe parecia mais uma atitude insegura, sentar-se diante do espelho para certificar-se de que só com a maquiagem sua beleza física se realçava, e ela sorria satisfeita em ver-se bela; porque toda vez que a tirava, a realidade do rosto gasto pelo tempo, com as rugas salientes e a pele flácida, lhe revelava o avanço da idade carnal; e ela então se entristecia, se achava feia, sentia-se incapaz de continuar vivendo, lhe fluindo do semblante abatido, copiosas lágrimas. Em seu devaneio melancólico, Marina, na solidão de sua vida sexagenária, imagina que ao longo dos anos, morre-se aos poucos, pelo desgaste natural do corpo, e o que lhe gerou foi uma beleza ilusória, uma máscara de maquiagem na fisionomia, para esconder o limiar da velhice carnal. Não se casou. Não constituiu família. Não teve filhos. A sua relação com os homens sempre foi de namoro, de caso, de sexo ocasional. O que lhe resultou em vários abortos, com risco inclusive de também morrer. Foram muitos anos levando uma vida desregrada. Fumava, bebia, consumia outras drogas; perdia-se em noites viciosas, frequentando bares, boates, cabarés, bem como era levada à prática de orgias libertinas. Filha única, morou com os pais até o final da adolescência. Depois entregou-se aos vícios e abandonou o lar, para conviver com jovens desregrados, morando em recintos inseguros, em locais marginais, sem nenhum objetivo de vida decente, construtiva. Após muitos anos sem ver os pais ou ter alguma notícia deles, encontrando um amigo da família ao acaso, soube que os mesmos tinham morrido. A partir daí, Marina, sem saber bem o porquê, resolveu deixar a sua vida incerta, viciada e marginal, e voltar pra casa que seus pais muito provável deixaram pra ela, a única e principal herdeira. A casa estava fechada. A chave, guardada na casa da vizinha, moradora ali há muitos anos, se surpreendeu com a presença repentina de Marina. A senhora quase não a reconheceu, pois a última vez que a viu, era uma adolescente e estava no momento bem mudada, imaginando que na verdade, ela estava com a aparência sofrível, estragada, envelhecida. Evitando uma conversa prolongada, pra não dizer à vizinha detalhes de sua vida até então, pediu-lhe licença e foi abrir a casa. Ao entrar, andou pelos cômodos e viu que os móveis simples estavam nos devidos lugares. Também viu que tinha que fazer uma boa faxina, pois a poeira predominava em toda a casa. Pegou um pano sujo sobre a mesa e limpou parte do sofá poeirento pra sentar-se. Ali ficou por algum tempo pensativa. Lembrou-se que ali nasceu, ali cresceu e dali foi embora, sem jamais ter a boa vontade pra visitar os pais. Achou que foi ingrata com eles. Que devia os amar e os respeitar. Ao invés disso, os abandonou e os desconsiderou. E tão imatura, ainda sem a compreensão de viver a vida decente, foi vivê-la de qualquer jeito, entregando-se aos vícios e à marginalidade. Depois de muitos anos ela voltou pra casa, mas não queria que fosse daquela forma, sem o apoio e carinho dos pais, já mortos. Por alguns instantes, uma dorida saudade lhe invadiu o espírito triste, e sentiu-se indigna e culpada, por não os visitar durante o tempo de sua ausência, e por não dar-lhes a atenção merecida. Já prestes a anoitecer, ela interrompeu os pensamentos e entrou no quarto que os seus pais dormiam. Sentia-se cansada e confusa no tocante ao que fazer de sua vida dali pra frente. Tirou o lençol da cama e o sacudiu, forrando-a de novo com o mesmo lençol. Nem teve ânimo de abrir o guarda-roupa, pra ver se tinha outro mais limpo. Sacudiu os travesseiros e também o cobertor, com o qual devia agasalhar-se; fechou a casa, apagou a luz e logo deitou-se, deixando que o sono lhe envolvesse profundamente. Marina acordou disposta. A casa não tinha nada pra comer nem beber. Ela abriu a geladeira e viu-a vazia e desligada. Encheu dois vasos plásticos com água aparada da torneira da pia, ligando em seguida o refrigerador. Ainda não sabia o porquê, mas a casa tinha água e energia. Soube depois pela vizinha, que um parente da família vinha todo mês olhar como ia a casa e atualizar os recibos de água e luz. A vizinha também lhe disse que o tal parente, um homem de meia-idade, lhe perguntava se ela, a sobrinha dele, havia aparecido. Como lhe dizia que não, ele apenas respondia: - se também não morreu, um dia ela vai aparecer, pra tomar conta de sua casa, herdada de seus pais. Ela acordou com fome, mas antes de fazer compras pra abastecer o lar, tinha que deixá-lo limpo. Não era adequado deixar a faxina pra depois. Tinha que fazê-la logo. Ela passou toda a manhã faxinando a casa. Quando concluiu o serviço, tomou um banho e após saiu pra fazer as compras. Com quarenta anos, Marina, no entanto, aparentava ter mais idade. Resultante de sua vida sofrida, envolvida nos vícios, desregramentos e libidinagens mundanas. Morena clara, cabelos longos e lisos, estatura mediana, olhos castanhos amendoados e forma corporal sedutora, contribuíam pra até então lhe conservar uma certa beleza física, cuja maquiagem no semblante, era um recurso estético que lhe ajudava em se transformar numa atraente mulher. Após fazer as compras, ela pegou um táxi e voltou pra casa. Trouxe uma quentinha pra encher o estômago, pois tremia de tanta fome. Sabia cozinhar. Só depois de comer é que com calma, arrumaria as coisas compradas na despensa e na geladeira. Mais tarde, faria algo pra comer de noite. Como fumava, habituou-se a tomar cafezinho várias vezes, ao longo do dia e da noite, até a hora de dormir, cada vez que acendia um cigarro; ou então, durante o consumo de bebida alcoólica, ela também não ficava sem fumar. Lembrando-se disso, acendeu a boca do fogão, botou água pra esquentar e quando esta ferveu, mesclou-a com o pó, em seguida coou, pondo o café quente pra ser conservado no quente-frio. Com a casa limpa e arrumada, Marina tomou um gole de café, acendeu um cigarro, e foi sentar-se no sofá pra descansar e pensar. Apesar dos pais terem morrido, ela tinha voltado ao lar, onde nasceu e cresceu. Lamentava a ausência carnal definitiva deles, mas ela estava viva, e tinha que pensar em como ia sobreviver. Estudou muito pouco. Não tinha nenhuma profissão. A única coisa que sabia fazer pra sustentar-se, era vender o próprio corpo ou prostituir-se. Ela sempre agiu assim, quando precisava de algum dinheiro. Onde estivesse, em alguma casa com amigas, tinha que ter um espelho, pra olhar-se, maquiar-se, vestir-se e depois sair de noite para os bares, boates ou pontos de prostitutas, à procura de algum homem que quisesse se satisfazer com ela. Pensando assim, sentindo-se incapaz pra aprender qualquer atividade decente, que lhe garantisse o pão de cada dia, ela decidiu continuar se prostituindo, só que, ao contrário de antes, receberia a clientela em sua própria casa. Faria de seu lar um discreto prostíbulo. Evitaria amizades o máximo que pudesse com a vizinhança, sobretudo com mulheres, pra não despertar curiosidade acerca de sua atividade clandestina e pervertida. Além disso, como era usuária de drogas, daria um jeito de contactar com algum intermediário de traficante, pra também as comerciar em seu lar. Foi dessa forma que Marina, sentada no sofá, entre um cafezinho e um cigarro, durante boa parte da tarde, traçou seus planos futuros, os quais, deveriam logo serem postos em prática, mesmo sabendo dos riscos e dificuldades, fruto das duas atividades perigosas que iria dali pra frente desempenhar. Entre o final da tarde e o início da noite, ela aprontou a comida pro jantar. Enquanto isso, os novos projetos de vida não lhe saíam da cabeça, os quais, lhe deixavam ansiosa pra serem logo executados. Sentindo-se cansada, devido os afazeres do dia, resolveu tomar um banho pra refrescar e relaxar o corpo. Os móveis deixados por seus pais eram do tipo antigo. Marina saiu do banheiro e entrou no quarto. Notou que nele havia uma cama, um guarda-roupa e uma penteadeira, que ficava ao lado da cama. Uma cadeira, quatro gavetas e um espelho a compunham. Ainda despida, ela sentou-se diante do espelho e viu-se refletida. Sorriu vaidosa e ficou durante alguns instantes admirando-se. Imaginou enfim, que se sentaria ali muitas vezes, pra ver-se e maquiar-se, pois a atividade a ser exercida, exigia que ela estivesse bela; e o espelho, obviamente, após vestir-se e maquiar-se, lhe mostraria a beleza física, tanto do corpo como da fisionomia. Não iria sair naquela noite. Deixaria pra iniciar o que pretendia na noite seguinte. Vestiu-se como se já fosse dormir e foi colocar a comida no prato pra jantar. A casa situava-se num bairro periférico. O terreno era grande. A área construída ficava recuada do alinhamento da rua. Havia um certo espaço, entre o muro baixo com portão e a varanda na frente da casa. No fundo, um amplo quintal limitava-se com uma pastaria. Apesar de simples, a casa era funcional e com algum conforto, transparecendo assim, alguma privacidade. Marina, pelo visto, sentia-se bem em nela morar, pois lhe parecia um aconchegante refúgio doméstico. Ela jantou. Tomou um pouco de café. Acendeu um cigarro. Ficou um pouco na varanda, pra sentir no corpo a fresca da noite. Depois recolheu-se e foi dormir. Os anos foram passando e Marina foi desenvolvendo com êxito, as duas atividades arriscadas. Experiência, discrição e serenidade eram requisitos indispensáveis pra obter-se um bom resultado, e isso ela conseguia sem lamentar-se. Ocasionalmente lhe ocorria algum problema, alguma dificuldade, que logo eram resolvidos por ela. Coisas como, algum cliente bêbedo, que não conseguiu satisfazer-se, chateando-se e botando a culpa nela. Outro que a usou, mas tinha gasto todo o dinheiro e não lhe disse, ficando de lhe pagar depois, quando desse vontade novamente de a usar. Mas eram empecilhos que lhe ocorriam de vez em quando. Quanto ao comércio das drogas, a maioria dos usuários pagavam no ato da compra. Porém, acontecia de algum estar sem o dinheiro, e lhe pedia pra pagar depois. Quem agia assim, ela lhe advertia que não podia ficar sem pagar, mesmo depois, pra não haver complicações futuras; e o usuário, temeroso de ser perseguido por conta do débito, acabava pagando. Marina não tinha amizade íntima com ninguém da vizinhança, pois não queria expor os detalhes das atividades que exercia. Se alguém desconfiava, tampouco lhe abordava sobre o que ela fazia pra sobreviver. Nem mesmo com a vizinha que morava colada com a casa dela. Que também não lhe indagava sobre nada do que ela fazia. Quando o tio dela, irmão de sua mãe, soube que ela tinha aparecido, só teve com ela uma vez, na única visita que lhe fez, e depois não voltou mais. Estranhamente, não houve entre eles, o que seria natural, uma convivência parentesca. Durante o dia, Marina não recebia ninguém que lhe fosse cliente, nem pra fazer sexo nem pra comprar drogas. As duas atividades eram exercidas de noite. De dia ela saía, às vezes pra resolver alguma coisa, fazer algum pagamento, ou simplesmente passear, sobretudo no final de semana. Assim, de dia ela se distraía em parques, em praças ajardinadas; e de noite em algum bar ou boate até altas horas, quando vinha com algum cliente, geralmente de carro, pra satisfazê-lo sexualmente, como meio de vida em seu lar. Decorridos vinte anos, a sorte parecia favorecer Marina, até quando não se sabia. Ela apenas vivia, trabalhava em seu negócio lucrativo, e de certa forma, sentia-se feliz, sendo o jeito apropriado que encontrou pra manter-se viva carnalmente. Com o dinheiro que ganhava, gastava uma parte com as despesas da casa e precisões pessoais, e a outra parte ela depositava na poupança, visando garantir o futuro quando a velhice chegasse. Em todos esses anos, paradoxalmente, ninguém lhe importunava. Nem os vizinhos, tanto os mais próximos como os mais distantes de sua casa; nem as pessoas do bairro onde ela morava. Nem mesmo a polícia até então, havia lhe abordado, suspeitando de seu negócio ilegal. Desde que decidiu comerciar as drogas, quem lhe intermediava, lhe aconselhou a ter uma arma em casa. Alertando-a que não se podia estar num negócio desse tipo sem nenhuma proteção. E a arma nesse caso, como precaução, era indispensável. E conseguiu uma arma pra ela, lhe convencendo a comprar por um bom preço no contrabando, que ela a guardava em seu quarto debaixo do colchão. Quando completou sessenta anos, Marina não tinha mais a beleza e o vigor físico de sua juventude. Os clientes não mais lhe procuravam com a mesma frequência, nem mais tinham por ela, tamanho apetite sexual. Apenas alguns mais idosos iam vê-la, mais pra conversar, pra desabafar, pra receberem algum carinho,

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