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O cis no divã
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E-book213 páginas4 horas

O cis no divã

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Sobre este e-book

Esta obra visa a problematizar o modo como a formação em psicologia formata certas maneiras de escutar o outro a partir de dispositivos normativos. Nosso objetivo foi pensar como a cisnormatividade é performada nos espaços de formação de psicólogues e como isso é transmutado para a escuta clínica. Na escrita, procuramos evidenciar tais mecanismos em dois grandes contextos: os dispositivos de clínica-escola e as formações clássicas de psicanalistas. A justificativa de colocarmos o "cis" no divã sobre diversos aspectos está pautada no entendimento de que a prática clínica em psicologia esteve, durante longas décadas, colada aos saberes médicos, jurídicos e terapêuticos, que, por meio de seus dispositivos de saber-poder-ser, produziram uma dívida histórica via patologização diante do gênero. Longe de ser algo amplamente resolvido, os campos discursivos das psicologias ainda atuam como dispositivos de controle, vigilância, violência, discriminação e patologização. Por fim, esperamos que este debate contribua como uma crítica para os campos clínicos, éticos, teóricos e políticos da atualidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de jul. de 2023
ISBN9786586481877
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    Pré-visualização do livro

    O cis no divã - José Stona

    Sumário

    Prefácio

    Apresentação

    Introdução

    Introdução

    1

    Não se Escuta

    só com a Orelha

    2

    Cisnormatividades

    Naturalização da cisgeneridade nas ciências

    Ciscolonialidade como currículo invisível na formação de psicólogos/as/gues

    Comentário de

    Beatriz Pagliarini Bagagli

    Cisnormatividade e o cuidado

    com a saúde de pessoas trans

    na infância e adolescência

    3

    Dispositivos

    de Controle

    da Escuta

    4

    Dispositivos de

    Controle da Escuta e a Formação dos/das/des Analistas

    Comentários de

    Ialley Lopes e Adriana Nascimento

    O mundo está mudando rápido demais!

    Normatividade cisgênera, embranquecida e binária

    5

    Performando a Cisnormatividade

    em Serviços-Escola

    de Psicologia

    6

    Performando

    a Cisnormatividade

    na Escuta Clínica

    Dimitri

    Aurora

    7

    Encaminhamentos

    Teóricos,

    Clínicos e

    Políticos

    Comentário de

    Jaqueline Gomes de Jesus

    Referências

    Comentários de

    Leila Dumaresq

    Corpos e sujeitos são uma coisa só: pessoas

    00.pngCréditos

    Prefácio

    Sou eu ou você quem começa? Mas eu começo pela minha mãe ou a gênese pode abarcar um outro fim enquanto origem? A vida confusa e por vezes tão óbvia colocada diante de outra pessoa. Já nem sei quem me precede – a intenção e o desejo ou vastas camadas de supressão. Ela, a química visceral, a pulsão e nossas tentativas de controle (ou não); o resto é conto, literatura, linguagem e história. De exato nas relações foi um dia a matemática. Hoje nem ela.

    Se três versos fecham o teorema de Pitágoras, um par (de catetos) e um terceiro elemento, a hipotenusa, o agente externo não duplo, portanto não binário em seu teorema, é quem nos traz a elucidação desta equação. Poderíamos pensar seu teorema, de riscos (as)simétricos, sem tais elementos e antes dele, com as regras precisas destes cálculos? Ou ainda imaginaríamos uma relação tão complexa desenvolvida há mais de 5 mil anos sem uma máquina? Eu gosto de pensar categorias analíticas complexas como sexualidade, gênero, expressão e orientação como potenciais de vários plurais, portanto de modo infinito por mais dicotômico que nos pareça. Lógicas não são estáticas, e em profundidade são tão plásticas como o ser humano, arrebatado em constante devir.

    Se pensamos lógicas que ganham outras espacialidades nas ciências psi, ou, mesmo, um campo de experiência com as sexualidades que subvertem ciências, como a psicanálise, as ciências biológicas ou as matemáticas, também problematizamos a lógica estruturante de muitas culturas cujo cerne se concentra no corpo cisgenerificado(r). O pressuposto que adere diferentes sujeitas/os/es às lógicas cis-heteronormativas segue, por suas insistentes repetições sociais, atribuindo valor para alguns e deslegitimando todas/es/os aquelxs¹ que dessa estrutura fogem.

    Em "Não se escuta só com a orelha", os autores nos trazem a importância da localização das análises do pesquisador, exaltando que, ao não o fazer, a neutralidade, imparcialidade e escrita atemporal realizariam a função colonialista e pactual com as agremiações de outrora como as práticas masculinistas e a branquitude, entre outras dimensões. A teoria psicanalítica, concebida por boa parte de seus membros, abarca as sexualidades outras como um porvir ao lançar o complexo de Édipo como estruturante ação não alcançada pelos interlocutores outres.

    O próprio Freud ratifica a multiplicidade da sexualidade humana não restrita a uma coincidência entre gênero e sexo. Ele é o primeiro a fazer uma (possível) disjunção, mesmo com muitos atribuindo sua ação às práticas psicanalíticas normatizantes ou psicologizantes (e sem dúvida existem muitas tendências nesse sentido e pseudo psicanalistas que destoam da ética e não se atualizam, na sua atuação, nessa direção). Ora, muitas correntes psicanalíticas tomaram esse rumo da normatização do Édipo, corroborando práticas absurdas. Sendo pseudo ou não, atuam como tal. Como o sujeito do inconsciente não tem qualidades – homem, mulher, cis, hetero, trans –, Elu é dividido por tendências contraditórias em múltiplas direções. É a consciência que se apropria e o EU que unifica em uma (des)identificação ou identidade qualquer, que inclusive não é fixa e não é única. HumanEs!

    PCIScanalistas catequizados na função normativa da equação sexo igual ao gênero dirão que muitos de nós (LGBTs), presos na fase anal, não alcançaríamos o bastão da superação edipiana.

    Em "As cisnormatividades das psicologias, os autores fazem um percurso sobre o histórico de nomeação da cisnorma, bem como mostram seus efeitos de invisibilidade nos currículos em psicologia (por que não dizer em outros tantos, não!?). A própria literatura médica, em 2018, em alguns termos, diz que sexo entre homens é danoso, mas, se a intenção é explicitar o sexo anal, mulheres cis ou trans não teriam ânus? Agora, já em 2021, o novo terapeuta perguntou como estava o exame de HIV numa espécie de anamnese precipitada, mas não me perguntou sobre minha saúde bucal, por exemplo, já que a saúde orgânica era parte de sua preocupação. Vamos fingindo não perceber; (quase) tudo em nome de um vínculo afetivo com um trabalho não tóxico e que cumpra sua função. Se a intenção é pensar o corpo na inserção da saúde, temos um avanço; afinal, se a saúde já está precária para corpos normais", qual efeito ante a inserção de pretes e LGBTIs senão o caos? – pensa o privilegiado.

    Os autores, em seu texto, "Dispositivos de controle da escuta", acompanha, passo a passo, como se dá a implementação do serviço de clínica-escola e formação, enfatizando como a psicanálise é uma teoria que pode ser tanto uma ferramenta para normatização quanto para subversão. Um exercício queer que ganha cada dia mais seguidorxs.

    A caixa do supermercado lançou sem nenhuma intimidade prévia: Adoro gente como vocês!. Numa assunção presumida que ela fosse lésbica, revidei: Eu também adoro vocês, que são lésbicas!. Completamente constrangida, ela começa a justificar meu proposital pressuposto, e assim o preconceito ganha cada vez mais forma. Pensei em psicologia reversa, na sequência lembrei que minha área era educação e aquela lição haveria de ser tratamento de choque. Nunca foi tão contemporâneo relembrar Freud dizendo que somos todes bissexuais. Atores figurativos, como o pai e a mãe, revelam que essas funções imersas no imaginário e na representatividade não precisam ser necessariamente tais sujeitos. A professora pode ocupar o lugar do pai, a mãe já não possui vagina e tampouco faz xixi sentada. Qual função estaria sendo exercida na mente de uma pessoa que observa o corpo trans/travesti incapaz nestas relações? Lembro-me de uma vizinha perguntando-me o que meu filho achava de ter uma mãe trans (corrigi, é pai e travesti). Nunca me perguntaram o que penso do meu filho ser pai, cristão, cisnormativo, heterossexual e poligâmico recatado. Out of Electra: pais hoje parem e mães já fazem bom uso de seus pênis. A velha psicanálise aceita o exercício destas múltiplas funções, uma vez que atribui, à cena familiar, figurativos tão demarcados?

    "O controle nas práticas", simboliza na prática como os capítulos anteriores se materializam. Dois campos distintos, a clínica-escola e a escuta clínica psicanalítica. E como educadora percebo a distância entre o exercício formativo e a ação exercida pós formação. Esse livro é uma imersão em questões cujo (des)amarrações foram trazendo a minha memória este prefácio com múltiplas histórias. Não sou das ciências psi ou psicanalíticas. Estou nela como objeto há anos e agora me sento para analisá-la como pesquisadora curiosa e, localizadamente, como uma leitora-travesti. Pressupostos repetidos num ad aeternum cultural serão questionados. A cisnorma e a heterossexualidade compulsória e presumida passam a ser questão em alguns textos. Escutas atentas!

    Comece pelo (seu) começo. O livro está dividido em duas partes (mas é apenas uma coincidência binária, e nada tem a ver com Pitágoras!). E boa leitura!

    Sara Wagner York

    Apresentação

    Pervertido, mal amado

    Menino malvado, cuidado

    Má influência, péssima aparência

    Menino indecente, viado

    A placa de censura no meu rosto diz:

    Não recomendado à sociedade

    A tarja de conforto no meu corpo diz:

    Não recomendado à sociedade

    (Caio Prado em Não recomendado)

    Não me adequar às normas foi algo que fiz muito bem durante toda minha vida. Desde pequeno, fui visto como estranho ao resto da minha família. Excessivamente delicado, excentricamente diferente (nisso até posso concordar, já que ouvia Beyoncé e Marilyn Manson no mesmo dia), uma legítima criança viada que só a mãe não via. Crescendo, as coisas foram piorando cada vez mais, na medida em que nunca fui lido como homem de verdade devido a ser afeminado. A todo tempo, me interpelavam com nomes cujo significado sequer conhecia, mas que, pelo modo como eram enunciados, pareciam significar algo muito ruim. Perto dos 17 anos, em um churrasco de domingo (daqueles em que você vira tanto os olhos a ponto de achar que a sua cabeça vai explodir), um familiar (obviamente homem, branco, cis, hetero, de classe média) me atacou fisicamente e disse: você é uma vergonha para esta família. O que você pensa de ficar dando o cu? Esse ato mudou radicalmente o curso da minha vida, me fazendo romper, para sempre, o vínculo de afeto que mantinha com meus parentes.

    Demorei alguns anos para entender que a culpa não era minha, mas de uma estrutura social que me quer mal, com medo, oprimido, vítima, imobilizado, atado, silenciado, punido, preso, internado, caçado, morto..., e que tal estrutura estava materializada naquele familiar. Muitas coisas aconteceram nesse período, mas certamente a melhor delas foi chegar até um pessoa que foi capaz de me escutar e me fazer perceber esta estruta e, posteriormente, a escolha do curso de psicologia como escolha profissional. A partir desse dia – no qual compreendi que a culpa não era minha –, decidi que não queria que mais ninguém no mundo passasse por isso. Foi assim que entrei no campo da pesquisa, na tentativa de destruir esses discursos, de aniquilar qualquer epistemologia que (re)produza a vulnerabilização e a violência que sofri a pessoas da minha comunidade e de tantas outras.

    Este texto que o leitor tem em mãos, tem como fundo político a história supracitada e é inspirado em outros três momentos da minha carreira até aqui. O primeiro deles é a minha dissertação de mestrado, o segundo é uma disciplina ministrada para graduação em psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2018 e o terceiro foi a minha participação no IV Seminário Internacional Desfazendo Gênero.

    Sobre a minha dissertação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), intitulada "Uma escuta desmontada: paradoxos entre psicanálise e gênero a partir da escuta de experiências transidentitárias", ela foi orientada por uma pessoa incrível que é a Profa. Dra. Andrea Ferrari, que, com toda a sua ética e carinho, acolheu meu projeto de pesquisa e de ação política. O texto aqui presente não é a minha dissertação, já que o arquivo sofreu drásticas mudanças (partes foram acrescentadas, descartadas, odiadas, amadas, destruídas, repensadas e, finalmente, combinadas aos textos da Fernanda Carrion). Falando em Fernanda. Eu fico pensando que muitos foram os encontros que a pós-gradução me proporcionou, mas, sem dúvida, ela foi o melhor deles. Ela chegou até mim por meio da minha coorientadora de mestrado, Profa. Dra. Paula Sandrine, que, por coincidência ou destino, era a orientadora da Fernanda na época. Quando comecei a me aproximar da Profa. Paula no lugar de coorientadora, ela me avisou que havia uma pessoa pensando um projeto muito próximo ao meu, mas por outro viés, e que eu deveria falar com ela. Assim, entrei em contato com a Fernanda, que prontamente manifestou interesse em trocar ideias comigo. Ao sairmos do nosso primeiro encontro, já havíamos conversado sobre milhares de referências e planejado diversos projetos – o primeiro deles é o que você tem em mãos e o segundo, uma disciplina para a graduação em psicologia da UFRGS.

    A disciplina teve como título "psicanálise e cisnormatividade" e seu objetivo foi repensar, no âmbito da teoria psicanalítica, a forma como se concebe a constituição de um corpo sexuado, propondo a retomada desses pressupostos e sua atualização. A disciplina foi composta por atividades coletivas e autônomas: aulas expositivas, aulas em formato de seminários organizados e preparados pelos discentes, leitura, análise de textos e

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