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Era uma vez na Broadway: Uma antologia musical
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Era uma vez na Broadway: Uma antologia musical
E-book217 páginas2 horas

Era uma vez na Broadway: Uma antologia musical

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Sobre este e-book

Apenas os amantes do Teatro Musical conhecem aquela sensação fantástica ao ver a cortina vermelha se abrir, ao escutar a primeira nota da música de abertura e ao presenciar um universo inteiro ganhando luz, cor e som. Dos aplausos aos risos descontrolados, do choro ao êxtase de ouvir o terceiro sinal, convidamos você a embarcar em uma série de contos originais contados e cantados por quem ama Teatro Musical. Entre nessa aventura que surge dos palcos e inspira as páginas deste livro. A equipe do maior fórum de Teatro Musical do Brasil, o Broadway Meme Fórum, te concede o ingresso desta sessão. Já encontrou seu assento?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de fev. de 2021
ISBN9786585772075
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    Pré-visualização do livro

    Era uma vez na Broadway - Zé Henrique De Paula

    PREFÁCIO

    Zé Henrique de Paula

    Muitas histórias, sete notas e alguns acidentes

    Eram uns dez bonecos, talvez, de vários tipos. Havia os de plástico e os de borracha, alguns eram humanos e outros animais. Uns tinham roupa de tecido; em outros, a roupa era diretamente pintada no corpinho; e outros, ainda, estavam completamente pelados. As estaturas eram variadas e alguns nem tinham aquilo que podemos chamar de rosto. Um conjunto que faria vibrar todos aqueles que, hoje em dia, acreditam nos valores que emanam da palavra diversidade.

    No degrau que separava a cozinha do quintal, uma faixa de lajotas vermelhas retangulares e perfeitamente alinhadas marcava a beirada do desnível e contrastava com a caótica geometria dos cacos vermelhos, amarelos e pretos que forravam toda a área externa. Era um pouco atrás dessa faixa vermelha que os bonecos eram meticulosamente dispostos, às vezes em linha reta, às vezes em semicírculo. E, quando o sol fazia a lenta curva do final da manhã, a réstia de luz finalmente caía sobre todos eles, dando início ao espetáculo.

    Era pouco provável que o garotinho de jardineira verde e botinha ortopédica conhecesse a palavra teatro, afinal, só tinha três anos de idade. Mas já brincava de marcar seus atores no proscênio. A qual história eles serviam é algo que ficou perdido nas memórias voláteis da primeira infância – talvez nem houvesse uma história propriamente dita. Talvez a promessa de todas as histórias que poderiam acontecer naquele palco estivessem só germinando na cabeça fantasiosa daquele que – o garotinho mal podia imaginar – viria a ser, no futuro, um diretor de teatro.

    Todo mundo se lembra da primeira vez com o teatro. Em algum lugar da infância, está lá essa experiência: numa pecinha improvisada da escola, numa tia bacanérrima que leva a criançada no teatrinho do bairro, no trabalho de Português que acaba virando uma apresentação com personagens e até figurino. Quase sempre essa primeira vez está lá, como que encravada na linha do tempo das nossas memórias, ora mais nítida, ora mais fugidia. E você? Como foi a sua primeira vez com o teatro? Do que você se lembra? Como você contaria essa experiência? Como você a descreveria para outra pessoa?

    Contar histórias é uma habilidade humana que – me perdoem os cientistas pela ousadia –, se ainda não faz parte da nossa carga genética, deveria. É uma necessidade ancestral que transformamos, com o andar incessante da História, numa das nossas grandes qualidades. O ser humano é bom em contar histórias. E, com a ajuda de sete notas e alguns acidentes (os bemois e sustenidos, as famosas teclas pretas do piano), fomos ficando mestres em contar nossas histórias usando música. Os gregos, que inventaram praticamente tudo, já faziam isso, porque obviamente sabiam que as infinitas combinações de melodia, harmonia e ritmo são capazes de nos transportar para outros universos, mundos insuspeitos que jamais imaginaríamos conhecer:

    Para a França de outras épocas, com suas histórias de revolucionários, de fantasmas em teatros e serviçais de castelo transformados em mobília. Ou para a Londres vitoriana, onde uma lojinha decadente serve tortas muito suspeitas, uma babá chega para trabalhar voando de guarda-chuva ou uma rústica vendedora de flores é introduzida à nata da aristocracia. Até mesmo para o fundo do mar, com suas sereias, crustáceos e esponjas. Ou para a tão sonhada Cidade das Esmeraldas. Ou para o Rio antigo com seus malandros de terno branco. Ou ainda para a nossa caatinga cheia de covas grandes para seus defuntos parcos, a parte que lhes cabe desse latifúndio.

    O teatro musical é uma potência. Muitas vezes menosprezado como uma forma mais rasa e de mero entretenimento, ele já provou que dá conta de qualquer gênero e que não é avesso à inteligência e à ousadia. Muito pelo contrário – de tempos em tempos, o que não falta são artistas dispostos a reinventar seus parâmetros, testar seus limites e expandir seu território para além das chamadas zonas de conforto.

    Um musical sobre um homicídio e sua dupla de assassinos, naquele que ficou conhecido como o crime do século? Sim, temos!

    Um musical sobre um grupo de apoio para viciados em internet e redes sociais? Sim, temos! Será que podemos fazer esse totalmente sem banda? Sim, podemos!

    Um musical sobre uma garota que descobre a homossexualidade, sua relação com o pai gay e é ambientado numa funerária? Sim, claro que temos!

    A lista seguiria em frente, extensa e variada, como prova viva de que o teatro musical vive se renovando, de que a tradição e a inovação não são excludentes e de que o vigor criativo dos artistas recebe inspiração das mais diferentes e inusitadas fontes.

    A proposta deste livro – um verdadeiro bálsamo em meio à pausa forçada da quarentena – é de uma poesia ímpar: fazer dos musicais a inspiração para pequenas obras literárias. É como fazer o caminho oposto àquele que leva um musical ao palco. Fazer a transposição do suporte uma vez mais, agora ao contrário: do cênico em direção ao literário. Uma ideia sagaz e divertida, que revigora a própria cena do teatro musical brasileiro, enquanto oferece uma oportunidade preciosa de dialogar com os materiais originais.

    Que o livro também sirva de estímulo para que mais artistas se lancem à corajosa tarefa de transformar histórias em diálogos e canções, em canto e dança. Que as nossas histórias ocupem mais nossos corações, mentes e palcos, fazendo com que a nossa gente se veja retratada, em meio aos diversos retratos de todas as gentes deste mundo. E que os dramaturgos, compositores, libretistas e letristas ousem falar tanto das nossas conquistas quanto das nossas mazelas. Afinal de contas, uma das funções da arte é radiografar os temas que afligem a sociedade e tornar-se o motor de mudanças. Como diria o dramaturgo David Hare, fazer teatro a partir daquilo que nos causa revolta e indignação. Ou ainda, como escreveu o letrista Herbert Kretzmer – que nos deixou este mês – na canção que qualquer fã de musical sabe de cor e que embala protestos pelo mundo afora:

    Do you hear the people sing?

    Singing the song of angry men!

    It is the music of a people

    Who will not be slaves again

    Zé Henrique de Paula, diretor teatral

    Outubro de 2020

    Uma imagem contendo Forma Descrição gerada automaticamente

    CONHEÇA

    Zé Henrique de Paula é diretor teatral, ator, cenógrafo, figurinista, jardineiro amador e ciclista nas horas vagas. Tem paixão pelo teatro e pela palavra, o que o levou a traduzir inúmeras peças britânicas e estadunidenses, além de verter para português alguns musicais. Recentemente, tem se dedicado às crônicas e aos contos e acaba de terminar sua primeira obra autoral para o palco, o solo Lata Velha Coração de Papel. Atualmente, escreve compulsivamente seu novo trabalho, Cabaré dos Bichos, musical inspirado em A Revolução dos Bichos, do incrivelmente atual George Orwell.

    A CANÇÃO DE ALGUÉM

    Ana Toledo

    Esperança.

    Alguns poderiam considerar uma tolice que eu cultivasse isso dentro de mim. Afinal, eu era apenas Adélia, órfã que não tinha memórias e nem lembranças às quais pudesse se agarrar.

    Sempre que me concentrava em tentar achar algo, nem que fosse uma fagulha pequena em meio a tantas coisas, era apenas a escuridão que me saudava. Como se ela gostasse muito de me abraçar.

    Não que eu me recordasse de absolutamente nada. Não era bem isso...

    Eu fora encontrada caminhando sozinha pela cidade quando tinha dez anos, na véspera de Natal, mas sem presentes para ganhar ou estando indo visitar o tão famoso Papai Noel de quem as outras crianças tanto gostavam. Bem, pelo menos eu acho.

    Minha vida antes daquele dezembro de oito anos atrás era um mistério.

    Como se minha história começasse apenas naquele dia, naquele ano, naquele lugar...

    Todos os acontecimentos e momentos a partir daquele dia eu me recordava. Alguns mais marcantes e outros que ficavam mais apagados, mas ainda assim estavam lá.

    A única coisa concreta que eu carregava comigo quando fora encontrada sozinha era uma passagem que estava num dos bolsos do meu casaco.

    Naquele dia, era para eu estar dentro de um ônibus indo para bem longe. Mas por quê?

    Eu tinha família? Estava indo visitá-los? Alguém me esperava para o Natal?

    Do mesmo jeito que essas perguntas vinham, elas iam embora.

    Seria impossível ter família ou amigos se nunca ninguém tivesse ido para a cidade à minha procura, certo?

    Uma das consequências do silêncio é que parece que meus pensamentos gritam dentro de mim. Como se quisessem desesperadamente sair.

    Mas, sempre que eu pensava sobre isso, algo se sobrepunha à essa sensação.

    Uma música.

    Não que eu me lembrasse de cada palavra dela, mas me lembrava do ritmo e da melodia. Poderia cantarolar em qualquer momento, em qualquer situação.

    Podia jurar que eu ouvia, bem lá no fundo, uma voz doce me embalar à noite, como se fosse uma canção de ninar que me cantassem com frequência.

    Sentia que meu coração reconhecia aquele timbre de algum lugar... mas de onde?

    Enquanto guardava as roupas e os poucos pertences que possuía – a maioria vinda de doações – dentro da minha mochila, percebi que não estava mais sozinha.

    Ao levantar os olhos, vi Pedro andando em minha direção, desviando das camas em seu caminho até chegar na minha.

    – Você vai mesmo embora, Adélia? – a vozinha do menininho de dez anos me questionou.

    Eu notara que ele estivera cabisbaixo nos últimos dias, já antevendo o inevitável da minha partida.

    Naquela semana, eu havia completado dezoito anos. A tão sonhada maioridade, mas que não me remetia a sonho algum. E, com isso, minha saída do orfanato Trindade era mais do que certa.

    – Não tenho outra alternativa, Pedrinho – respondi, bagunçando seus cabelos castanhos.

    – Mas você vai ficar sozinha? Quem vai te proteger? – indagou, visivelmente preocupado.

    – Eu sou uma guerreira, rapaz. Sei me cuidar sozinha – falei, levantando a cabeça para mostrar que minhas palavras eram verdadeiras.

    Torcia para ele ter acreditado, já que, para mim, ainda era algo de que eu desconfiava.

    Porém, ao contrário do que eu esperava, Pedro também não ficou lá muito convencido.

    Era muito esperto para a idade que tinha, mas, sempre que eu falava que já tinha comportamento de adulto, ele negava veemente no mesmo momento.

    – Vou sentir sua falta – disse, tristonho e abaixando a cabeça.

    – Eu também, Pedrinho. Muito. Todos os dias. – Porque realmente era verdade. – E quem sabe logo algum casal legal vem te adotar – sugeri, já imaginando qual seria sua resposta. A mesma de sempre.

    – Eu prefiro ficar aqui, Adélia. Com meus amigos que são quase como irmãos. – Suspirou, dando de ombros. – E vai que vem um casal de bruxos me adotar... ou, pior ainda, vai que são piratas...

    Ah, a imaginação de uma criança...

    – Imaginei que iria te encontrar aqui, moleque – uma voz estridente, parecendo muito a de uma gralha, soou da porta e assustou nós dois. – Você sabe que tem compromisso nesse horário. Vamos logo!

    – Falando em bruxa... – Pedro sussurrou, fazendo uma careta antes de se virar na direção da vice-diretora do orfanato e segui-la para onde deveria estar.

    Realmente, a dona Eliana Marques poderia ser considerada tal ser mágico. Aí estava alguém de quem eu não sentiria falta alguma.

    Gabriela Tavares fundara o orfanato alguns anos atrás. Depois que o marido falecera, fora nesse projeto que ela encontrara sua forma de superar.

    Ela ajudava todos os dias a criar histórias. Mas não a que líamos em livros.

    A minha história e a de cada criança que já passou por aqui. A nossa.

    Sempre nos tratou com muito carinho e atenção, e eu devia muita coisa a ela. Gabi fazia parte da narrativa da minha vida.

    Porém, quando ela tinha que resolver algum assunto familiar ou viajar por qualquer motivo, quem ficava em seu lugar era Eliana.

    Nós tínhamos a diretora boa e doce e a vice má, que podíamos realmente comparar a uma... bruxa.

    Encarando-me com seus olhos sempre rabugentos, Eliana bufou – algo que ela fazia constantemente – e saiu em silêncio do quarto.

    A partir do dia seguinte, eu estaria livre das garras dessa bruxa que tanto gostávamos de evitar.

    Naquela noite, me reuni com as crianças no dormitório feminino.

    Claro que tivemos que esperar o horário em que Eliana costumava ir para seu quarto assistir alguma coisa com o volume no máximo para termos nossos pequenos minutos de liberdade.

    Aquela noite seria a nossa despedida, a última vez que eu veria aqueles rostinhos atentos enquanto contava uma história. Na maioria das vezes, uma que inventava na hora.

    Considerava todos ali como meus irmãos mais novos de quem eu tanto gostava de cuidar. A partir do dia seguinte, eu não teria mais essa função para abraçar.

    Seria um rito de passagem e tanto.

    Mas aquela noite não seria de tristeza. Essa palavra estava proibida de nos visitar.

    A história da vez era sobre um aventureiro que desbravava o mar em busca de um tesouro perdido.

    A cada entonação diferente que eu usava, as crianças menores mais se imaginavam na história.

    Não me prolonguei muito porque não podíamos abusar do horário, ainda mais quando estávamos sob a supervisão da Eliana.

    Não consegui dormir muito bem à noite. Sonhos estranhos me rondavam, dando-me a sensação de que queriam me tocar de alguma maneira. E, como sempre, a música estava lá. Presente no meu inconsciente como se quisesse sair e me envolver na minha realidade.

    Notei os vestígios da noite mal dormida assim que me olhei no espelho naquela manhã.

    Tive pouco menos de duas horas para me arrumar, tomar café da manhã e fazer a parte mais difícil de todas:

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