Caboclagem: Um devir caboclo na etnopoética Patativana
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Caboclagem - Vanderly Vitoriano De Oliveira
Copyright © 2023 by Paco Editorial
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Revisão: Mariana Perlati
Capa: Guilherme Cardoso
Imagem da Capa: Apoliana Oliveira; Fabricio Macedo FGMsp; Elton Oliveira - Pixabay; Rawpixel.com - Freepik Caboclo de Lança, Pire/Pref.Olinda. https://bit.ly/3GxcOby; https://bit.ly/3ivKxKn - Flickr (CC BY 2.0)
Diagramação: Leticia Nisihara
Edição em Versão Impressa: 2023
Edição em Versão Digital: 2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166
Índice para catálogo sistemático
Conselho Editorial
Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)
Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)
Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)
Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)
Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)
Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)
Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)
Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)
Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)
Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)
Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)
Paco Editorial
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Telefones: 55 11 4521.6315
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www.pacoeditorial.com.br
Esteticar (Estética do Plágio)
Pense que eu sou um caboclo tolo boboca
Um tipo de mico cabeça-oca
Raquítico típico jeca-tatu
Um mero número zero um zé à esquerda
Pateta patético lesma lerda
Autômato pato panaca jacu
Penso dispenso a mula da sua ótica
Ora vá me lamber tradução inter-semiótica
Se segura milord aí que o mulato baião
(tá se blacktaiando)
Smoka-se todo na estética do arrastão
Ca esteti ca estetu
Ca esteti ca estetu
Ca esteti ca estetu
Ca esteti ca estetu
Ca estética do plágio-iê
Pensa que eu sou um andróide candango doido
Algum mamulengo molenga mongo
Mero mameluco da cuca lelé
Trapo de tripa da tribo dos pele-e-osso
Fiapo de carne farrapo grosso
Da trupe da reles e rala ralé
Composição: Carlos Rennó / Tom Zé / Vicente Barreto
SUMÁRIO
Folha de rosto
Epígrafe
Apresentação
Prefácio. Caboclagem e insubmissão
Capítulo I. A construção imagética do caboclo na colonialidade
Capítulo II. Caboclagem e a decolonialidade da mestiçagem
Capítulo III. Caboclo em trânsito
Capítulo IV. Caboclo cabra da peste, antropofagia de corpo e língua
Capítulo V. Intercorporeidade e liberdade na etnopoética patativana
Capítulo VI. Caboclagem como articulação pedagógica da liberdade
Capítulo VII. Caboclagem como estética da existência
Capítulo VIII. Paisagens do sertão caboclo: traçados patativanos
Capítulo IX. Subjetivações e singularidades caboclas
Conclusão
Referências
Página final
APRESENTAÇÃO
Este livro tem como proposição discutir a caboclagem¹ como elemento articulador e rizomático capaz de desconstruir a produção simbólica e cultural do caboclo brasileiro, perpetrada pelos processos subjetivos coadunados pela égide moderna da colonialidade do poder. Nessa contextura, discute-se o trânsito desse signo, sobretudo a relevância de processos de desconstrução imagética que se efetivam pelo agenciamento de etnopoéticas² do campo social, cujas operações se configuram como devir-múltiplo/articulador de processos de diferenciações e decolonização discursiva.
Quando discutimos a questão dos caboclos, nos remetemos aos processos históricos coloniais, os quais, de maneira emblemática, produziram imagens e estabeleceram estereótipos no projeto de apagamento histórico/existencial desses sujeitos no cenário histórico, político e cultural brasileiro.
Nessa esteira, fazemos um recorte sobre as realidades que contribuíram para a constituição do caboclo — desde o período inicial da colonização — como fenômeno imbricado ao projeto de exploração econômica das estruturas capitalistas e de base cultural eurocêntrica, sem deixar de destacar o modus operandi
utilizado pelas elites intelectuais do Brasil — através das literaturas — para construírem imageticamente um lugar, bem como uma estética para esses sujeitos.
Por essa visão, desenvolvemos um proeminente rastreamento do jogo de imagens que abrangem no transcorrer dos tempos as formações discursivas sobre o caboclo brasileiro, aspectos que ocorrem a partir de sua invenção colonial no Norte do Brasil e, extensivamente, se corporifica e ao mesmo tempo se desconstrói em outras regiões, em especial nos sertões do Nordeste brasileiro.
Logo, rastreia-se, principalmente, as múltiplas possibilidades que essa nomeação — ora tida apenas como categoria social, outrora negada como categoria de identidade pelas instituições dos saberes — produz em suas enunciações em perspectivas revolucionárias.
Desse modo, evidenciamos a questão do caboclo como fenômeno em movimento que marca os corpos de muitos sujeitos que se percebem ativamente nessa qualificação — embora a visão civilizatória tenha projetado colocá-los, na maioria das vezes, na invisibilidade — e assumem o lugar politizado de atores sociais, cujas práticas desmantelam as produções culturais dominantes já fixadas no campo do real e do imaginário social.
Ao aprofundarmos sobre a questão do signo caboclo, ratificamos que esse conceito sofre transvalorações com o transcorrer dos tempos, pois à medida que ele (caboclo) adentra em demais regiões do Brasil, além do Norte da Amazônia, observa-se processualmente novas performances, ou seja, diferentes configurações, de modo que abrangem desde o aspecto relacional/conceitual até as questões de espiritualidades ligadas às ancestralidades afro-indígenas.
Com isso, a noção estereotipada e absoluta de caboclos como indivíduos indolentes, destros de obediência e animalizados é desmontada — em sua suposta essência — processualmente, ainda mais quando faz a interlocução com os sujeitos dos sertões do Nordeste — semiárido — que se transvestem de uma estética revolucionária ativada e resistente aos domínios da colonialidade do poder
(Quijano, 1992).
Nesse sentido, as etnopoéticas alargam o movimento da caboclagem por se diferenciarem como expressões artísticas livres que se manifestam pelas múltiplas linguagens do território social, especialmente pautadas nos feitos políticos e criativos dos meios populares. Nessa tessitura, a relação caboclagem e etnopoética se ativa como ferramenta de batalha das minorias em processo de decolonização e proposição de uma reescrita histórica que se alinha com a vivacidade de textos orais e com as narrativas de luta³ política das populações periféricas.
Em Patativa — grande parte de sua obra — se desmonta uma estética de caboclo que foi, absolutamente na visão do colono, figurada para os interesses de exploração comercial; pois, em seus rizomas poéticos, encontram-se elementos de transvaloração do caboclo, principalmente elencado para o lugar crítico, societário e heterogêneo que atravessa as fronteiras estabelecidas pela visão colonial.
Nessas intersecções, cunha-se a caboclagem, de modo a compreendê-la não como dádiva externa do pensamento dominante, pelo contrário, mas como uma experiência que se perfaz no movimento de articulação revolucionária, ou seja, nas dobras dos processos de diferenciações que efervescem nos exercícios de luta, resistência e (re)existência dos caboclos em seus terreiros de ação.
A caboclagem é potencializada nas múltiplas trilhas da obra de Patativa do Assaré devido ao coeficiente desterritorializador (Deleuze; Guattari, 2002, p. 41) de sua poética, cujo arsenal literário oferece condições deslocamento do enraizamento-identitário perpetrado pela lógica cultural da mestiçagem. Assim, em contrapartida à ideia de enraizamento — perspectiva atávica da mestiçagem — insurge-se a caboclagem, que se alia às etnopoéticas como fenômeno de politização e imprevisibilidades — ecceidades — de relação entre as diversas manifestações de lutas caboclas com vistas a uma identidade-rizoma (Glissant, 2013, p. 27) oposta à raiz fixa/unívoca perpetrada pela lógica identitária do estatuto civilizatório moderno.
Assim, as relações de saberes poderes — atos de caboclagens — quando ativadas no sertão caboclo, em conexão com a etnopoética patativana, instauram linhas de fugas e denunciam o aniquilamento e a escravização — necropolítica — além do apagamento histórico dos caboclos nas matas e sertões brasileiros.
Nessa perspectiva, Patativa do Assaré se posiciona criticamente no campo social, a exemplo do posicionamento através do poema Caboclo Roceiro,
quando diz:
Caboclo Roceiro, das plaga do Norte
Que vive sem sorte, sem terra e sem lar
A tua desdita é tristonho que canto
Se escuto o meu pranto me ponho a chorar
Ninguém te oferece um feliz lenitivo
És rude e cativo, não tens liberdade
A roça é teu mundo e também tua escola
Teu braço é a mola que move a cidade
De noite tu vives na tua palhoça
De dia na roça de enxada na mão
Julgando que Deus é um pai vingativo
Não vês o motivo da tua opressão
(Feitosa, 2001, p. 95)
Essas práticas de resistência sugeridas no