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Cultura, ética e direitos culturais no século XXI
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Cultura, ética e direitos culturais no século XXI
E-book150 páginas1 hora

Cultura, ética e direitos culturais no século XXI

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Sobre este e-book

Este volume apresenta uma seleção de artigos que exploram questões pertinentes às relações entre o campo da cultura, a dimensão conceitual da ética e os direitos culturais neste século XXI. São trabalhos produzidos por pesquisadores atuantes em instituições de ensino superior brasileiras, bem como em áreas que lidam com a problemática em causa. Um traço comum aos textos é o empenho analítico de aspectos complexos da relação entre cultura e sociedade no país hoje, como o discurso de ódio.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de abr. de 2023
ISBN9788546222087
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    Cultura, ética e direitos culturais no século XXI - Anelito De Oliveira

    APRESENTAÇÃO

    Explorar relações entre cultura, ética e direitos culturais é o propósito deste livro. A causa deste propósito é muito evidente em termos nacionais e internacionais. A cultura tem sido duramente afrontada por toda parte. Essa afronta tem características diversas, mas seu fundamento é comum: a cultura é desnecessária. No Brasil regido por Jair Bolsonaro, esse caráter desnecessário foi simbolizado pela extinção do Ministério da Cultura.

    Este livro, planejado ainda em meio ao desgoverno do citado presidente, está saindo agora num aparentemente outro cenário. Aparentemente porque o ódio à cultura tem raízes muito complexas, cujo enfrentamento é indispensável para que a cultura possa ser positivada especialmente em países como o Brasil. Esse enfrentamento exige ações de caráter educacional, econômico, jurídico e político. A questão da cultura não se resolve, evidentemente, apenas no âmbito da cultura, que não é uma questão isolada, um mundo à parte, mas uma dimensão transversal que perpassa todo o tecido social.

    O governo recém-empossado no país significa, em termos culturais, uma possibilidade de afirmação da cultura como direito fundamental que assiste a todas e todos indiscriminadamente. Essa possibilidade é materializada pela reativação do Ministério da Cultura. Todavia, cabe à sociedade demandar aos governos a concepção e implementação de políticas públicas. Sem estas, governos são apenas formalidades dispendiosas, representações fantasmagóricas.

    A qualidade das demandas, por sua vez, passa pela qualidade das formulações, das categorizações. Os textos aqui reunidos não se limitam a conceituar cultura, ética e direitos culturais. Seu escopo não é doutrinário, mas analítico, seu foco são problemas objetivos. O artigo 215 da Constituição Federal brasileira vigente, que versa sobre os direitos culturais, é a referência fundante do que se apresenta aqui. Em nome desses direitos, que chegam à Constituição Federal de 1988, especialmente como repercussão da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, é que as abordagens aqui se apresentam.

    Pensar a cultura é pensar o humano, e este é impensável fora de um horizonte ético, isto é, sem que se considere o plano das ações e, nesse plano, a qualidade das ações. Há que se definir o que é uma boa ação, expressão do Bem, e distingui-la da má ação, expressão do Mal. O mundo da cultura não é, da perspectiva da ética, evidente, nunca o foi e se tornou ainda menos evidente neste século XXI, marcado pela virtualização, pela pós-verdade, pelas fake news, pela inteligência artificial.

    Este Cultura, ética e direitos culturais, resultante de proposta que apresentei à Paco Editorial movido pelo desejo de abrir espaço para a divulgação de trabalhos produzidos no meio universitário sobre a temática, contribui, em graus diversos, para que objetivemos a cultura como problema ético e jurídico num Brasil instável, cujo equilíbrio passa prioritariamente pela garantia de direitos culturais, que têm papel decisivo na potencialização do Estado Democrático de Direito.

    Anelito de Oliveira

    Organizador

    NOTAS SOBRE A ZONA CINZENTA: CULTURA, DEMOCRACIA E UNIVERSIDADE DIANTE DO FASCISMO BOLSONARISTA

    Anelito de Oliveira

    O bolsonarismo, enquanto cultura política fascista, não acabou, evidentemente, com o fim do governo Jair Bolsonaro em 31 de dezembro de 2022. Ao investir na destruição de instituições que têm o dever constitucional de desenvolver políticas públicas de caráter cultural, começando por extinguir o Ministério da Cultura, o bolsonarismo afirmou exatamente a centralidade da cultura na dinâmica de dominação. Não é possível dominar um povo sem investir na sua aculturação (Ribeiro, 2013, p. 57-85), sem destitui-lo de particularidades cognitivas a partir das quais pratica sua vida cotidiana, ocupa o espaço comum, confere sentido à sua experiência histórica. Investindo contra a cultura, o bolsonarismo se inscreve numa lógica de dominação que é colonialista, e seu êxito, traduzido nos 57.797.847 votos alcançados em 2018 no segundo turno da disputa da Presidência da República, bem como nos 58.206.322 no segundo turno em da disputa da reeleição em 2022, é revelador da persistência de uma razão colonizante no país. Tal como o colonizador europeu fez no Brasil e por toda parte, o bolsonarismo produz a aculturação a partir de preceitos cristãos, demonizando a cultura, porque reconhece nessa dimensão sua grande resistência, o maior obstáculo ao seu projeto de dominação, reconhece que a cultura é realmente uma esfera comum responsável pelo próprio ordenamento de uma comunidade (Williams, 2015, p. 1-28).

    Evidentemente, há uma inegável autenticidade nesse reconhecimento quando levamos em conta a história republicana brasileira: nenhuma tendência ideológica elegeu a cultura como seu inimigo figadal, cujo combate deveria constituir prioridade absoluta sob pena de se comprometer a Governabilidade. O proverbial descaso de mandatários políticos grosseiros pelos artistas, intelectuais, professores e demais agentes culturais não pode ser confundido com o ódio bolsonarista pela cultura, tomada como absurdamente incompatível com a própria nação, como aquilo que potencializa as liberdades individuais, os direitos civis e humanos, que democratiza o espaço social e, por isso mesmo, justificaria o ódio à democracia (Rancière, 2014) da parte de milicianos fascistas como medida redentora da nação. A cultura se apresenta à sombra cinzenta do bolsonarismo como uma dimensão antinacional, destituída de elementos constitutivos da nacionalidade, degeneradora de valores morais que vinculam nação, família e religião. Negar a cultura, dentro da lógica anárquica de poder praticada por Bolsonaro, significa promover uma deculturação, uma rearticulação do povo com valores morais que teriam sido sacrificados por um processo de culturação iniciado por uma tradição comunista fertilizada ao longo de 1964 a 1985 e concluído pelos governos petistas.

    O evangelismo, vulgarização extrema do Protestantismo, revela-se reduzido nessa dinâmica de dominação a um grande valor moral: a cultura é demoníaca porque entrava a prosperidade das elites brancas predadoras do Estado. Aqui, exatamente neste ponto, penso que toma fôlego a guerra cultural, que objetiva, no limite, desvincular a nação brasileira do seu arcabouço iluminista aclimatado por pais-fundadores como José Bonifácio de Andrada e Silva (2022), donde deriva a tradição republicana no país, o que significa desrepublicanizar totalmente a República, restringir radicalmente o acesso à Res Publica, à coisa pública, apenas aos bem-nascidos, isto é, brancos, cristãos, escravagistas. Está bem claro na práxis bolsonarista que a partilha democrática do comum é um preceito iluminista, modernizante, inadmissível pelos Srs. e Sras. BBBs, componentes dos segmentos-bancadas da Bíblia, do Boi e da Bala no Congresso Nacional, que seguem majoritárias. Está igualmente bem claro que essa partilha democrática é parte de um ethos iluminista, de um conjunto de costumes consolidados pelo Iluminismo por toda parte.

    Assim, a guerra cultural, praticada com as armas republicanas, é uma política revisionista que visa reescrever a história brasileira de modo a fundamentar uma espécie de exclusão dócil, legal, da maioria da população de uma vida social ativa (Arendt, 2009), reflexiva, consciente. O ethos iluminista tem, como se sabe, a emancipação humana como um dos seus traços característicos, o que é incongruente com a ausência de direitos sociais e humanos, o que exige o Estado Democrático de Direito como estruturante da vida social. Esse Estado sempre foi percebido pelas elites colonialistas como o maior problema a ser operacionalizado especialmente depois da abolição formal da escravatura no país. Os plutocratas, como André Rebouças (1938) chamava os republicanos de 1889, sempre perceberam o Estado como seu balcão de negócios, como sua agência bancária. Daí a permanente contradição entre republicanismo e democracia, o evitamento da democracia (Rancière, 1995, p. 195) como parte de uma razão republicana, daí por que forma e conteúdo da gestão do Estado brasileiro exibem tanta incongruência: forma harmônica, conteúdo grotesco.

    O fato é que depois de um século de vigência a trancos e barrancos, sempre alternando liberdade e opressão, sempre preservando o autoritarismo tributário do colonialismo, a República se dispõe no Brasil, desde 2013, como solo ainda mais fértil para sua corrosão a partir do horizonte iluminista, de que resultam as consequências mais graves à democracia, como o investimento contra a Universidade. O argumento bolsonarista imediato, para tanto, é que a Universidade é o reduto do marxismo cultural no país, o que significa, em linhas gerais, uma acusação da dimensão política da cultura, mais ainda: político-revolucionária. Antes de mais nada, é preciso que nos atentemos para o caráter leviatânico do texto constitucional brasileiro, que confere poder excessivo a um presidente da República, que lhe garante direito, inclusive, a indicar reitor de Universidade a partir de lista tríplice. Objetivamente, a demonização da Universidade parte do reconhecimento, pelo bolsonarismo, de que o processo de dominação autoritária encontra resistência na própria esfera institucional, na Universidade pública.

    O bolsonarismo descobre diante dessa resistência que o Estado não é plano, mas uma estrutura bastante dobrada, em face da qual o soberano precisa, no mínimo, avaliar o grau de complexidade de suas escolhas, considerar que algumas destas podem ser fatais, podem comprometer a própria Governabilidade. Isso explica as muitas idas e vindas, ataques e recuos, de Bolsonaro à Universidade durante o exercício do seu deplorável mandato, idas e vindas suficientes, todavia, para que compreendamos o quão maligno é o seu olhar sobre a educação superior pública, que dimensionemos o que pode acontecer com a Universidade

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