O treinador de basquete: competências necessárias para atuação profissional
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O treinador de basquete - Renan Lutke Gehrke
CAPÍTULO 1 PANORAMA GERAL DO BASQUETE
1.1 CONTEXTO HISTÓRICO
Não é difícil encontrar na literatura, obras que abordam o histórico e surgimento do basquetebol, citando o criador da modalidade, o canadense James Naismith, que em 1891 recebeu a incumbência de criar um esporte que pudesse ser jogado em ambiente interno no rigoroso inverno de Massachusetts, nos Estados unidos. Baseado em princípios de não violência e em brincadeiras de sua infância - como a "Duck on a Rock" em que crianças empilhavam algumas pedras sobre um rochedo e de uma certa distância o objetivo era derrubar o monte da outra -, em poucos dias, Naismith conseguiu desenvolver um guia com 13 regras oficiais da modalidade (NAISMITH BASKETBALL FOUNDATION, 2018).
No entanto, encontram-se com menor frequência registros dos primeiros treinadores envolvidos na prática do basquetebol. Logo no início da criação da modalidade, os times não tinham treinadores e havia pouca ou quase nenhuma estratégia envolvida no jogo. Para marcar pontos, os jogadores direcionavam seus esforços apenas para aspectos físicos. O próprio Naismith não acreditava que era necessário um treinador nas equipes e dizia que não era possível treinar basquete, apenas jogar, pois considerava a atividade como uma modalidade de lazer e não imaginava o alcance que o esporte atingiria com o passar do tempo (RAINS, 2011).
Mesmo assim, o criador do basquete aventurou-se como treinador universitário na renomada Kansas University - não conseguindo resultados expressivos e sendo o único treinador da história da universidade a obter um aproveitamento abaixo de 50% em vitórias (KANSAS UNIVERSITY SPORTS, 2007).
Com o passar do tempo, surgiram outros treinadores de basquete e o que mais se destacou neste período inicial de criação da modalidade (entre o final do século XIX e início do século XX) foi Forrest Phog
Allen, considerado inclusive, o pai do treinamento em basquetebol
. As contribuições de Allen para o basquete estenderam-se além das linhas das quadras, evoluindo o jogo em aspectos técnicos e táticos (HOOP HALL, 2007).
A modernização na forma de praticar o jogo e as evoluções do esporte ao longo dos anos trouxeram modificações significativas, nas quais o treinador passava a ter uma grande responsabilidade e participação no desempenho e sucesso das equipes (NAISMITH; BAKER, 1996).
1.2 MODIFICAÇÕES / EVOLUÇÕES DO JOGO AO LONGO DAS ÉPOCAS
Praticado inicialmente com nove jogadores em cada equipe, o jogo tinha como objetivo marcar pontos arremessando uma câmara de bola de futebol em cestos de colher pêssegos, colocadas em lados opostos a uma altura de 10 pés (3,05 metros - curiosamente, a altura do aro atualmente mantém-se igual desde a sua criação). De tão simples que parecia ser, resultou em um esporte técnico, imprevisível e emocionante. À medida que o basquetebol foi evoluindo, tornou-se inevitável basear seu desenvolvimento em ações planejadas, treinamentos e diferentes estratégias (GRASSO, 2011).
Em decorrência do aprimoramento tático, técnico e físico das equipes e de situações recorrentes que o jogo apresentava, regras e dimensões da quadra tiveram de ser alteradas ou adaptadas a fim de manter o jogo dinâmico e equilibrado. Algumas delas são: o relógio regressivo de tempo de ataque; a inserção da linha de 3 pontos; a proibição do defensor interromper um arremesso na trajetória descendente; a alteração do formato do garrafão; a inclusão do semicírculo próximo às tabelas, entre outras (NAISMITH; BAKER, 1996).
O esporte tornou-se um meio de atrair não apenas praticantes e torcedores, mas também investidores e patrocinadores que, ao perceber oportunidades de negócios, fazem grandes investimentos financeiros, alterando em parte a essência da prática esportiva. Isso foi acompanhado da evolução tecnológica de equipamentos e materiais esportivos, bem como aumento da mídia, das transmissões, dos salários de atletas e treinadores, da alteração no estilo dos atletas (NAISMITH; BAKER, 1996).
Outra alteração significativa é a característica de jogo das equipes, que difere muito de anos atrás. Em termos ofensivos, as equipes atualmente apresentam alto índice de arremessos de 3 pontos tentados, é possível perceber uma prevalência de bloqueios diretos na bola e transições ofensivas com intensidade e organização. Na defesa, observa-se uma pressão constante sobre o atleta que detém a posse de bola, utilizam-se trocas defensivas e contato físico com os atacantes sem bola a fim de direcioná-los para um local menos conveniente na quadra. A intensidade física do jogo exige que os atletas estejam preparados e apresentem diversas qualidades antropométricas (altura, envergadura e peso) e condicionais (velocidade e força), sendo capazes de exercer multifunções, em posições variadas (FERREIRA; GASPAR; ROSE JUNIOR, 2017).
As modificações e evoluções no esporte não se limitam apenas à equipamentos, regras, dimensões físicas da quadra ou porte físico dos atletas. Outro ponto que chama atenção é a quantidade de membros em uma equipe de rendimento, além do treinador e dos atletas. São equipes multidisciplinares, formadas por profissionais de diferentes áreas. Assistente técnico, preparador físico, psicólogo, nutricionista, fisioterapeuta, estatístico, editor de vídeos são algumas das funções que auxiliam em melhores resultados e colaboram na evolução do jogo (ANTONELLI et al., 2016).
CAPÍTULO 2 COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS DO TREINADOR ESPORTIVO
2.1 DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Para Perrenoud (2000), competência é a capacidade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes e informações) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações, ou seja, é a capacidade de mobilizar conhecimentos a fim de enfrentar uma determinada situação. Segundo Zabala e Arnau (2007), é o conjunto de conhecimentos (saber), habilidades (saber fazer) e atitudes (querer fazer) que permite dar respostas a problemas novos e situações distintas em qualquer âmbito da vida (educacional, profissional, entre amigos). Em outras palavras, é a capacidade de realizar tarefas ou enfrentar situações diversas de forma eficaz mobilizando conhecimentos de forma integrada em um contexto determinado.
Figura 1 - Conceito de competência
Fonte: elaborado a partir de RABAGLIO, 2014; ZABALA; ARNAU, 2007
Pode ser considerada também como a capacidade de usar conhecimentos e habilidades, de forma transversal e interativa, em contextos e situações que requerem a intervenção de conhecimentos relacionados a diferentes saberes, envolvendo compreensão, reflexão e discernimento do indivíduo (BLÁZQUEZ; SEBASTIANI, 2010).
Monereo (2005), explica o conceito de competência trazendo também a definição de estratégia. O autor destaca que enquanto a estratégia é uma ação específica para resolver um determinado tipo de problema, a competência seria o domínio de um amplo repertório de estratégias em algum contexto da atividade humana. Logo, uma pessoa competente é aquela que consegue perceber com exatidão o tipo de problema que está enfrentando e quais são as estratégias que deve acionar para resolver o mesmo.
Percebe-se, que as definições deste conceito pelos autores citados podem ser diferentes em alguns aspectos, mas em linhas gerais assemelham-se e mantém um mesmo princípio de que ser competente significa agir de forma eficiente em um determinado contexto ou situação, utilizando conhecimentos, habilidades e atitudes. E esta é a definição que vamos considerar ao longo do livro.
Deixando de lado as definições sobre competências e partindo para a forma como ela pode ocorrer e ser desenvolvida no ser humano, Kautz et al. (2014) explica que o ritmo de desenvolvimento de competências depende da idade e do nível de competências prévias da pessoa. Os primeiros anos de vida são os mais sensíveis para ocorrer o desenvolvimento de competências, pois são neles que se estabelecem as bases de diversas competências para o futuro. No entanto, as competências continuam se desenvolvendo ao longo da vida.
As competências são capacidades do indivíduo manifestadas através de pensamentos, sentimentos e comportamentos, que podem ser desenvolvidas mediante experiências de aprendizagem formal e informal, influenciando em diversos resultados ao longo da vida da pessoa. Elas vão somando-se e agregando-se de forma que as competências prévias são determinantes na aquisição de novas competências. O desenvolvimento de competências pode ocorrer em diferentes contextos (família, sociedade, escola, trabalho). Um indivíduo competente tem maior chance de escolher ferramentas corretas para avançar em seu conhecimento ou buscar maiores oportunidades de crescimento (OCDE, 2015).
2.2 COMPETÊNCIA PROFISSIONAL
A competência profissional nada mais é do que o conceito de competência que já vimos, aplicada ao contexto profissional, isto é, o indivíduo saber agir de forma eficiente utilizando conhecimentos, habilidades e atitudes em seu ambiente de trabalho (BALBINO, 2005).
Batista, Graça e Matos (2008) apontam que os conhecimentos adquiridos e as experiências acumuladas em uma área específica de atuação podem influenciar as capacidades e habilidades para se desempenhar uma função laboral, ou seja, podem influenciar na competência profissional do indivíduo.
No âmbito esportivo, o treinador é a principal figura encarregada de resolver desafios diversos no processo de treinamento e desenvolvimento dos atletas. Assim, as competências deste profissional referem-se ao domínio de conceitos e procedimentos que contemplem aspectos de aptidão física, fundamentos técnicos, princípios táticos e, também habilidades e atitudes para auxiliar na formação humana de seus atletas (BALBINO, 2005; EGERLAND; NASCIMENTO; BOTH, 2009). Rosado (2000) aponta que dominar as competências profissionais significa saber como, por que e quando aplicá-las.
Dessa forma, fica evidente que para o cargo de treinador esportivo faz-se necessário um profissional específico, que seja responsável pelo planejamento e organização dos treinamentos, que prepare a equipe para as competições, ensine da melhor forma seus atletas considerando suas características pessoais, materiais e espaços disponíveis, de modo a proporcionar as melhores oportunidades para o desenvolvimento e rendimento do grupo. (OBRADOR; NEBOT, 2012).
Segundo Costa (2005) e Rosado (2000), as competências não são estáticas, podendo ser modificadas, adaptadas às circunstâncias variadas e ajustadas à realidade das organizações (clubes, ONGs, escolas, Federações) e dos tempos. As competências que hoje são adequadas podem não ser no futuro, pois o constante progresso na área da investigação possibilita o acesso a informação atualizada e um conhecimento atual.
No âmbito profissional, algumas competências são essenciais e recebem o nome de competências-chave pois são importantes para qualquer indivíduo, independente de sua área de atuação (RYCHEN; SALGANIK, 2003). Neste sentido, o estudo de Batista et al. (2011), toma como base o modelo holístico de competência profissional de Cheetham e Chivers (1996, 1998), adaptando-o para os profissionais do esporte e estabelecendo uma divisão em 4 grupos de competências-chave que se inter-relacionam. São elas: competência cognitiva, competência funcional, competência pessoal e social e competência ética.
A competência cognitiva diz respeito ao conhecimento técnico e teórico especializado (os fundamentais da profissão), ao conhecimento tácito (adquirido ao longo da vida, pela experiência), ao conhecimento procedimental (o que, quando, como e onde), ao conhecimento contextual (conhecimento da organização, do setor de atuação) e à aplicação do conhecimento (CHEETHAM; CHIVERS, 1998, 2005).
A competência funcional refere-se a tudo aquilo que o profissional de uma determinada área deve ser capaz de fazer, tanto a execução de tarefas relacionadas a uma profissão particular (competência específica do ofício), como as de natureza genérica, como planejamento, organização e gestão; ou mentais básicas, como escrita, leitura e aritmética, ou ainda de natureza física e motora, para alcançar resultados específicos (CHEETHAM; CHIVERS, 1998, 2005).
A competência pessoal e social abrange o domínio de aspectos comportamentais e está sistematizada na dimensão intraprofissional (habilidade para adotar comportamento apropriado no ambiente de trabalho) e na dimensão social e vocacional (interações do profissional com outros e seu posicionamento diante das atividades) (CHEETHAM; CHIVERS, 1998, 2005).
A competência ética é definida como a posse de valores pessoais e profissionais apropriados e a capacidade de fazer julgamentos sólidos com base nesses valores em situações relacionadas ao trabalho contemplando a dimensão da ética profissional e a ética pessoal (CHEETHAM; CHIVERS, 1998, 2005).
O modelo também engloba alguns fatores relacionados às competências-chave como: metacompetências e transcompetências; contexto de trabalho e ambiente de trabalho; personalidade, motivação, hétero e autopercepção de competência e reflexão; (D’AMELIO; GODOY, 2009; VAZ et al., 2017).
As metacompetências permitem aos profissionais analisar e desenvolver competências que já possuem. São exemplos: capacidade analítica, criatividade e habilidade de aprendizagem equilibrada (aprender a aprender ou autodesenvolvimento). As transcompetências perpassam outras competências (possibilitam sua expressão) por serem genéricas e comuns a todas as ocupações, tais como a comunicação, agilidade mental, resolução de problemas e versatilidade (D’AMELIO; GODOY,