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Adentrando O Candomblé
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E-book231 páginas3 horas

Adentrando O Candomblé

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Sobre este e-book

Adentrando ao Candomblé parece ser um livro explicativo de uma religião afro-brasileira, mas se trata de uma biografia muito bem contada da própria autora. Mostra em seu enredo vários relatos que confrontados com sua realidade vem trazer embasamento as suas crenças e teorias, que são únicas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de jun. de 2023
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    Adentrando O Candomblé - Olga Soares De Lima

    CAPÍTULO I

    Esperança de nordestino era migrar

    No meio do mundo falou Deus ao homem

    João Francisco Bento de Oliveira

    "Canta, passo Carão¹³!

    Canta, passo bendito!"

    Papai estudara com um primo que foi professor do Liceu Paraibano, nomeado pessoalmente pelo Presidente João Pessoa, no período da história do Brasil em que os governadores dos estados recebiam este título. Este primo chamava-se Francisco Alves, sobrinho do meu avô paterno - Jacintho Ferreira da Silva, nascido em 03 de junho de 1887, na cidade de Picuí, Paraíba - e o colocou em contato com as informações que, após os Velho e Novo Testamentos, balizariam sua vida: O Manifesto Comunista e a Revolução Russa de 1917.

    Ao chegar em Salvador, meus pais ainda frequentavam o templo religioso. No entanto, mamãe relata que, desde João Pessoa, quando ia ao púlpito pregar a palavra de Deus.¹⁴, papai já impregnava os sermões com os conceitos marxistas leninistas.¹⁵ de mudanças e melhoria das condições de vida para a classe trabalhadora. Nestas ocasiões, mamãe até se retirava do salão do templo para não ver os olhares críticos se voltarem para ela e ouvir os comentários contrários. Enfim, um dia papai não suportou ouvir um pastor afirmar que os irmãos tinham por obrigação contribuir com o dízimo de qualquer forma, exemplificando que se o chefe de família comprasse um tablete de manteiga deveria doar a metade à igreja., segundo seu relato. Também não se conformando em ver os irmãos congregados se apresentarem de duas maneiras com suas numerosas proles: metade das/dos filhas/os bem-vestidos e calçados eram conduzidos aos primeiros assentos do salão; a outra metade vestida com simplicidade e descalça era acomodada nos últimos bancos.

    Como já estava se dedicando aos trabalhos do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia – que se encontrava sob intervenção, no governo de Getúlio Vargas - e do Partido Comunista Brasileiro – que se encontrava organizado, embora lutando na clandestinidade, só faltava a meu pai romper com a dominação religiosa que ele não aceitava mais. E a mamãe não restou outra alternativa que não também se afastar, pois, não conseguiria comparecer aos serviços religiosos com filho e filhas pequenos e uma recém-nascida.

    Quando eu nasci papai já havia cortado os laços com a Igreja, como alguém mais atento pode perceber por nossos nomes. O filho primogênito chama-se Walter Soares de Lima - nascido em 21 de setembro de 1947, em João Pessoa, Paraíba - infelizmente, vitimado pelo Covid 19 e sepultado no Dia do Trabalhador, 1º de Maio de 2020, no Rio de Janeiro. Seu nome é uma contração dos nomes de papai e mamãe, sugerido pela tia Diva, Edwiges de Lima Ferreira (pelo casamento) - de saudosa memória - a irmã caçula de papai. Ironia das ironias, meu irmão dedicou mais de quarenta anos de sua vida ao serviço religioso aliado às suas atividades de metalúrgico; depois, vendedor e, finalmente, só de pastor missionário da denominação Assembleia de Deus.

    As experiências da vivência religiosa foram tão férteis e interessantes para meu irmão que, nos últimos quinze anos, ele escreveu três livros com temas religiosos: Chamados Para Ser Santos, Aos Eleitos Segundo a Pré Ciência de Deus e o terceiro está em revisão para publicação.

    Meu irmão Walter era o Pr. Walter Soares.

    Decidindo que iria viver pela fé.., segundo suas próprias palavras, dedicou-se por vinte anos ao trabalho de conversão e assistência social junto aos nossos irmãos indígenas das tribos Tikuna¹⁶, tendo viajado diversas vezes para a região amazônica; alternava suas viagens com períodos em casa, ocasião em que auxiliava sua esposa Aledi Mathias de Lima - de saudosa memória, nascida a 9 de abril de 1950, na cidade do Rio de Janeiro - na pequena empresa familiar de festas e até vestidos de noiva que minha cunhada iniciara.

    A nós, mamãe, suas irmãs e irmão, parecia que atendia a um chamado ancestral, pois, nosso avô materno - João Francisco Bento de Oliveira, nascido em 24 de junho de 1889, em Mamanguape, Paraíba - trabalhou por vários anos naquela região, na juventude e na maturidade, devido aos períodos de grandes dificuldades que todo trabalhador nordestino enfrentou em nossa história; apesar de residir em João Pessoa e um tempo em Campina Grande, na Paraíba, e ser profissional de marcenaria e carpintaria. Em Rondônia trabalhou também como seringueiro e na construção da Madeira-Mamoré Railway Company, a Ferrovia da Morte.¹⁷.

    Vastir nasceu um ano e um mês depois de nosso irmão, em outubro de 1948, em João Pessoa, Paraíba e seu nome é homenagem a uma rainha persa que foi sucedida pela rainha Esther, a hebreia Hadassa. Mírian, nascida em 7 de maio de 1951, em Salvador, Bahia recebeu também um nome bíblico, o da irmã de Moisés, o grande libertador do povo hebreu da escravidão no Egito.

    Olga foi a homenagem que papai e tantos outros comunistas, socialistas e simpatizantes, do período intitulado de pós-guerra fizeram a Olga Benário Prestes, a esposa alemã de Luiz Carlos Prestes, o mais importante líder comunista brasileiro, por ter sido ela vítima dos governos brasileiro de Getúlio Vargas e alemão de Adolf Hitler. Olga Benário, judia, estava grávida e, mesmo assim, foi extraditada para ser executada nas câmaras de gás no holocausto dos judeus, ciganos, comunistas, socialistas, homossexuais e outras minorias, ocorrido durante a Segunda Grande Guerra Mundial.

    Desta forma, em 30 de novembro de 1952 nasci e recebi o nome de uma revolucionária judia, alemã, de classe média alta, que se apaixonara pela causa operária e, posteriormente, pelo líder comunista brasileiro, Tenente/Capitão/Coronel do Exército Brasileiro que também liderou o Movimento Tenentista opositor do governo de Epitácio Pessoa, desde 1920 a 1927¹⁸; e a Coluna Prestes.

    Zélia, a caçula, nascida em abril de 1955, em Salvador, Bahia recebeu este nome em homenagem a uma companheira das lutas dos operários de Salvador, Zélia Magalhães, por sua coragem e atuação nos comícios, tendo salvado, certa vez, um outro companheiro enrolando-o na bandeira do Brasil no momento em que ia ser agredido e levado preso.

    E é pelo motivo de cidadãos brasileiros não serem atacados ou presos, por estarem envoltos na bandeira nacional brasileira, que desde o ano de 2013 assistimos às pessoas do movimento político da direita e ultradireita se apoderarem do nosso amado pavilhão e comparecerem aos comícios e passeatas como se a bandeira da nação lhes pertencesse somente; para eles praticamente vestirem-se com a bandeira nacional e com as cores oficiais de nosso país não é uma questão de nacionalismo, é estratégia.

    Em 1955, pouco antes do nascimento de Zélia, papai fora preso em Amargosa, Santo Amaro da Purificação, Bahia, quando tentava organizar o sindicato canavieiro, em companhia de outros trabalhadores e estudantes. Desconfiados daqueles homens reunidos em uma casa, onde alguns deles acordavam tarde (para os padrões dos trabalhadores que se levantavam pela madrugada) e iam tomar banho em um rio próximo, moradores os denunciaram à polícia e todos foram presos.

    Percebendo que ia ser atingido pela baioneta do fuzil de um soldado, papai informou que não se tratava de um grupo de ladrões e, sim, de sindicalistas e comunistas que ali estavam para organizar o primeiro sindicato dos trabalhadores canavieiros de Santo Amaro.

    Com esta informação da palavra comunista. o comandante daquele grupo segurou o braço do soldado e o impediu de atravessar meu pai com a baioneta do fuzil. Papai e o comandante evitaram uma chacina porque aquele homem entendeu que se tratava de movimentação política e não de criminosos comuns. O grupo todo foi preso, levado de volta para Salvador e papai foi colocado em uma cela onde se encontrava um cidadão louco. Papai não dormiria no receio de ser morto. Uma semana depois retornava para casa, muito abatido e aterrorizado. Minha irmã Zélia nasceu e a polícia passou a dar batidas em nossa casa, encontrando uma espingarda velha., segundo relembrou meu irmão Walter, há dois anos, em rememoração do passado na residência de mamãe. A partir deste evento papai não mais possuiria arma de espécie alguma, apesar de meu avô ser ferreiro e saber construí-las. Por este motivo, mamãe implorou que ele fugisse para o Estado do Rio, hoje Estado do Rio de Janeiro, onde já se encontrava residindo seu irmão Bastinho.

    Segundo as palavras de minha professora de Técnicas de Pesquisa Histórica - do Curso de Graduação em História, na Universidade Federal de Alagoas – UFAL - também ela oriunda de família paraibana, O nordestino é armado. É natural no Nordeste se possuir armas. O Nordeste possui ferreiros.. Minha professora chama-se Clara Suassuna Fernandes, neta do Presidente João Suassuna e sobrinha do professor, advogado, romancista, ensaísta, dramaturgo e poeta Ariano Suassuna. Quando ela fez esta citação sobre ferreiros, em 1996, numa conversa sobre violência urbana e controle de armas, imediatamente lembrei de meu avô que construíra e consertara armas nas suas distantes cidades Picuhy ( na grafia antiga) e Santa Rita.

    Já se haviam passado cinco anos da chegada de meus pais à minha cidade e meu tio, que era motorista de estrada.¹⁹, atualmente dito caminhoneiro, encantara-se pelo estado onde poderiam comprar um terreno e cavar um poço no fundo do quintal., segundo os relatos de mamãe.

    Em Salvador ninguém era proprietário à época e a água, utilizada para todos os afazeres domésticos, era comprada aos vendedores que iam com jumentinhos carregados com caçuás.²⁰ buscá-la nas fontes naturais da cidade. Mamãe conta que Walter escapava à sua vigilância e ia passear nesses caçuás, sendo colocado neles pelos vendedores de água de tão grande que era.

    Mamãe ficaria sozinha em Salvador, com cinco filhos menores, sendo uma recém-nascida e eu quase à morte por uma conta de bronquite asmática. Dos relatos maternos sobre esta época, soube que eu desmaiava e parecia morta, obrigando mamãe a sair às pressas para o posto de saúde mais próximo. E isso aconteceu mais de uma vez sem que houvesse explicação por parte dos médicos. Porém, em se tratando de residirmos em Salvador, talvez os médicos não quisessem falar. Falta-me aqui o emoji do risinho tímido.

    Mamãe conta que moramos em residências que haviam sido casas de candomblé.²¹ e, por esse motivo, ela se sentia muito mal em algumas ocasiões. Mas, hoje sabemos que, além das influências das energias espirituais dos orisàs e dos moradores anteriores, há outros motivos: estresse, as visitas da polícia política, traumas, depressão, alimentação precária e a situação quase impossível de prover a sobrevivência das filhas, do filho e de si mesma.

    Papai viajou com um grupo daqueles companheiros de militância e trabalho, de quem nunca ouvimos os nomes, em uma noite do mês de abril, participando de uma cerimônia do povo do candomblé.²², para que a viagem corresse sem empecilhos. Deve ter sido um ritual chamado comumente de ebó.²³ ou sacudimento.²⁴, para tirar más influências, energias negativas ou negatividade e de abertura de caminhos.²⁵. Papai, há poucos anos, contou-me que fizeram umas coisas e passaram um frango neles e acenderam velas e cantaram. E ele não entendeu nada, nem sabia que os companheiros eram daquilo.²⁶.

    Seguindo a pé para o Estado do Rio, o grupo realizava trabalhos temporários para adquirir os meios de se alimentarem e continuarem a viagem. Foi assim que se viram, certa feita, aprisionados em uma fazenda, de onde só conseguiram escapar fugindo à noite. Trabalho escravo nunca deixou de acontecer no Brasil e atualmente, a considerar-se as notícias, parece estar mais fortalecido e atuante, segundo postagens do Sindicato dos Fiscais do Trabalho, na rede social Facebook, neste ano de 2020.

    Neste trecho ocorreu uma passagem de tempo de meses, pois, devido a mal-estar que se foi intensificando, fui submetida a uma cirurgia abdominal que valeu por quatro e só consegui retomar as anotações na data abaixo.

    Também ontem, 12 de julho de 2021, a revista televisiva Fantástico, da Rede Globo de Televisão, noticiou a libertação de mais quinze trabalhadoras domésticas, só neste ano, encontradas em situação de trabalho escravo. E uma delas com 38 anos de serviços prestados sem direito a remuneração, estudo e lazer, pois, foi entregue pela família ainda criança, sob a promessa de ser educada e bem tratada.

    Este episódio das lutas dos trabalhadores canavieiros e operários das fábricas da Bahia encontra-se registrado nos documentos do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, através de jornais da época, e foi objeto de pesquisa de uma filha de uma das personagens envolvidas neste drama e que é a senhora Arany Santana, atual Secretária de Cultura da Bahia, segundo relato de uma recente companheira do movimento espírita denominado Caravana da Fraternidade Espírita Leopoldo Machado – CAFELMA - a senhora Maria do Carmo Farha Mascarenhas, residente em Salvador, Bahia. Este grupo compõe-se de espíritas que se reúnem anualmente, em alguma cidade dos estados do nordeste para confraternizarem-se e realizarem visitas e doações a entidades espíritas que desenvolvam trabalhos de ação social.

    Particularmente, entrei em contato com este grupo por participar de atividades de palestras e costuras na União Espírita Deus Amor e Caridade – UEDAC – onde são produzidos conjuntos de roupinhas de bebê e de outros itens necessários à higiene das crianças nascidas nos lares mais humildes da nossa cidade, como forma de agradecimento por todo o socorro recebido por mim mesma e toda minha família nos momentos mais difíceis em Salvador.

    Três meses mamãe passou em agonia, esperança e desespero aguardando por notícias de papai. Quando não foi mais possível pagar o aluguel, mamãe se transferiu conosco para a residência mínima, humilde e amorosa daquela pessoa que eu ouviria mamãe se referir até hoje como um anjo que Deus botou no meu caminho, minha madrinha Dona Ló.: Rosália Alves Neri, uma jovem senhora alagoana de Palmeira dos Índios, casada e mãe de duas filhas – Lalá e Marieta - nos abrigou por mais de um mês em sua residência nos alagados.²⁷, em Salvador.

    Por diversos momentos, em nossas vidas, percebi a influência, declarada ou não, de pessoas importantes e conhecidas na sociedade. Assim é que, há uns seis anos, soube - através da biografia produzida pela escritora Ana Landi - que o mais famoso médium brasileiro, vivo ainda, sentava-se às tardes e orava ao Criador e

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