Caboclinhos: Subsídios para a Salvaguarda e Pesquisa
De Sandro Guimarães de Salles, Washington Guedes de Souza, Climério de Oliveira Santos e Lucas Oliveira de Moura Arruda
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Sobre este e-book
(música-dança) principalmente durante os dias de carnaval. Os artigos aqui reunidos partilham do interesse em contribuir para novas pesquisas sobre o tema, para ações voltadas à valorização e à salvaguarda do caboclinho, bem como para a melhoria da qualidade de vida dos seus participantes, questão ainda pouco discutida nas políticas patrimoniais vigentes.
Os sentidos etnocoreológicos dos corpos que dançam; uma caminhada pelas ruas da cidade de Goiana, acompanhando um bode, em um contexto marcado pela religiosidade; a criança que brinca com os instrumentos musicais e logo se integra ao grupo; a dificuldade e a burocracia impostas aos grupos de caboclinho para recebimento de um cachê artístico; a autocrítica do pesquisador enquanto alguém que afeta e é afetado pelo grupo observado, entre outras imagens e questões que atravessam os artigos aqui reunidos são janelas para um cenário de resistência e criatividade. Ao descrever o caboclinho no primeiro quartel do século XXI, o livro apresenta um mosaico amplo e diverso, ainda assim incompleto e inconcluso, diante da grandiosidade e complexidade dessa manifestação cultural, que é uma das mais expressivas da faixa litorânea do Nordeste oriental.
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Caboclinhos - Sandro Guimarães de Salles
Sumário
CAPA
OKÊ CABOCLO! CALÇOS, PERCALÇOS E MAIS APRENDIZADOS EM FAVOR DA MEMÓRIA CULTURAL
Sandro Guimarães de Salles
Lucas Oliveira de Moura Arruda
NOTAS SOBRE A RELIGIOSIDADE NO Caboclinho DE PERNAMBUCO: O CASO DA caçada do bode
Sandro Guimarães de Salles
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OS CABOCLINHOS DE GOIANA E A CAÇADA DO BODE – UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Severino Vicente da Silva
CADERNO DE FOTOS
SOBRE OS AUTORES
SOBRE OS ORGANIZADORES
CONTRACAPA
Caboclinhos
subsídios para a salvaguarda e pesquisa
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
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Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Sandro Guimarães de Salles
Washington Guedes de Souza
Climério de Oliveira Santos
Lucas Oliveira de Moura Arruda
(org.)
Caboclinhos
subsídios para a salvaguarda e pesquisa
À memória de
Zé Alfaiate (1924-2016), fundador do Caboclinho 7 Flexas do Recife;
Juracy Simões (1945-2015), liderança do Canindé do Recife;
Mestre Nelson (1949-2019), liderança do União 7 Flexas de Goiana.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todos os grupos de caboclinhos pesquisados em Pernambuco e às Tribos de Índio pesquisadas na Paraíba: Tribo de Índios Tupi Oriental (Recife/PE), Agremiação Carnavalesca Tribo Indígena Caboclinho Tainá (Recife/PE), Clube Carnavalesco Tribo Indígena Kapinawa (Recife/PE), Caboclinhos Tapuya Canyndé Goiana (Goiana/PE), Caboclinho Potiguares (Goiana/PE), Caboclinhos Flecha Negra da Tribo Truká (Goiana/PE), Caboclinho Tupynaê (Goiana/PE), Caboclinho Tupynambá (Goiana/PE), Caboclinho Carypós (Goiana/PE), Caboclinho 7 Flexas de São Lourenço (São Lourenço/PE), Tribo Caboclinho Canindé de São Lourenço (São Lourenço/PE & Recife/PE), Tribo Tupi Guarani de Camaragibe (Camaragibe/PE), Caboclinho Canindé de Camaragibe (Camaragibe/PE), Tribo Caboclinho Canindé (Jaboatão dos Guararapes/PE), Tribo de Índio Canindé Brasileiro (Itaquitinga/PE), Caboclinho Vaporá (Cabo de Santo Agostinho/PE), Caboclinho do Cabo Chibo (in memoriam) (Cabo de Santo Agostinho/PE), Tribo Indígena Carijós (Olinda/PE), Clube da Tribo Tapajós (Tribo) (Olinda/PE), Clube de Índios Tupi Guaranis (Olinda/PE), Caboclinho Sítio Melão (Bom Jardim/PE), Caboclo do Alto de São José (Bom Jardim/PE), Tribo Índio Canindé (ltambé/PE), Tribo Águia Negra (ltambé/PE), Caboclinhos de Ceará Mirim (Ceará-Mirim/RN), Tribo Indígena Tupinambá (João Pessoa/PB), Tribo Tupy Guanabara (João Pessoa/PB) e Tribo Indígena Tupi-Guarani (João Pessoa/PB).
Agradecemos às autoras e aos autores dos artigos que compõem este livro, pela gentileza de terem cedido seus textos; à professora e etnomusicóloga Alice Lumi Satomi, pela generosidade de ter prefaciado o livro; a Felipe Peres, que cedeu gentilmente algumas de suas fotos de grupos de caboclinho de Pernambuco.
Agradecemos à Naara Santos, que contribuiu significativamente na elaboração do projeto; a Delbert Lins, do Estúdio Gusdel, pelo processo meticuloso de gravação do audiobook; a Ruy Sarinho e à Letícia Sarinho, pela entusiasta assessoria de imprensa; à Célia Verônica Freitas Coutinho e a Giovanni Bernardo, pelo cuidadoso trabalho frente à contabilidade do projeto; aos funcionários do Funcultura, da Fundarpe e da Secretaria de Cultura-PE. A Maria Oliveira, pelo apoio fundamental na produção executiva. Por fim, a todos e todas que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste projeto, nosso muito obrigado.
PREFÁCIO
OKÊ CABOCLO! CALÇOS, PERCALÇOS E MAIS APRENDIZADOS EM FAVOR DA MEMÓRIA CULTURAL
Nas primeiras linhas, permito-me uma digressão, tentando passar o quanto o tema dos caboclinhos tangencia na minha trajetória artística e acadêmica. Ao ler este trabalho, sinto-me realizada e, ao mesmo tempo, percebo o quanto não sabia a respeito. E quando vejo a responsabilidade em prefaciar uma obra de tal grandeza e qualidade sobre o assunto, a escrita emperra.
Era 1977, quando ouvi pela primeira vez os toques dos cabocolinhos, através do LP Instrumentos Populares do Nordeste, da coleção Marcus Pereira, aquela sonoridade do solista, com sotaque ímpar em seus ornamentos, a destreza e o potencial criativo nas variações me fascinaram, e mais ainda quando soube do enredo daquela dança dramática
x cultura dominante. Na época, colecionava os vinis da cultura brasileira, com predileção na música armorial e das bandas de pífanos, talvez, no esteio da preferência pela música absoluta
instrumental, arraigada pela formação pianística para música de concerto. No final daquele mesmo ano, tive a satisfação de conhecer, pessoalmente, o Quinteto Armorial, responsável por despertar o gosto pela música nordestina, também pelo viés camerístico, cujo líder, Antônio Madureira, fora o compilador e escritor daquele LP.
Era 1978 e pude assistir à gravação em estúdio do Toque dos Cabocolinhos, executado por Fernando Pintassilgo, no terceiro LP do Quinteto Armorial. Sua gaita e toque reverberavam aquela referência do grupo dos Cahetés, de Goiana, com os toques de perré, guerra e baiano. Em 1980, pude presenciar, num encontro da SBPC, a apresentação da proposta etnopedagógica Iniciação à música do Nordeste através dos seus instrumentos e toques populares
, pelo próprio autor Antônio Madureira (ver referências em Climério Santos).
Após 1985, o toque dos caboclinhos tornou-se uma experiência de palco, pois fazia parte do repertório dos grupos Etnia — que Sandro Guimarães chegou a integrar, a partir de 1991 — e Iakekan (2013-2019) — que Marta Sanchís integrou, a partir de 2015. Na gravação do LP Canto Cereal (Etnia, 1992), Fernando Pintassilgo toca a gaita improvisada, à maneira dos Cahetés; Paulo Ró toca o tambor no ritmo do perré, à moda pessoense; Milton Dornellas e eu, no ganzá e preaca, o ponto em comum, acho, dos toques de Pernambuco e da Paraíba. E nessa versão de estúdio, a intenção era manter o efeito de vir surgindo e terminar sumindo, como se fosse reproduzir a paisagem sonora na passarela do carnaval tradicional.
Era 1995. Tendo em mãos aquela rara apostila datilografada de Madureira, com vistas a escrever um artigo sobre os caboclinhos para uma disciplina do mestrado na UFBA, reuni a literatura com etnografia musical, de Guerra Peixe (1966), antropológica, de Katarina Real (1967), e sociológica, de Cecília Mariz (1976), referenciados, sobretudo, no capítulo de Climério. Terminei desviando do intento, pois a ancestralidade asiática acabou puxando mais forte nas escolhas temáticas. Entretanto, a trajetória acadêmica tem oportunizado alguns retornos ao assunto, ao participar da banca de Climério Santos, em 2008, e de Marta Sanchís, em 2013.
Só em 2016, incentivei o grupo de iniciação científica para participar do II Fórum de etnomusicologia da UFPB, em homenagem a Sivuca. Parte do artigo analisou o aspecto timbrístico da música Pau doido, do compositor homenageado, que, após um prelúdio tristonho, utilizou o ritmo de guerra. Assim, pudemos atualizar ou registrar na página do projeto Brazil Instrumentarium os verbetes gaita, tambor, ganzá e flecha de índio, ou preaca. Neste, foi preciso criar a subcategoria estalejada, nos idiofones de ação indireta.
E, neste agraciado momento, essa honra de prefaciar este livro, que reúne pesquisadores de alta qualidade, das áreas de antropologia, etnomusicologia, etnocoreologia e história. Muitos deles — assim como os organizadores do livro —, Marta, Maria Acselrad e Leonardo Leal, foram alunos de Carlos Sandroni, primeiro presidente da Associação Brasileira de Etnomusicologia (Abet) e fundador da Associação Respeita Januário. Esta foi responsável pelo processo de patrimonialização dos caboclinhos, já coordenado por Sandro Guimarães. Os autores e autoras estão envolvidos na Associação, e Leonardo Leal define melhor a finalidade. No lugar de Sandroni, sentiria um orgulho imenso dessa geração fermentada de respeito e ética no campo e muito bem sedimentada nas articulações teóricas, trazendo uma consistência científica. O corpus teórico tende a trilhar em um terreno mais firme, que cada vez mais me convence. É o da disciplinaridade na interdisciplinaridade. Explicando melhor, mesmo nas abordagens nascidas na interdisciplinaridade, como as etnomusicológicas e etnocoreológicas, existe um eixo comum ancorado em disciplinas que vieram antes e fornecem uma credibilidade maior, como antropologia e história.
As primeiras palavras do autor de Notas sobre a religiosidade no caboclinho de Pernambuco
vão compondo as cores, os sons, as pessoas, seus valores e motivações, com pincéis de religiosidade e moldura de tradicionalidade, na segunda madrugada do dia de carnaval em Nova Goiana. Quase um haikai, é uma pintura que desperta sensações, emoções e revela a importância da manifestação cultural resiliente de um coletivo rural, por meio de suas crenças. Esse tom poético e sensível confirma o quilate da batuta do coordenador do Laboratório de Antropologia, Arqueologia e Bem-Viver, Sandro Guimarães de Salles, fazendo jus à religiosidade como verdadeira protagonista, invisível aos olhos de quem enxerga apenas a espetacularização dos caboclinhos ou tribos de índio na passarela do desfile carnavalesco. Ao ler essas notas, a lição que fica (para muitos como nós do palco) é que embora a celebração tenha uma intenção paternalista de dar visibilidade
ou resgatar a cultura
da rua ou dos oprimidos, acabamos por enfatizar a festa-espetáculo
, superficializando a festa-participação
, em que acontece o calço do caboclo
juremeiro.
Perseguindo as matizes afro-brasileiras, Jaqueline de Oliveira nos apresenta as categorias nativas, como manobras da dança
, que adotam terminologias dos concursos, tais como coreografia
e evolução
, mostrando a sujeição aos parâmetros da cultura hegemônica. Sua abordagem não se restringe apenas à cena da passarela, mas esclarece sobre a representação indígena no terreiro. Jaqueline reforça a abordagem de Leonardo, quanto a fruições e fricções
entre o pesquisado e o pesquisador na área artística, acadêmica ou do poder político.
A pisada é outro traço idiossincrático da dança dos caboclinhos da Zona da Mata Norte que Maria Acselrad analisa com profundidade e maestria. Após argumentar sobre a eficácia cinestésica
da manifestação, destaco sua assertiva de que a pisada funciona como um contradiscurso, uma resposta corporal contra-colonizadora, que descoreografa modos hegemonicamente aceitos de se dançar caboclinho. E a reflexão final, de que, ao dançar a pisada os caboclinhos nos ensinam que onde se faz a festa também se faz a guerra pelo reconhecimento da alteridade, como forma de resistir às políticas institucionalizantes de seus movimentos.
Marta Sanchís atravessou o Atlântico com a convicção de cursar Etnomusicologia na UFPB e resolveu pesquisar a tribo
dos Tupynambás, de João Pessoa, e aqui ficou. Seja na área da educação musical, pesquisa ou performance, ela trabalha com muita seriedade, objetividade, franqueza, não só de credibilidade científica, pelas escolhas metodológicas, mas também de consistência humana e sensível no trato e envolvimento com o sujeito da pesquisa, sem perder o distanciamento na hora da descrição e análise. Em seu trabalho, ela notou que não se pode aprender a música dissociada do todo indivisível (também elucidado por Acselrad) e remarca a conduta coletivista. Para aquela peculiaridade individual de variações melódicas de cada gaiteiro, o coletivo adotou, também, a nomenclatura ética — ou, talvez, do modus operandi das normas do concurso — de chorinho
.
Leonardo Leal, um pesquisador atuante na Associação Respeita Januário, coloca-nos a par do processo da salvaguarda dos caboclinhos como patrimônio imaterial, por uma equipe de pesquisadores capitaneada por Guimarães, muito bem alicerçada em orientações antropológicas. Apesar dos percalços entre pesquisador, esferas governamentais e os sujeitos, as reflexões do autor, com foco sobre os dilemas e desafios da tarefa, nos ensinam sobre cautelas e uma exemplar ação de antropologia aplicada e de pesquisa multissituada
, bem-sucedida.
Desde a graduação, Climério destacava-se como aluno e seu estudo sobre os Canindés já mostrava uma inserção de papel ativo. Em sua defesa de mestrado, já havia observado a