Corpo a corpo com o texto na formação do leitor literário
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Sobre este e-book
Este livro procura contrastar um olhar excessivamente categorizante sobre o fenômeno literário por vezes presente em sala de aula com uma perspectiva que prioriza um contato efetivo com o texto. A experimentação da leitura do texto no ensino de literatura permite que o aluno leitor, não somente atravesse a obra, mas principalmente seja atravessado por ela. Quando um texto literário em algum momento estremece o leitor, acontece algo mais do que conhecer o que se leu. Ocorre, aí, uma convocação dos sentidos, um frêmito, uma relação da qual não se pode escapar ileso.
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Corpo a corpo com o texto na formação do leitor literário - Eliana Kefalás Oliveira
Coleção Educação Contemporânea
Esta coleção abrange trabalhos que abordam o problema educacional brasileiro de uma perspectiva analítica e crítica. A educação é considerada como fenômeno totalmente radicado no contexto social mais amplo e o textos desenvolvem análise e debate acerca das consequências desta relação de dependência. Divulga propostas de ação pedagógica coerentes e instrumentos teóricos e práticos para o trabalho educacional, considerado imprescindível para um projeto histórico de transformação da sociedade brasileira.
Conheça mais obras desta coleção, e os mais relevantes autores da área, no nosso site:
www.autoresassociados.com.br
Corpo a corpo com o texto na formação do leitor literário. Eliana Kefalás Oliveira. Editora Autores Associados Ltda.Copyright © 2023 by Editora Autores Associados Ltda
Todos os direitos desta edição reservados à Editora Autores Associados Ltda
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Kefalás, Eliana.
Corpo a corpo com o texto na formação do leitor literário [livro eletrônico] / Eliana Kefalás. -- Campinas, SP : Editora Autores Associados, 2023. -- (Coleção formação de professores)
ePub
Bibliografia.
ISBN 978-85-7496-461-4
1. Hábito de leitura 2. Leitura - Promoção 3. Literatura - Estudo e ensino 4. Leitores - Formação I. Título II. Série.
23-158353 CDD-370.1523
Índice para catálogo sistemático:
1. Formação de leitores : Educação 370.1523
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- CRB-8/9253
Conversão ebook – Bookwire
junho de 2023
[versão impressa: 1. ed. jun. 2012, ISBN 978-85-7496-293-1]
EDITORA AUTORES ASSOCIADOS LTDA.
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Conselho Editorial Prof. Casemiro dos Reis Filho
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Carlos Roberto Jamil Cury
Dermeval Saviani
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Maria Aparecida Motta
Walter E. Garcia
Diretor Executivo
Flávio Baldy dos Reis
Coordenação Editorial
Érica Bombardi
Revisão
Cleide Salme Ferreira
Aline Marques
Rafaela Santos Lima
Anna Cláudia Violin
Capa
Maisa S. Zagria
Diagramação
Percurso Visual Editorações
Capa
Maisa S. Zagria
Imagem disponível em photos.com
Produção do livro digital
Booknando
Àqueles que gostariam,
mas não tiveram a chance,
de aprender a ler.
Agradecimentos
O corpo das palavras deste livro está tatuado pelo encontro precioso com diversas vozes: professora Suzi Frankl Sperber, minha querida orientadora de doutorado, por sua atenção tocante, suas palavras precisas e pelo seu olhar macio; professores Haquira Osakabe (em memória) e Lilian Lopes Martins da Silva, pela presença constante nos meus percursos de pesquisa, questionamentos e curiosidades; professor Jorge Larrosa, por me acolher em sua terra e em suas palavras; professora Naíza, por compartilhar suas investigações tão intensas sobre os sentidos do corpo e das palavras; professora Jussara Miller, por enraizar em mim o mundo da dança; Fátima Estelita, por fazer meu mundo encantar nas alturas desbravadoras da voz, por todo apoio, toda graça, tanto amor; meus queridos pais, irmãos, afilhado e sobrinhos, por tudo que nos reúne, acalento de existência.
Sumário
Capa
Créditos
Prefácio: A palavra encantada
Apresentação
Palavras entre palavras, escrituras em ensaios
Sobre a composição dos ensaios
Nota introdutória: Um ponto de partida para o ensino de literatura
Concepção informativa e contato com o texto no ensino de literatura
Algumas experiências de leitura
Primeiro ensaio: A leitura no âmbito da experiência
Linguagem, informação e experiência
Experiência e transformação
A concretude da experiência, o território da leitura
Linguagem da experiência: a força das palavras
Leitura, literatura e ensino como metamorfose
Segundo ensaio: No seio da palavra literária, o gozo
Literatura como provocação
Brio do texto
No gozo, a língua
Literatura e pulsão
Terceiro ensaio: Leitura, vocalidade poética e performance
No corpo do leitor
Entre o oral e o escrito, a performance
Leitura em voz alta
Leitura silenciosa, recepção e performance
Entre o texto e o corpo em movimento
Um passeio por Klauss Vianna
De volta a Manoel de Barros
Entre o homem e o menino
Urdidura do fim
Palavras em cena
Referências
Sobre a autora
Notas
Prefácio:
A palavra encantada
Consciente dos problemas que vêm caracterizando o ensino de português na escola de nível fundamental, médio e mesmo, em certa medida, ou em alguns casos, no superior, Eliana Kefalás relata as dificuldades encontradas na abordagem do texto literário. No lugar de ser objeto de prazer e de permitir o desenvolvimento espiritual, a literatura transformou-se em problema, complicação, objeto de temor. Tanto a literatura erudita como a popular são antes evitadas, na escola, que procuradas. Exigida a leitura de alguns livros em vestibulares como os da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(Unesp), rapidamente surgem resumos e facilitações em alguns sites para ajudar
o estudante. Declaradamente são resumos que só servirão para quem tiver lido os livros. Mas a tentação é grande e os hábitos de falta de leitura resultam em que tais sites sejam muito sedutores e pareçam ter a informação necessária para responder às questões eventuais sobre aquele livro. Sem considerar que as questões em algumas provas de vestibulares são formuladas de maneira que dispensam a leitura de tais livros, havendo a citação de um trecho a ser analisado, comparando-o com outro trecho de outro romance.
Esse exemplo reforça as observações de Eliana sobre a pressa, a busca de informações; oposto, radicalmente, ao que a leitura de um texto literário produz: experiências, sensações, ativando as percepções do corpo por meio do corpo.
Os próprios exemplos levantados no presente texto são saborosos, iluminados e – à medida que o texto e o estudo a seguir permitem – pode-se inclusive ter experiências diferentes das narradas, com a tranquilidade de que essa diversidade de olhares e apreensões é garantida, possível e desejável. Ao citar um episódio do livro Rua de mão única, de Walter Benjamin, Manhã de inverno
, lemos sobre a criança que desperta vendo o fogão a lenha e uma maçã colocada entre as brasas, e que servirá para o seu café da manhã. A maçã que muda de cor, os aromas que se espraiam, a memória de outras manhãs e de outras maçãs implícitas, simbolizam a experiência, sim. É seu ícone. A experiência, contudo, expande-se em palavras, sabores, cores, aromas, e transforma-se em uma viagem através do escuro país do calor do fogão, da qual a maçã havia recolhido o aroma de todas as coisas que o dia pusera à minha disposição
. A experiência é feita de recolha de experiências paralelas no passado e se lança para o futuro. Mescla cansaço, despertar, luzes, cores, promessas. Disso é feita a literatura. Mas para tal é preciso estar aberto e de corpo presente, diz Eliana. E assim ela caminha entre nuances importantes do tempo, da informação e experiência, da leitura como ato vivo, quente, que se dá no presente da leitura.
E como favorecer a experiência no ato de leitura, se existe uma tendência ao engessamento, à automação das ações, e o temor do texto, da dificuldade (fantasiada) do texto, dificuldade esta que reside, em sua beleza, no uso ímpar da linguagem? Existe uma forma de ensinar
a experiência? Sem dúvida, não! Mas basta estar aberto para o mundo, entendido como escrita
, como disse Walter Benjamin – e como disse nosso Paulo Freire, basta ler o mundo
. Ler o mundo como quem lê uma narrativa ou um poema é o que se abre para a experiência. E quando Eliana diz O professor não dá o sentido, mas cuida, procura que seus alunos o imaginem, ou o inventem
, essa frase lembra muito, com pertinência e novidade, o que dissera Paulo Freire (1997, p. 19):
[...] ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observando a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos.
A novidade de Eliana é que ela vê para além da reciprocidade necessária na relação professor-aluno: ela sublinha a palavra apreendida como metamorfoseada. O encanto dessa metamorfose é a magia, a alegria da descoberta, a descoberta da qual também o leitor é criador.
Num texto rigoroso, mesmo falando sobre o gozo da palavra, citando Roland Barthes, Ovídio, Vatsyayana, o ensaio levanta um universo vasto de referências que confirmam as hipóteses formuladas pela autora. Ela passa tanto pela sedução e o prazer que a palavra provoca, como pelo poder da palavra, que Barthes nuança colocando-o entre a força, o constrangimento e o jogo com as palavras – subversivo, detonador de modismos, inovador, brincalhão –, e aí investido de um poder de sedução em que os sentidos se expandem, metem-se em frestas e ao mesmo tempo emitem seus raios.
As gradações entre prazer e gozo do texto, da palavra, da linguagem, são tematizadas com sutileza, cuidado, prudência e brilho. As recomendações para o gozo do corpo não são tão diferentes que as ações necessárias para o gozo do texto literário, da palavra poética, em poesia ou prosa: tardar, continuar, voltear, demorar-se num gesto
. Devemos entender o gesto da leitura e a respectiva necessidade de que a aproximação a um texto literário não deve ser nem abrupta, nem apressada, nem impaciente. Em meio a uma escrita prazerosa para nós, leitores, Eliana tece a sua argumentação a respeito do imperioso reconhecimento da ligação entre enunciação e jogo cênico, entre o jogo com as palavras e a criação efabulativa e o valor de atribuição de sentido à experiência, nunca definitivamente compreendida, visto que sua forma varia e sua compreensão se dá na expressão, na audição, na recepção e novamente na enunciação.
O jogo cênico corresponde à performance. Mesmo que Eliana pressuponha a possibilidade de uma leitura aleatória de cada ensaio, prestando atenção notamos que existe uma trajetória reflexiva e argumentativa rigorosa, mesmo sendo livre e bela. Assim, da performance a autora chega à sua proposta, que veio experimentando em diversos cursos, em diversos níveis, com êxito e imenso prazer dos participantes: a vocalização de textos, em um diálogo interpretativo. O exemplo dado ao mesmo tempo é memória e testemunho, sem deixar de lado a interpretação, que ondula, caminha, modula. E propõe a variação, o desafio, o enfrentamento com o texto, que não é nem óbvio, nem fácil, precisando ser recriado a cada vez, quer pela vocalidade poética, quer pela leitura silenciosa, porém intensa, atenta a cada brecha, a cada percalço, vendo-os como desafios ricos a liberarem associações de sentido. A leitura é transformada em experiência estimulante e inquietante. Como também a leitura destes ensaios de Eliana Kefalás Oliveira, que chega até os movimentos, a dança, a busca, na contramão das falas apocalípticas sobre o mundo atual e suas misérias tecnológicas, o obnubilamento das mentes, sua escrita e proposta são a do encantamento, que acredito poderá ser compartilhado pelos leitores deste livro.
Suzi Frankl Sperber
Apresentação
Desconsolada, na aula de literatura no ensino médio, eu via cada um dos escritores presos na estrutura cronológica de escolas literárias, desenhada no quadro-negro, desprendendo-se e despedindo-se de nós, antes que pudéssemos sequer tocá-los. Saíam da sala desacreditados, cansados. Suas palavras ali acuadas no livro fechado sobre a mesa permaneciam paralisadas, semimortas, saudosas de corpo humano, de jato de sangue em suas carnes. Nós, professora e alunos, exilados de nosso corpo, não podíamos tateá-las, as palavras, roçar nossa língua nelas, trazê-las de volta à movência do mundo. A leitura, quando havia, era desinteressada, meio fria, faltava-lhe calor.
Em outro tempo, depois de anos, quando voltei para lecionar naquela mesma escola, os livros não paravam fechados, as palavras não se acomodavam lá dentro, pulavam diante de nossas vistas querendo a surpresa que dá no corpo agitado. Lembro-me bem do poema Tragédia no lar, de Castro Alves. Na sala não havia mais cadeiras nem carteiras, uma aluna dizia a dor da mãe cujo filho lhe era roubado pelo senhor das terras. E um grupo cantava ecoando em coro aquela mutilação. As letras inscritas no papel, quando caíam no sangue, viravam notas musicais, compostas na pauta daquele poema.
Ler um texto literário pode ser algo atraente, quase sensual, uma experiência de sensações, quase tátil. Ler um texto literário pode ser uma atividade escolarizada, fragmentada, uma prática essencialmente analítica, informativa, cujo objetivo último seria o de classificar autores e obras, explicitando relações contextuais. É possível, ainda, ler um texto ou uma obra literária procurando investigar aspectos acerca do autor, de uma época, estudar relações entre diferentes livros, gêneros.
São infindáveis as possibilidades de contato. Interessa saber que cada forma de aproximação prioriza determinado olhar acerca do fenômeno literário, determinado viés teórico e metodológico na relação que se estabelece com o texto. Muitas vezes, no ensino de literatura ou em análises de textos literários, não se leva em conta que essas práticas estejam atravessadas por concepções acerca da própria literatura e da linguagem em geral. Entretanto, essas perspectivas norteiam não somente experiências pessoais, mas também paradigmas educacionais e socioculturais. O desafio aqui é o de percorrer nestas páginas uma determinada perspectiva sobre o texto literário e a leitura, tão enfatizada hoje em alguns dos documentos de referência nacional sobre o ensino de literatura: a priorização na sala de aula do contato efetivo com o texto literário¹.
Palavras entre palavras, escrituras em ensaios
Alguns conceitos e algumas perspectivas teóricas, além daquelas referentes aos estudos literários, mostraram-se, no decorrer deste estudo, interessantes para a composição de uma perspectiva que priorize o contato com o texto no ensino de literatura: noções tanto da filosofia quanto das artes corporais contribuíram para se pensar sobre e também para se trabalhar um corpo a corpo com o texto literário.
É bem verdade que essas incursões por áreas não especificamente atreladas aos estudos literários acabam sendo arriscadas; ou seja, inevitavelmente corro o risco de deixar lacunas conceituais no texto ou ainda de não mergulhar de forma abrangente