Tempo-memória & Desmemórias
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Tempo-memória & Desmemórias - Ana Maria Haddad Baptista
Ana Maria Haddad Baptista
Tempo-memória & Desmemórias
São Paulo | Brasil | Setembro 2017
1ª Edição
Sumário
Capa
Conselho Editorial:
Prefácio
PARTE 1 | REFLEXÕES A RESPEITO DO TEMPO
Preliminares
Memória na Grécia Arcaica
Gênese das Musas
Musas
Musas e poetas
O Tempo dos deuses
Tempo e o eterno fluir
Platão: o tempo subordinado ao movimento
Idade Média e Eternidade: apenas uma síntese
Tempo e Espaço Absolutos
Kant: o tempo desvencilhado do movimento
O tempo é relativo
Imponderações
O tempo pode ser um deserto
O tempo pode ser um peixinho chinês
O tempo pode ser inalcançável
O presente pode ser alcançável
O tempo pode ser um abismo
PARTE II | TEMPO-MEMÓRIA E LITERATURA
Perspectivas do tempo-memória na literatura
Literatura, temporalidades e simultaneidade: ponderações importantes
Literatura, temporalidade e filosofia
Literatura, temporalidade e verdade
Escritores gregos da modernidade
1. Giorgos Seferis
2. Konstantinos Kaváfis
3. Odysséas Elytis
4. Nanos Valaoritis
5. Angelos Sikelianos
6. Kostas Varnalis (1884-1974)153
7. Takis Papatsonis (1895-1976)
8. C. G. Karyotakis (1926 -)
9. George Themelis (1900-1976)
10. I. M. Panayotopoulos (1901-1982)
11. Maria polydhouri (1902-1930)
12. Nicolas Calas (1907-1988)
13. Andonis Decavalles (1920)
14. Tassos Leivaditis (1922-1988)
15. Lydia Stephanou (1927-)
16. Kiki Dimoula (1931-)
17. Kyriakos Haralambidis (1940-)
18. Argyris Hionis (1943-)
19. Athina Papadaki (1945-)
20. Yiorgos Chouliaras (1951-)
21. Ioulita Iliopoulou (1965-)
Bibliografia Comentada
Big Time Editora Ltda.
Rua Planta da Sorte, 68 – Itaquera
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Fones: (11) 2286-0088 | (11) 2053-2578 | (11) 97354-5870 (WhatsApp)
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Blog: bigtimeeditora.blogspot.com
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Conselho Editorial:
Ana Maria Haddad Baptista
(Doutora em Comunicação e Semiótica/PUC-SP)
Catarina Justus Fischer
(Doutora em História da Ciência/PUC-SP)
Lucia Santaella (Doutora em Teoria Literária/PUC/SP)
Marcela Millana
(Doutora em Educação/Universidade de Roma III/Itália)
Márcia Fusaro
(Doutora em Comunicação e Semiótica/PUC-SP)
Vanessa Beatriz Bortulucce
(Doutora em História Social/UNICAMP)
Ubiratan D’Ambrosio
(Doutor em Matemática/USP)
Ficha Catalográfica
BAPTISTA, Ana Maria Haddad | Versão Ebook | Tempo-Memória e Desmemórias | São Paulo: BT Acadêmica | Setembro de 2017 | ISBN 978-85-9485-036-2 | 1. Educação 2. Autores Gregos. 3. Literatura Comentada. 4. Ensaios. I. Título
Ficha Técnica
Projeto gráfico: Big Time Editora | Diagramação: Marcello Mendonça Cavalheiro | Capa: José Roberto Baptista | Ilustrações: Rose Marie Silva Haddad | Revisão: Autor
À Rose Marie Silva Haddad, minha irmã. Pelas ilustrações, cintilantes, sem dúvida, vindas de inspirações das filhas de Mnemósine.
À Márcia Fusaro. Parceira de muitos anos e essencial na tradução dos poemas em língua inglesa (originalmente do grego) para a língua portuguesa.
A Abílio Gurgel. Parceiro, estudioso, que possibilita a materialização de livros.
Ao Beto.
A José Roberto, Lara Lana e Ana Carolina.
À Maria Fernanda, Fernando e Marcelo.
À Maria Eduarda (Duda)
Prefácio
AVISO AO LEITOR:
Cavalos Desmemoriados I
cavalos e indiferença
negam-se a eles (aos homens) elos (mínimos) sentimentais.
olhos viram
o que ninguém viu
memórias carregadas de pretéritos ancestrais.
rosronam raízes ressoantes
Miram-se: homens e cavalos.
mar de mundos inundados emaranhados de memórias
impedidos da confluência do fluir das
dimensões díspares do tempo.
olho de cavalo: (dores) (ancestrais)
batalhas: (navalhas)
sangue: (rios) (fluxo e refluxo)
areia: (mareia)
conquistas: (inúteis)
poeira: (cegueira)
Lamentos de ecos poéticos: Kaváfis: (de Zeus: por que dei a Peleu dois cavalos imortais que choram diante da finitude? Não percebem que os humanos são seres lamentáveis? Desgraçados!!! Não chorem!!! Chega de lamentações! Vocês estão isentos da insensatez da velhice!!!).
acossados
mergulhados numa temporalidade inalcançável
D.H. Lawrence: Eis que chegava a carruagem da noiva adornada de fitas. Alegres, os cavalos corcoveavam em direção ao portal da igreja, e todos os seus movimentos denotavam regozijo, vivacidade, satisfação.
os cavalos acossados
enterram suas frustrações
na curva de um rio
em que se desconhece
a profundidade
a frustração da impotência:
o fruir do dialogismo
de outras espécies
mergulhos imersos em restos
apenas das mágoas de
ancestrais que presenciaram.
Marie-Joulie Chamie
O que é a memória?
casa habitada só
por coisas ausentes.
Adonis
Não é o tempo que nos é interior, ou ao menos ele não nos é especialmente interior, nós é que somos interiores ao tempo e, a esse título, sempre separados por ele daquilo que nos determina afetá-lo. A interioridade não para de nos escavar a nós mesmos, de nos cindir a nós mesmos, de nos duplicar, ainda que nossa unidade permaneça. Uma duplicação que não vai até o fim, pois o tempo não tem fim, mas uma vertigem, uma oscilação que constitui o tempo, assim como um deslizamento, uma flutuação constitui o espaço ilimitado.
Gilles Deleuze
A hora em que mais eu percebia o tempo era quando fazia labirintos, o tempo ia se desenrolando nas linhas, nos bailados uniformes das mãos, repetidos, fixados como se os fios fossem as próprias mãos pensando, os fios iam prendendo os momentos, recontando os instantes, amarrando a juventude e tudo ficava perdido ali, enterrado no algodão, naquela vigília em que eu ia dando nós no pensamento e nos sonhos e nas lembranças, nos pontos.
Ana Miranda
A ficção consiste, portanto, não em mostrar o invisível, mas em mostrar o quanto é invisível a invisibilidade do visível.
Michel Foucault
Engendramos estátuas a cada momento.
Giorgos Seferis
Nunca se sentira tão feliz em toda a vida! Sem uma palavra, haviam-se reconciliado. Caminharam juntos até o lago. Teve vinte minutos de completa felicidade.
Virginia Woolf
PARTE 1 | REFLEXÕES A RESPEITO DO TEMPO
Preliminares
O tempo e a memória são categorias, sob nossa ótica, indissociáveis que envolvem múltiplos aspectos, portanto, não é tão simples defini-los, muito menos conceituá-los. Sempre se pergunta: afinal o que é o tempo? O que é a memória? O tempo é subjetivo? Ou seria objetivo? O tempo existe independente do homem? Ou será que o tempo e a memória só existem a partir do homem? Podemos pegar no tempo? Ele é palpável enquanto uma categoria física, materializada? E, finalmente, o tempo existe ou seria pura abstração? De qualquer maneira não há como fugir à temporalização. O lapso de transitoriedade humana é fatal e não deixa de nos espreitar e, sobretudo, nos aprisionar nos tentáculos da fnitude. Quando referimos a questões relativas ao tempo, obrigatoriamente, para que se tenha uma dimensão mais abrangente a respeito da questão não convém, de acordo com nossas convicções, dissociá-lo da memória. São processos intimamente comprometidos. A memória exerce duas funções: assegura a continuidade temporal, permitindo deslocar-nos sobre o eixo do tempo; permite reconhecer-se e dizer eu, meu.
¹
O tempo é considerado objetivo quando, em princípio, pode ser mensurado, medido. É o tempo, digamos assim, dos relógios, ou o tempo claramente demarcado de alguma forma. Pode-se dizer que seria o tempo submetido a algum caráter de medição. Atualmente, o tempo objetivo, inegavelmente, possui uma grande importância nas sociedades denominadas pós modernas, visto que as pessoas estão tão sobrecarregadas de tarefas (em todas as esferas) que nosso tempo nunca foi tão quantificado, tão medido.
O tempo objetivo ordena nossas vidas, impõe horários para que possamos trabalhar, almoçar, jantar, enfim é um componente que praticamente escraviza nossas vidas cotidianas. Ouçamos a grande poetisa brasileira, Cecília Meireles²:
Madrugada
O canto dos galos rodeia a madrugada
de altas torres de música chorosa.
O canto dos galos sobe do mundo
ajudando a separação da noite e do dia.
É melancólico levar a lua para longe do horizonte,
e destruir da noite estrelada as últimas flores.
O canto dos galos incansáveis sustenta a hora indecisa.
Somente o esplendor da montanha ofusca as vozes que
[plangiam.
Por que plangiam essas vozes vagarosas,
no vasto lamento, simultâneas e isoladas?
Pela noite – ainda inclinada para o ocidente em sono?
ou pelo sol – que arranca a terra ao convívio das estrelas?
O poema de Cecília Meireles, de certa forma, materializa parte do conceito do tempo denominado objetivo. Quando a autora se refere aos cantos dos galos podemos e devemos pensar que o cantar do galo, já é de consenso, anuncia,via de regra, um novo dia, uma nova manhã, o que não deixa de ser uma marcação temporal objetiva. Como se depreende do poema em referência o canto dos galos sobe do mundo
ajudando a separação da noite e do dia", o galo simboliza a morte da madrugada para um novo dia que estaria nascendo.
Outro ponto do poema é um pequeno destaque ao sol que arranca a terra ao convívio das estrelas
. O sol, conforme se sabe, sempre foi um grande medidor do tempo objetivo. Quem mora nas zonas essencialmente agrícolas. Possui uma grande facilidade para determinar as horas do dia pela posição do astro. Sabe-se que o relógio, tal como o conhecemos nos dias atuais, é praticamente uma invenção nova, visto que o tempo foi percebido e concebido de maneiras diferentes dependendo da época e das particularidades das civilizações. De qualquer forma imaginamos que os ciclos da natureza, assim como a alternância do dia e da noite, entre outras coisas, devem ter provocado um efeito considerável nas projeções dos relógios.
Ouçamos o poeta Mário Quintana³:
Ah! Os Relógios
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira-
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida-
acaso lhes indaga que horas são...
Neste poema de Mário Quintana é clara a referência à tirania dos relógios, ou seja, da objetividade do tempo cronológico. O tempo passa, inclusive, biologicamente, embora comporte aspectos qualitativos dos quais trataremos mais adiante neste livro. Nessa medida, sutilmente, o poeta condena a objetividade do tempo dos relógios. Estes registradores mecânicos, na Antiguidade, eram os relógios de água, embora até o século XIV o relógio de sol fosse o mais confiável para se marcar as horas.
De acordo com Whitrow⁴ a distinção fundamental entre o relógio e água e o relógio mecânico, no sentido estrito do termo, é que o primeiro implica um processo contínuo (o fluxo das águas através de um orifício), e o segundo é regido por um movimento mecânico que se repete continuamente.
Na verdade, não podemos perder de vista que a possível precisão dos relógios atuais, assim como a mensuração detalhada é fruto de toda uma cadeia complexa de acontecimentos e transformações pelas quais as sociedades atuais materializam. Um fato que deve ser destacado, dentre tantos outros, seria, evidentemente, que as concepções da física a respeito de tempo e espaço tiveram uma grande influência na possível e parcial convergência de marcações temporais pretensamente universais e válidas, portanto, para todo o planeta.
Conforme é de conhecimento geral, apesar de não haver muita precisão e, talvez, não fosse o momento de exigi-la, inúmeros foram os relógios mecânicos públicos que foram instalados nas grandes cidades européias no século XIV. Os mecanismos eram bem diferentes e bem mais complicados em relação aos atuais sistemas que possuímos. "Além disso, em vista da crença geral de que era necessário um conhecimento correto das posições relativas dos corpos celestes para o sucesso da maioria das atividades humanas, muitos dos primeiros relógios envolviam representações astronômicas elaboradas⁵.
O tempo objetivo e mensurável revela-se como indispensável às nossas vidas cotidianas, ao nosso modo de viver, de trabalhar, ou seja, de como nossa sociedade atual está estabelecida. A fixação de unidades e medidas é uma das condições para que se exista, por mínimo que seja, um princípio ordenador. Não cabe aqui analisar outros aspectos relativos à questão, entretanto o tempo objetivo se faz necessário. Ele é vazio. De certa forma porque indica continuidade. O peso do sucessivo. A indiferença ao simultâneo. Indica horizontalidades. Despreza diferenças. Singularidades.
O tempo mensurável não considera as diferenças individuais em todos os níveis possíveis, visto que não considera os ritmos biológicos individuais. Não é segredo para ninguém que todos nós possuímos uma espécie de relógio interior, diretamente ligado à nossa forma de perceber o mundo e ligação a tudo que nos rodeia. Portanto, existem pessoas que se sentem mais plugadas à noite, outras estão mais dispostas para a vida durante o dia e a noite revela-se enquanto um verdadeiro peso do qual elas gostariam que não existisse. Enfim, há pessoas que adoram dormir até mais tarde, assim como há outras que adoram acordar com os galos por lembrarmos de Cecília Meireles. O tempo mensurável desconsidera todas as particularidades individuais. Na verdade o tempo objetivo possui um caráter de homogeneidade. Busca a não diferença, por isso, de uma forma geral, é tão condenado pelos poetas e pelos escritores que pensaram o tempo. Trata-se de uma categoria exterior ao indivíduo.
Enfim, em que medida o tempo é objetivo? O tempo é uma categoria circunscrito na multiplicidade e como tal deve ser considerado. Logo, como foi dito anteriormente, uma das múltiplas facetas do tempo é o seu caráter de objetividade, indissociável de tantas outras que lhe são concernentes. No entanto, poderíamos pensar na famosa imagem do tempo enquanto um rio que escoa, que não pára. E se o tempo fosse um processo sincopado com altos e baixos, ou seja, com variações? E, talvez, levíssimos lapsos de descontinuidades? Desta forma, somando-se os intervalos dos lapsos objetivos teríamos centenas de anos. Caminharíamos, talvez, para uma subtração. O tempo objetivo, medido, impõe, queiramos ou não, outras reflexões. Ou seja, em que medida, se pensarmos em movimento e velocidade, um ano da contemporaneidade pode equivaler a um ano na Idade Média ou em outras etapas históricas em que a velocidade das transformações era muito mais lenta em relação aos dias atuais? Um ano, em especial após o advento da internet/globalização, não pode ser comparável, com um ano do século XIX e tudo que ficou para trás. Mesmo objetivamente o tempo já teve imobilidades. A Modernidade, assim como a era pós-industrial, trazem a marca da mudança e da não fixação.
Presume-se, que em algum momento, há muitos e muitos milhares de anos, o homem percebeu que algumas coisas na face da Terra se repetiam. Dia após dia, noite após noite, estrelas após o sol, e outros ciclos naturais perfeitamente observáveis, de alguma forma.
Possivelmente, nossos ancestrais quando tiveram as primeiras ideias a respeito de um tempo e de uma memória estabeleceram relações com ciclos, assim como observaram que algumas coisas permaneciam e outras não se fixavam, que o transcorrer e o movimento se concretizava das mais diferentes maneiras. Perceberam e começaram a questionar porque somos finitos, frágeis, vulneráveis e outras ‘condenações’ a que estamos, inelutavelmente, submetidos porque somos humanos.
O que é o tempo? Cada cultura expressou e materializou o tempo e a memória de maneiras diferentes porque tudo pode influir na concepção de tempo-memória. O clima, a situação geográfica, a língua e muitos outros elementos. Não existem processos completamente isolados e absolutos. A concepção temporal de uma determinada cultura define-se por uma grande diversidade de fatos, enfim, define-se de acordo com a trajetória histórica daquele povo e todas as suas implicações.
O que é o tempo?
Multiplicidade. Invoca níveis sobrepostos, sutilmente, justapostos. O que é o tempo? Singularidades. O tempo qualitativo define-se por sua inteireza. É integral. Desliga-se de qualquer coisa que não seja a sua atenção central. Se estamos contemplando uma abelha só possuímos olhos e concentração para a abelha. A qualidade do tempo é o seu estrato profundo de forma irredutível.
De acordo com Detienne, (e é um ponto que julgamos muito importante destacar), na escritura da história chinesa os objetivos mais importantes seriam os de descrever os acontecimentos e as mudanças conforme seu sentido verdadeiro, aquele que é oculto pelas aparências. O tempo chinês não teme imprevisto algum. Marcado pelas virtudes, ele se estende na ordem do Cosmo que mostra de maneira perfeitamente clara a pertença da natureza humana à natureza universal
⁶.
Conforme nos alerta Le Goff⁷ o valor do estudo da língua reside em ser um testemunho, por um lado na distinção do presente, passado e futuro que possui um caráter natural, sobretudo, no que diz respeito aos verbos e por um outro lado a língua é um processo duplamente originado