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Imagens da educação no corpo
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E-book260 páginas2 horas

Imagens da educação no corpo

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Sobre este e-book

Por convenção, os textos são impressos em caracteres escuros sobre fundo claro. Apesar de virem de regiões obscuras da sociedade dos homens, as palavras fixam-se no papel escuro em fundos claros, neutros, como se quisessem esquecer sua origem complexa, ambígua, perigosa, para exibirem-se como limpas, nítidas, claras. E assim se exige também às ideias que elas expõem. E também quando elas são faladas. E assim devem ser o orador, o cientista, o escritor acadêmico. Limpos, claros e nítidos. E também a escola, a educação do corpo, a ginástica. Certa vez convencionou-se também que a arte verdadeira deveria ser suja, escura, obscura, como se ela não quisesse expor sua face solar, clara, positiva. E assim deveria ser o artista. Sujo, obscuro, problemático. E também a rua, o funâmbulo, o trabalhador das minas, o circo. O exagero destas duas afirmações leva-nos a afirmar que deveríamos buscar uma opinião média. Não. Para que algo significativo seja revelado, as coisas devem ser misturadas, colocadas em tensão. Buscar sentidos na aproximação problemática de linguagens diferentes. Tradução. Traduzir de uma linguagem para outra para que algo de verdadeiro e inesperado surja ora do texto, ora da imagem. E aí achar trechos da história que ficam perdidos e obscurecidos pela história oficial. Tradução também da imaginação, do desejo e da história do pesquisador, dos trechos perdidos e obscurecidos pela sua história oficial. Como se uma pesquisa pudesse ser ao mesmo tempo uma história pessoal profundamente social. (Milton José de Almeida)
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mai. de 2022
ISBN9786588717707
Imagens da educação no corpo

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    Pré-visualização do livro

    Imagens da educação no corpo - Carmen Lúcia Soares

    Prefácio à 4ª edição

    Li Imagens da educação no corpo em meados de 1998, algum tempo depois de ter concluído o mestrado em educação e quando recém havia ingressado no quadro de professores do curso de educação física da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Via-me às voltas com o espectro da identidade profissional, que vez por outra assombra quem procura sentido para a educação física nas ciências humanas e sociais, e desconfiava de que os temas que me interessavam estudar, pesquisar e escrever talvez não fossem exatamente da área. Como leitor contumaz de Foucault, supunha que explicações para este dilema acadêmico-profissional poderiam ser encontradas na análise das intricadas disputas de poder-saber que estabeleceram, em um dado momento histórico, um pequeno centro de interesses para a educação física e, por contraste, uma grande margem de desinteresses. Encontrei neste livro de Carmen Lúcia Soares não apenas explicações para as desconfianças que povoavam (e ainda povoam) o imaginário da educação física, mas uma análise histórica densa sobre enunciados científicos, filosóficos e artísticos de uma pedagogia do gesto e da vontade que não se encaixa nos estreitos limites disciplinares de hoje.

    Imagens da educação no corpo tornou-se uma referência singular para a área exatamente porque se propôs a investigar com densidade documental, rigor conceitual e sensibilidade estética as relações de poder-saber que possibilitaram o surgimento da ginástica, uma peculiar forma de educação dos corpos e moralização das condutas na Europa do século XIX. Carmen elegeu a vertente francesa como foco principal da investigação, sobretudo, as obras de Francisco Amoros y Ondeano e Georges Demeny, corpus empírico privilegiado sobre o qual o trabalho bruto da pesquisa foi processado. Além da detalhada seleção de imagens (desenhos, pinturas, tapeçarias, gravuras, fotografias, cronofotografias), que tornam visíveis as mudanças na forma de educar, moldar e adestrar o corpo oitocentista, a refinada operação analítica é composta por duas obras clássicas do Realismo/Naturalismo francês: Bouvard et Pécuchet, de Gustave Flaubert (1981, 1994), e Germinal, de Émile Zola (1968, s.d.). Ambos ajudam o eleitor a entender, comparativamente, a primazia de Amoros (primeira metade do século XIX) e a proeminência de Demeny (segunda metade do século XIX) na constituição dos pressupostos da ginástica científica francesa.

    Quinze anos depois, e já na 4ª edição, esta obra de Carmen Lúcia Soares se mostra ainda mais atual. Um dos segredos de tal viço está na sensibilidade pictórico/literária que permeia cada um dos quatro capítulos. No primeiro, a autora concentrou estrategicamente 27 imagens que retratam diferentes significados atribuídos à movimentação corporal em diferentes épocas, com destaque para aquelas que representam importantes pontos de passagem de um corpo outrora tomado pela fruição artística para um corpo recalcado pela disciplina científica. Duas imagens deste capítulo me parecem condensar de modo mais intenso uma série de signos que demarcam esta primeira virada cultural: a Figura 1, Giadomênico Tiepolo, Polichinelos e saltimbancos (ou O barraco dos saltimbancos), pintado por volta de 1793, e a Figura 7, Exercício no Pórtico, 1836. Enquanto na primeira é possível vislumbrar a origem da ojeriza à gestualidade circense (figuras desleixadas, disformes, largadas, amontoadas, grotescas…), na outra se pode perceber a emergente devoção à retidão da postura (figuras límpidas, empertigadas, simétricas, alinhadas, refinadas…). Ao longo do livro, Carmen vai invocando cada uma das imagens expostas em seu capítulo ateliê para tecer sua escritura, mas também deixa o leitor muito à vontade para compor seu próprio itinerário de fruição.

    Educação no corpo: a rua, a festa, o circo, a ginástica é o capítulo dedicado ao nascimento da Ginástica com G maiúsculo; poderoso instrumento de escarificação da ideologia cientificista, da racionalidade maquinal e do espírito burguês oitocentista. É nesta parte que Carmen discorre sobre o caldo de cultura que tornou possível a sistematização de uma pedagogia do alinhamento corporal com base, paradoxalmente, nos divertimentos e festas populares, espetáculos de rua e do circo, exercícios militares, natação, equitação, jogos populares, passatempos da nobreza, esgrima, dança e canto. A perspicácia analítica de Carmen faz-nos ver que a linguagem científica aprisionou diferentes formas de manifestação da cultura corporal sob a rubrica da ginástica. De modo mais engenhoso, ela mostra-nos como foram construídas estratégias para sobrevalorizar o caráter disciplinar e utilitarista dos exercícios físicos e, ao mesmo tempo, demonizar o caráter lúdico e gregário que mobilizava funâmbulos, volantins, palhaços, contorcionistas e outros tantos inimigos públicos da ordem físico-sanitária em afirmação no século XIX. Carmen fecha este capítulo com mais uma sutileza analítica: aponta o deslocamento de ênfase entre os pressupostos científicos que fundamentaram a ginástica na primeira e na segunda metades do século XIX - dos rudimentos de um modelo mecânico de treinamento centrado na ortopedia corporal ao modelo energético da termodinâmica voltado ao condicionamento das entranhas do orgânico.

    Em O corpo moldado: a limpeza e a utilidade, Carmen trata dos pressupostos científicos que alavancaram a ginástica na primeira metade do século XIX, a partir da trajetória incomum do controvertido coronel espanhol Francisco Amoros y Ondeano, que se tornou o criador do método francês de ginástica depois de deportado de seu país natal. A autora retrata com muita maestria o perfil de uma figura inusitada para época: um sujeito sem fronteiras que fez da ginástica a sua verdadeira pátria. Seus estudos sobre análise mecânica do movimento levaram-no a associar o funcionamento do corpo humano ao da máquina, estabelecendo os contornos de uma educação cada vez mais voltada para a eficiência técnica do gesto nos afazeres diários (militares e civis) e cada vez mais distante da frivolidade circense. Amoros sistematizou um método para moldar o corpo fundamentado nos princípios da anatomia, da fisiologia e em consonância com as leis mecânicas em voga. Os ginásios, uma criação dos tempos em que era bem quisto na Espanha, e os aparelhos de ginástica, que compunham seu mobiliário, ajudaram Amoros a estabelecer importantes princípios biomecânicos sobre a marcha, a corrida e os saltos. Por isso, é reconhecido como um dos precursores das ciências do movimento humano. A concepção amorosiana de ginástica também se sustentava em enunciados filosóficos, especialmente nos clássicos gregos, e na inserção do canto e da música no rol de recomendações moralizantes da educação ginástica, pois, como bem resume Carmen à página 98, Para moldar o corpo, era necessário um refinamento do espírito.

    Para mostrar o grau de penetração da obra de Amoros na vida privada francesa da primeira metade do século XIX, Carmen recorre à literatura. Vale-se da obra Bouvard et Pécuchet, de Gustave Flaubert (1981, 1994), para indicar que o manual ilustrado de ginástica de Amoros já era bastante conhecido do grande público. Carmen usa a seu favor a força da ironia empregada por Flaubert na apresentação minuciosa do palavreado amorosiano, especialmente, quando salienta o esforço despendido pelas personagens Bouvard e Pécuchet para adaptarem aparelhos de ginástica, seguirem ao pé da letra as instruções do manual e fazerem funcionar em si as premissas da ginástica racional. Ao acentuar a crítica de Flaubert ao deslumbramento do homem comum com o pensamento científico da época, a autora consegue mostrar o quão competente foi Amoros em seu intuito de marcar distância das práticas corporais mundanas e, ao mesmo tempo, criar a necessidade da aplicação do método ginástico em toda a população.

    Se no capítulo anterior, Carmen usa Flaubert para mostrar a força de Amoros na constiuição/disseminação da ginástica científica na França, em O corpo adestrado: o indivíduo, disciplinador de si mesmo, ela vale-se de Germinal, de Émile Zola (1968, s.d.), outra grande obra da literatura francesa, para mostrar a mudança de escala nos pressupostos científicos da ginástica na segunda metade do século XIX. Mas, diferentemente de Bouvard et Pécuchet, que tem uma função predominantemente testemunhal, Germinal assume funções de contraste na construção dos argumentos deste capítulo. Primeiramente, em relação ao contexto social da época, Carmen emprega esta estratégia para apontar a dissonância entre a dura realidade social da classe trabalhadora (insalubridade/miserabilidade/inanição) e as descobertas científicas no campo biológico (darwinismo/teorias raciais/medicina bacteriológica). Além de ajudar a ver os primeiros movimentos em direção à medicalização da vida, Germinal tem outra função no texto de Carmen: demonstrar que os trabalhadores das minas de carvão ajustavam seus corpos, por mero instinto de sobrevivência em ambiente inóspito, às recomendações baseadas nos princípios da economia das forças físicas e da eficiência energética, que começavam a ser desenvolvidos por cientistas nos emergentes laboratórios de fisiologia. Com grande sagacidade, Carmen apresenta uma crítica bastante contundente, e atualíssima, sobre a limitação das intervenções pautadas nas fronteiras do orgânico, que normalmente ignoram qualquer componente social em suas formulações científicas.

    A figura símbolo desse período é o biólogo, fisiologista e pedagogo Georges Demeny. Apesar de fundador do Círculo de Ginástica Racional, sua ascendência neste campo está intimamente ligada aos seus feitos no laboratório da Estação Fisiológica do Parque dos Príncipes, muitos deles ao lado do médico e fisiologista Etiene Jules Marey. Lá, ambos desenvolveram, apoiados na descoberta das leis termodinâmicas, métodos de pesquisa para análise detalhada da locomoção humana, tais como a cronofotografia. Carmen escolhe Demeny como protagonista da narrativa desta parte do livro por ter sido quem melhor traduziu para a linguagem ginástica as sínteses teóricas da segunda metade do século XIX, fazendo aumentar ainda mais a distância entre a exercitação física de caráter científico e a grotesca gestualidade circense. Além da alteração de escala nos pressupostos científicos, houve também alteração de investimentos na arquitetura das ciências do movimento humano: os recursos minguaram nos ginásios amorosianos, mas pulularam nos laboratórios demenianos. Apesar de ter se mantido como fiel depositário da herança deixada por Amoros, a ginástica francesa, com Demeny, já não é mais a mesma. É menos centrada no desenvolvimento da força física e mais na educação dos centros nervosos para economia do capital de energia. É menos militar e mais pedagógica. Menos ginástica; mais educação física. Nas palavras de Carmen à última página do livro, Quando Demeny […] afirma que o trabalhador deve ser pensado como um ‘capital de energia’ e que cabe à educação física contribuir decisivamente na formação desse capital, é possível vislumbrar, mais claramente, o lugar desta educação física. De certa forma, e aqui parafraseio o último parágrafo de Carmen, o papel social da educação física era ensinar cada um a se tornar senhor do seu próprio gasto de energia. Prenúncio brilhante do ponto de convergência que sustenta a retórica físico-sanitária da educação física contemporânea. Chave de ouro com a qual Carmen Lúcia Soares talentosamente fecha esta obra clássica da literatura educacional brasileira.

    Porto Alegre, janeiro de 2013.

    Alex Branco Fraga

    Professor doutor da Escola de Educação Física

    da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

    Prefácio

    O que se vê quando se olha um texto, quando se olha uma imagem? O olhar começa a ler o texto, o olhar começa a ver a imagem, o texto diz, a imagem mostra. O texto principia a conduzir o olhar em seu trajeto da esquerda para a direita, em seu grafismo ordenado, em suas linhas horizontais que começam a completar páginas. Um texto revela-se pouco a pouco, acumulando sentidos trazidos pelas palavras, pela sintaxe. A forma texto é também a forma de pensar o que o texto diz. Os significados das palavras são também os significados de como elas se mostram. Então também se vê um texto. Um texto é uma imagem.

    A imagem – uma gravura, uma pintura, uma fotografia – revela-se de uma só vez. Permite que o olhar, delimitado somente pelas bordas, comece a vê-la a partir de qualquer ponto, vagueie por ela em diferentes direções, permaneça onde quiser, imagine. A forma imagem, com suas linhas, superfícies, perspectivas, manchas, é também a forma de pensar o que a imagem mostra. Os significados das imagens são também os significados de como elas se mostram. E aí as imagens tornam-se signos. Então, também se lê uma imagem. Uma imagem é um texto.

    Por convenção os textos são impressos em caracteres escuros sob fundo claro. Apesar de virem de regiões obscuras da sociedade dos homens, as palavras fixam-se no papel, escuras em fundos claros, neutros, como se quisessem esquecer sua origem complexa, ambígua, perigosa, para exibirem-se como limpas, nítidas, claras. E assim deve ser o orador, o cientista, o escritor acadêmico. Limpo, claro, nítido. E também a escola, a educação do corpo, a ginástica.

    Certa vez, convencionou-se também que a arte verdadeira deveria ser suja, escura, obscura, como se ela não quisesse expor sua face solar, clara, positiva. E assim deveria ser o artista. Sujo, obscuro, problemático. E também a rua, o funâmbulo, o trabalhador das minas, o circo.

    O exagero dessas duas afirmações leva-nos a afirmar que deveríamos buscar uma opinião média. Não. Para que algo significativo seja revelado, as coisas devem ser misturadas, colocadas em tensão. Buscar sentidos na aproximação problemática de linguagens diferentes. Tradução. Traduzir de uma linguagem para outra para que algo de verdadeiro e inesperado surja ora do texto, ora da imagem e aí achar trechos da história que ficaram perdidos e obscurecidos pela história oficial. Tradução também da imaginação, do desejo e da história do pesquisador, dos trechos perdidos e obscurecidos pela sua história oficial. Como se uma pesquisa pudesse ser ao mesmo tempo uma história pessoal profundamente social.

    As palavras que você vai ler e as imagens que você vai ver querem ser lidas e vistas juntas e separadas. Juntas para que o leitor ganhe a imaginação que lhe falta e a imagem ganhe a estabilidade de que carece. Separadas para que cada uma conte a sua história. Juntas-separadas para que o leitor construa outra história e imagine novamente esse pequeno momento do século XIX. Isto quer dizer também que as imagens neste livro não querem ser meras ilustrações do texto, nem o texto explicar a imagem. Que o leitor passeie por elas imaginando outros significados e acrescentando explicações verdadeiras àquelas que o autor explica. Pode se contar a mesma história tantas vezes quantos escritores quiserem fazê-lo. Escrever

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