Suplemento Pernambuco #185: Um choque rápido! Ou o Brasil morre de infarto
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Suplemento Pernambuco #185 - Janio Santos
CARTA DOS EDITORES
Atravessado pela ideia de intervenção, o manifesto é um gênero textual muito ligado à arte e à política. Segue em constante transformação. Em tempos de crise, como se escrevem manifestos? No Pernambuco de julho, Thiago Soares (UFPE) investiga as formas de fazer manifestos em meio às crises de ontem e hoje. Faz isso a partir de um olhar sobre o texto fundamental do Manguebeat, publicado há quase 30 anos. Se o Manguebeat trabalhava com críticas à fome, pobreza e exclusão, uma leitura de seus gestos e texto mostra como, por exemplo, a masculinidade, a questão étnico-racial e a institucionalização que cruzam o movimento também contribuíram para que outras dicções e visões fossem obliteradas. Completa este especial um artigo do historiador Rômulo de Paula Andrade (Fiocruz) sobre Josué de Castro, autor de Geografia da fome (1946) — livro que é influência confessa do Manguebeat e que completa 75 anos em um Brasil que lida com enorme insegurança alimentar.
Uma entrevista exclusiva com a filósofa Judith Butler discute a ressonância política da pandemia, o luto generalizado e assuntos que envolvem formas de reivindicar a vida em uma situação tão crítica como a que passamos. De certa forma, é o que cruza também os poemas do salvadorenho Roque Dalton, nos quais luta e amor são questões tão interligadas que só podem surgir juntas. A crônica de Laura Erber ressoa o assunto ao pontuar a necessidade de termos reservas de beleza facilmente disponíveis para tempos como estes.
Noutra via, três textos celebram obras importantes da Literatura, das Artes Visuais e da História: Marília Garcia comenta os 40 anos do envolvente Risco no disco, conjunto de poemas de Ledusha; Priscilla Campos investiga a obra da pintora e escritora Leonora Carrington; e Heloisa Starling analisa três grandes livros que marcam o lugar de Evaldo Cabral de Mello como um dos mais potentes historiadores brasileiros.
Também nesta edição você lê um conto inédito de Veronica Stigger, que imagina uma humanidade sem conseguir falar diante do coro da natureza, relacionado à Teoria do Caos. É o penúltimo texto da série Botão Vermelho, parceria nossa com o Instituto Serrapilheira para fabular outros mundos entre a ficção e ciência.
Uma boa leitura a todas e todos!
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
Adelaide Ivánova, poeta, autora de chifre; Carol Almeida, editora da série Botão Vermelho; Flávio Pessoa, designer da série Botão Vermelho; Heloisa Murgel Starling, historiadora (UFMG), autora de Os senhores das gerais; Igor Rolemberg, doutorando em Antropologia Social (EHSSS, França); João Victor Cavalcante, doutorando em Comunicação (UFPE); Marília Garcia, poeta, autora de Câmera lenta; Pedro Pessanha, artista e ilustrador; Priscilla Campos, doutoranda em Letras (USP); Renato Contente, doutorando em Sociologia (UFPE), autor de Não se assuste, pessoa!; Veronica Stigger, escritora, autora de Sul; Wander M. Miranda, crítico, autor de Os olhos de Diadorim
EXPEDIENTE
Governo do Estado de Pernambuco
Governador
Paulo Henrique Saraiva Câmara
Vice-governadora
Luciana Barbosa de Oliveira Santos
Secretário da Casa Civil
José Francisco Cavalcanti Neto
Companhia editora de Pernambuco – CEPE
Presidente
Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição
Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro
Bráulio Meneses
Superintendente de produção editorial
Luiz Arrais
EDITOR
Schneider Carpeggiani
EDITOR ASSISTENTE
Igor Gomes
DIAGRAMAÇÃO E ARTE
Hana Luzia e Janio Santos
ESTAGIÁRIOS
André Santa Rosa, Guilherme de Lima e Rafael Olinto
TRATAMENTO DE IMAGEM
Agelson Soares e Sebastião Corrêa
ReVISÃO
Dudley Barbosa e Maria Helena Pôrto
colunistas
Diogo Guedes, Everardo Norões e José Castello
Supervisão de mídias digitais e UI/UX design
Rodolfo Galvão
UI/UX design
Edlamar Soares e Renato Costa
Produção gráfica
Júlio Gonçalves, Eliseu Souza, Márcio Roberto, Joselma Firmino e Sóstenes Fernandes
marketing E vendas
Giselle Melo e Rosana Galvão
E-mail: marketing@cepe.com.br
Telefone: (81) 3183.2756
armas da criticaCRÔNICA
Para os guardiões da beleza
A importância de manter um arsenal de beleza acessível
Laura Erber
HANA LUZIA
Coisas belas são difíceis
é uma frase platônica pichada na fachada de uma pequena casa arruinada em Tiradentes, Minas Gerais. Toda vez que vou lá, procuro me certificar de que a pichação sobrevive ainda. Em tempos de notícias grotescas, é importante manter um arsenal de beleza acessível. Coisas belas são difíceis, e não só no sentido vislumbrado por Platão. A beleza difícil é recurso de enlace, beleza que convoca ao presente e ajuda a fincar pé no mundo que parece de mil modos querer nos expulsar.
Há um vídeo curto na internet¹ em que o pintor David Hockney dá conta do assunto de maneira simples e direta. No vídeo ele diz que o mundo é muito muito bonito se você olhar pra ele
. Parece simples, mas não é, porque olhar, olhar mesmo, mais do que ver, é difícil. Difícil também porque a afirmação da beleza do mundo hoje se dissolve na afetação manipuladora, no discurso oportunista do coachismo, naquilo que um belo samba chamou de bondade de gente ruim
. O mundo bonito de Hockney está também cheio disso tudo, além dos sofrimentos mudos que explodem de repente. Fica difícil sustentar o mundo é muito muito bonito
quando tudo depõe tão contra. Mas por isso mesmo sustentar essa deve ser cada vez mais fundamental. Mesmo que seja por uma espécie de teimosia, para não deixar que a imagem do mundo habitável se renda ao comércio global de olhares tacanhos, onde só temos lugar como reféns assustados da nossa própria destruição cínica.
Nas últimas décadas, Hockney se tornou uma espécie de guardião das coisas belas. A beleza em Hockney coincide com a visão de um mundo fulgurante em cores. Que os gregos tenham se dedicado à busca da beleza acima de todas as coisas não é difícil aceitar ou entender. Podemos criticá-los, relativizar sua importância, podemos até denunciar nossa paixão excessiva pelo que fizeram, mas isso não altera o fato de que aquele povo, cercado por mitos e mares, apostou todas as fichas no que deslumbra, e o que deslumbra é um certo tipo de aparição irrefutável das coisas neste mundo. A beleza era para eles a mais encantadora das aparições.
E aparição é algo frágil. O que surge de repente pode rapidamente se transformar ou desaparecer. Dizemos que as aparências enganam
, não só porque associamos a aparência ao falso e ao dissimulado, mas porque a aparência não nos garante nem promete nada além do que mostra. Seria talvez mais correto dizer que nós é que nos enganamos ao exigirmos que uma aparência se estabilize, fique parada, quieta e solene como uma verdade eterna.
O que eu queria dizer evocando a casinha de Tiradentes e os gregos é que a beleza é um flagra, algo que se capta assim que surge, antes que fuja. E que isso funciona como uma costura, algo que nos ata ao lugar e tempo em que calhamos existir. Por isso a tentativa um pouco desajeitada de escrever sobre guardiões da beleza, os meus e minhas, nos quais me agarro um pouquinho para atravessar o grotesco contemporâneo.
Nos tempos que correm, como outras pessoas do meu convívio, talvez eu também esteja mais receptiva ao dom dessa beleza que a fluência da alegria embala. Flores, insetos, livros, beleza que chega ao acaso. Um livro absurdamente belo da poeta dinamarquesa Inger Christensen, de 1981, chamado Alfabeto. Esse longo poema tem sua estrutura baseada na série de Fibonacci, os versos falam do que existe por aqui apesar de tudo, apesar das ameaças que nos impomos — cigarras existem, ciprestes e o cerebelo, o sol amarelo cromado, o verão e as noites de junho existem, sussurros e poemas existem.
Outro dia foi a