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Criação Do Texto Literário
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E-book373 páginas4 horas

Criação Do Texto Literário

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Sobre este e-book

Criação do texto literário: como escrevem os grandes autores – da ideia ao texto é obra essencial para todos os que escrevem e para quem inicia o caminho da escritura. Importante coletânea de estudos para revisão ou reafirmação de conceitos para escritores experimentados. Complemento necessário para quem participa de oficina literária. Ferramenta de apoio para professores. Reúne, numa só obra, praticamente tudo o que se diz numa oficina literária e muito mais. Permite salto de qualidade para o leitor em geral, o estudante em particular. Não é manual porque não estabelece regras, mas demonstra o que pensam o autor e grandes escritores nacionais e internacionais sobre os assuntos focados.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de ago. de 2023
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    Criação Do Texto Literário - José Carlos Rolhano Laitano

    Para quem escrevo?

    Em primeiro lugar, para mim mesmo, com o intuito de esclarecer vagas intuições sobre o que faço em minha vida; porque penso que podem ser úteis para muitas pessoas que, como eu, em minha época, lutam por encontrar-se; por saber se de fato são escritores, para ajudá-los em uma resposta sobre o que é ficção e como esta é elaborada; também para nossos leitores que amiúde nos escrevem ou nos detêm na rua para falar a respeito de nossos livros, ansiosos por se aprofundarem na nossa concepção de literatura e da existência; e, enfim, para esse tipo de crítico que nos explica como e para que devemos escrever.

    Ernesto Sábato

    Para qué se hace uma novela?

    Para hacerse el novelista.

    Para qué se hace el novelista?

    Para hacer al lector, para hacerse uno con el lector.

    Y sólo haciéndose uno, el novelador

    y el lector de la novela

    se salvan ambos de su soledad radical.

    En cuanto se hacen uno, se actualizan

    y actualizándose, se eternizan.

    Miguel de Unamuno

    LIVRO 1

    O ESCRITOR

    Que coisa é essa ser escritor?

    Daí alguém pergunta:

    – Gostaria de ser escritor?

    Você engasga, trepida, faz um trejeito com as mãos e despista:

    – Tenho uma ideia, até rabisquei algo... mas apenas por brincadeira, coisa para deixar na gaveta, sabe?... Escritor, eu? imagina!

    É preciso saber que você pode tornar-se escritor, não necessariamente famoso ou líder em venda; ninguém exigirá (a não ser você mesmo) que se torne um Machado de Assis, Jorge Amado, Borges ou Calvino. Dorothy Parker³ acredita que ninguém escreve pior do que é capaz: se você pretende enfrentar um texto, faça o melhor possível. Henry Miller³ confessa que o desejo de escrever foi importante em sua vida. Ele começou para valer aos trinta e três anos pensando ser uma tarefa além das suas forças, não se atrevia pensar que pudesse ter tal capacidade. Para escrever – diz García Márquez – temos que estar convencidos que somos melhores que Cervantes; do contrário acabamos pior do que somos na realidade. Devemos mirar bem alto e tratar de chegar longe.

    Todos os grandes escritores dizem que uma coisa é o sucesso, a venda de livros, o reconhecimento; outra coisa é a necessidade de escrever; vocação irresistível. Como afirma Gide: que o escritor não possa não escrever! Uma aventura é a vida, diz Bioy Casares, a outra são os livros.

    Aquele que decide seguir o ofício de escrever opta pela solidão, solidão criativa; certamente recusará muitos convites para festas preferindo a companhia dos seus personagens. O escritor que verdadeiramente deseja sê-lo não gasta muito do seu tempo com atividade social (literária), mas ocupa o seu tempo para escrever a obra que o transcenda, que permaneça como seu espólio mais valioso. Sabe que de uma vasta obra poderá sobrar pouco, embora importante, assim como Érico Veríssimo tinha consciência, nos seus últimos anos, que, de tudo, restaria O Tempo e o Vento. E para tal legado dedicou os anos da sua vida com disciplina e perseverança no trato das letras, sabendo que não se encontram romancistas precoces; todos fazem longo aprendizado; com poucas, raras exceções, como Rimbaud ou Kafka.

    Nenhum outro artista enfrenta tanto os próprios limites quanto o escritor, exclama Ramón Nieto:⁷⁰ o artista plástico sabe o que deve fazer, ainda que de modo aproximado; o arquiteto não projeta uma ermida e conclui uma catedral; o pintor não pensa numa taberna em Montmartre e o resultado é a família real. Sem chegar a ser o idiota da família, como Sartre qualificou Flaubert, o escritor conhece seus limites, e sua obsessão é ultrapassá-los. Nenhum outro assume a desdita e o absurdo da condição humana.

    De fato, o artista é quem melhor e mais profundamente compreende a solidão e o sofrimento humano porque incorpora no próprio ser as alegrias e dores das pessoas para retratá-las em suas obras, para construir os traços na sua pintura, as notas musicais, os personagens. Sente a aflição do desempregado, o olhar perdido da viúva, a proximidade da morte.

    Gao Xingjian, Prêmio Nobel de Literatura 2000, acrescenta:

    Um escritor é uma pessoa comum. Talvez ele seja mais sensível, mas as pessoas que são altamente sensíveis são frequentemente mais frágeis. Um escritor não fala como porta-voz do povo ou como personificação da integridade. Sua voz é inevitavelmente fraca, mas é precisamente essa voz do indivíduo que é mais autêntica.

    Os mosteiros nas montanhas remotas que forneciam refúgio aos estudiosos nos tempos feudais foram totalmente devastados, e escrever, mesmo em segredo, era arriscar a própria vida. Para manter a autonomia intelectual as pessoas somente podiam falar consigo mesmas e tinha que ser em total sigilo. Devo mencionar que foi somente nesse período, que foi absolutamente impossível para a literatura, que vim a compreender porque ela é tão essencial: a literatura permite que a pessoa preserve a consciência humana.

    Pode-se dizer que falar consigo mesmo é o ponto de partida da literatura e que usar a linguagem para comunicar-se é secundário. A pessoa despeja seus sentimentos e pensamentos na linguagem que, escrita como palavras, torna-se literatura. Nesse momento o escritor não prevê utilidade ou pensa que algum dia o texto possa ser publicado, apenas sente a compulsão de escrever porque há recompensa e consolo no prazer de escrever.

    A literatura nasce principalmente da necessidade de autossatisfação do escritor. Se ela tem algum impacto na sociedade, ela vem depois do término da obra e tal impacto certamente não é determinado pelos desejos do escritor.

    A literatura não é adorno para a autoridade, nem artigo da moda, ela tem seu próprio critério de mérito: sua qualidade estética. Uma estética intrinsecamente associada às emoções humanas é o único critério indispensável para obras literárias.

    O chamado escritor não é nada mais do que alguém falando ou escrevendo, e se ele vai ser ouvido ou lido é para os outros decidirem.

    Ele é, às vezes, sacrificado, juntamente com seus escritos, simplesmente por causa das necessidades dos outros.

    A relação entre o autor e o leitor é sempre de comunicação espiritual e não há necessidade de encontrarem-se ou interagirem socialmente. É uma comunicação simplesmente através da obra. [...] Por essa razão a literatura não tem nenhuma obrigação com as massas.

    Para que exista, ela (a literatura) depende de uma disposição para suportar a solidão. Se um escritor se dedicar a esse tipo de literatura, achará difícil ganhar a vida. Por essa razão, as obras desse tipo de literatura devem ser consideradas um luxo, uma forma de pura gratificação espiritual. Se esse tipo de literatura tiver a sorte de ser publicado e circulado, será devido aos esforços do escritor e de seus amigos, como os exemplos de Cao Xueqin e Franz Kafka. Durante suas vidas seus trabalhos não foram publicados, logo não foram capazes de criar movimentos literários ou de se tornarem celebridades. Esses escritores viveram à margem da sociedade devotados a esse tipo de atividade espiritual pela qual não esperavam nenhuma recompensa. Eles não buscaram a aprovação social, mas simplesmente tiveram prazer em escrever.

    Nadine Gordimer,³ ao tratar da solidão para escrever, diz:

    Penso que os escritores, os artistas, são muito impiedosos, e têm que sê-lo. É desagradável para as outras pessoas, mas não sei de que outro modo poderíamos lidar com isso porque o mundo nunca vai abrir espaço para você. [...] O que também sacrifiquei, e não foi um sacrifício para mim, foi a vida social, porque um escritor não necessita somente do tempo em que está realmente escrevendo – ele tem que ter tempo para pensar e tempo só para deixar as coisas se resolverem. [...] O ato corriqueiro de levar um vestido para a lavanderia ou borrifar algumas plantas infestadas de insetos é muito bom e saudável. Traz você de volta, por assim dizer. E também traz o mundo de volta.

    Jack Kerouac lembra a cena de La Dolce Vita em que o velho padre fica furioso porque um bando de maníacos aparece para visitar a árvore onde as crianças viram a Virgem Maria. Ele diz: não é possível ter visões no meio desta loucura frenética, gritaria e empurrões.

    As visões são obtidas somente através do silêncio e da meditação.

    Rilke:

    O que se torna preciso, no entanto, é isto: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo, não encontrar ninguém durante horas – eis o que se deve saber alcançar. Estar sozinho como se estava quando criança, enquanto os adultos iam e vinham, ligados a coisas que pareciam importantes e grandes, porque esses adultos tinham um ar tão ocupado e porque nada se entendia de suas ações.

    Leonardo Boff, em suas conferências, pergunta:

    Para onde estamos fugindo? Corremos contra o tempo, mas por causa dele; tempo que sempre nos vence porque não podemos congelá-lo. E o escritor necessita do tempo para lidar com sua vida interior, suas ideias, seus conflitos. Precisa parar, sem saber fazê-lo.

    Boff apresenta uma reflexão do mestre zen Chuang-Tzu, de 2500 anos atrás: um homem ficava tão perturbado ao contemplar sua sombra e tão mal-humorado com suas próprias pegadas, que achou melhor livrar-se de ambas. Então levantou-se e pôs-se a correr. Mas, sempre que colocava o pé no chão, aparecia a pegada e a sombra o acompanhava sem a menor dificuldade. Atribuiu o erro ao fato de que não estava correndo como devia. Passou a correr velozmente e sem parar, até que caiu morto.

    O erro dele, comenta o Mestre, foi não ter percebido que devia parar num local sombrio, a sombra e as pegadas desapareceriam.

    Optamos ser escritor mas não escolhemos a solidão, esta resulta da nossa reclusão ao texto. Porém o bom escritor sabe que necessita conviver com outros mortais, sabe que é participando no mundo real que colhe a matéria-prima para a sua fantasia. Essa duplicidade de postura perante a vida – solidão para escrever + vivência mundana para captar material literário e, enfim, completar-se como ser humano – é o desafio do verdadeiro escritor.

    Por regla general, la cantidad y calidad

    del público en una obra

    se encuentran en relación inversa.

    Por ello no hay que sacar ninguna conclusión

    sobre el mérito de una obra poética

    guiándose por las numerosas ediciones.

    Arthur Schopenhauer

    O escritor, em essência, é um irresponsável, diz Mempo Giardinelli:²

    Nunca deve estar tão comprometido – como queria Sartre – pois se assim estiver, não poderá escrever. O escrito que nasce condicionado é um mau texto. O fato de escrever deve ser pensado como um ato de irresponsabilidade. E mais adiante: o escritor de ficção científica, textos eróticos, novelas de amor ou mistério, sempre inclui uma visão de mundo. A sua. Nunca é uma visão inocente.

    Moacyr Scliar indica vinte e uma coisas que aprendeu como escritor.

    Eis algumas:

    Aprendi que escrever é basicamente contar histórias e que os melhores livros de ficção que li eram aqueles que tinham uma história para contar.

    Aprendi que o ato de escrever é uma sequela do ato de ler.

    Aprendi que quando se começa, plagiar não faz mal nenhum. Copiei descaradamente muitos escritores, Monteiro Lobato, Viriato Correa e outros. Não se incomodaram com isto.

    E copiar me fez muito bem.

    Aprendi que, quando se começa a escrever, sempre se é autobiográfico, o que – de novo – não prejudica. Mas os escritores que ficam sempre na autobiografia, que só olham para o próprio umbigo, acabam se tornando chatos.

    Aprendi que não dá para usar um gravador como forma de registrar textos. A nossa voz sai de outro compartimento, que nada tem a ver com a palavra escrita.

    Aprendi que a mancha gráfica representada pelo texto impresso diz muito sobre este mesmo texto. As linhas não podem estar cheias de palavras; o espaço vazio é tão eloquente quanto o espaço preenchido pela escrita. O texto precisa respirar, e quando respira, fica graficamente bonito. Um texto bonito é um texto bom.

    Aprendi que há uma diferença entre literatura e vida literária, entre literatura e política literária. Escrever é um vício solitário.

    Cotidiano do autor

    Tenho um amigo poeta. Do tipo que só entendeu por metade o que escrevi no capítulo anterior. Ele diz que seu ofício é escrever:

    – Publicar, divulgar e vender são tarefas dos outros, completa.

    Continua inédito.

    Para tornar-se escritor não basta a coragem de enfrentar a página virgem; precisa esforço, obstinação, superação dos limites pessoais e a intenção do resultado: chegar ao leitor. Dentre todos os que iniciam a arte de escrever – a começar pelos oficineiros – alguns publicam um texto ou dois, e desistem. Outros perseveram e, como pensa Kurt Vonnegut,³ é provável que sejam pessoas ativas, evitam esperar passivamente que alguém os descubra; insistem em ser lidos.

    E vão à luta, especialmente os jovens, que parecem dotados do dom da ubiquidade, surgem em vários locais no mesmo dia, participam de tribos diferentes, aceitam todos os espaços oferecidos sem cotejar diferenças de qualidade, o negócio é aparecer, mostrar-se mais que mostrar sua arte, ainda incipiente. Essa intensa vivência literária faz parte do aprendizado.

    O problema é quando o pretendente a escritor substitui a intensa leitura e a solidão da escrita pelo fulgor da mobilidade. Daí fica só parecendo que é.

    Os tempos são outros, eu sei, o jovem informático difere do jovem que fui, no século passado, mas é bom que esse novo jovem saiba como viveram e escreveram grandes nomes da literatura. Precisa saber que o escritor deve ser criatura impiedosa e infiel. Como diz Paul Klee: está num enterro, as pessoas chorando, ele observando-as; na igreja ou na plateia da conferência, senta-se na última fila para olhar tudo e a todos. O artista, ainda é Paul Klee, deve ser capaz de ver coisas que as outras pessoas não veem.

    William Burroughs³ levantava às nove horas, tomava café, escrevia até às ١٤,٣٠, lanchava e continuava a escrever até às ١٩ horas. Mas dizia não se obrigar a trabalhar, tudo o que desejava era ficar sozinho numa sala, sem interrupções. García Márquez trabalhava até o meio da tarde e então desligava o computador e não pensava mais no assunto até o dia seguinte. Gore Vidal relutava em começar a escrever e relutava a parar, entusiasmado com as surpresas das palavras que surgiam na página, cutucava-as com a caneta para descobrir novos significados. Isabel Allende acendia uma vela das pequenas e escrevia enquanto a mesma estava acesa; era o seu limite. Henry Miller escrevia durante a madrugada, no início. Depois descobriu que não é preciso trabalhar muito, o reservatório pode esgotar. Hemingway era pragmático: iniciava lendo o escrito no dia anterior e escrevia até sentir que ainda não tinha perdido o gás, quando já sabia o que ia acontecer. Parava e tentava sobreviver até o dia seguinte – a interrupção dá a sensação de vazio, disse, e ao mesmo tempo é um transbordamento.

    Um escritor, quando pergunta a um outro a que horas começa a trabalhar e quando termina, e quanto tempo leva para almoçar, está tentando descobrir se o outro é tão maluco quanto ele.

    Joyce Carol Oates

    Quando um escritor comenta o seu cotidiano, em geral descreve o tempo dedicado ao texto. Pouco refere ao restante da sua existência diária. Ramón Nieto⁷⁰ ocupa-se de enfoque diferente: a relação entre o trabalho ganha-pão e o ofício da escritura. Inicialmente cita Kafka que, trabalhador em oficina, afirmou que a ocupação material e a arte de escrever deviam permanecer totalmente separadas entre si; Kafka rechaçava a mistura do escrever com a prática do jornalismo.

    Em outro local do presente livro menciono os bons frutos da dicotomia laboral: uma pessoa, enquanto ocupa as mãos e parte do cérebro com a cozinha, filhos ou rotina diversa, com a outra porção da mente lida com as ideias. A obrigação da sobrevivência concede tempo para o amadurecimento do pensamento, das emoções literárias.

    Poucos, raros escritores, vivem da literatura. Quase todos nós somos os outros e, por vezes, a chamada vocação desperta em avançada idade, como no caso de Tommaso di Lampedusa e Italo Svevo. Aliás, Svevo diz que para criar uma obra-prima não é imprescindível o trabalho diário, maçante, como pedreiro de palavras. O fundamental, continua Svevo (citado por Ramón), é manter sempre alerta, em todas as horas, a sensibilidade.

    Ramón elenca profissões de escritores famosos e, apenas por curiosidade, menciono algumas:

    Leon Tolstoi era aristocrata e, como tal, alistou-se no exército russo, participando da guerra o que, provavelmente, influenciou na criação de Guerra e Paz.

    Pio Baroja, médico no interior, enfadou-se com a rotina, mudou-se para Madrid e acabou dono de pequena padaria. Certa vez afirmou que se tivesse ficado rico não teria escrito uma linha sequer.

    Charles Dickens, aos doze anos, trabalhou em fábrica de betume; aos quinze, foi mensageiro; aos dezoito, taquígrafo; aos vinte, repórter.

    Valle-Inclán alardeava viver apenas da literatura. De fato, era empregado na oficina de um ministério, mas lá só aparecia para receber o salário.

    Mallarmé foi professor de inglês; Unamuno, catedrático de língua e literatura gregas; Paul Claudel, Octavio Paz, Stendhal, diplomatas; Daniel Defoe foi comerciante, fofoqueiro palaciano e agente secreto; Lawrence da Arábia, Somerset Maugham, Graham Greene, Ian Fleming, John le Carré, agentes secretos.

    Ler sobre a vida de outros escritores é apaixonante porque as suas existências, em geral, são histórias maravilhosas de conquistas e sofrimentos.

    Conan Doyle, por exemplo.

    Hoje importa menos os outros textos que ele escreveu – Doyle é o criador do detetive Sherlock Holmes. Quando publicou a primeira novela, Um Estudo em Escarlate, em 1887, tornou-se, imediatamente, celebridade e os leitores escreviam querendo contratá-lo como investigador. Até mesmo a Scotland Yard chamou-o mais de uma vez para colaborar com seu raciocínio calculista. Conan Doyle ganhou muito dinheiro e honrarias, mas sentia-se infeliz, aprisionado ao seu personagem; seus outros trabalhos intelectuais não eram reconhecidos. Decidiu matar Sherlock Holmes e o fez no livro O Problema Final, o que causou verdadeira comoção entre seus leitores, até cortejos fúnebres foram promovidos nas ruas de Londres. Dez anos mais tarde Sherlock foi ressuscitado em A Casa Vazia, mas – vejam só! – o autor injuriou seu personagem conferindo-lhe traços de ceticismo e rancor, consumidor de cocaína (na época droga legalizada) e dependente do auxílio de John Watson, tão inteligente e perceptivo quanto o patrão. Contudo, a criatura parece ter-se vingado do criador: hoje, o comum do povo identifica Sherlock Holmes, seu chapéu e cachimbo (universalizados pelo cinema) e nem todos sabem quem foi Conan Doyle.

    Enfim, Bernard Malamud sintetiza:

    Escreve-se sentando e escrevendo. [...] O truque é arrumar tempo – não apenas alguns minutos – e produzir ficção. Se a história vem, você a escreve, está no caminho certo. Todo o mundo acaba por aprender qual é a sua melhor maneira. O verdadeiro mistério a ser solucionado é você. Nas palavras de Miguel de Unamuno: eis-me aqui ante estas páginas brancas, meu porvir, tratando de derramar minha vida, de escapar da morte a cada instante.

    O prazer de escrever

    Existe o prazer de escrever se muitos autores falam do esforço e do sofrimento a que se submetem para enfrentar a criação?

    Simenon afirma que o trabalho do romancista não é ocupação como outra qualquer – ela implica renúncia, é uma vocação ou maldição ou doença.

    O tempo? Bem, o tempo e a energia gastos em preparar a festa de aniversário, ou cozinhar para visitas, é maior que o tempo gasto na festa ou jantar. O número de horas em tomar banho, vestir-se, deslocar-se até o teatro e fazer o trajeto de volta é desproporcional ao do espetáculo assistido. Da mesma forma, o tempo e a atenção dedicados à tarefa de escrever são desiguais ao tempo para a leitura do texto.

    É preciso vencer essa inércia, essa paralisia,

    esse medo em termos de ideias,

    posto que antes de modificar o mundo,

    uma ideia modifica quem a teve.

    Doc Comparato

    Há alguns anos escrevi dois contos, do tipo que denominam minimalista. O primeiro tratamento, no papel, custou menos de um minuto do meu tempo. A escritura mental, a que antecede o texto escrito, sabe Deus quanto dias, meses ou anos. Quando a história desceu da cabeça para a ponta dos dedos, veio inteira: texto, intenção, layout de página. Com narrativas curtas em geral é assim que acontece.

    Ei-los nas páginas seguintes (o layout faz parte do texto):

    DISPUTA

    Ela postou-se no meio do quarto, deixou cair o penhoar, e suplicou, baixinho:

    – Diz!

    !

    Era uma vez um rapaz que encontrou uma linda mulher:

    Você quer casar comigo?

    Ela respondeu:

    – Não!

    E ele viveu

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