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Patrística - Terra Santa - Itinerários e Descrições - Séc. IV - VIII - Vol. 49/ 1
Patrística - Terra Santa - Itinerários e Descrições - Séc. IV - VIII - Vol. 49/ 1
Patrística - Terra Santa - Itinerários e Descrições - Séc. IV - VIII - Vol. 49/ 1
E-book286 páginas3 horas

Patrística - Terra Santa - Itinerários e Descrições - Séc. IV - VIII - Vol. 49/ 1

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Sobre este e-book

Vinte anos depois do Edito de Milão, e menos de dez anos após a peregrinação de Helena, mãe de Constantino, à Terra Santa, o Itinerário burdigalense contém o trajeto de um cristão em peregrinação, iniciada no ano 333, aos lugares santos. É o mais antigo relato desse gênero. Itinerários eram como que mapas, com indicação, ao modo de lista, de lugares e distâncias entre determinados pontos, para que o viajante permanecesse no rumo desejado e se assegurasse alojamento e refeição. As descrições da Terra Santa do Pseudo-Euquério (séc. V) e de Teodósio (séc. VI) atestam a multiplicação das igrejas e da vida monástica nos lugares santos, e um resumo destes últimos em Jerusalém (séc. VI) testemunha o interesse crescente por eles. Nas duas versões do anônimo placentino (séc. VI) vê-se desenvolvida uma estrutura de acolhida de peregrinos. Por fim, o monge Adamnano de Iona (séc. VII), sob o tolerante domínio muçulmano, usa a descrição da Terra Santa em chave exegética, e o Venerável Beda (séc. VII), também monge, situa-a no horizonte da peregrinação de todo fiel: aquela rumo à Jerusalém celeste. Em todos esses textos, como objetivo da peregrinação, a geografia aponta a história: os eventos salvíficos da paixão, morte e ressurreição do Senhor.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de set. de 2023
ISBN9788534952248
Patrística - Terra Santa - Itinerários e Descrições - Séc. IV - VIII - Vol. 49/ 1

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    Patrística - Terra Santa - Itinerários e Descrições - Séc. IV - VIII - Vol. 49/ 1 - Vv. Aa.

    Contents

    Capa

    Folha de rosto

    Itinerário Burdigalense

    Introdução

    Texto

    Epístola, que se diz de Euquério, sobre a situação geográfica da cidade de Jerusalém e da própria Judeia, a Fausto, presbítero

    Introdução

    Texto

    Sobre a situação geográfica da Terra Santa – Teodósio

    Introdução

    Texto

    Breviário de Jerusalém

    Introdução

    Texto

    Itinerário de Antonino Placentino

    Introdução

    Texto

    Os lugares santos – Santo Adamnano de Iona

    Introdução

    Texto - Prefácio

    Livro 1

    Livro 2

    Livro 3

    Os lugares santos – São Beda, o Venerável

    Introdução

    Texto

    Coleção

    Ficha catalográfica

    Landmarks

    Cover

    Title Page

    Table of Contents

    Introduction

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Chapter

    Preface

    Body Matter

    Copyright Page

    APRESENTAÇÃO

    Surgiu, pelos anos 1940, na Europa, especialmente na França, um movimento de interesse voltado para os antigos escritores cristãos, conhecidos tradicionalmente como Padres da Igreja, ou santos Padres, e suas obras. Esse movimento, liderado por Henri de Lubac e Jean Daniélou, deu origem à coleção Sources Chrétiennes, hoje com centenas de títulos, alguns dos quais com várias edições. Com o Concílio Vaticano II, ativou-se em toda a Igreja o desejo e a necessidade de renovação da liturgia, da exegese, da espiritualidade e da teologia a partir das fontes primitivas. Surgiu a necessidade de voltar às fontes do cristianismo.

    No Brasil, em termos de publicação das obras desses autores antigos, pouco se fez. A Paulus Editora procura, agora, preencher esse vazio existente em língua portuguesa. Nunca é tarde ou fora de época para rever as fontes da fé cristã, os fundamentos da doutrina da Igreja, especialmente no sentido de buscar nelas a inspiração atuante, transformadora do presente. Não se propõe uma volta ao passado através da leitura e estudo dos textos primitivos como remédio ao saudosismo. Ao contrário, procura-se oferecer aquilo que constitui as fontes do cristianismo, para que o leitor as examine, as avalie e colha o essencial, o espírito que as produziu. Cabe ao leitor, portanto, a tarefa do discernimento. A Paulus Editora quer, assim, oferecer ao público de língua portuguesa, leigos, clérigos, religiosos, aos estudiosos do cristianismo primevo, uma série de títulos não exaustiva, cuidadosamente traduzida e pre­parada, dessa vasta literatura cristã do período patrístico.

    Para não sobrecarregar o texto e retardar a leitura, pro­curou-se evitar as anotações excessivas, as longas introduções estabelecendo paralelismos de versões diferentes, com referências aos empréstimos da literatura pagã, filosófica, religiosa, jurí­dica, às infindas controvérsias sobre determinados textos e sua au­tenticidade. Procurou-se fazer com que o resultado desta pesquisa original se traduzisse numa edição despojada, porém séria.

    Cada obra tem uma introdução breve, com os dados biográficos essenciais do autor e um comentário sucinto dos aspectos literários e do conteúdo da obra, suficientes para uma boa compreensão do texto. O que interessa é colocar o leitor diretamente em contato com o texto. O leitor deverá ter em mente as enormes diferenças de gêneros literários, de estilos em que estas obras foram redigidas: cartas, sermões, comentários bíblicos, paráfrases, exortações, disputas com os heréticos, tratados teológicos vazados em esquemas e categorias filosóficas de tendências diversas, hinos litúrgicos. Tudo isso inclui, necessariamente, uma disparidade de tratamento e de esforço de compreensão a um mesmo tema. As constantes, e por vezes longas, citações bíblicas ou simples transcri­ções de textos escriturísticos devem-se ao fato de que os Padres escreviam suas reflexões sempre com a Bíblia numa das mãos.

    Julgamos necessário um esclarecimento a respeito dos termos patrologia, patrística e Padres ou Pais da Igreja. O termo patrologia designa, propriamente, o estudo sobre a vida, as obras e a doutrina dos Pais da Igreja. Ela se interessa mais pela história antiga, incluindo também obras de escritores leigos. Por patrística se entende o estudo da doutrina, das origens dela, suas dependências e empréstimos do meio cultural, filosófico, e da evolução do pensamento teológico dos Pais da Igreja. Foi no século XVII que se criou a expressão teologia patrística para indicar a doutrina dos Padres da Igreja, distinguindo-a da teologia bíblica, da teologia escolástica, da teologia simbólica e da teologia especulativa. Finalmente, Padre ou Pai da Igreja se refere a escritor leigo, sacerdote ou bispo, da Antiguidade cristã, considerado pela tradição posterior como testemunha particularmente autorizada da fé. Na tentativa de eliminar as ambiguidades em torno desta expressão, os estudiosos conven­cio­naram em receber como Pai da Igreja quem tivesse estas qualificações: ortodoxia de doutrina, santidade de vida, aprovação eclesiástica e Antiguidade. Mas os próprios conceitos de ortodoxia, santidade e Antiguidade são ambíguos. Não se espera encontrar neles doutrinas acabadas, buriladas, irrefutáveis. Tudo estava ainda em ebulição, fermentando. O conceito de ortodoxia é, portanto, bastante largo. O mesmo vale para o conceito de santidade. Para o conceito de Antiguidade, podemos admitir, sem prejuízo para a compreensão, a opinião de muitos espe­cialistas que estabelece, para o Ocidente, Igreja latina, o período que, a partir da geração apostólica, se estende até Isidoro de Sevilha (560-636). Para o Oriente, Igreja grega, a Antiguidade se estende um pouco mais, até a morte de São João Damasceno (675-749).

    Os Pais da Igreja são, portanto, aqueles que, ao longo dos sete primeiros séculos, foram forjando, construindo e defendendo a fé, a liturgia, a disciplina, os costumes e os dogmas cristãos, decidindo, assim, os rumos da Igreja. Seus textos se tornaram fontes de discussões, de inspirações, de referências obrigatórias ao longo de toda a tradição posterior. O valor dessas obras que agora a Paulus Editora oferece ao público pode ser avaliado neste texto:

    Além de sua importância no ambiente eclesiástico, os Padres da Igreja ocupam lugar proeminente na literatura e, particularmente, na literatura greco-romana. São eles os últimos representantes da Antiguidade, cuja arte literária, não raras vezes, brilha nitidamente em suas obras, tendo influenciado todas as literaturas posteriores. Formados pelos melhores mestres da Antiguidade clássica, põem suas palavras e seus escritos a serviço do pensamento cristão. Se excetuarmos algumas obras retóricas de caráter apologético, oratório ou apuradamente epistolar, os Padres, por certo, não queriam ser, em primeira linha, literatos, e sim arautos da doutrina e moral cristãs. A arte adquirida, não obstante, vem a ser para eles meio para alcançar esse fim. […] Há de se lhes aproximar o leitor com o coração aberto, cheio de boa vontade e bem-disposto à verdade cristã. As obras dos Padres se lhe reverterão, assim, em fonte de luz, alegria e edificação espiritual (B. Altaner e A. Stuiber, Patrologia, São Paulo: Paulus, 1988, p. 21-22).

    A Editora

    Itinerário Burdigalense

    Introdução

    O Itinerarium Burdigalense – doravante Itin. burd. –, cuja tradução ao português não varia muito de seu original, foi composto em 333-334,¹ na ocasião de uma viagem à Terra Santa. O texto é, por isso, também chamado de Itinerarium Hierosolymitanum Itinerário Hierosolomita, isto é, de Jerusalém – ou ainda de O peregrino de Bordeaux, pois dessa cidade francesa, em latim Burdigala, então na província romana da Aquitânia, partiu para Jerusalém nosso peregrino, ou peregrina. De fato, não é impossível que se trate de uma mulher.² Não há notícia alguma acerca de seu autor. O texto não contém qualquer indício de que se tratasse de alguém do sexo masculino. Acerca de seu autor, o latim do texto – latim tardio – permite dizer que provavelmente não era um erudito.³ Em geral, acredita-se que seja aquitano, nativo da província de onde parte a viagem. É bem provável, porém, que fosse cristão, já que, além de uma indicação explícita disso,⁴ o autor se ocupa de introduzir um segundo gênero ao itinerário.⁵

    Embora seja claro que itinerário designe rota, percurso, trajeto, talvez não seja supérfluo especificar que o itinerário antigo cumpria a função de um mapa. Enquanto este último constitui, digamos, um desenho da superfície de determinado lugar – país, região etc. –, com aí traçados os percursos possíveis entre um ponto e outro, chamado, por isso, de tabula itineraria ou itinerarium pictum,⁶ o itinerário era a identificação de determinado percurso, com indicação, ao modo de lista, de lugares e de distâncias entre determinados pontos para que o viajante pudesse manter-se no rumo desejado, mas também para assegurar-se alojamento e refeição⁷ ao longo de sua viagem.

    Ainda acerca de itinerários e mapas, talvez valha dizer que, normalmente, os itinerários não só precederam a confecção de mapas, como foram a base para isso.⁸ Estes últimos, ademais, talvez tivessem proporções que tornassem difícil para o viajante dispor deles de modo prático, ou seja, não deveriam ser facilmente manuseáveis,⁹ e, por isso, talvez fossem mais recomendados aos militares¹⁰ – mesmo que não fossem muito precisos.¹¹

    Assim, o itinerário, muito mais facilmente manejável, acabou por constituir um gênero literário próprio, inclusive como diário de um trajeto percorrido.¹² Nisso está o segundo gênero que nosso autor apõe ao itinerário, pois, ainda que o Itin. burd. inicie exatamente como é esperado de uma obra de seu gênero, isto é, como lista identificadora de determinados pontos e distâncias, a certa altura torna-se descritivo, anotado.¹³

    De fato, por todo o tempo em que se encontra na Terra Santa, temos, de certo modo, detalhes dos lugares visitados – o que é estranho ao itinerário propriamente dito. De sua chegada à Palestina, à atual cidade de Nablus, até sua ida a Hebron/El Khalil, ambas na Cisjordânia, às vésperas de seu retorno a Jerusalém para empreender a viagem de volta, por pouco mais de dez parágrafos (587-599), nosso autor faz anotações nas quais oferece, a partir de dados bíblicos, uma riqueza de informações do tipo que se esperaria de um guia de viagens hodierno – conservadas as devidas diferenças, certamente. Em todo caso, não é exagerado dizer que ele, ou ela, antecipe tais guias, registrando aquilo que vê quanto a determinados lugares da Terra Santa.¹⁴

    Seus relatos, porém, são comedidos, não têm certa efusividade, presente em textos dos séculos posteriores, nem quanto a determinados lugares, nem quanto a elementos particulares da vida, da paixão e da morte e ressurreição de nosso Senhor. Parece ser que nosso peregrino não buscava relíquias, embora não deixe de apresentar elementos muito tangíveis. Aliás, é bastante curioso o fato de, tendo passado por perto de Cafarnaum, Caná, do lago de Tiberíades, Naim, e até mesmo de Nazaré e do monte Tabor, nosso autor não só não ter parado em tais localidades – diretamente relacionadas a episódios da vida de Jesus Cristo, na Galileia – como nem mesmo tê-las mencionado.¹⁵

    Em vez de, por exemplo, ter ido visitar um dos lugares em que viveu Jesus, ou o local da transfiguração, o peregrino, tendo passado o Sinai – e certamente não se trata de onde Moisés recebeu a Lei –, não desce, da Cesareia, diretamente para Jerusalém, mas toma a direção leste, parecendo preferir visitar um lugar ligado a personagens veterotestamentários.¹⁶ C. W. Wilson levanta a possibilidade de que o motivo do desvio tenha sido visitar outro lugar ligado ao profeta Elias, personagem então possivelmente marcante para o cristianismo primitivo,¹⁷ enquanto o silêncio acerca de lugares em que Jesus viveu ou iniciou seu ministério pode dever-se ao fato de serem mais importantes, então, os eventos relacionados a sua paixão, morte e ressurreição,¹⁸ nos quais, com efeito, nosso autor se detém pouquíssimo mais.¹⁹

    A esse respeito, com efeito, o peregrino anota lugares e personagens e/ou fatos, mas sem qualquer desenvolvimento. Caifás, embora meramente citado, é inegavelmente ligado aos eventos da paixão, já que precede imediatamente a explícita identificação da coluna da flagelação (592). Seguem-se, então, as indicações do pretório de Pôncio Pilatos e do Gólgota e a crucificação (593), do túmulo, da ressurreição e do local em que Jesus foi traído por Judas (594), a palmeira de que se retiraram ramos para acolher Jesus em sua entrada em Jerusalém e o monte das Oliveiras, qual lugar de instrução dos discípulos antes da paixão, com, aí perto, outro monte onde teria acontecido a transfiguração (595), confundindo, porém, possivelmente, o local da agonia, isto é, o Getsêmani, com o episódio da transfiguração.

    Ainda assim, do Novo Testamento, outros poucos lugares ou episódios são lembrados: sem qualquer referência aos milagres operados por Jesus nestes lugares, as piscinas Betsaida (589), ou Betesda, e Siloé, ou Silva (592);²⁰ Sicar e o poço onde Jesus fala com a samaritana (588); o pináculo do templo, onde se dá uma das tentações de Jesus, e a pedra angular, acerca da qual Jesus teria falado (590); a vila de Betânia, onde Jesus ressuscitou Lázaro, e o sicômoro em que Zaqueu sobe para ver Jesus (596); o local do batismo do Senhor e Belém, onde ele nasceu (598); o lugar em que Filipe batiza o eunuco (599) e o do encarceramento de Paulo e Silas (604).

    Assim, na descrição que nosso autor faz da Terra Santa, há, desproporcionalmente, muito mais indicações de personagens, lugares e fatos veterotestamentários. Não porque esses sejam mais importantes, mas porque, com efeito, constituem a base tipológica para os eventos neotestamentários indicados, numa linha de continuidade não só místico-reli­giosa, mas também histórico-política (embora uma nova visão de mundo aponte a superação desta última dimensão): vencidas as fronteiras provinciais do Império, só em seu destino nosso autor torna o leitor presente qual companheiro de viagem, pois só tendo chegado aí usa a segunda pessoa do singular.²¹ Mas há mais: tornado presente, o leitor contempla, pelos olhos de nosso viajante, o lugar da história da salvação e, com ele, reconhece o novo centro místico²² de seu mundo. Isso permite identificar a clara divisão do texto em três partes: o itinerário até a Palestina (549-586), a peregrinação na Palestina (587-599), centro da obra, o percurso de volta (600-617).

    Mesmo que não fosse letrado, o peregrino de Bordeaux parece ter uma concepção muito clara de como sua fé cristã reoriente o mundo, mesmo que seu texto não tenha qualquer elemento que nos permita pensar que fosse um fervoroso peregrino, com êxtases místicos por estar em determinados lugares da Terra Santa. Na verdade, não há qualquer elemento no texto que identifique o autor como peregrino, tal como o concebemos hoje. Não há sequer um aceno a qualquer momento de oração ou ato litúrgico, pessoal ou comunitário. Tais ausências, por outro lado, não querem dizer que não fosse cristão ou que fosse um cristão pouco engajado com a própria fé. Aliás, a estrutura do texto, que se acaba de indicar, aponta o contrário. Além disso, o fato de ter registrado a viagem é um indício não insignificante de sua importância, mesmo que desconheçamos as razões do autor para empreender a viagem. Independentemente disso, porém, em seu itinerário, o peregrino nos deixou o mais antigo testemunho cristão de uma viagem à Terra Santa.

    Quanto ao texto, é preciso ainda dizer que as distâncias são medidas em milhas (milia) e léguas (leuga). Preferiu-se, aqui, não convertê-las a quilômetros.²³ Embora isto aconteça também na parte central da obra, em suas partes primeira e última descrevem-se fundamentalmente distâncias, estações de muda (mutationes) e hospedarias (mansiones).

    Uma estação de muda (mutatio) é uma espécie de posto de ajuda para a viagem, em que se pode trocar, mudar a cavalgadura. Não se trata, porém, de posto de ajuda normalmente disponível para qualquer viajante ou peregrino – embora não se possa excluir que estes últimos aí recebessem algum auxílio,²⁴ particularmente, por certo, mediante pagamento.

    Estações de muda e hospedarias integravam um sistema oficial mais amplo, o cursus publicus, a rede militar-postal de estradas romanas. Uma hospedaria (mansio), que também contempla a possibilidade de muda de cavalgadura, é, como diz o termo, local de alojamento, provavelmente com mais recursos que uma estação de muda, particularmente por estar situada em um centro habitado – uma civitas, cidade, ou um vicus, aldeia.

    Ainda que estejam substancialmente de acordo, os estudiosos nem sempre concordam plenamente quanto à precisa identificação atual das localidades elencadas na obra. Por exemplo, logo no início do texto, nosso tradutor identifica a antiga Stômatas com a atual Brède (550), mas houve quem a identificasse com Saint-Médard-d’Eyrans,²⁵ com Castres-Girond,²⁶ ou Castres²⁷ simplesmente. Há, portanto, alguma identificação toponímica cuja nomenclatura hodierna – que nosso tradutor teve a atenta gentileza de indicar em itálico e entre parênteses – deva ser assumida com cautela. Como quer que seja, mesmo que algum topônimo hodierno varie de edição a edição, as localidades indicadas encontram-se espacialmente muito próximas uma da outra e, mais importante, ao longo da rota indicada no itinerário.²⁸

    Por fim, antes de deixar o leitor com o texto, é preciso dizer que talvez a numeração dos parágrafos cause estranheza: como nas edições críticas e traduções consultadas, segue-se aqui a numeração já consagrada, de Peter Wesseling, desde a primeira metade do século XVIII,²⁹ que corresponde à página em que se encontra o texto na edição deste último.

    Itinerário Burdigalense

    549 Itinerário de Burdígala (Bordéus, Bordeaux) a Jerusalém,

    e de Heracleia (Marmaraereğlisi), passando por Aulona (Vlorë)

    e pela cidade de Roma, a Milão,

    tal como se descreve:

    Cidade de Bordéus (Bordeaux), onde se encontra o rio Garona,

    por meio do qual o oceano avança e recua³⁰

    ao longo de mais ou menos cem léguas;

    550 estação de muda em Stômatas (Brède),³¹ 7 léguas;

    estação de muda em Sírio (Cérons), 9 léguas;

    cidade Vasática (Bazas), 9 léguas;

    estação de muda em Três Árvores (Les Trois Chênes), 5 léguas;

    estação de muda em Oscíncio (Houeillès), 8 léguas;

    estação de muda em Scíttio (Sos), 8 léguas;

    cidade de Élusa (Eauze), 8 léguas;

    estação de muda em Vanésia (Saint-Jean-Poutge), 12 léguas;

    cidade dos Auscos (Auch), 8 léguas;

    estação de muda no sexto [marco]³² (Marsan), 6 léguas;

    estação de muda em Hungunverro (La Tonguère − Maurens), 7 léguas;

    estação de muda de Buco (Forêt de Bouconne − L’Isle-Jourdain), 7 léguas;

    551 estação de muda junto a [o templo de] Júpiter (Pibrac), 7 léguas;

    cidade de Tolosa (Toulouse), 7 léguas;

    estação de muda no nono [marco] (Pompertuzat), 9 milhas;

    estação de muda no vigésimo [marco] (L’Hôpital − Villenouvelle), 11 milhas;

    hospedaria em Elúsio (Saint-Pierre-d’Alzonne − Montferrand), 9 milhas;

    estação de muda em Sostomago (Castelnaudary), 9 milhas;

    aldeia de Hebromago (Bram), 10 milhas;

    estação de muda em Cedros (Caux-et-Sauzens), 6 milhas;

    fortaleza de Carcassona (Carcassonne), 8 milhas;

    estação de muda no trigésimo [marco] (Crémadeills − Floure), 8 milhas;

    552 estação de muda em Usuerva (Lézignan-Corbières), 15 milhas;

    cidade de Narbona (Narbonne), 15 milhas;

    cidade de Biterra (Béziers), 16 milhas;

    hospedaria em Cessero (Saint-Thibéry), 12 milhas;

    estação de muda no Foro Domício (Les Salles − Montbazin), 18 milhas;

    estação de muda em Sostâncio (Substantion − Castelnau-le-Lez), 17 milhas;

    estação de muda em Ambrusso (Pont-Ambroix − Villetelle), 15 milhas;

    cidade de Nemauso (Nîmes), 15 milhas;

    estação de muda na Ponte Erária (Bellegarde), 12 milhas;

    cidade de Arles, 8 milhas.

    553 De Bordéus a Arles, perfaz-se um caminho de 371 milhas, com trinta estações de muda e onze hospedarias.³³

    Estação de muda em Ernágino (Saint-Gabriel − Tarascon), 8 milhas;

    estação de muda em Belinto (Graveson/Rognonas), 10 milhas;

    cidade de Avênio (Avinhão, Avignon), 5 milhas;

    estação de muda em Cipresseta (Sorgues), 5 milhas;

    cidade de Aráusio (Orange), 15 milhas;

    estação de muda em Letoce (Gué du Lez − Bollène), 13 milhas;

    estação de muda em Novem Craris (Le Logis de Berre − Les Granges-Gontardes), 10 milhas;

    hospedaria em Acuno (Ancône), 15 milhas;

    554 estação de muda em Vaciana (Bances), 12 milhas;

    estação de muda em Umbeno (Étoile-sur-Rhône), 12 milhas;

    cidade de Valência (Valence), 9 milhas;

    estação de muda em Cerebelíaca (Ourches), 12 milhas;

    hospedaria em Augusta (Aouste-sur-Sye), 10 milhas;

    estação de muda em Darentíaca (Saillans), 12 milhas;

    cidade da Deusa dos Vocôncios (Die), 16 milhas;

    hospedaria em Luco (Luc-en-Diois), 12 milhas;

    estação de muda em Vologatas (Beaurières), 9 milhas.

    555 Daí se sobe ao monte Gaura (Col de Cabre).

    Estação de muda em Cambono (Font-Vineuse − Saint-Pierre-d’Argençon), 8 milhas;

    hospedaria em Monte Seleuco (La Bâtie-Montsaléon), 8 milhas;

    estação de muda em Daviano (Veynes), 8 milhas;

    estação de muda no confim (La Roche-des-Arnauds), 8 milhas;

    hospedaria em Vapinco (Gap), 11 milhas;

    hospedaria em Catórigas (Chorges), 12 milhas;

    hospedaria em Hebríduno (Embrun), 16 milhas.

    A partir de então, começam os Alpes Cótios.

    Estação de muda em Rama (La Roche-de-Rame), 17 milhas;

    hospedaria em Brigâncio (Briançon), 17 milhas.

    556 Sobes, daí, o monte Matrona (Montgenèvre).

    Estação de muda em Gesdao (Cesana Torinese),³⁴ 10 milhas;

    hospedaria junto a [o templo de] Marte (Oulx), 9 milhas;

    cidade de Segúsio (Susa), 16 milhas.

    A partir daqui, começa a Itália.

    Estação de muda no duodécimo [marco] (San Didero), 12 milhas;

    hospedaria nos confins (Drubiaglio − Avigliana), 12 milhas;

    estação de muda no oitavo [marco] (Rivoli), 8 milhas;

    cidade de Turim (Torino), 8 milhas;

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