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Filosofia do direito em crise:: uma leitura a partir do niilismo
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E-book696 páginas10 horas

Filosofia do direito em crise:: uma leitura a partir do niilismo

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Sobre este e-book

O livro que o leitor tem em mãos é, sob vários aspectos, uma rara preciosidade. Numa ousada tentativa de amplo fôlego especulativo, Roberto Beijato Junior explora as virtualidades teóricas, para o campo do Direito, do diagnóstico filosófico feito por Nietzsche a respeito da escalada do niilismo em nossas sociedades.

Esta análise encontra uma atestação exemplar no âmbito do Direito, pois no curso de nossa tradição cultural, filósofos, juristas e políticos, a despeito das distintas épocas em que desenvolveram sua reflexão, bem como das diferenças de doutrina e método, estiveram de acordo quanto à concepção da sociedade como um organismo ordenado segundo diretrizes normativas fundadas na racionalidade e na justiça, e expressas numa lei fundamental – a constituição jurídica.

Nesse espírito, o autor submete a escrutínio crítico rigoroso os conceitos nucleares das ciências sociais, da filosofia do Direito e da filosofia política, questionados por ele em chave crítico-genealógica, evidenciando que se encontram em um limiar de desvalorização.

Vivemos hoje ainda em meio às incertezas que o livro descreve e analisa. Um dos grandes méritos desta obra consiste, então, em oferecer uma densa reflexão, que nos ajuda a compreender como podem se estruturar e definir novos paradigmas no campo do Direito, tanto no âmbito da teoria e como da prática. Este é, portanto, um livro indispensável para quem se sente concernido por este conjunto de questões e desafiado por elas.

Oswaldo Giacoia Junior
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de out. de 2023
ISBN9786527006497
Filosofia do direito em crise:: uma leitura a partir do niilismo

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    Filosofia do direito em crise: - Roberto Beijato Junior

    AUTÓPSIA DA TRADIÇÃO FILOSÓFICA OCIDENTAL

    O título desta primeira parte almeja revelar sua pretensão. Uma autópsia é o procedimento que consiste no exame de um cadáver com o fito de determinar as causas e modos da morte.⁶ Pressupõe-se, portanto, um diagnóstico. No nosso caso, de que a tradição filosófica ocidental se encontra morta e, agora, buscaremos elucidar as causas deste óbito. No entanto, este vocábulo não expressa exatamente o sentido que se aspira manifestar e, à guisa de outro que o contemple, optamos por mantê-lo. Isto porque, não podemos dizer que a tradição filosófica ocidental simplesmente, após uma longa jornada de vida, ou mesmo após um breve suspiro, faleceu e tentaremos identificar os motivos para tanto. Nossa hipótese, ao contrário, caminha na direção de que aquilo que se pode chamar de tradição filosófica no ocidente é, por excelência, um natimorto. Não se trata, portanto, de desvelar a causa mortis da filosofia ocidental, mas sim de demonstrar como é, desde a sua origem, fruto de naturezas mortuárias e decorrente de um estágio já decadente da cultura, do pensamento e da política ocidentais, sobretudo quando os tipos humanos reativos à vida passam a ser criadores de valores e combatem - pela via do intelecto - a hierarquia cosmológica então reinante e os cultos do belo, da força e dos atributos superiores que caracterizaram o desenvolvimento da antiga cultura helênica pré-filosófica. Em suma, o início da era filosófica grega - em especial a partir da fase socrático-platônica - marca já um ponto de fundamental decadência da cultura helênica primeva, que tinha na perfeição representada pela areté o seu mais elementar significado e meta no que concerne à formação do homem grego.⁷

    A cultura antiga e pré-filosófica grega era essencialmente aristocrática, em cuja qual se encontra a areté enquanto a própria excelência última humana e um atributo inerente à nobreza, bastante diverso do significado moralizado e reduzido que se passou a dar ao termo na doutrina cristã, que reduziu a areté à virtude e, por conseguinte, vinculando-a ao bom, isto é, como um caractere fundamentalmente moral.⁸ A essência idealizada do tipo aristocrático, por sua vez, quase nada tem a ver com a acepção moderna do termo.⁹ Tratava-se de uma aristocracia do espírito, destinada e apta a cultivar os superiores atributos do corpo e da alma. Há um sentido cavaleiresco sob a designação originária do termo, mas mesmo nesta face há um profundo conteúdo ético caracterizado pela hombridade, pela coragem, pelo desinteresse pelas coisas comuns, profanas, relegadas ao vulgo. Na essência originária da meta helênica encontra-se um homem que contempla e cultiva os atributos do corpo, da alma e, inclusive, do intelecto. A ênfase de uma política oriunda desta cultura será o eu, entendida como o aperfeiçoamento constante de um tipo nobre de homem, idealizado e almejado pela cultura.¹⁰

    No ocidente adquirimos o hábito de olhar a história sob a ótica da evolução. Isto é, o momento presente é sempre visto como um melhoramento do que existia no passado. A partir deste preconceito as instituições antigas ou, até mesmo, de tempos imemoriais, não são, hodiernamente, estudadas ou mesmo refletidas com a agudez crítica necessária. Vemos o passado sob olhares modernos, observando com repugnância aquilo que os antigos viam como mera ordem natural das coisas, mas ignoramos o fato de também vermos como ordem natural aquilo que os antigos veriam com repugnância. O que buscamos propor neste trabalho, sobretudo nesta primeira parte, é uma análise desprovida de qualquer preconceito que lhe preceda. Buscamos desconstruir, desvalorizar ao máximo os valores supremos que dão alicerce às nossas existências e às nossas instituições - e, portanto, à nossa política e ao nosso direito -. Não aceitaremos premissas dadas somente pelo decurso do tempo ou por terem se tornado imaculadas¹¹, alçadas ao nível do naturalizado, ao ponto em que sequer se admita o questionamento. Afinal, quem de nós hoje ousaria pôr valores como a democracia em xeque? Ou a igualdade, ou a liberdade, a dignidade, etc., isto é, os valores fundamentais de nossa teoria do Direito e do Estado? Certamente, o mero questionar sobre tais valores já produz desconforto em uma mente moderna. A leitura de textos de tempos em que imperava uma hierarquia aristocrática no ocidente causa repulsa aos incautos de antemão. Vemos estas ordens sob o signo da mais profunda injustiça, pois violam uma das mais basilares crenças do ocidente moderno, qual seja, a crença na igualdade de todos perante o Estado, já naturalizada em nossa consciência moral e imposta pelos ordenamentos jurídicos em geral. O exercício de filosofia a que nos propomos, no entanto, busca desconsiderar esta lógica da evolução e, objetiva nos despir dos preconceitos modernos. A bem da verdade, o tipo de sujeito a que se chegou em nosso tempo revela muito mais uma lógica da degenerescência do homem e da cultura ocidentais ao longo de sua história do que uma evolução.¹²

    O estudo que realizaremos pretende-se profundamente niilista no sentido axiológico do termo, ou seja, enquanto desvalorização dos valores supremos.¹³ Não nos quedaremos perante qualquer valor supremo. Seja ele qual for, não pode estar imunizado a uma filosofia verdadeira, ao pensamento que se dirige às profundezas da existência humana, além da técnica moderna, mais cômoda a maioria. A verdadeira filosofia não encontra amarras, é pensamento, reflexão e revolta sobre qualquer coisa, nada está imune. Mais valor tem uma filosofia própria do que a mera repetição daquilo que outros já disseram. Infelizmente, vemos, de forma contumaz, a pretexto de se elaborar filosofia, a maioria dos acadêmicos restringirem-se a compilar dados e informações destinados a descrever o pensamento de terceiros. Pouquíssimos, no entanto, são aqueles que desbravam pelo pensamento próprio, que destinam o tempo e as energias para a construção de algo singular e, portanto, insubstituível. A filosofia deve ser, mais que qualquer outra manifestação de conhecimento, emanação do individual, abordagem e apreensão particular dos problemas e fenômenos com os quais o filósofo se depara. Aqueles que se limitam a descrever o pensamento alheio não são, de qualquer maneira, filósofos, são no máximo historiadores da filosofia e, portanto, sempre substituíveis por outro historiador. A história da filosofia e o trabalho de outros pensadores deve servir como base, como propulsores da reflexão e para a intuição por meio da qual o filósofo produzirá o seu próprio pensamento e, não se restringir à mera reprodução daquilo que já existe, em que pese seja exatamente isso o que mais ocorre atualmente nos meios acadêmicos em temas de humanidades. Para nós tem, portanto, mais valor o esforço em elaborar um pensamento inaugural e único, ainda que o produto final deixe a desejar do que a limitação à repetição. O pensamento novo permite novas contraposições, antagonismos, e, portanto, estimula a produção de mais conhecimento original pelo natural fluxo e influxo de ideias em que consiste a filosofia, e por isso mostra-se de valor mais elevado que a reiteração do já existente.¹⁴

    Objetivamos, portanto, nesta parte, compreender como o pensamento ocidental pôde, em suas características essenciais, desembocar no que temos no período atual, ou seja, numa filosofia da incompletude e, num homem moderno caracterizado pelo hedonismo imediatista e cada vez mais inapto ao pensamento verdadeiro. O sujeito moderno é dominado pela técnica e esta converteu-se no saber da modernidade, mormente em virtude do seu caráter utilitário ao sistema econômico liberal e à conformação política gerada, uma vez que a produção em massa de homens insuscetíveis à crítica certamente é mais confortável ao sistema político estabelecido e gera maior estabilidade na manutenção dos núcleos de poder que realmente importam. Daí porque no momento em que vivemos a própria filosofia ter sido engolida pela mentalidade técnico-científica, como bem constatou Giovanni Reale,¹⁵ impondo-se à filosofia os cabrestos e formas do pensamento que, justamente, retiram-lhe a fluidez e a liberdade que são suas características elementares e indiscerníveis.

    Pois bem, como dissemos, a cultura helênica marcava-se, essencialmente, por seu caráter aristocrático, hierárquico e tinha como meta a produção de um sujeito completo, cultivador dos atributos superiores do corpo, da alma e do intelecto. A filosofia grega a partir de Sócrates, contudo, rompe com este equilíbrio e é aí precisamente que podemos afirmar que a tradição filosófica no ocidente se inicia já a partir da decadência da cultura e do espírito ocidentais. É com Sócrates que o significado tradicional de areté será modificado e, de certo modo, moralizado.¹⁶ No início da fase filosófica, com os filósofos hoje chamados de pré-socráticos a filosofia grega debruçara-se sobre o mundo da physis, buscando identificar a arché em tudo presente, o princípio. Com Sócrates inaugura-se a preocupação moral da filosofia, passando também os fenômenos do nomos - isto é, das questões propriamente humanas e convencionais - a serem objeto de indagação e consideração filosóficas. A infindável busca socrática por conceitos universais como os de justiça, beleza, coragem, virtude, etc., inaugura a era conceitual da filosofia. A preocupação primordial passa a ser em identificar e conceituar os fenômenos, tendência esta que passa a marcar todo desenvolvimento do pensamento ocidental.¹⁷ A questão socrática e, sobretudo, sua ética serão abordadas em item posterior ainda nesta parte, no entanto, o que basta para o presente momento é demonstrar como a partir de Sócrates o filósofo passa a ser identificado com um tipo predominantemente contemplativo, um sujeito mais afeto ao intelecto do que às demais dimensões da vida, podendo-se afirmar, portanto, que há um superfaturamento do elemento contemplativo/racional em detrimento dos demais atributos humanos. Enquanto a cultura aristocrática apregoava uma predominância dos instintos ativos e viris da existência - sem ignorar, todavia, valores e conhecimento - a partir de Sócrates temos o início da identificação do intelectual, do filósofo, com os tipos mais refratários aos ativismos agonísticos da vida, dos combates, da potência, e mais afeto ao isolamento, ao pensamento, em suma, à contemplação abstrata. Passa-se a ter a relação entre o tipo fisiológico passivo, predominantemente intelectual, com o filósofo, de modo que, pouco a pouco, no desenrolar da história, esse padrão vai aprofundando-se até se tornar natural. Neste sentido, por exemplo, há relatos no diálogo platônico "O Banquete" de ocasiões em que Sócrates teria permanecido imóvel por mais de um dia, absorvido sob o pensamento em relação a algo, por ocasião de seu serviço militar; em outra passagem, na mesma obra, recordemos quando Aristodemo, desconcertado ao descobrir que Sócrates não o acompanhava para o jantar, envia um escravo a procurá-lo e este retorna relatando que Sócrates se encontrava num certo tipo de transe, sem mover um músculo em resposta aos seus chamados.¹⁸ O problema da verdade atinente a conceitos como justiça, felicidade, essência do homem, passam a ser o objeto precípuo da filosofia socrática e, serão tais questões profundamente enfrentadas posteriormente nos textos platônicos.

    Nestes filósofos ainda se preserva, como é de se esperar, algumas das marcas essenciais da cultura helênica aristocrática, como observaremos, por exemplo, na teoria do Estado de Platão contida em sua República. O que se mostra crucial aqui é, na verdade, uma alteração que, neste momento apresenta-se como o embrião para o que se desenvolverá posteriormente sob o manto da filosofia no ocidente. Isto é, tem-se uma modificação fundamental quanto à postura daquele que é considerado filósofo. Tem-se o predomínio do sujeito contemplativo como sendo o sujeito detentor do conhecimento. Incute-se uma crença no logos como única instância apta a busca da verdade. A filosofia aqui, então, passa a discernir-se dos demais conhecimentos; tem-se a clássica divisão entre doxa e episteme como um dos traços primordiais do início da filosofia e que marcará toda a sua história. A história da filosofia pós-socrática terá como um de seus principais problemas, justamente, a forma como se dá o conhecimento verdadeiro, ou seja, como se ascende à episteme. Daí teremos desde o idealismo platônico e o realismo aristotélico na antiguidade, ao racionalismo cartesiano e o empirismo de Locke na modernidade. Em suma, o que importa epistemologicamente neste ponto é a resposta à questão: como é possível e como se dá o conhecimento humano? Certamente uma pergunta que, quando desenvolvida na modernidade já conta com o ascetismo nela presente elevado à décima potência se comparada à amplitude das problemáticas enfrentadas simultaneamente pelos antigos e, especialmente, pelo modo de abordagem moderna de tais problemas, excessivamente preocupada em apresentar uma teoria do conhecimento demonstrável more geometrico em comparação a presença de elementos alegóricos e míticos nos antigos, os quais já seriam impensáveis a um moderno. De toda sorte, o que releva ficar caracterizado aqui é a alteração fundamental que com o advento da filosofia socrática há na postura e no tipo de subjetividade humana que passa a ser tida como arquétipo do filósofo, do intelectual, o que permeará todo o desenvolvimento da história da filosofia no ocidente e dos padrões de cientificidade que serão cunhados em suas ciências.

    Do niilismo psicológico é que nasce esta postura de hostilidade à vida neste mundo, deslocando-se o verdadeiro valor para outros mundos, para outras instâncias, retirando do indivíduo e buscando o universal. O niilismo encontra-se no âmago do processo histórico da cultura e da civilização ocidentais. As constatações por toda a obra nietzschiana, com a força de sua filosofia feita a golpes de martelo, não apenas trazem à tona este processo, como destroem o valor das categorias que nos norteiam, sendo, portanto, Nietzsche a mais importante base da primeira parte deste trabalho.

    A conhecida sentença de Fichte diz que o tipo de filosofia que se escolhe depende do tipo de homem que se é. Uma filosofia não se trata bem de uma escolha, mas podemos compreender a mensagem que o autor possivelmente intentou transmitir. O tipo de filosofia, considerada sobre o mundo da vida, alavancada por um filósofo, esta sim, revela muito sobre o espírito do pensador. Repise-se que aqui se fala, por óbvio, do verdadeiro exercício filosófico e não de esboços historiográficos da filosofia. A produção filosófica lídima é dos fatores de maior particularidade que um sujeito pode produzir e, portanto, emanará como que num elo umbilical com a vontade que preenche o seu espírito e, nesta medida a sentença fichteana mostra-se de precisão acurada. De espíritos passivos advirão filosofias reativas à vida, como uma intrínseca manifestação de sua vontade de potência, ao passo que de espíritos ativos decorrerão filosofias da abundância de vida. Nesta medida podemos identificar em Sócrates e Platão caracteres do niilismo psicológico passivo dos quais decorrerão inexoravelmente suas filosofias de reação à vida e este traço niilista marcará todo o percurso da filosofia ocidental, sobretudo após a pulverização e predomínio do cristianismo pelo ocidente.

    Não se almeja, portanto, em qualquer parte deste trabalho construir um sistema ou qualquer arquétipo dirigido à busca de verdades. A postura em relação a estas é de elevado ceticismo se comparado à tradição filosófica. Não se busca qualquer organização ou método para condução das atividades científicas. Antes, o que se objetiva evidenciar é o quanto de aleatório e arbitrário há em todas essas construções. Impor qualquer modelo como verdade dedutível já seria, por si só, um intento nefastamente niilista. Vejamos:

    "[...] um sistema de pensamento que tenta impor sobre a existência um padrão absoluto de certo e errado, de bem e mal, liquidando deste modo a experiência completa das forças ricas e abundantes da vida. A moralidade é uma tentativa de negar a existência. Ele [Nietzsche] oferece a seguinte ‘definição da moral: moral - a idiossincrasia dos décadents, com a intenção oculta de se vingarem da vida [...]’. A moralidade é uma tentativa de negar a vontade de poder, o instinto básico humano para o crescimento e o desenvolvimento."¹⁹

    As características psicológicas do sujeito definirão em seus principais aspectos aquilo que brotará ao seu espírito como filosofia e do qual seu pensamento partirá, assim como os caminhos que trilhará. No fragmento 53 do athenäum²⁰ lemos de Schlegel a seguinte passagem: É igualmente mortal para o espírito ter um sistema ou não ter nenhum. Ele terá assim de decidir-se a juntar as duas coisas.²¹ Ter ou não ter um sistema dependerá, certamente, da psique do indivíduo. Trata-se de um sujeito ávido por certezas, por um sentido previamente dado a percorrer e a confortar-lhe os instintos face à sensação de previsibilidade gerada ou, ao contrário, temos um sujeito que lida serenamente com a aleatoriedade do devir? Este será um dado crucial não apenas para o tipo de filosofia que se produzirá como para a vontade que estará no âmago da subjetividade do indivíduo. Claro que, ademais, entre a absoluta ovelha de rebanho e a completa ave de rapina haverão inúmeros tipos intermediários que, a partir de tanto, produzirão arquétipos numa ou noutra direção a fim de satisfazer-lhes a necessidade de verdade por uma trilha antevista ou até o limite de suportabilidade que o nada lhes apraz, ou seja, juntando as duas coisas como mencionado no fragmento de Schlegel, acima referido.

    Estas breves reflexões envolvem hibridamente e de forma mesclada inúmeros temas abordados de modo aforismático na filosofia nietzschiana, entre eles: a vontade de potência; o niilismo, tanto em seu aspecto axiológico como em seu aspecto psicológico; a moral nobre e sua transvaloração para uma moral escrava; o eterno retorno. A primeira parte, portanto, buscará elucidar a crítica nietzschiana no processo histórico ocidental, sem olvidar, contudo, que em nenhum momento almeja-se uma interpretação fidedigna, o que seria, por certo, aniquilar e rebaixar a grandiosidade de um projeto filosófico extemporâneo já em seu nascedouro como o nietzschiano. Daí porque, antes mesmo de ingressarmos nas temáticas que pretendemos desenvolver, cumpre-nos tecer algumas considerações e advertências acerca da leitura e assimilação da obra nietzschiana.


    6 Alguns autores apontam o equívoco no emprego do termo autópsia, vez que este designaria um auto-exame, o que evidentemente é impossível tratando-se de um cadáver, de tal sorte que o vocábulo correto seria necropsia. Neste sentido, conferir: CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 46. Mantemos, contudo, o uso do termo autópsia, vez que designa o significado que se objetiva transmitir, sendo esta a finalidade precípua de qualquer comunicação. Evita-se, assim, uma discussão de cunho meramente semântico. Ressalve-se, ademais, que para sanar esta dúvida consultamos a 4ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicação oficial da Academia Brasileira de Letras, no qual se verifica o emprego em língua portuguesa, tanto de autópsia, como necropsia. Assim, optamos por evitar esta confrontação e reconhecer ambas como expressões sinônimas, face ao sentido que designam e pela consagração do uso, fator relevante em línguas. Conferir: Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta, p. 87.

    7 Trataremos em alguma medida da significação da Areté para a cultura e nobreza gregas. Neste termo temos o delineamento almejado pela cultura grega e o tipo de homem que se visa produzir. Para uma análise pormenorizada desta fase da elevada cultura grega sugerimos a indispensável leitura, sobretudo do Livro Primeiro de JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 23-280

    8 Conferir: JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 27-28.

    9 Para uma análise pormenorizada da constituição do espírito aristocrático em tempos de ocidente ainda ascendente, conferir: EVOLA, Julius. Sobre a essência e a função atual do espírito aristocrático. In: GUÉNON, René; EVOLA, Julius. Hierarquia e Democracia. São Paulo: Irget, 2017, p. 43-74.

    10 "Entenda-se bem que o eu não é o sujeito físico, mas o mais alto ideal de Homem que o nosso espírito consegue forjar e que todo nobre aspira a realizar em si próprio. Só o mais alto amor deste eu, em que está implícita a mais elevada areté, é capaz de ‘fazer sua a beleza’. Esta frase é tão genuinamente grega, que é difícil vertê-la para um idioma moderno. Aspirar à ‘beleza’ (que para os Gregos significa ao mesmo tempo nobreza e eleição) e fazê-la sua é não perder nenhuma ocasião de conquistar o prêmio da mais alta areté." (JAEGER, Werner, idem, p. 35).

    11 O uso do termo decorre do imaculado conhecimento narrado em Assim falava Zaratustra. Conferir: NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Trad. Mário Ferreira dos Santos. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 166-169.

    12 Constatação neste sentido não passou despercebida por Nietzsche, que afirmou em seu Anticristo: A humanidade não representa um desenvolvimento para alguma coisa melhor, mais forte ou elevada, como hoje se acredita. O ‘progresso’ não passa de uma ideia moderna, isto é, de uma ideia falsa. No seu valor, o europeu de hoje está bastante abaixo do europeu da renascença. Desenvolver-se ‘não’ significa em absoluto necessariamente elevar-se, realçar-se, fortalecer-se. (NIETZSCHE, Friedrich. O anticristo. Trad. Rubens Eduardo Farias. São Paulo: Centauro, 2005, p. 15).

    13 O tema do niilismo e suas diversas manifestações será abordado em específico a frente, no quarto capítulo deste trabalho.

    14 Neste ponto, é necessária a colocação de Willis Santiago Guerra Filho: Dentro da concepção que se está tentando esboçar aqui sobre o que seja a filosofia importa distinguir dela uma espécie de ‘ciência da filosofia’, uma ‘metafilosofia’, que é uma disciplina que se ocupa de estudar não os problemas filosóficos diretamente, mas antes as soluções que a eles têm sido apresentadas na história da filosofia, ou por um filósofo, ou por uma Escola específica. Isso é o que mais se pratica atualmente sob o pretexto de fazer filosofia, sendo cada vez mais raro encontrar quem se disponha a produzir filosofia ‘de primeiro grau’, quem tenha a coragem de exercitar sua liberdade de fazer isso. Ora, elaborar uma ‘má’ filosofia é muito melhor do que nenhuma, pois já representa pelo menos uma provocação a que se faça uma outra, melhor. Entretanto, em vez disso, os ‘amantes da sabedoria’ preferem contribuir para aumentar o entendimento do modo como determinado filósofo compreende a realidade, o que termina não contribuir muito mais para a nossa própria compreensão da realidade, mas antes para se desviar disso. (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 07/08).

    15 Conferir: REALE, Giovanni. História da filosofia grega e romana, v. I: pré socráticos e orfismo. Trad. Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2012, p. 1-2.

    16 Para uma análise pormenorizada deste movimento, conferir: ADRADOS, Rodriguez. Ilustración y política en la grecia clásica. Madrid: Editorial Revista de Occidente, 1966, sobretudo o capítulo I da parte primeira, que discorre sobre a concepção de homem aristocrático (p. 33 - 85); o declínio deste ideal através da concepção democrática (capítulo I da segunda parte, p. 121 - 153 e, por fim, a terceira parte de referida obra, que tratará especificamente do pensamento socrático-platônico (p. 489 - 588).

    17 Sendo interessante relembrar que a palavra conceito vem do latim conceptus, do verbo concipere, o qual designa conter, formar na mente, formar no espírito. Forma-se pela junção de com (junto) e capere (pegar, segurar). Sendo a atividade conceitual basicamente aquela que seleciona objetos e fenômenos e os contêm dentro de uma determinada definição. Conferir: NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: [s.n.], 1955, p. 130.

    18 Conferir: Platão. O banquete, 174c - 175e

    19 ANSELL-PEARSON. Keith. Nietzsche contra Rousseau: a study of Nietzsche’s moral and political thought. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p. 45.

    20 Revista alemã editada a partir de 1798 e considerada uma das precursoras do romantismo alemão.

    21 In: SCHLEGEL, Friedrich. O dialeto dos fragmentos. Trad. Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1997, p. 55.

    1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSITAL SELEÇÃO PARA A LEITURA E COMPREENSÃO DA FILOSOFIA NIETZSCHIANA

    Como já dissemos outrora, poucos são aqueles que de fato exercem atividade propriamente filosófica modernamente, ao passo em que muitos são os historiadores da filosofia que dirigem seus esforços à descrição e organização do pensamento de terceiros. O homem moderno foi condicionado ao pensar estrutural e conceitual, inclinação esta que se mostra presente na tradição escolástica e se aprofunda a partir do racionalismo moderno, ao ponto em que já nos é naturalizada a forma do pensar sistemático. Buscamos, portanto, nos autores em que estudamos, caracteres como a coerência, o sentido que o autor dá a determinado termo dentro de sua filosofia e, assim, tentamos organizá-la, sistematizá-la, classificá-la dentro de alguma corrente, escola, etc., em suma, aprisionando-a, contendo-a em certos limites. Desde muito cedo nos é ensinado que é assim que se pensa. O que não são muitos dos cursos ditos superiores senão a transmissão e organização de uma infinidade de conceitos que, ao final do curso, se espera do formado que esteja apto a reproduzi-los de forma fidedigna? Esta tendência se nos encontra tão enraizada que raros são aqueles que conseguem, através da crítica, se livrar destas autênticas amarras sobre o pensamento. É uma característica da tradição filosófica ocidental a busca por verdades acabadas, pela segurança proporcionada por sistemas organizados abstratamente. Por meio deles tem-se ao menos a sensação de segurança quanto aos fenômenos e as variáveis que sobre eles influem, isto é, alenta-se o espírito passivo - que desde o início da tradição filosófica foi, de pouco em pouco, tornando-se o padrão universal do filósofo - por meio da pretensa previsibilidade do devir, ocultando-se à mente o que há nele de aleatório e arbitrário. Em resumo: fomos formados para ler e ter como ideal um espírito ascético como Kant, em que as categorias da unidade, da coesão lógica e da universalidade transbordarão e serão perseguidas à exaustão, mas raramente - e cada vez mais raro em nosso distópico século XXI - somos sequer estimulados ao verdadeiro e libertário filosofar.

    Em Nietzsche, por outro lado, presenciamos um autêntico exercício filosófico livre, desprendido das amarras da tradição filosófica. Nele não encontraremos, propositalmente, conceitos fixos, sistemas prontos e acabados.²² Encontraremos o pensamento aforismático, tópico e polissêmico,²³ ou seja, justamente o oposto do que até então se podia considerar como filosofia pela tradição ocidental estabelecida, a qual se fez representada pela busca constante de conceitos que se pretendem racionais, coesos entre si, unívocos, organizados sistematicamente.²⁴

    A leitura de uma obra como a nietzschiana, fruto de um espírito livre e que pouco se preocupa com os métodos e formalidades a que fomos domesticados causa, certamente, profundo incômodo aos espíritos puramente contemplativos.²⁵ Não por outro motivo que em seu tempo muitos sequer considerassem Nietzsche rigorosamente como um filósofo, mas muito mais como um poeta. Que importa, no entanto, o rótulo? Se entendermos como filosofia a criação infindável de conceitos através de um método que se pretende racional, certamente Nietzsche não será um filósofo. Se pretendermos também como filosofia a mera reprodução e com isso, o reforço, de uma tradição, mais uma vez, Nietzsche com toda certeza não será considerado um filósofo. Contudo, a filosofia é muito mais do que a cinzenta razão metódica. A filosofia é, antes de tudo, liberdade. A liberdade é um pressuposto básico para uma vida autêntica, para uma vida na qual o próprio ser existente, o ser-aí, possa descerrar-se e, assim, ter início a própria possibilidade de uma virada existencial sem a qual a verdade não transparecerá. A tradição filosófica trabalhou por séculos e séculos a fio com a noção de verdade atrelada ao juízo proposicional. Por meio da razão metódica - seja ela empírica ou racionalista - atribui-se um determinado predicado a um objeto. É nesta proposição que a filosofia e a ciência modernas lograrão apontar o local da verdade. Trata-se, sem dúvida, de uma atividade lúgubre se a isto se resumir o conhecimento e a vida. Uma epistemologia deste jaez, contudo, aprazará muito mais os espíritos passivos que se tornaram no decorrer da tradição ocidental o padrão de intelectual. A noção de uma verdade atrelada ao prévio movimento de descerramento, angústia e virada existencial que nos traz, por exemplo, a filosofia heideggeriana, já depende, por certo, de um alavancado vigor intelectual e existencial que se mostrará por demais desconfortável e insuportável para o tipo de homem que se produziu e a que se chegou neste século XXI. Uma ideia de verdade como aquela ínsita à filosofia de Heidegger coloca muito mais enfoque no sujeito, exigindo-lhe muito mais e conduzindo-lhe aos caminhos da angústia essencial à possibilidade de uma vida autêntica. Um movimento como este afigura-se por demais raro numa era na qual impera a doutrina da felicidade constante, como a nossa.²⁶

    É esperado, neste cenário, que muitos que se deparem com a obra nietzschiana tentem aprisioná-la sob o manto das categorias e dos métodos. Tentem elaborar uma representação fiel da filosofia de Nietzsche, tentem sistematizá-la. Uma tal pretensão consiste, por si só, na vulgarização desta filosofia, mostrando como tudo quanto é belo e verdadeiro se torna grosseiro em mãos grosseiras, como já dizia Jaeger.²⁷ Nietzsche é o tipo de pensador que não basta simplesmente ser lido. É preciso ruminá-lo, incorporá-lo à subjetividade das próprias reflexões. Não há maior demonstração de respeito a uma filosofia livre que utilizá-la de forma livre. Reduzir Nietzsche à avidez da vontade de sistema que norteia os espíritos passivos seria embrutecê-lo, degenerá-lo. Não procuramos e não procuraremos, portanto, ao longo deste trabalho, fornecer uma interpretação fidedigna do modo como Nietzsche via certas questões. Ao contrário, ele será uma das bases da formação de nosso próprio espírito em contato com os complexos temas da existência. Faço minhas, no caso, as palavras de Foucault quando afirmou que O único sinal de reconhecimento que se pode ter para com um pensador como Nietzsche, é precisamente utilizá-lo, deformá-lo, fazê-lo ranger, gritar... Que os comentadores digam se é ou não fiel, isso não tem o menor interesse.²⁸

    A assimilação da obra nietzschiana tem muito mais relação com uma identidade espiritual, algo de transcendental que somente pode ser sentido, mas não expresso, muito menos pela via escrita. O próprio estilo eleito por Nietzsche na consecução de sua obra tem por escopo barrar os sujeitos ávidos por verdades prontas e acabadas; por sistemas; por conceitos; isto é, visa repelir as ovelhas de rebanho que por sua natureza medíocre tendem à excessiva gregariedade para, pelo poder do número, deturparem a tudo, em especial a filosofia e as instituições. A obra nietzschiana não é para os arquétipos da mediocracia reinante.²⁹ O estudo da obra nietzschiana caminha na contramão, portanto, daquilo que modernamente nos foi interiorizado e naturalizado quanto ao significado do pensar; vai contra as formas do entendimento; contra a busca pela verdade. Isto é, vai em sentido contrário ao que se espera do filósofo e, em oposição ao que almeja um espírito passivo, isto é, às tradicionais categorias da razão: unidade, sentido e verdade. Afastam-se da filosofia nietzschiana, justamente, aqueles que perseguem sistemas de conceitos logicamente organizados e coesos entre si. O estilo levado a intento pelo filósofo em questão fora proposital e revela a sua intenção aberta de afastar este tipo de leitor de sua obra.³⁰ Algumas hipóteses para esta assertiva podem ser encontradas de forma esparsa em seus textos. A começar, vejamos o conteúdo do aforismo nº 381 de A Gaia ciência:

    Todo espírito e gosto mais destacado, quando quer se comunicar, escolhe para si também seus ouvintes; ao escolhê-los, ele simultaneamente traça suas barreiras contra os outros. Todas as leis mais refinadas de um estilo têm aí sua origem: elas mantêm longe, elas criam distância, elas proíbem a entrada, a compreensão, como foi dito, - enquanto abrem os ouvidos àqueles que nos são aparentados pelo ouvido.³¹

    O espírito proeminente, ao se comunicar, inclusive pela escrita, seleciona os destinatários entre os seus³². Nem todos são aptos, portanto, à leitura da obra nietzschiana. Trata-se de um fator que transcende os limites da escrita e da razão. Um sistemático que leia Nietzsche necessariamente o enxergará sob seus glóbulos oculares viciados e, assim, o assimilará como se estivesse diante dos frios textos racionalistas; buscará em vão aquilo que não é sequer para ser encontrado nesta filosofia. Nietzsche, antes de ser compreendido, precisa ser sentido ou, como dizia Mário Ferreira dos Santos, "é preciso ter algo de Nietzsche".³³ A compreensão de um pensador como Nietzsche demanda inexoravelmente uma identidade de Vontades. A vontade cunhará em larga medida o repertório a partir do qual os fenômenos são observados. Uma vontade passiva trará para o seu repertório os caracteres de sua passividade e lerá uma obra como a nietzschiana a partir de pretensões incompatíveis com aquela. Tentará aprisionar uma filosofia que é genuinamente livre. Para as vontades declinantes devem-se destinar as obras também declinantes. Somente uma vontade livre é capaz de fazer bom uso dos motores nietzschianos. Este ponto será desenvolvido no quarto capítulo ao tratarmos do niilismo e suas categorias e, em especial acerca do niilismo psicológico e fisiológico.

    Ao abordarmos, portanto, a repercussão dos temas nietzschianos e a sua crítica sobre o espírito que permeou toda a escalada da filosofia ocidental em nenhum momento nos preocupará a eventual fidedignidade ao que intencionou o autor. Este é um pseudoproblema quando transposto à filosofia nietzschiana. Primeiramente, este tipo de interpretação teleológica é afastada pelo constante esforço do autor em evitar as definições inequívocas, as sistematizações e a racionalidade que se esperaria de um labor estreitado nos limites da filosofia tradicional. Bloqueia, assim, o acesso a sua mensagem para aqueles que estão em busca daquilo que, regra geral, pretende ser ofertado pela filosofia ocidental: organização e verdade; um caminho a seguir. Nietzsche não deseja ser o pastor de uma multidão de ovelhas; ao contrário, comunica-se com aqueles que não anseiam por qualquer pastor a seguir.

    Por esse motivo, os conceitos nietzschianos devem ser trabalhados a partir de uma margem de manobra (spielraum) intencionalmente deixada pelo filósofo. Ao selecionar seus ouvintes deixa-lhes, como fazem os bons amigos³⁴, uma margem de manobra, onde poderá compreender - ou não compreender - livremente. Verifica-se, portanto, o absoluto desprezo do filósofo pelas tentativas de aprisionamento de sua filosofia e, em sua seleção, justamente o afastamento daqueles espíritos que naturalmente tenderiam a tanto. O aforismo nº 27 de Além do bem do e do mal também nos traz orientações neste sentido:

    É difícil se fazer compreender, sobretudo, quando se pensa e se vive gangasrotogati, no meio de homens que pensam e vivem de outro modo, isto é, kurmagati ou quando muito mandeikagati, ao passo das rãs - faço tudo o que posso para ser dificilmente compreendido. Ora, dever-se-ia ser grato do fundo do coração pela simples vontade que se põe para interpretar com alguma sutileza. Mas quanto ao que se refere aos bons amigos, que sempre gostam demais de seu bem-estar e que, precisamente como amigos, acreditam ter um direito de viver tranquilos, seria conveniente conceder-lhes desde o início um campo inteiro onde poderiam expor sua falta de compreensão. Dessa maneira, teríamos ao menos do que rir. Ou se poderia também suprimi-los totalmente, esses bons amigos - e rir apesar disso.³⁵

    Toda interpretação é carregada, em maior ou menor medida, por alguma carga de subjetividade do intérprete. Mesmo aqueles que se propõem a descrever objetiva e neutralmente um determinado pensamento, um objeto ou um fenômeno, partirão de certas premissas, ainda que estas não sejam abertamente discutidas ou encontrem-se implícitas. Ao nos depararmos com qualquer ideia, portanto, partiremos necessariamente de pressupostos. Esta é uma das constatações fundamentais que podemos encontrar no § 32 de Ser e Tempo, no delineamento das questões do entendimento e da interpretação.³⁶ O desafio que se põe, portanto, será o de romper com o já pressuposto nas práticas modernas, desconstruindo e desvalorizando os alicerces do tipo fisiológico que ascendeu até este momento como homo philosophicus. Para tanto buscaremos trazer à tona os caracteres do niilismo presentes já na gênese da filosofia ocidental e o aprofundamento do processo histórico do niilismo sobre a subjetividade do homem ocidental, tanto a partir do triunfo da moral escrava enunciada por Nietzsche como na própria filosofia.


    22 Constatação que pode ser encontrada também, entre outros, em: STEGMAIER, Werner. Nietzsche como destino da filosofia e da humanidade? Interpretação contextual do §1º do capítulo Por que sou um destino? de Ecce Homo. Trad. João Paulo Simões Vilas Bôas. Trans/Form/Ação, Marília, v. 34, n. 1, 2011, p. 173-206. Especificamente a questão é abordada às páginas 178-179. Do mesmo autor também existe um minucioso estudo sobre o uso dos signos na construção do pensamento nietzschiano, conferir: Os Signos de Nietzsche. In: STEGMAIER, Werner. As linhas fundamentais do pensamento de Nietzsche: coletânea de artigos: 1985-2009. Rio de Janeiro: Vozes, 2013, p. 136-174.

    23 Sobre a polissemia na obra de Nietzsche, vejamos: (...) em Nietzsche, uma mesma palavra ou expressão assume diferentes significados conforme o contexto em que está inserida, sendo que, algumas vezes, esses diferentes sentidos atribuídos a um mesmo termo sequer são compatíveis entre si. Isso é válido, inclusive, para as ideias que são tradicionalmente consideradas como os conceitos principais do seu pensamento, como além-do-homem, a vontade de poder, o eterno retorno, o niilismo, etc. (VILAS BÔAS, João Paulo Simões. Niilismo e grande política em Nietzsche: a aurora da superação humana a partir da morte de Deus. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 2016, p. 73).

    24 Kant, por exemplo afirmará que o conhecimento filosófico é o conhecimento racional por conceitos. Conferir: KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Ícone, 2011, p. 455. Não podemos deixar de observar como o dado da racionalidade é recebido como premissa básica do pensamento moderno, ocultando-se e desviando-se, talvez, do que haja de mais importante no exercício do pensar, isto é, dos fatores transcendentais e míticos que compõem, sobretudo no nível inconsciente, aquilo que chegamos a racionalizar em termos conscientes e científicos. A ideia de uma filosofia exclusivamente racional a reduz aos pressupostos da ciência, sendo certo que tais não devem engessar ou restringir o pensamento filosófico que lhe vai muito além.

    25 Sobre este ponto, conferir: GUISARD, Luís Augusto de Mola. Nietzsche: Espírito livre, devir intenso. Revista FMU Direito. São Paulo, ano 27, n. 40, p. 102-108, 2013. ISSN: 2316-1515.

    26 Sobre a verdade em Heidegger e a rejeição da ideia clássica sobre o seu assentamento nos juízos proposicionais, conferir: HEIDEGGER, Martin. Introdução à filosofia. Trad. Marco Antonio Casanova. São Paulo: Martins Fontes, 2008, especificamente os §§ 21 e 22. Sobre o papel da liberdade para a possibilidade de abertura e formação da e à verdade, conferir: HEIDEGGER, Martin. Sobre a essência da verdade. Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1970, p. 28-30. Por fim, a verdade heideggeriana nos serviu de base, em outra oportunidade, ao criticarmos e abordarmos o problema da verdade em uma ciência do Direito, para o que remetemos à seguinte obra: BEIJATO JUNIOR, Roberto. Teoria Ontológica do Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023, p. 172 – 185.

    27 JAEGER, Werner, op. cit., p. 62

    28 FOUCAULT, Michel. Sobre a prisão. Trad. Marcelo Marques Damião. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015, p. 233.

    29 Aqui usa-se propositalmente o termo cunhado diagnosticamente por Ingenieros. Conferir: INGENIEROS, José. O homem medíocre. Trad. Terumi Bonet Villalba. Curitiba: editora do Chain, 2014. A obra, como um todo, traz uma investigação da mediocridade na individualidade humana e, em especial, no capítulo VII, sob o título de mediocracia, traz as reverberações da mediocridade sobre a política, dominada pelos medíocres através dos ideais numéricos que dirigem a hierarquia social moderna.

    30 Hipótese também versada em VILAS BÔAS, João Paulo Simões, op. cit., p. 122.

    31 NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. Trad. Inês A. Lohbauer. São Paulo: Martin Claret, 2016.

    32 Ideia também neste sentido encontra-se em: WOTLING, Patrick. Nietzsche e o problema da civilização. Trad. Vinicius de Andrade. São Paulo: Barcarolla, 2013, p. 37-38, em especial a crítica àqueles que buscam ler Nietzsche sob uma ótica estritamente racional e/ou metódica. A bem da verdade, aqueles que assim tentem lê-lo apenas demonstram que não são os destinatários naturais da obra.

    33 Cf. SANTOS, Mário Ferreira dos. Prefácio a NIETZSCHE, Friedrich. Vontade de potência. Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p. 103.

    34 Recorda-se aqui a passagem do diálogo entre o viajante e sua sombra, em que o viajante diz: bons amigos se dão um ao outro, aqui e acolá, como sinal de compreensão que, para qualquer terceiro, deve ser um enigma. E nós somos bons amigos (Prelúdio de NIETZSCHE, Friedrich. O viajante e sua sombra. Trad. Antonio Carlos Braga e Ciro Mioranza. São Paulo: Escala, 2013, p. 18.

    35 NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio de uma filosofia do futuro. Trad. Antonio Carlos Braga. São Paulo: Lafonte, 2012, p. 41-42.

    36 Vejamos: "A interpretação nunca é uma apreensão sem-pressupostos de algo previamente dado [eines Vorgegebenen, de um já-dado]. Quando a concretização particular da interpretação, no sentido da interpretação exata de texto, apela de bom grado para o que de imediato ‘está-aí’, o que está aí de imediato nada mais é do que a indiscutida, e que-se-entende-por-si-mesma, opinião-prévia do intérprete, que ocorre necessariamente em todo princípio-de-interpretação como aquilo que já é ‘posto’ com a interpretação em geral, isto é, já é previamente dado no ter-prévio, no ver-prévio e no conceito-prévio." (HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 427).

    2. O NIILISMO E SEU PROCESSO HISTÓRICO A PARTIR DA FILOSOFIA SOCRÁTICO-PLATÔNICA

    Sócrates é usualmente apontado como um dos mais importantes pensadores da história da filosofia ocidental. Não raro, encontraremos aqueles que inclusive o apontam como salvador do pensamento grego face aos perigos representados pela sofística.³⁷ Não nos interessam aqui muitos dos aspectos geralmente relatados pelos historiadores da filosofia. Para tanto, abdicamo-nos do recorrente manualismo para irmos direto para aquilo que é construtivo em nossa própria tese, sem ignorar, por óbvio, e pôr a prova, tudo o quanto já se encontra sedimentado. Nos interessa muito mais, nesta toada, avaliar os motivos pelos quais é possível aduzir dentro da tradição da filosofia, de uma fase pré e pós Sócrates. Independentemente do valor que se dê, certo é que a figura de Sócrates representa um marco que não pode ser ignorado no percurso da filosofia ocidental. Mais: é de crucial interesse, também, investigarmos alguns relatos e fatos que demonstram um tipo fisiológico patente em Sócrates, donde o "modus operandi" presente em sua postura e suas valorações afiguram-se como uma consequência. A vida de Sócrates, sua cruzada contra os sofistas e sua particular ironia na busca por infirmar a conhecida declaração do Oráculo de Delfos, que culminou na sua acusação e decorrente condenação à morte por ter supostamente corrompido a juventude e por introduzir novos deuses aos cultos oficiais da pólis são relatadas por contemporâneos seus, em especial Xenofonte e Platão, bem como umas boas centenas de historiadores da filosofia, pelo que foge ao intento deste trabalho repetir aquilo que muitos já disseram e, por ventura, descrever tediosamente aquilo que já fora lido inúmeras vezes pelos próprios leitores deste trabalho, como por exemplo o julgamento de Sócrates, retratado na Apologia.³⁸ Ao contrário, os trabalhos predecessores nos devem servir de impulso e embasamento para o desígnio que ora desenvolvemos e para os problemas que serão enfrentados.

    Pois bem, o tema do niilismo no âmago do pensamento ocidental apresenta um especial interesse em Sócrates. Explicaremos o porquê. Costuma-se apontar o início da filosofia grega como uma superação da mítica. Esta hipótese, no entanto, não se mostra de todo verossímil. A subjetividade do homem grego, de fato foi construída muito a partir da mítica e, sobretudo, a partir da epopeia homérica, por meio da qual Homero era um autêntico educador para o homem grego.³⁹ Por meio de Homero os gregos, de geração em geração, transmitiam seus costumes e crenças morais; a teologia⁴⁰ e organização social dos deuses, de modo que os antigos o viam de modo bastante diverso de como o vemos atualmente. No entanto, não se pode afirmar que exista uma abrupta ruptura entre uma fase mítica, preponderantemente representada pela epopeia homérica e pela Teogonia de Hesíodo e uma fase filosófica surgida a partir do século VI, na Mileto jônica, na qual se teria uma abordagem puramente racional da natureza. Fato é que tanto há um pouco de razão nas epopeias e na Teogonia, como há uma presença significativa da mítica no pensamento filosófico, seja dos pré-socráticos, seja de Platão e os que lhe foram posteriores.⁴¹ Basta analisarmos, por exemplo, a presença de inúmeros mitos e alegorias no bojo da filosofia platônica, como por exemplo o mito de er, a famosa alegoria da caverna, a teoria platônica da alma e da anamnese, entre tantos outros. Será necessário o decurso de muitos séculos para que, somente no início da modernidade, a filosofia pretenda conter apenas e tão somente razão⁴². Não estamos a adjetivar se uma coisa é preferível a outra, mas trata-se apenas de constatar este fato. No mais, mostramo-nos bastante céticos quanto a própria existência de um conhecimento puramente racional como o que passa a ser pretendido na modernidade e mesmo quanto a suposta superioridade de um conhecimento construído a partir desta aspiração. Uma constatação similar pode ser encontrada em Vernant que descreve a existência de uma posição ambígua no nascedouro da filosofia grega. Isto porque ela conserva simultaneamente a reserva dos cultos iniciáticos, - típica das religiões dos antigos mistérios, nas quais a iniciação representa a transposição por meio da qual permite-se ao sujeito o acesso a certos conhecimentos banidos aos profanos - e a publicidade dos debates e contendas que se dão no ambiente da ágora.⁴³

    Ressalvada, portanto, a constante presença do elemento mítico no curso da filosofia grega antiga, o importante a ser mencionado é a alteração de postura que fundamentalmente caracteriza o pensamento filosófico primevo em contraposição ao que existia até então. Enquanto a totalidade se explicava por meio da Teogonia, das epopeias e, sobretudo, pelo orfismo pulverizado pela cultura grega, o início da filosofia marca-se pela tentativa de explicar a totalidade do real pela via racional. A totalidade aqui é entendida como o mundo da physis. O homem, neste caso, é encarado no máximo como parte do cosmo. A filosofia da natureza, portanto, investigou o ser das coisas enquanto parte do cosmo. Com isso o homem foi contemplado como parte desse cosmo e o seu ser não chegou a ser objeto de estudo específico nesta primeira fase da filosofia. Como bem nos lembra Giovanni Reale, a physis, buscada de Tales em diante, ao perseguir o princípio último presente em todas as coisas também explicava, em alguma medida, o homem, vez que este integra este todo representado pelo cosmo. No entanto, aqui o homem é visto como objeto, mas não como sujeito, de modo que por tal motivo se pode compreender o porquê de a filosofia da natureza não ter modificado substancialmente a noção de areté que permanecia orientada pelas epopeias e pela Teogonia.⁴⁴ É com a sofística, todavia, que surgirá a apreensão e abordagem dos problemas inerentes ao homem, à moral, à política, à retórica, etc. Sócrates se oporá frontalmente às finalidades almejadas pelos sofistas bem como aos seus métodos que conduzem a um relativismo epistemológico que a filosofia pós-socrática passará a encarar como antifilosófica. A sofística ao longo da história, sobretudo pela influência platônica, fora sempre concebida de forma pejorativa, sendo fenômeno recente a reconstrução que alguns pensadores, como por exemplo Mario Untersteiner⁴⁵, vêm realizando acerca da relevância desempenhada pela sofística para o desenvolvimento da cultura política grega. Sócrates, em seu embate contra os sofistas e seus métodos aborda, também, os mesmos problemas que os sofistas - e com estes trava diversos diálogos, consoante retratado principalmente por Platão -, ou seja, os problemas inerentes ao homem e, mais especificamente, ao mundo do nomos, isto é, dos fenômenos de origem humana, convencionais.

    Neste cenário é que a filosofia passa a se ocupar não apenas das questões inerentes ao mundo natural (physis) mas também ao mundo dos fenômenos humanos (nomos). A filosofia a partir de Sócrates passa, então, a debruçar-se sobre temas como a política, a justiça, a beleza, a moral, o homem e a natureza humana, etc. Esta é possivelmente a maior razão para que se fale até hoje numa filosofia pré e pós socrática. Tem-se aqui um marco fundamental em que a filosofia outrora tinha como objeto somente a physis e agora além disso a ela também compete o nomos. Podemos afirmar que é com a sofística que se inicia o que se denomina hoje cultura humanista. Na medida em que os pensadores sofistas realocaram no homem e em sua participação no meio social a atenção do pensar, é natural que "os temas dominantes da especulação sofística tenham se tornado a ética, a política, a retórica, a arte, a língua, a religião, a educação (...). Com os sofistas, em suma, começa aquele que, com expressão correta foi chamado de período humanista da filosofia antiga".⁴⁶ Não podemos ignorar que é neste cenário e movimento que se insere o desenvolvimento de Sócrates como filósofo, destacando-se em específico sua atuação como que em uma reação à sofística. Daí porque, por exemplo, Jaeger bem acentue que (...) os sofistas são um fenômeno tão necessário quanto Sócrates ou Platão, antes, sem aqueles estes são efetivamente impensáveis.⁴⁷

    A sofística, especialmente por meio de seus mais famosos expoentes, Protágoras⁴⁸ e Górgias⁴⁹ manifesta posições que culminam em um relativismo epistemológico e, mais, numa impossibilidade de apreensão de uma verdade. Dois fatores podem ser cogitados para o relativismo sofístico. Primeiramente, a ampliação do comércio marítimo grego fez com que diversos contatos entre diferentes culturas fossem estabelecidos. Desse modo, percebeu-se que os fenômenos tipicamente humanos, em especial concepções como as de justiça, o conteúdo das leis, os hábitos, costumes e o regramento moral, variavam de local a local, não sendo possível, portanto, falar num justo universal e imutável ou mesmo numa moral dotada dos mesmos atributos. Teríamos como um exemplo de relativismo sofístico aplicado à problemática da justiça a fala de Trasímaco no livro I da República, quando aduz que a justiça é o que convém ao mais poderoso (338c)⁵⁰. Em segundo lugar e este nos parece ser o fator de preponderante relevância é a já então acentuada decadência da cultura aristocrática guerreira grega. Com o reforço e aprofundamento dos poderes do demos - em oposição ao genos⁵¹ - a concepção tradicional de areté passa a ser substancialmente modificada. O ideal de perfeição e de conciliação entre os atributos do corpo, da beleza, dos dotes físicos e do intelecto é substituído pelo desenvolvimento da essência da pessoa, o que naturalmente passa a poder ser ensinado e aprendido.⁵² A excelência humana deixa, dessa maneira, de depender do pertencimento a uma classe mais restrita - a nobreza, o genos - e passa a poder ser aprendida por todo e qualquer cidadão. Os atributos humanos que passam a ser objetivados na democracia relacionam-se especialmente às habilidades políticas que deverão ser testadas nos debates da ágora e na Assembleia, deixando de ser compreendidos como algo ínsito ao homem, advindo em seu nascimento e passam a ser considerados como atributos e aptidões que podem ser aprendidos e dominados por qualquer pessoa. A democracia abre ao vulgo - agora compreendido como cidadão - a oportunidade de participar de ambientes e decisões em que outrora era banido. O sofista surge, assim, como o profissional apto ao ensino desta excelência política a todo

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