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A Ineficácia Executiva da Sentença Inconstitucional
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E-book285 páginas3 horas

A Ineficácia Executiva da Sentença Inconstitucional

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Sobre este e-book

O Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu a possibilidade de estancamento da fase executiva quando a sentença executada estiver fundamentada em ato normativo reconhecido como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. Essa regra, contida nos arts. 525, § 12, e 535, § 5º do CPC, parece suplantar a garantia da coisa julgada como consequência do reconhecimento da inconstitucionalidade pela Suprema Corte em procedimento aparentemente destituído de efeitos erga omnes e vinculantes. Este livro analisa as normas processuais sob o viés da força do precedente da Corte Suprema oriundo do controle concreto de constitucionalidade, dos princípios constitucionais da isonomia, segurança jurídica e acesso à justiça, propondo, ainda, os contornos de uma legítima mutação constitucional do art. 52, inciso X da Constituição Federal.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de out. de 2020
ISBN9786558773504
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    A Ineficácia Executiva da Sentença Inconstitucional - Valter Fabricio Simioni da Silva

    15.

    01 - Neoprocessualismo brasileiro: destaque à principiologia e à padronização das decisões judiciais

    O direito processual civil atravessou fases evolutivas bem definidas ao longo de sua história. A doutrina identifica com certa unanimidade ao menos três delas: a) fase imanentista (ou sincrética), b) fase autônoma (ou científica) e c) fase instrumental (ou instrumentalista).

    Até meados do século XIX o processo não tinha vida autônoma, pois era compreendido apenas como o próprio direito substantivo em movimento, em atitude de defesa. Tratava-se, portanto, de mero apêndice do direito material³. Daí porque a primeira fase recebe o nome de imanentista: o direito processual era imanente ao direito material e dele dependia, como um galho depende do tronco. É também chamada de fase sincrética porque a ação se confundia com o próprio direito material⁴.

    A partir da obra de Büllow (Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais, 1868) teve início a fase autônoma da ciência processual. Desde então se compreendeu que o processo antes de tudo é uma relação jurídica de caráter eminentemente público envolvendo as partes e o Estado, em face de quem o jurisdicionado pede o provimento judicial. O processo passou a ser encarado como sede do exercício de uma função exclusiva pública – a função jurisdicional⁵ –, portanto, deve ser regido por direito público, o direito processual. A pacificação é uma finalidade do Estado e para a consecução deste objetivo, ele instituiu o sistema processual, ditando normas a respeito.

    Na fase instrumentalista a ciência processual encontrou maturidade⁶, com a conscientização de que o processo é um importante fator para a obtenção de resultados efetivos. Seu principal objetivo é aprimorar o serviço jurisdicional, conferindo efetividade aos seus princípios informativos⁷. A partir de então o processualista passou a dedicar seus esforços para descobrir meios de melhorar o exercício da prestação jurisdicional. Coube ao direito processual civil – ramo da ciência jurídica destinado à tarefa de garantir a eficácia prática e efetiva do ordenamento por meio da disciplina das formas da sua atividade⁸ – reinventar-se sistematicamente para encontrar o perfil próximo ao ideal de justiça, aproximando-se dos princípios constitucionais.

    Conforme Nader, o ordenamento jurídico é elaborado como processo de adaptação social e para isso deve ajustar-se às condições do meio, por consequência, o direito positivado deve expressar a vontade social e, assim, precisa se atualizar em face da mobilidade social. A paz, segurança e justiça que o direito visa a atender exige sempre a renovação de procedimentos⁹. Pontes de Miranda também destaca que o direito é um processo de adaptação social, que consiste em se estabelecerem regras de conduta, cuja incidência é independente da adesão daqueles a que a incidência da regra possa interessar¹⁰.

    Neste ponto, é intrigante notar que profundas alterações no ordenamento jurídico comumente impõem grandes receios até que ocorra a paulatina assimilação da atualização normativa. A entrada em vigor do CPC/2015 produziu esse fenômeno, especialmente quanto ao polêmico tema da vinculação aos precedentes, adiante abordado.

    No passado também houve reações doutrinárias contra ousadas atualizações processuais, como foi o caso da fundição do processo de conhecimento com o processo executivo operada por meio da Lei nº 11.232/05. A modificação do tradicional dualismo entre os procedimentos de conhecimento e executivo produziu, por exemplo, preocupação com o risco de mitigação dos princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório, além de possível ofensa à razoabilidade, especialmente em razão da criação de institutos inéditos na execução dos títulos judiciais como a majoração do débito em 10% (dez por cento) em caso de não cumprimento voluntário da sentença.

    Segundo Cappelletti, não é fácil vencer a oposição tradicional à inovação¹¹. Watanabe já disse que no Brasil, lamentavelmente, os maiores obstáculos da busca de novas alternativas processuais são o imobilismo e a estrutura mental marcada pelo excessivo conservadorismo, que apega irracionalmente às fórmulas do passado¹².

    Dentre algumas vozes que se levantaram contra aquela reforma processual, Greco aduzia que a inovação fortalecia a posição do credor, mas em contrapartida fragilizava a posição do devedor, que não mais desfrutaria da possibilidade de oferecimento de embargos incidentes, com a suspensão da execução¹³. Houve também manifestação contrária à reforma por parte de Fornaciari Junior, para quem seria melhor preservar valores maiores afinados à plenitude de defesa¹⁴.

    Calmon de Passos, confessando sua má vontade doentia contra as reformas em artigo publicado logo após a entrada em vigor da Lei nº 11.232/05, defendia que a alteração processual havia sido elaborada sem a devida reflexão sobre as consequências das mudanças, enaltecendo, por demais, o que denominou de divindade satânica da celeridade ou efetividade, sobrepujando, indevidamente, as garantias constitucionais do devido processo legal e consectários. Ele estava convencido de que pouco havia se alterado¹⁵.

    Especificamente em relação à multa de 10% (dez por cento) em caso do não cumprimento voluntário da sentença, assim se posicionou

    num país em que o discurso dos juristas é quase unânime em favor da ética, da justiça social, do combate ao enriquecimento sem causa e muitos outros valores excelsos, soa bem mal que, pelo simples fato de não se ter atendido voluntariamente à ordem do magistrado seja o devedor onerado com a escorcha de uma multa de 10% que incide não só sobre o principal como sobre acessórios: correção monetária, honorários, juros legais etc. (...) quem se beneficiará deste descompasso será o credor¹⁶.

    Não obstante os posicionamentos contrários de boa parte da doutrina, a prática forense demonstrou que a alteração do sistema processual operada pela Lei nº 11.232/05 implementou melhor ritmo à solução das demandas pertinentes a pagamento de quantia e proporcionou maior eficácia à prestação jurisdicional, na busca pelo acesso à ordem jurídica justa.

    A previsão da multa de 10% sobre o valor da condenação, mantida no atual CPC (art. 523, § 1º), revelou-se um mecanismo com forte conotação coercitiva para o adimplemento da obrigação e certamente trouxe resultados frutíferos na realização de seu objetivo, qual seja, conferir efetividade à jurisdição. Atualmente é impensável retornar ao estado anterior da dicotomia entre o processo de conhecimento e executivo, bem como, extinguir o meio coercitivo para o cumprimento voluntário da obrigação de pagar quantia.

    Demais disso, as reformas legislativas em direção à efetividade da justiça são importantíssimas para a proteção da segurança jurídica do Estado. Elas causam reflexos no desenvolvimento econômico do país, por constituírem requisito imprescindível ao fomento do investimento¹⁷. Quanto menor a segurança jurídica, mais arriscadas são as relações sociais, as transações econômicas e o desestímulo de investimentos, diante da instabilidade das bases negociais, imprevisibilidade dos seus efeitos e elevação dos seus custos.

    O Poder Judiciário tem impacto direto na economia, a começar sobre a taxa de juros. Em decorrência da dificuldade e do alto custo para se recuperar judicialmente determinado crédito em razão da burocracia processual, os bancos embutem o risco da insegurança jurídica no valor cobrado pelo dinheiro, preço pago, ao final, pela totalidade da sociedade.

    De acordo com Marinoni

    a previsibilidade sempre foi indispensável à vida dotada de racionalidade e também para o desenvolvimento do capitalismo. Portanto, a variação das decisões judiciais, ao significar falta de critérios para o empresário definir suas estratégias de ação e de investimento, certamente conspira contra a economia¹⁸.

    Segundo Gandra

    A instabilidade jurídica gera instabilidade econômica e esta se reflete na paralisação do crescimento econômico e na perda de competitividade da produção nacional (...) regras jurídicas estáveis, por outro lado, atraem o investimento e este gera desenvolvimento. Não sem razão Ronald Coase, prêmio Nobel de Economia em 1989, formulou sua teoria econômica de mercado à luz dos institutos jurídicos. É a segurança jurídica, segundo ele, que gera o progresso econômico (...) se um investidor não se sente seguro no investimento a fazer, não o faz ou cria cláusulas de proteção, para evitar a insegurança jurídica (...) o custo desses mecanismos termina por retirar a competitividade internacional dos produtos a serem negociados ou dos serviços a serem prestados¹⁹.

    Neste constante caminhar em busca do aperfeiçoamento do processo, parte da doutrina identificou o surgimento da quarta (e atual) fase de desenvolvimento da ciência processual, denominada neoprocessualismo²⁰. Nela são exaltadas as ligações do sistema processual com a Constituição Federal; os precedentes judiciais são mais valorizados; a solução adequada de conflitos é incentivada, assim como a lealdade entre todos os participantes do processo; uma nova mentalidade de interpretação das regras e fórmulas processuais toma lugar no cenário jurídico, dentre outras características. A última reformulação legislativa consumada por meio da aprovação da Lei nº 13.105/2015 parece ter representado bem este momento evolutivo do processo civil.

    Segundo Cambi, a efetivação da Constituição exige a superação do positivismo jurídico e do formalismo processual. O neoprocessualismo, portanto, trouxe novos ares e ideias que renovaram posições tradicionais hermenêuticas na busca por técnicas processuais voltadas à promoção do direito fundamental à ordem jurídica justa e, para tanto, revelou-se imprescindível o enfretamento do problema do fetichismo das formas, pois, o apego exacerbado à forma cria obstáculos não razoáveis à utilização do processo como mecanismo de promoção de direitos fundamentais²¹.

    Levando-se em conta que o legislador não consegue prever todas as hipóteses possíveis de regulação processual é importante que o aplicador da norma trabalhe com a generalidade da regra, sopesando-a com os valores insertos no próprio ordenamento de forma a manter a unidade interior da ordem jurídica, para então apontar a solução concreta do caso submetido à apreciação, sem descuidar das linhas mestras do sistema constitucional, suas garantias e princípios, normas valorativas primaciais para a concretização de conceitos jurídicos indeterminados, preenchimento de lacunas e interpretação em geral da lei processual²².

    Marinoni defende, neste mesmo rumo, que o direito de ação a partir da perspectiva da função do direito de acesso à justiça assume a figura do direito à preordenação de técnicas processuais adequadas à viabilidade de obtenção de tutelas prometidas pela lei substantiva, ou seja, o direito de ação como um direito fundamental deve ser devidamente protegido pelo legislador infraconstitucional por meio de mecanismos viabilizadores de acesso ou outros meios suficientes para a instituição de técnicas processuais adequadas, até mesmo aqueles pensados pelo Estado-Juiz, já que o legislador nem sempre atende as tutelas prometidas pelo direito material e as necessidades sociais.

    Cabe ao Juiz, então, a função de solucionar a omissão legislativa no julgamento do caso em concreto para garantir o pleno exercício do direito fundamental de acesso à justiça, por isso

    a omissão do legislador não justifica a omissão do juiz. Se um direito tão fundamental, a ser realizado, exige ao juiz para ser armado com potência suficiente para a proteção dos direitos, a ausência de uma regra processual que instituiu o lugar perfeito para este instrumento processual é um obstáculo óbvio para a ação de jurisdição e ao direito fundamental de ação. Então, para que a competência para exercer a sua missão, que é a de proteger os direitos, e para que aos cidadãos possam realmente ser garantido o seu direito fundamental de ação, não há alternativa senão admitir que o juiz possa remover a omissão inconstitucional ou o fracasso da proteção normativa do direito fundamental de ação²³.

    Em suma, de acordo com este pensamento o direito fundamental de ação exige do magistrado a concretização das normas processuais infraconstitucionais à luz dos direitos fundamentais, exercendo controle sobre eventual insuficiência normativa acerca das técnicas processuais criadas para o alcance da proteção da tutela do direito material. Deste modo, ainda que o legislador seja omisso em editar técnica processual idônea para determinada proteção ao direito material deve o Juiz prestar a tutela jurisdicional adequada e efetiva para amparar o direito da parte, já que o jurisdicionado não é obrigado a se contentar com um procedimento inidôneo.

    Humberto Theodoro, Nunes, Bahia e Pedron advertem, contudo, que esse protagonismo judicial só é legitimado pelo atual ordenamento jurídico quando construído com base na cooperação com os demais atores processuais:

    o abandono do formalismo constitucionalmente compreendido em favor de uma concepção vinculada ao dogma socializador do protagonismo judicial – que permitiria ao magistrado sozinho flexibilizar as formas processuais no exercício de um ativismo seletivo – não encontra guarida no sistema do novo CPC, pois o pressuposto da cooperação é fundante no novo sistema processual e toda forma deve guardar fundamento em alguma garantia²⁴.

    A fase contemporânea da ciência processual civil, então, evidencia ao menos duas fortes propriedades: a expansão da técnica legislativa aberta das cláusulas processuais e o reconhecimento da força normativa dos princípios fundamentais previstos na Constituição Federal. Ambas características revelam intensa relação com a teoria dos precedentes, justificando o avanço da matéria no CPC/2015 em comparação com o código revogado.

    A correlação entre o emprego da técnica legislativa aberta e a teoria dos precedentes é bastante íntima, na medida em que a partir das cláusulas abertas as decisões judiciais criam verdadeiramente as normas aplicáveis aos casos concretos, até então regulados incompletamente por meio dos enunciados normativos de conteúdo indeterminado. Deste modo, para conferir coerência, harmonia e unidade ao sistema é imprescindível sua estruturação com apoio nos precedentes.

    É intenso também o vínculo dos precedentes com os princípios fundamentais, bastando relembrar que essa doutrina (doctrine of precedent) é justificada, dentre outros princípios, na observância da igualdade e previsibilidade (segurança jurídica), pois a aplicação da mesma regra em casos análogos resulta, ao mesmo tempo, em isonomia de tratamento e confiabilidade no sistema judicial, decorrente da calculabilidade dos resultados²⁵.

    Foi neste terreno que o legislador regulamentou mais incisivamente a aderência aos precedentes no sistema processual brasileiro, aliando a proteção à isonomia e à segurança jurídica aos fatores de política judicial que demandavam maior coerência aos provimentos jurisdicionais. É certo que a força normativa da Constituição se impõe à legislação infraconstitucional independente de previsões legais, contudo, não se descarta o mérito do CPC/2015 ter enaltecido expressamente os princípios constitucionais, notadamente o da segurança jurídica e da igualdade²⁶.

    Mais do que nunca, então, é importante compreender adequadamente as normas principiológicas, as quais, na lição de Ávila, descrevem um estado de coisas a ser alcançado por meio de determinados comportamentos, remetendo, assim, o intérprete a valores e a diferentes modos de promover resultados, além de servirem de razões a serem conjugadas com outras para a solução de um problema²⁷. Para o fim deste estudo importa destacar três princípios constitucionais relacionados ao processo: segurança jurídica, isonomia e acesso à justiça.

    1.1. - O sistema processual civil brasileiro e a força normativa dos princípios

    O termo sistema na ciência jurídica pode assumir mais de um sentido a depender da conveniência de quem o emprega²⁸. Pode tanto designar todo o ordenamento jurídico de um determinado Estado quanto um ramo específico do direito, a exemplo do sistema constitucional, sistema processual, sistema penal, etc. Mas uma característica é fundamental à ideia de sistema jurídico, qual seja, a de que ele é formado por porções (maiores ou menores) de normas orientadas sob um vértice comum, que lhe dá sustentação. Em suma, onde houver um conjunto de elementos normativos inter-relacionados entre si e aglutinados sob uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema²⁹.

    Conforme Franz Wieacker, citado por Streck e Abboud

    o termo sistema é mais restrito a determinado ordenamento jurídico que reúna as seguintes características: a) plena compreensão de todos os elementos de sua classe; b) do ponto de vista externo, está fechado aos elementos que lhe sejam alheios, ou seja, é autárquico; c) do ponto de vista interno, é coerente e consistente³⁰.

    É atual a lição de Perassi, citado por Bobbio, no sentido de que o arranjo do ordenamento jurídico deve ser perseguido apropriadamente, sem vulnerabilidade metodológica, tendo sempre em mente que suas normas não podem ser compreendidas isoladamente, pois, fazem parte de um sistema, e certos princípios agem como ligações pelas quais as normas são mantidas juntas de maneira a constituir um bloco sistemático³¹.

    Canaris estruturou o pensamento sistemático e o conceito de sistema justificando-o a partir dos princípios da justiça, igualdade e da segurança jurídica, que demandam a busca pela previsibilidade do direito, estabilidade e continuidade da legislação e da jurisprudência. Esses objetivos, conclui, podem ser melhor perseguidos por meio de um direito adequadamente ordenado, dominado por princípios, ou seja, um direito ordenado em sistema, em vez de uma multiplicidade inabarcável de normas singulares desconexas e em contradição umas com as outras. O papel do sistema seria o de traduzir e realizar a adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica³².

    Assim, dois pontos são essenciais à ideia de sistema: unidade e coerência. Não obstante o grande número de dispositivos jurídicos processuais, nunca se pode afastar do pressuposto de que a ciência jurídica que apura este ramo do direito faz parte de um todo indecomponível e, por isso, deve ser harmônica e ao mesmo tempo, enfrentar o desafio de responder a uma realidade em evolução permanente.

    A multiplicidade de enunciados normativos processuais, dentro e fora do CPC, está internamente conectada e submetida a determinados princípios fundamentais que orientam a ciência processual civil, conferindo unidade ao ordenamento como um todo.

    De acordo com Dinamarco existe um conjunto de conceitos e princípios elevados ao grau máximo de generalização e condensados a partir dos diversos ramos do direito processual, denominado teoria geral do processo³³. Ela sistematiza os princípios comuns às várias figuras processuais para reconstruir, sobre bases sólidas, a plataforma do direito processual em um bloco harmonioso. A teoria geral do processo identifica, define e harmoniza os princípios processuais com as garantias e institutos do processo, conferindo os contornos da ciência processual, alicerçada nos princípios constitucionais fundamentais expressos na Constituição Federal³⁴. Para Nelson Nery Júnior o direito processual se compõe de um sistema uniforme, que lhe dá homogeneidade, de sorte a facilitar sua compreensão e aplicação para a solução das ameaças e lesões a direito ³⁵.

    Ada Pellegrini, em uma de suas primeiras obras publicadas, já fazia menção à estreita correlação entre a disciplina processual e o regime constitucional em que o processo se desenvolve

    Todo o direito processual – como ramo do direito público – tem suas linhas fundamentais traçadas pelo direito constitucional, que fixa a estrutura dos órgãos jurisdicionais, que garante a distribuição da justiça e a declaração do direito objetivo, que estabelece alguns princípios processuais (...). É justamente a constituição o instrumento jurídico de que deve utilizar-se o processualista para o completo entendimento do fenômeno ‘processo’ e de seus princípios³⁶.

    Com efeito, o tecido normativo que integra o sistema processual é orientado por princípios fundamentais umbilicalmente relacionados a postulados constitucionais, de onde extraem sua validade. A propósito, é célebre o ensinamento de Eros Grau

    a interpretação do direito é interpretação do direito, no seu todo, não de textos isolados, desprendidos do direito. Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele - do texto - até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum³⁷.

    Indubitavelmente, a Constituição Federal é o ponto de partida para a interpretação, compreensão e aplicação do sistema processual. São as normas constitucionais que moldam o direito processual civil, especialmente porque o processo é uma expressão do poder do

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