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Tattoo (イレズミ)
Tattoo (イレズミ)
Tattoo (イレズミ)
E-book330 páginas4 horas

Tattoo (イレズミ)

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Sobre este e-book

Em 1999, o desaparecimento da colega de escola Arisu Higa, faz o grupo de amigos Tsukiko, Satsuki e Nakasato começarem uma busca de respostas diante de um caso que não ganha grande repercussão e que ao mesmo tempo mexe com cada um deles individualmente.

Dez anos depois, o que se descobriu ser um assassinato, jamais foi solucionado de forma satisfatória, mas Satsuki ressurge com algo que poderá trazer Tsukiko e Nakasato de volta à busca da verdade sobre o que aconteceu com a jovem colegial.

Os acontecimentos de Tattoo nos levam a Kabukichô, o famoso distrito da luz vermelha de Tokyo. O ponto de vista de Tsukiko nos mostra suas impressões sobre a cultura, a vida e os relacionamentos durante a história, abordando assuntos como mestiçagem, preconceito, xenofobia e a fragilidade de ser mulher na sociedade contemporânea.

Neste livro, a linguagem usada é de lightnovel, por isso contém várias ilustrações em estilo mangá.
IdiomaPortuguês
EditoraBuruRu
Data de lançamento5 de nov. de 2023
ISBN9786598015022
Tattoo (イレズミ)

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    Tattoo (イレズミ) - Lua Bueno Cyríaco

    Assim como boa parte dos adolescentes que cresceram nos anos 90 e início dos 2000, fui bem alimentada com o que surgiu numa onda que logo tomou conta do Brasil: animes, mangás, games e cultura pop japonesa. Aquele mundo apresentado era novo e incrível, em várias coisas muito diferente do nosso, e por um tempo foi um tanto quanto cringe (embora não se usasse esse termo na época) curtir esse tipo de coisa. Hoje é moda e tá tudo bem, basicamente toda criança e adolescente conhece animação e quadrinho japonês.

    No entanto, embora seja uma abertura muito estimulante da cultura japonesa, o que a gente recebe nem sempre corresponde com a parte mais, digamos, grossa, o que é mesmo vivido lá. Na verdade, até é, mas as críticas ou observações sobre alguns aspectos mais duros passam batidos pela gente, pois realmente não temos ideia de como é o dia a dia das pessoas de um país antigo e tão distante (física e culturalmente) do nosso. Porém não reclamo. Foi através dessa aberturinha que comecei a me interessar, tentando ver e entender mais adiante.

    A cultura japonesa fora dos produtos pop é também fascinante, assim como a nossa, cheia de belezas e contradições. Aaah, as maravilhas do mundo contemporâneo, né? Em partes, o capitalismo e a globalização realmente aproximaram todos nós em gostos e sofrimentos. Mas, claro, cada um com sua idiossincrasia, que é o que dá cor, volume e sabor a tudo!

    E foi pensando nisso que este livro nasceu. Como brasileiros, tentamos pensar o que seria receber e perceber uma cultura, quando inserida nela, e uma coisa que nem sempre vemos nos mangás, mas comumente vemos nos livros é como a cultura te envolve com seus altos e baixos.

    A ficção aqui mostra, é claro, uma história com personagens não reais, mas também mescla com alguns acontecimentos e fatos verídicos. Não cabe a mim defini-los, no entanto. Espero apenas que se divirtam e que, se você não conhece a cultura japonesa, possa conhecer algumas coisas, mas sempre mantendo em mente que essa é apenas uma partezinha, e sob apenas uma perspectiva, a que eu escolhi. Existem, claro, milhares de outras.

    Um outro ponto interessante de se mencionar é a escolha editorial para a formatação do texto e a diagramação que tomam uma grande liberdade, típica do que se conhece por Light novels. No Japão dos anos 90, esse formato de publicação surgiu e rapidamente ganhou os jovens leitores em especial por apresentar características como: linguagem coloquial, centro da trama no personagem e utilização de recursos gráficos (como ilustrações, páginas de mangá ou formatações gráficas diferentes).

    O legal da Light novel é que não existe um padrão e cada editora (ou autor) pode definir como trabalhar, sugerindo assim uma experiência narrativa em seus próprios moldes. Então, embora possa causar alguma estranheza, também esperamos que possamos aproximar a linguagem literária e do quadrinho ao máximo, de maneira interessante para os leitores.

    Como cria dessa geração muito estimulada por cultura pop de todos os cantos do mundo, posso dizer tranquilamente que viemos de uma sopa com os seguintes ingredientes: j-pop, animes, mangás, sitcoms, R&B, boys e girls bands, Tarantino e John Woo, uma grande rebarba de anos 80 nas formas mais absurdas e brilhantes, um quezinho de estéticas espaciais, videogames de lutinha com personagens extravagantes e, claro, muito cinema hollywoodiano.

    Foi com esses ares que Teresa Helsen criou Scrupulo. Uma história que poderia ser uma série de TV, novela ou algo parecido. No entanto, diferentemente do que consumíamos — apesar de toda a globalidade—, dificilmente nos víamos participando dessas histórias. Então, não por acaso, ela escolheu colocar uma personagem brasileira no centro nesse universo completamente estranho à nossa vivência real, mas que faz parte de todo o nosso imaginário.

    Claudia Cazarotto — a personagem — então começou uma ideia que a autora iria estender para outras histórias. Ao criar, junto às amigas e companheiras de jornada, uma organização de ajuda mútua entre mulheres (não somente, mas principalmente) conhecida como Tabuleiro, ela desdobrou várias possibilidades de narrativas.

    Agora, unidas em um objetivo de trocarem serviços e/ou favores, essas mulheres vão viver e contar suas histórias que estão de alguma forma interligadas por essas tramas que envolvem o mundo feminino no espaço e tempo diferentes.

    Na série Tabuleiro, vamos conhecer várias histórias de diversas personagens diferentes que pertencem a um mesmo mundo e precisam lidar com as dores e delícias de serem o que são; pessoas muitas vezes relegadas a cidadãos de segunda classe envoltas em uma disputa por sua autonomia e lugar ao sol, em maior ou menor escala.

    Claro, tudo sempre regado a generosas doses de cultura pop.

    🞉 the outsider ✖ 🗖 🗕

    Eu não sei o que

    vocês fizeram no

    verão passado...

    Postado em 30 de agosto de 1999 por Oki, The Outsider

    Eu sei o que eu fiz e adianto que boa parte não pode ser dita, pois me implicariam legalmente. Sabem como é. Eu sei de vocês, mas vocês não sabem de mim: é assim que funciona.

    Mas qual não foi a surpresa ao voltar ao império da perda de tempo e saber que uma das alunas famosas não havia retornado.

    A-chan¹ é aluna da turma 3C do prestigioso Colégio Q, conhecida por sua pele amorenada — como a do pessoal de Okinawa — e descendência latina. Na verdade não há muitas opiniões sobre ela; sabe-se que é uma aluna de classe média. Não sendo rica como boa parte dos esnobes do colégio (filhos e filhas de empresários e gente do governo), provavelmente, como parte dos outros alunos, apenas passou na prova e teve alguém com condições para pagar. Tenho certeza, no entanto, de que ela não faz parte da famigerada classe dos bolsistas, pois já foi vista zanzando com um ou outro grupo de riquinhos mais benevolentes (aqueles que adotam uns bichinhos entre os menos abastados) e participando de seus comentários ácidos e risadinhas direcionadas a qualquer um que seja o alvo do momento.

    A ausência foi percebida como estranha depois da primeira chamada do dia, diante da expressão de surpresa do professor N da turma 3C. Esta turma é reconhecida como a dos alunos mais promissores do terceiro ano do Ensino Médio e que, segundo o colégio gosta de divulgar, ingressam nas melhores universidades — mesmo aqueles que não fazem cursinho preparatório. No entanto, é de conhecimento geral que, além do critério de melhores do colégio, também entra o de mais ricos. Então, o que causa estranheza é que, para uma aluna que não fede nem cheira (nem exemplar, nem rica), a ausência é bem curiosa. Será que ela sabe que cada dia de aula perdido é um grande crime contra a sociedade? Mas, o mais importante, será que a falta dela consiste em apenas um episódio insosso ou se trata de algo que vale a pena ser divulgado? Isso, senhores, é algo que eu não sei ainda.

    E, quando não sei de alguma coisa, isso é muitíssimo intrigante, não acham?

    Publicado às 20:00 horas

    🔗 Link do post 💬 comentar 👁 ver comentários (15)

    Eu vou começar este relato com a certeza de que, mais uma vez, um culpado sairá impune.

    Quando eu penso o quanto fantasiava sobre a retidão e honra do povo japonês, chego a sentir aqueles rompantes sardônicos saindo do fundo da barriga como se fossem gases. Huá, huá, huá.

    É claro que, quando se é uma adolescente afogada em uma realidade de merda tendo como responsável uma mãe drogada e morando num beco qualquer da M Norte (a boa e velha Tailândia, como é apelidada a divisa entre Taguatinga e Ceilândia), uma das piores quebradas de uma cidade interiorana como Brasília (que, à parte de ser a capital do Brasil, pode facilmente ser comparada a um condomínio imenso cheio de gente meio caipira, meio emergente), o que se tem de notícias sobre o Japão é só rosas, ou melhor, vermelhos crisântemos que esvoaçam de quimonos e espadas empunhadas por honrados samurais. Infelizmente a verdade é que a Terra do Sol Nascente e seus habitantes não vivem dentro de um ukiyo-e. Eu deveria ter me ligado de que mundo flutuante deveria significar algo além do que apenas um conceito poético. Mas eu não sabia nada naquela época, era só uma menina ignorante. Também, verdade seja dita, o que a gente pensa sobre o país é um monte de conceitos antigos que, se forem analisados criticamente, tem várias falhas. Assim como o código dos cavalheiros era uma piada que só servia para romances ficcionais de cavalaria, o bushidô também é uma beleza no teatro. É triste ter que lidar com a realidade, né? Ver que, não importa o quanto uma cultura pareça evoluída e civilizada, do lado onde não bate o sol tem muita coisa bizarra. E não é questão de não entender o outro não, viu? É que as pessoas são assim, aqui ou lá, em cima ou embaixo...

    Enfim, os mangás me enganaram. Malditos sejam!

    Eu não queria falar do passado (juro que, apesar de soar amarga, hoje em dia sou muito mais alegre), mas é difícil não o relacionar com o que está acontecendo agora. Não somente porque quando penso no futuro não esqueço meu passado, mas porque a situação é terrível e nauseantemente parecida.

    E porque o passado, literalmente, bateu em minha porta.

    Enquanto subia a pequena ladeira que levava à minha casa, pensando o quanto eu teria que correr com a janta, percebi aquele carro de luxo estacionado em frente ao meu portão. Quando me aproximei, o motorista abriu a porta traseira e, dela, vi sair aquelas pernas longas que só poderiam pertencer à única mulher que conheci com aquela estatura.

    Os saltos tocaram o chão quase sem barulho, e a figura esguia emergiu e se dirigiu a mim. Apesar do porte imponente, ela não se aproximou muito. Não tinha mais essa intimidade.

    — Você continua cheia de energia — sorriu ela educadamente enquanto me olhava carregar sacolas de compras montada no meu melhor moletom e shorts de corrida. Eu não me senti impelida a ignorá-la, mas não consegui sorrir de volta. Não nos falávamos há tantos anos... Eu deveria deixar de ser turrona.

    Abri o portão calada e rosnei um convite para que Olivia Yayoi Fujiwara me seguisse, o que ela fez também em silêncio embora mantivesse aquela irritante expressão simpática protocolar.

    Olivia era sempre muito comedida em demonstrações, então, quando não estávamos entre os mais íntimos, ela era quase inexpressiva, mas dessa vez, mesmo antes de entrarmos em casa à segurança de qualquer olhar, ela deu uma boa olhada na fachada de nossa casa e sorriu satisfeita ao reparar os brinquedos no pequeno jardim da frente.

    — As crianças estão em casa? — perguntou alegremente. Eu franzi o cenho, estranhando. Como ela sabia que eram mais de uma? Mas, ao perceber o olhar dela no cabideiro da porta, entendi: lá estavam o casaco rosa cheio de flores de cerejeira e uma capa de chuva de robozinhos.

    — Ainda não... — tirei alguns brinquedos do sofá e indiquei que se sentasse — hoje chegam depois das seis.

    — Entendo... sei que não é uma boa hora, peço sinceras desculpas — ela se curvou com educação, e seu tom e gesto me fizeram lembrar imediatamente da época da escola, quando ela segurava os rojões do comportamento deplorável da colega aqui, uma péssima influência que certamente a levaria para um péssimo caminho. Rá! Sequer imaginavam quem levava quem... Não resisti, virei para ela com uma expressão de deboche que, confesso, uso com frequência maior do que o desejável e disse:

    — Eu já não bebo tanto assim, foi mal — e entortei a boca. Ela sorriu sem mostrar os dentes. É claro que se lembrou que, depois de pedir sinceras desculpas, ela era a primeira a virar e dizer: Hoje vamos beber até esquecer que esses idiotas existem. Me virei rapidamente para ir até a cozinha, ia largar os pacotes de qualquer jeito, mas lembrei que tinha umas coisas pra geladeira. Reclamei comigo mesma como sempre faço e gritei de lá que já voltava. Não tinha nada pronto, mas achei umas caixinhas de suco das crianças, peguei duas e levei — Nakasato mudou de horário, desculpa — expliquei, esquecendo que ela não fazia ideia do que isso significava. — Er, tô sem nada pra servir, mas... são bons esses suquinhos — peguei um e furei com o canudinho — são os mais saudáveis que tem, pelo menos — comecei a sugar enquanto ainda a encarava, com aquela pose de madame.

    Ficamos em silêncio por uns segundos; é claro que ela não esperava tomar um suquinho de caixinha assim como não esperava uma recepção efusiva. De qualquer forma, eu tinha um talento especial de deixar todo mundo meio confuso, incluindo a mim algumas vezes.

    Ela se levantou de repente com um barulho de admiração e foi até uma das paredes onde, em cima do aparador, estavam alguns quadros com trabalhos fotográficos.

    — Estes vejo que são seus... mas esses... são dele? — apontou ela acertadamente para quais eram os de minha autoria e os de Nakasato.

    — Você tem um bom olho! — me admirei.

    — Admiro suas obras — sorriu — adorei a exibição na galeria M ano passado, não consegui resistir a alguns.

    — Ah, você...? Eu não sabia que tinha trabalhos meus, nunca vi seu nome entre os compradores... — fiquei realmente surpresa por tudo.

    — Sim, costumo adquirir anonimamente — sorriu e voltou sua atenção para os trabalhos dele — estão muito bons, não acha? Estou admirada...

    — Ah, estão maravilhosas, né?... Ano passado ele fez um trabalho incrível, chegou a ganhar um prêmio com as fotos que fez para a cobertura de uma matéria como correspondente internacional da... — não pude responder com a humildade necessária nessas ocasiões, eu tinha muito orgulho do trabalho dele, seria inútil esconder, mas acabei me tocando de que não cabia bem falar tanto assim.

    — E uma menção honrosa nas Nações Unidas, sei bem... muito merecida! Eu fiquei muito tocada com o relatório sobre o povo dele — disse ela, balançando a cabeça, satisfeita. Eu estava surpresa, e fiquei sem graça de perceber que ela, mesmo à distância, acompanhava a gente de alguma forma a ponto de saber até mesmo nossas recentes conquistas. Mas, antes de eu pensar em algo para falar, ela tinha um dos porta-retratos que ficavam em cima do aparador nas mãos e se virou para mim animada:

    — Ah, eles são lindos. Como se chamam?

    — Ah, Lana e Kei — sorri. Por um momento estranhei que ela não os conhecesse, mas é claro, foi um lapso. Paramos de nos falar desde antes do nascimento da mais velha.

    — Lana? Foi ele que escolheu o nome, né? — riu e eu acompanhei.

    — Só podia, né, Satsuki? — ri alto. Ele tinha uma queda na Alanis Morissette que só a gente sabia, pois seria vergonha demais pra um punk do naipe dele assumir. Por isso ele escolheu algo que lembrasse, mas não fosse literalmente o nome dela.

    — Ah... não me chamam assim há tanto tempo... — falou quase como que para si mesma. Ficamos de repente um pouco sem graça, mas ela continuou, recuperando o clima e se aproximando de mim enquanto olhava a foto — Olha essas ondas nos cabelos... iguais aos seus, ela é sua cara — rimos concordando. — Já ele...

    — Sim! E, sim, a carinha de peste corresponde à personalidade.

    Gargalhamos e ela colocou a foto de volta no lugar, com algum pesar. Eu acho que ela sentia por ter perdido essas coisas todas. Bem, sei que eu senti por não ter compartilhado com ela. Quais seriam as coisas incríveis que ela teria feito? Eu tenho certeza de que teria histórias, apesar de seguir os protocolos e as regras da forma como esperavam que fizesse, ela tinha uma chama latente que sempre me deu a certeza de que não conseguiria seguir o caminho plenamente, sem desviar mesmo que um pouco quando ninguém estivesse vendo... Eu tinha plena convicção de que ela tinha segredos, mas, se ela ainda for como quando nos conhecemos, ela jamais admitiria abertamente.

    — A última vez que soube, você tinha anunciado o fim de sua carreira como modelo... li na Vogue. Aliás, linda a sessão de fotos daquela edição!

    — Obrigada! Foi um sentimento agridoce... como sempre — riu de forma misteriosa e nos sentamos juntas. Para minha surpresa, ela pegou o suquinho e bebeu. — Há alguns anos venho me dedicando a outras atividades.

    Quando ela falou isso, senti que a leveza de nossa conversa tinha acabado ali.

    — Eu gostaria de ter aparecido antes — continuou a conversa —, mas, bem... perdemos contato — apenas levantei bastante as sobrancelhas, concordando totalmente com ela, impaciente com a lenga-lenga, e ela continuou. — Esses dias eu me deparei com algo muito... intrigante e... doloroso.

    Ela escolhia as palavras, e eu soube imediatamente o que viria.

    Seria impossível que, quando nos encontrássemos, fosse quando fosse, aquilo não voltasse à tona. Só me surpreendi por ser ela a trazê-lo.

    Olivia deve ter sentido meu olhar sobre ela. Não sei qual é a cara que faço, mas sei que não é agradável. Ela respirou fundo e continuou (devia estar empenhada; se fosse eu olhando minha cara feia, tinha mandado à merda e seguido meu caminho. Me policiei e tentei amenizar. Não tenho a mínima ideia se consegui):

    — Lembrei da Arisu esses dias. Encontrei algumas anotações entre minhas coisas — ela me olhou brevemente, um sorriso sem graça no canto dos lábios — algumas poucas coisas, mas... sei que você fez várias mais e, se você ainda é parecida com aquela época, imagino que tenha guardado...

    Virei a cabeça, confusa. O que ela queria com isso, agora?

    — O que você quer com isso agora? — tirei a ênfase do agora; uns minutos antes tinha decidido que não ia brigar com ninguém hoje.

    — Isso... me deixou intrigada. Você sempre foi muito determinada. Sei que foi mais longe do que qualquer um — pareceu consternada.

    — Você ficou... intrigada...

    Minha voz, apenas um murmúrio, saiu vagarosa, como se estivesse mastigando aquelas sílabas e entendendo o sabor que aquelas palavras tinham. Meio amargo. Minha reação automática foi a de esticar os lábios em um sorriso forçado, como tantos que dei depois de adulta.

    — Quem diria! Finalmente conseguiu se sentir intrigada.

    Sorrindo, eu me levantei, balançando de leve a cabeça como se tivesse ouvido uma gracinha qualquer. Em partes, eu estava achando mesmo uma piada. De terrível mau gosto.

    — Hoje sou eu que cuido do jantar.

    — Sim, claro — ela também se levantou, sorriu sem jeito e se dirigiu à porta, onde a acompanhei. Ela tirou um cartão e me entregou — creio que teremos muito o que conversar ainda sobre isso.

    — Não mais...

    Fechei a porta, ciente de que meu péssimo hábito de negar diretamente era uma falta de educação na maioria das situações.

    Pensando agora, eu fui uma chatona do caralho. Não precisava tanto, ainda mais depois desse tempo todo. Nakasato tem razão, eu não sei deixar pra lá...

    ***

    Tentei desligar a mente e fiz a janta o mais rápido possível, o que significa que eu escolhi um macarrão com legumes que me tomou quase uma hora. Especialmente porque hoje eu não teria ajuda do mais velho, que iria dormir na casa de um amiguinho para estudar.

    — Mamãe, já tá pronto?

    Kei aparecia na cozinha de cinco em cinco minutos, coitado. Apesar de eu ser boa tanto na cozinha do dia a dia quanto com doces e coisas assim, hoje minha cabeça ia longe.

    Me enrolei tanto que Nakasato chegou antes de eu terminar e acabou levando as crianças pra tomar banho já que eu não tinha feito isso por conta da janta.

    Apesar de tudo estar fora de ordem, ele não falou nada; porém, sentia aqueles olhinhos cerúleos brilhantes em mim de cima a baixo. Mesmo que eu fosse do tipo que faz mistério, seria quase inútil tentar esconder algo dele. Mas de alguma forma eu não sabia o que dizer sobre o que aconteceu algumas horas antes.

    Depois de brincar um pouco com as crianças — quero dizer ele, pois eu só olhava e sorria vez ou outra, como se estivesse anestesiada e apenas respondendo aos estímulos automaticamente —, Nakasato subiu com elas e as colocou para dormir. Assim que ele fez isso, eu liguei o computador, pois precisava checar meus e-mails; entretanto, assim que abriu a janela do navegador, antes mesmo de pensar, lá estava eu no antigo blog que tinha ficado escondido no tempo e espaço da web.

    🞉 the outsider ✖ 🗖 🗕

    Semana

    dourada

    fora de hora?

    Postado em 4 de setembro de 1999 por Oki, The Outsider

    Bem, já que nos inteiramos sobre o que vários colegas fizeram no verão passado (disputa acirrada pelo pior verão entre M-chan, que é linda como uma fada e burra como uma porta e passou o verão recuperando nota, e K-kun que passou com o pé pra cima no hospital devido a uma fratura depois de uma das suas ideias brilhantes que — certeza — envolviam fazer alguma merda a terceiros), sigo para tratar do assunto que ainda me intriga: onde está A-chan?

    Passou-se uma semana sem que ninguém tenha falado sobre o motivo da ausência dela. Os menos interessados dizem que só pode ser algo corriqueiro como algum problema de saúde. Mas sejamos francos: quem fica uma semana doente? A não ser que seja sério, e, se fosse sério, creio que os professores já teriam dito e toda a turma estaria fazendo cartões ou copiando deveres para ajudar a colega como se pede a boa educação que o faça.

    Ao olhar a reação dos professores à menção do nome dela, além de um buchicho aqui ou outro ali, posso afirmar com plena certeza de que há algo a mais nessa história. Felizmente não estou especulando sozinho e devo agradecer aos meus contatos que compartilham dessa estranheza comigo.

    publicado às 02:15 horas

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    A ausência velada

    Postado em 7 de setembro de 1999 por Oki, The Outsider

    Já não é mais

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