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Duas Viagens ao Brasil: 1547-1555
Duas Viagens ao Brasil: 1547-1555
Duas Viagens ao Brasil: 1547-1555
E-book327 páginas2 horas

Duas Viagens ao Brasil: 1547-1555

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Sobre este e-book

Este livro é considerado documental, pois ele traz nas suas poucas páginas muitas das primeiras informações sob os povos que habitavam na região costeira do Brasil.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de nov. de 2023
ISBN9786555851564
Duas Viagens ao Brasil: 1547-1555

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    Duas Viagens ao Brasil - Hans Staden

    AS VIAGENS DE HANS STADEN

    Marcos Frederico¹

    No final das narrativas de suas duas viagens ao Brasil, o alemão Hans Staden faz a seguinte observação: Ademais posso bem imaginar que o conteúdo deste livrinho pareça a muitos fantástico. Isso está em acordo com o que, no Prefácio da obra, o Dr. Johann Eichmann desenvolve: uma exposição sobre maravilhas descobertas no século XVI, tais como a existência de antípodas, o fato de o sol não desaparecer durante meio ano em determinadas regiões, a redondeza da terra.

    A intenção do autor e do prefaciador são fáceis de deduzir, qual seja, a de atestar a verdade dos fatos narrados por Staden, a quem a grande massa de pessoas poderia atribuir invencione. Mais de duzentos anos após a viagem à China de Marco Polo, cujo relato não mereceu todo o crédito, os europeus permaneciam aferrados às concepções medievais, sem atentar para o novo mundo que surgia.

    Realmente, à grande massa populacional europeia dos anos 1500 poderia parecer impossível haver pessoas que viviam nuas e praticavam a antropofagia, além de desconhecerem quem era o verdadeiro e único Deus. Isso sem contar a existência de alguns animais que sequer supunha existir. Daí as justificativas de Staden e Eichmann.

    Numa época em que a Inquisição ainda era poderosa, Staden, em que pese ser natural de um país protestante, ressalta o porquê de ter escrito o livro. O motivo principal não foram os acontecimentos em si, mas o agradecimento a Deus, que sempre o protegeu enquanto esteve prisioneiro dos tupinambás. Staden queria que todos tomassem ciência da bondade e da proteção divina. Quem sabe esse tenha sido o argumento decisivo para seu livro receber o imprima-se das autoridades do tempo.

    * * *

    Divide-se a obra em duas partes ou dois livros. No Livro Primeiro, o autor relata as duas viagens que fez ao Brasil, sendo a segunda muito mais interessante que a primeira, devido ao maior número de peripécias; no Livro Segundo, escreve, como um antropólogo, sobre a terra e seus habitantes, não deixando de insistir, na explicação dessa parte, que o relato é verídico.

    Staden é um homem de seu tempo, com a mentalidade comum à época. Aos índios – tupinambás, tupiniquins ou de qualquer outra etnia – ele só chama de selvagens e o antissemitismo aparece claramente no Capítulo XXII do primeiro livro, quando, prisioneiro dos tupinambás e aguardando a sua execução, pensou nos sofrimentos do nosso salvador Jesus Cristo, como foi inocentemente torturado pelos vis judeus. Não se nota no viajante a percepção de que os índios tinham um índice de civilização (embora tecnologicamente inferior ao dos europeus) nem que possuíam uma religião. Daí a incompreensão sobre o maracá, tido como uma divindade, quando na verdade é um instrumento sacro. O sistema escravista é algo normal para Staden e ele mesmo teve, durante algum tempo, um escravo da etnia carijó.

    Entretanto, ele se horroriza com os hábitos antropofágicos dos selvagens e também com o costume das mulheres tupinambás de comerem os piolhos que catavam. A explicação que lhe deram é surpreendente: os piolhos eram inimigos, por isso os comiam, tal como comiam os inimigos humanos. Daí que os tupiniquins, sendo amigo dos portugueses, não os devoravam; já os tupinambás procediam da mesma forma em relação aos franceses. Esse foi o argumento de Staden para tentar não ser devorado: alegou ser francês. Esse artifício, porém, não deu certo.

    Surpreendemo-nos com o registro sobre os índios carijós, que se vestiam com peles de animais silvestres e cujas mulheres faziam tecidos de fio de algodão como sacos, abertos em cima e em baixo. Como se vê, os povos do litoral sudeste do Brasil não eram tão selvagens. Em compensação, os índios guaianás eram nômades – o que é sinal de atraso, pois o nomadismo vem antes do sedentarismo, quando surge então uma organização social em bases patriarcais.

    Vivendo de forma diferente daquela que o capitalismo em ascensão imporia ao mundo, admira-se o viajante de os tupinambás não terem propriedade privada nem conhecerem dinheiro, vivendo numa espécie de comunismo primitivo (percepção nossa, não dele). Não aceita a poligamia entre seus apreensores e não entende como ritual de passagem (conceito inexistente à época) o fato de as moças, antes do casamento, terem os cabelos arrancados e sofrerem arranhaduras nas costas. Da mesma forma se refere a um mito escatológico ou de fim de mundo sem atinar para o fato de que as escatologias são comuns às sociedades humanas e não apenas à cultura judaico-cristã: narram que houve uma vez uma vastidão de águas, na qual todos os seus antepassados morreram afogados. Somente alguns daí escaparam numa embarcação e outros sobre altas árvores. Penso que deve ter sido o dilúvio (Capítulo XXIII, Livro Segundo).

    Algumas situações nos remetem a Os Lusíadas, de Luís de Camões. No capítulo XX do Livro Primeiro, por exemplo, durante a viagem em que os tupinambás levavam o prisioneiro Staden para sua terra, uma tempestade medonha se fez. Então, ele orou e pediu a Deus que mostrasse aos pagãos selvagens, fazendo cessar o temporal, que era capaz de ouvir a sua prece.

    Também nos lembramos de Pero de Magalhães Gandavo, autor do primeiro século da colonização do Brasil, que, em sua História da Província de Santa Cruz, após constatar que os índios não tinham em sua língua fonemas correspondentes às letras F, L e R, disse que isso era coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei. Em equívoco semelhante incide Staden no início do Capítulo XIII do Livro Segundo, quando afirma que os selvagens não têm governo, nem direito estabelecidos. Cada cabana tem um superior. Este é o principal. Além de contraditória, trata-se de percepção com muito preconceito, pois evidentemente os índios tinham fé em seus deuses, tinham chefes e também leis (não escritas, obviamente).

    Mas não vamos mais falar do que o livro contém, para não prejudicar o leitor, revelando-lhe mistérios e suspenses, tudo versado em uma leitura fluente. Parodiando Gandavo, diremos que isso é, igualmente, coisa digna de espanto: um autor do século XVI escrever duas narrativas ágeis e gostosas, na primeira parte, além de descrições, quase crônicas, igualmente saborosas, na segunda parte.

    Queremos falar do que não foi dito. De um silêncio que é bastante expressivo. É que notamos a ausência da sexualidade no livro – coisa digna de espanto, já que não existe pecado do lado de baixo do equador. Em breve passagem, Staden refere-se ao fato de que uma mulher é dada a um prisioneiro e, se ela tem dele um filho, criam-no até grande, matam-no e o comem, quando lhes vem à cabeça (Capítulo XXIX, Livro Segundo).

    Hans Staden omite esse fato em relação a sua pessoa e em relação a qualquer um dos amigos portugueses. Entretanto, nos indagamos: foi-lhe dada alguma mulher? Ou o pecado era apenas dos selvagens? Ele passa incólume por essa tentação e aparece rezando, rezando o tempo todo. Mesmo na Carta de Pero Vaz de Caminha, lemos que os componentes da frota de Cabral foram a terra e lá folgaram. Na narrativa do aventureiro alemão Hans Staden, não há folga. Isso é sintomático de uma época de extremo fanatismo religioso, em que a Europa se debatia entre os católicos e os protestantes, ambos sendo acossados pelos infiéis árabes e turcos. Indispensável manter a compostura, até para preservar a vida.

    Finalizamos dizendo que, se Hans Staden não folgou, certamente o leitor folgará e terá muito prazer ao ler um testemunho ímpar sobre o início da colonização na terra chamada Brasil.

    NOTA DO EDITOR

    Duas viagens ao Brasil (1547-1555) é um clássico brasileiro, escrito por um alemão que trouxe consigo um imaginário arraigado na Alemanha de meados do século XVI, o que não o impediu de ver o outro absoluto, na sua vivência diária, a praticar os seus costumes, a comer os seus inimigos (chamo a atenção para a imagem do garoto que roía a perna de um prisioneiro morto em frente ao lugar em que Staden estava preso e para a celebração das mulheres com a perspectiva de saborear carne fresca, quando ele chegou na aldeia). Ainda que lhe fosse terrível ver tais coisas, ele que era um protestante fervoroso, é com certa calma que assiste ao que poderia ser uma representação cinematográfica, cujos protagonistas eram os índios Tupinambás, e ele no papel de coadjuvante e narrador das cenas que se desenrolavam e que o envolviam.

    A sua maneira de ser e de estar, as suas observações rigorosas e a precisão com que descreveu os rituais, a geografia, os personagens, garantiram ao seu livro um estrondoso sucesso na Europa. Naquele período, conforme poderemos ver nas publicações, era consignado um amplo espaço para o Novo Mundo. Era com espanto que os europeus tomavam conhecimento sobre a vasta costa brasileira e os povos tradicionais que a habitavam, as danças, os utensílios, a disposição para a guerra e, sobretudo, a antropofagia, que tanta tinta fez correr sobre papéis em todos os lugares do planeta.

    Nesta edição, tivemos o cuidado de trabalhar o máximo possível para que ela satisfaça e se torne indispensável para os estudiosos do período da fundação do Brasil. A tradução é de Alberto Löfgren, de 1930, direto do alemão, a partir do texto original de 1557. Nós atualizamos a língua portuguesa, conforme o Novo Acordo Ortográfico; comparamos com o texto alemão; respeitamos a apresentação e distribuição das imagens; mantivemos as notas esclarecedoras de Theodoro Sampaio.

    Publicar esta obra é possibilitar ao público falante da língua portuguesa uma das mais importantes contribuições para o conhecimento e compreensão do Brasil. Este livro é, além do público que ele alcance, um oferecimento particular ao professor Djard Vieira, do Ifam, Campus de Parintins, do editor Isaac Maciel, porque foi ele quem despertou o seu interesse pela obra, no período em que, em Manaus, ele frequentou as suas aulas de Antropologia.

    Ao sereníssimo e nobilíssimo Príncipe e Senhor, Senhor Philipsen, Landtgraf de Hessen, Conde de Catzenelnbogen, Dietz, Ziegenhain e Nidda etc., meu gracioso Príncipe e Senhor.

    Graça e paz em Cristo Jesus nosso redentor, Gracioso Príncipe e Senhor. Diz o Santo Rei Profeta, David, no Salmo 107:

    Os que se fazem ao mar em navios, traficando em

    [grandes águas,

    Esses veem as obras de Jeová e suas maravilhas no

    [profundo.

    A um aceno, Ele, faz soprar tormentoso vento, que lhe

    [ergue as ondas.

    Sobem aos céus, descem aos abismos: suas almas se

    [aniquilam de angústia.

    Tropeçam e titubeiam como bêbados: e toda a sua

    [sabedoria lhes foi.

    Clamam, porém, por Jeová em suas aflições; e Ele os

    [tira dos apertos.

    Faz cessar as tormentas, e se aquietam as ondas.

    Então se alegram, porque tranquilizados, e Ele os

    [conduz ao desejado porto.

    Louvem, pois, o Senhor pela sua bondade e pelas suas

    [maravilhas, para com os filhos dos homens.

    E o exaltem no seio do povo, e no conselho dos

    [anciãos o glorifiquem.

    Assim, agradeço ao Todo Poderoso, Criador do céu, da terra e do mar, ao seu filho Jesus Cristo e ao Espírito Santo, pela grande graça e clemência de que fui alvo durante a minha estada entre os selvagens da terra do Brasil, chamados Tuppin Imba² e que comem carne de gente, onde estive prisioneiro nove meses e corri muitos perigos, dos quais a Santa Trindade inesperada e milagrosamente me salvou, para que eu, depois de longa, triste e perigosa vida, tornasse a ver a minha muito querida pátria, no principado de Vossa Graciosa Alteza, após muitos anos. Modestamente e com brevidade tenho narrado essa minha viagem e navegação para que Vossa Graciosa Alteza a queira ouvir, lida por outrem, de modo que eu, com auxílio de Deus, atravessei terras e mares e como Deus milagrosamente se mostrou para comigo nos perigos. E para que Vossa Graciosa Alteza não duvide de mim, como se eu estivesse a contar coisas mentirosas, queria oferecer a Vossa Graciosa Alteza, em minha própria pessoa, uma garantia para este livro. A Deus somente seja, em tudo, a Glória. Recomendo-me humildemente à Vossa Graciosa Alteza.

    Datum Wolffhagen a vinte de junho – Ano Domini.

    Mil quinhentos e cinquenta e seis.

    De V. A. súdito Hans Staden, de Homberg, em

    Hessen, agora cidadão em Wolffhagen.

    Ao nobilíssimo Senhor H. Philipsen, conde de Nassau e Sarprück etc., meu gracioso Senhor, deseja D. Dryander muita felicidade, com o oferecimento de seus préstimos.

    Hans Staden, que acaba de publicar este livro e história, pediu-me para rever, corrigir e, onde fosse necessário, melhorar o seu trabalho. A este pedido aceitei, por muitos motivos. Primeiro, porque conheço o pai do autor, há mais de cinquenta anos (pois nascemos no mesmo estado de Wetter, onde fomos educados), como um homem que, tanto na terra natal, como em Homberg, é tido por franco, devoto e bravo, e que estudou as boas artes, e (como diz o rifão) porque a maçã não cai longe da árvore, é de esperar que Hans Staden, como filho deste bom homem, deva ter herdado as virtudes e a

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