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Estado, Coalizões E Estratégias Social-democratas De Desenvolvimento Na Suécia E Na Noruega
Estado, Coalizões E Estratégias Social-democratas De Desenvolvimento Na Suécia E Na Noruega
Estado, Coalizões E Estratégias Social-democratas De Desenvolvimento Na Suécia E Na Noruega
E-book724 páginas7 horas

Estado, Coalizões E Estratégias Social-democratas De Desenvolvimento Na Suécia E Na Noruega

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Sobre este e-book

A história sociopolítica e político-econômica da Suécia e da Noruega pode ser entendida a partir das políticas e estratégias nacionais de desenvolvimento. Em ambos os países, o moderno Estado de bem-estar social de matiz social-democrata, do qual eles constituem o principal modelo internacional, não foi uma eventualidade casual e espontânea, mas a forma como a economia e a sociedade foram politicamente organizadas em suas trajetórias de desenvolvimento. As formas como se processou o desenvolvimento técnico-científico-industrial nesses países condicionaram fortemente o caráter social-democrata dos seus respectivos Estados de bem-estar social, os quais adotaram, desde o início, um viés favorável ao crescimento econômico e à diversificação produtiva, entendidos pelas organizações partidárias e sindicais dos trabalhadores como fatores positivos para a consolidação de políticas redistributivas dentro de um sistema econômico misto.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de out. de 2023
Estado, Coalizões E Estratégias Social-democratas De Desenvolvimento Na Suécia E Na Noruega

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    Estado, Coalizões E Estratégias Social-democratas De Desenvolvimento Na Suécia E Na Noruega - Felipe Maruf Quintas

    FELIPE MARUF QUINTAS

    ESTADO, COALIZÕES E ESTRATÉGIAS SOCIAL-DEMOCRATAS DE DESENVOLVIMENTO NA SUÉCIA E NA NORUEGA

    NITERÓI

    2023

    O meio mais importante e mais eficaz [...] de se aumentar o bem-estar geral dos homens, ao mesmo tempo em que se os esclarecem, os dirigem no mundo do bem e os libertam das inconveniências incômodas (pobreza, desemprego, má educação), na medida em que isto seja factível, seria persuadir grandes príncipes e os (seus) principais ministros a fazerem esforços extraordinários para a busca de tais grandes bens, para permitir que o nosso tempo desfrute de vantagens que, sem isto, ficariam reservadas para uma posteridade distante.

    G. W. Leibniz (1646-1716)

    Sumário

    NOTA DE APRESENTAÇÃO

    INTRODUÇÃO

    1 - ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL, SOCIAL-DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO

    2 - SUÉCIA

    2.1 – O Desenvolvimento Antes da Social-Democracia

    2.2 - Desenvolvimento Econômico e Social na Era Social-Democrata

    2.2.1 - Da Grande Crise à II Guerra Mundial

    2.2.2 - II Guerra Mundial e o Imediato Pós-Guerra

    2.2.3 - O Plano Rehn-Meidner

    2.2.4 - Aspectos Correlatos ao Plano Rehn-Meidner

    2.2.5 – O Desenvolvimento Sueco do Pós-Guerra em Números

    2.3 – A Crise do Modelo Sueco e a Ascensão do Neoliberalismo

    2.3.1 – Décadas de 1960 e 1970: pressões pela desregulamentação financeira e desgaste da coalizão social-democrata

    2.3.2 – A disputa em torno dos Fundos de Assalariados no Contexto da Crise do Modelo social-democrata

    2.4 – A Ascensão Neoliberal e o a Remodelação do Padrão de Organização Político-Econômica

    2.5 - Política Industrial e Desenvolvimento no Século XXI

    2.6 – Síntese

    3 - NORUEGA

    3.1 – O Desenvolvimento Norueguês Antes da Social-Democracia

    3.2 – A Guinada Social-Democrata: 1935-1940

    3.3 – Segunda Guerra Mundial: unidade contra os invasores

    3.4 – O Desenvolvimentismo Social-democrata antes do petróleo (1945-1969): Industrialização e Bem-estar Social

    3.4.1 - Surgimento de uma nova era e seus princípios

    3.4.2 – Planejamento Industrial

    3.4.3 – Planejamento do Capital Estrangeiro

    3.4.4 – Planejamento Financeiro

    3.4.5 – Política Trabalhista e Social

    3.4.6 – O Desenvolvimento Norueguês do Pós-Guerra em Números

    3.4.7 – Síntese

    3.5 – A Era do Petróleo

    3.5.1 – Anos 1960-1970: o surgimento da Noruega petroleira

    3.5.2 – Crise Econômica e Reformas Sociais na Década de 1970

    3.5.3 – A Noruega na Globalização Neoliberal: redesenho da estratégia de desenvolvimento

    3.5.3.1 – Reformulação da Estratégia da Coalizão

    3.5.3.2 – Reestruturação Financeira e Industrial em Tempos Neoliberais

    3.5.3.3 – O Petróleo no Centro da Indústria Norueguesa

    3.5.3.4 – Políticas de Inovação no Século XXI

    3.6 – Síntese

    4 - PANORAMA COMPARADO

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    NOTA DE APRESENTAÇÃO

    Este livro é uma versão ligeiramente modificada da minha tese homônima de doutorado, defendida e aprovada em fevereiro de 2023 no Programa de Pós-Graduação de Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Agradeço ao professor Marcus Ianoni pela rigorosa e responsável orientação, e aos professores Fernando Augusto Mansur de Mattos, Patrícia Helena Fernandes Cunha, Alessandro Andre Leme e Fabiano Guilherme Mendes Santos pela avaliação criteriosa nas bancas em que participei. Agradeço também ao amigo Pedro Augusto Pinho que muito contribuiu ao dar gentil e informalmente o seu parecer. Eximo-os de toda responsabilidade sobre os eventuais erros e controvérsias desta obra, que recaem única e exclusivamente sobre mim. 

    Como não poderia deixar de ser, agradeço, também, ao PPGCP, à UFF e à Capes por todo o apoio institucional oferecido ao longo do meu doutorado e de toda a minha pós-graduação, propiciando meios financeiros e materiais para a realização desta obra.

    INTRODUÇÃO

    Suécia e Noruega são, há décadas, países mundialmente reconhecidos e admirados pela solidez e eficácia dos seus Estados de bem-estar social, pelo caráter social-democrata das suas políticas e pelo alto padrão de vida desfrutado pela sua população. No ranking de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 2021, divulgado pela ONU, a Noruega ocupa a 1ª posição, com um IDH de 0,961, e a Suécia a 7ª posição, com um IDH de 0,947¹.

    O interesse internacional pelos países escandinavos despontou, na década de 1930, com a publicação, em 1936, do livro Sweden: The Middle Way, de autoria do jornalista estadunidense Marquis Child. Numa época turbulenta, caracterizada, em grande parte do mundo, pelo esgarçamento das instituições democráticas e pelo fortalecimento de tendências e regimes autoritários e totalitários, a apresentação da Suécia como um modelo de organização social e econômica intermediária entre o capitalismo liberal em ruínas e o socialismo coletivista soviético, sem prejuízo da democracia política e da ampla garantia dos direitos civis e políticos, tornou-se um objeto de fascínio a partir de então (Lindbeck, 1997, p. 1275). A Noruega, país economicamente menos exuberante que a Suécia, alcançou maior projeção internacional a partir da descoberta de petróleo no Mar do Norte, na década de 1960, o que a enriqueceu e possibilitou o fortalecimento do seu bem-estar social.

    Na década de 1980, a popularidade do modelo nórdico alcançou seu apogeu na academia e no debate público internacionais na medida em que Suécia e Noruega mantiveram uma invejável taxa de pleno emprego e uma boa e duradoura performance econômica e social, enquanto a maior parte da Europa ocidental debatia-se com o desemprego em massa no rescaldo das crises do petróleo (Kautto, 2010, p. 582).

    No Brasil, em particular, o interesse pelo estudo de tal modelo justifica-se pelo sucesso que ele obteve em compatibilizar o desenvolvimento econômico com a equidade social em contextos políticos democráticos, aspirações de longa data de parcelas expressivas da sociedade brasileira.

    O modelo nórdico pode ser entendido em termos de responsabilidade pública ampla, financiada por impostos e soluções legisladas, coletivas e universalistas que respeitam os interesses do emprego enquanto visam objetivos de bem-estar e equidade² (ibid: p. 600). Enquadra-se no tipo social-democrata de Estado de bem-estar social, definido pelo sociólogo dinamarquês Gøsta Esping-Andersen em seu clássico The Three Worlds of Welfare Capitalism (1990), pelo alto grau de desmercantilização dos serviços públicos, isto é, de independência e proteção em relação aos mecanismos competitivos de mercado, e pela universalização dos programas de assistência e seguridade num alto nível de qualidade e de participação política. Nas palavras do autor:

    Em vez de tolerar um dualismo entre Estado e mercado, entre classe trabalhadora e classe média, os social-democratas buscavam um Estado de bem-estar social que promovesse uma igualdade dos mais altos padrões, não uma igualdade de necessidades mínimas como era buscado em outros lugares. Isso implicava, em primeiro lugar, que os serviços e benefícios fossem elevados a níveis compatíveis até mesmo com os gostos mais exigentes das novas classes médias; e, segundo, que a igualdade seja proporcionada garantindo aos trabalhadores a plena participação na qualidade dos direitos usufruídos pelos mais abastados (Esping-Andersen, 1990, p. 27 – tradução livre³).

    Em essência, as políticas social-democratas adotadas nesses países, sustentadas, em termos sociopolíticos e político-institucionais, no compromisso de classe entre capital e trabalho, nos marcos da ordem capitalista, visavam a regulação pública do capital privado para alinhar os interesses de mercado com os interesses sociais. Nessa perspectiva, o Estado não competiria com o capital privado nem o substituiria, mas atuaria nos setores não-lucrativos, porém fundamentais para o bom funcionamento da economia como um todo, de modo a assegurar a estabilidade macroeconômica de longo-prazo e atenuar as desigualdades distributivas inerentes ao capitalismo. O êxito das políticas social-democratas dependia, portanto, da lucratividade da ação empresarial privada, pois o pleno emprego, a elevação salarial, a arrecadação tributária e o planejamento econômico requeriam, em condições capitalistas, uma margem suficiente de lucro para viabilizar novos investimentos. A elevação da produtividade agregada consistiu, assim, em um dos objetivos estruturais da social-democracia, pois ela proporcionaria o jogo de soma positiva capaz de manter de pé o compromisso social-democrata entre capital e trabalho (Przeworski, 1985, p. 31-43). 

    Desde cedo, os social-democratas entenderam a centralidade do desenvolvimento, em particular da indústria, para a consecução dos seus objetivos políticos. Karl Kautsky (1854-1938), um dos pais fundadores da social-democracia europeia, defendia que a social-democracia deve confiar em sua vitória não apenas em função do poderio crescente do proletariado, mas inclusive pelo poder crescente da indústria no seio da sociedade (Kautsky, 1986 [1899], p. 273). Na visão de Kautsky, amplamente compartilhada pelos seus correligionários, o desenvolvimento industrial e a incorporação dos demais setores econômicos à dinâmica industrial, como a agricultura, na medida em que ampliassem e fortalecessem a presença e a posição do proletariado na sociedade, promoveriam o desenvolvimento social, cujo baluarte seria justamente o proletariado (ibid: p. 285-288).

    Na Suécia e na Noruega, países onde a social-democracia obteve uma força política e uma capilaridade social mais duradouras e profundas que em outros países europeus, muito em razão de terem estendido seu apelo aos agricultores e aos empresários e estabelecido fortes alianças com eles desde a Crise de 1929, o perfil de industrialização e urbanização no século XX foram fortemente definidos pelo controle político exercido pelos governos social-democratas sobre o desenvolvimento econômico, de modo a ajustá-lo ao ideário de solidariedade e igualdade intrínseco à social-democracia. A visão de uma sociedade industrial socialmente integrada no âmbito do Estado-nação foi predominante nas social-democracias desses países, para as quais o desenvolvimento econômico afigurava-se como um dos principais meios para alcançar as finalidades redistributivas universalistas pleiteadas pelas bases sociais e eleitorais social-democratas (Sejersted, 2011). Como afirmou o historiador britânico Tony Judt sobre as social-democracias escandinavas: os partidos democratas sociais foram o veículo através do qual a sociedade agrária tradicional e o trabalho industrial entraram na era urbana: nesse sentido, a social-democracia na Escandinávia não foi apenas uma política entre tantas outras; foi a própria forma da modernidade (Judt, 2008, p. 372).

    Nesses países, dotados de uma forte organização social interna em torno de interesses de classes e altamente integrados à economia internacional, o desenvolvimento econômico assumiu diferentes formas ao longo do tempo, de acordo com a correlação de forças sociais e a composição de interesses no âmago das instituições e o modo como as dinâmicas internas relacionaram-se com as tendências e movimentações internacionais. A redefinição das estratégias de desenvolvimento, frequentemente, deu-se como resposta política e social às pressões advindas de crises externas, refletindo a capacidade de mobilização política dos diferentes agentes em novas circunstâncias, de maneira a engendrar novas configurações de organização econômica, institucional e societária. Os governos social-democratas, tendo herdado todo um conjunto de instituições fundamentais para os processos anteriores de desenvolvimento, consolidaram-nas como elementos organizadores do desenvolvimento. Os governos social-democratas não foram pioneiros em estabelecer estratégias nacionais de desenvolvimento; antes, pelo contrário, foram herdeiros de processos desenvolvimentistas anteriores, que estabeleceram dinâmicas altamente fecundas do ponto de vista da industrialização e da formação de um mercado interno e fundaram muitas das instituições que seriam centrais, até hoje, para a estruturação do desenvolvimento econômico. Muitas das instituições econômicas e de bem-estar social que atingiram uma grande envergadura durante o período social-democrata foram, na verdade, criadas por governos anteriores para atender os requisitos de integração nacional definidos pela forma burguesa de Estado-nação construída nos séculos anteriores. A social-demcoracia, nascida da aglutinação dos trabalhadores em prol dos seus interesses classistas, foi, ela mesma, um desdobramento de processos de modernização urbano-industrial encaminhados por governos e coalizões de feitio nacionalista-burguês e/ou conservador.

    Todavia, foram as estratégias social-democratas, iniciadas na década de 1930 como resposta aos efeitos recessivos e disruptivos da Crise de 1929 e consolidadas após a II Guerra Mundial, as que mais contribuíram para a modelação do perfil de nação alcançado por Suécia e Noruega. A cooperação entre capital e trabalho em ambos os países refletiu-se na reorganização do Estado para atender às necessidades conjuntas de acumulação capitalista e redistribuição da renda, o que obrigou a tornar o poder público o agente central de regulação econômica e social a favor do desenvolvimento e da ampliação do produto interno nacional e das oportunidades de investimentos e empregos, a fim de sustentar um nível de bem-estar geral que garantisse o equilíbrio entre as classes sociais fundamentais. Nesse contexto, o Estado encarregou-se de controlar o fluxo de crédito para incentivar as atividades produtivas e encorajou grandes projetos industriais e tecnológicos com o fito de aumentar a competitividade internacional e garantir um nível superior de empregabilidade e arrecadação. O aspecto redistributivo do Estado de bem-estar social, ao privilegiar a formação e a capacitação da mão de obra e o aumento do seu poder consumidor, foi, então, pensado não apenas para contemplar diretamente as reivindicações trabalhistas e sociais, mas para, em alguma medida, socializar os custos de reprodução do capital e cooperar no aumento da produtividade e da demanda agregada, de modo que a redistribuição estivesse inserida em uma estratégia de desenvolvimento voltada para a ampliação do bolo comum a ser repartido por meio de políticas sociais e de emprego. 

    O caráter social-democrata dos Estados de bem-estar desses dois países fortaleceu politicamente o sindicalismo operário e priorizou a meta do pleno-emprego na agenda política nacional, ao mesmo tempo em que cumpriu o papel de estimular a inovação industrial, para o qual a cooperação entre capital, trabalho e Estado foi crucial para assegurar a pacificação das relações trabalhistas e a estabilidade institucional e social necessárias à continuidade dos planos e programas de desenvolvimento. A agenda social-democrata entranhou-se de tal modo nas instituições e na própria sociedade que, desde meados do século passado, é impossível dissociar os dois países do padrão social-democrata de Estado de bem-estar social, do qual eles se tornaram paradigmáticos. Mesmo a ascensão da globalização neoliberal, nas décadas de 1980-1990, ao enfraquecer os mecanismos estatais de coordenação macroeconômica e desregulamentar o mercado de trabalho e de capitais, não foi capaz de desmantelar o prestígio social-democrata destes países, apesar das modificações profundas que ocorreram. Enquanto a Suécia não conseguiu reorganizar uma coalizão de apoio a uma nova estratégia de desenvolvimento, a Noruega, por meio de um grande acordo nacional em torno do petróleo, conseguiu ajustar sua estratégia de desenvolvimento para fortalecer a sua posição econômica no mercado global de capitais e garantir a sustentação de longo prazo do seu Estado de bem-estar social.

    O tema geral deste livro consiste na economia política da relação entre Estado e desenvolvimento na Escandinávia. O tema específico são as modalidades das estratégias nacionais de desenvolvimento nesses dois países, que conjugam a industrialização e a construção de Estados de bem-estar social. O problema de pesquisa não consiste, pois, em avaliar esses Estados de bem-estar social, mas em compreender analítica, descritiva e comparativamente seu papel nas estratégias de desenvolvimento econômico experimentadas por esses países. Trata-se de examinar e compreender como as estratégias nacionais de desenvolvimento adotadas promoveram, simultaneamente, mudanças no padrão de organização material e na estrutura dos Estados, que se consolidaram como estados de bem-estar social. Isso será feito observando tanto a correlação doméstica de forças sociais e políticas quanto as transformações internacionais na organização monetária e financeira. A hipótese desta obra, então, é a de que, na Suécia e na Noruega, o Estado de bem-estar social-democrata, construído a partir da ascensão de governos social-democratas após a Crise de 1929, representou uma estratégia de desenvolvimento econômico na qual a transformação estrutural das forças e relações de produção esteve vinculada a maior participação dos trabalhadores na distribuição das riquezas e no controle do planejamento industrial, no bojo de uma coalizão sociopolítica e político-institucional abrangente dos trabalhadores, dos empresários e dos agricultores, institucionalmente articulados em instâncias neocorporativistas de produção de consenso acerca de políticas econômicas e sociais. Desse modo, o desenvolvimento econômico expressou, no plano material, a concertação de forças e de interesses que sustentava a social-democracia, pois somente o aumento da produtividade pela sofisticação das cadeias produtivas e ampliação da mão de obra qualificada permitiria equilibrar interesses tão diversos e até mesmo contraditórios. O redistributivismo social-democrata, organizado de forma negociada entre os governos, os sindicatos e as federações empresariais, assumiu não um sentido confiscatório e expropriador, mas pró-desenvolvimento, de modo que a maior equidade social se tornasse o dínamo da maior densidade tecnológica e competitividade internacional dos setores econômicos autóctones. As políticas econômicas e sociais formaram, pois, uma unidade dentro das estratégias social-democratas, cujo dinamismo e viabilidade dependiam do apoio político organizado nas coalizões de apoio formal e informal aos governos. O desenvolvimento econômico, foi, assim uma das principais facetas dos Estados de bem-estar social na Suécia e na Noruega, e contribuiu para delinear o perfil socioeconômico desses países. O objetivo desta obra, então, é investigar, tanto de forma analítico-descritiva quanto comparativa, as características e as vicissutudes da modelação social-democrata do desenvolvimento na Suécia e na Noruega, a partir das coalizões pactuada entre as classes fundamentais no bojo das políticas governamentais.

    Os objetos de estudo não são, portanto, os Estados de bem-estar social e as políticas sociais propriamente ditos, mas os processos de desenvolvimento econômico que lhes deram suporte e lhes definiram. Efetua-se, assim, uma análise política da economia política do desenvolvimento sueco e norueguês, compreendendo-o a partir do substrato sociopolítico e político-institucional das mudanças econômicas e sociais ocorridas nesses países. A centralidade do Estado e as modalidades de coalizão e parceria da administração pública com grupos socioeconômicos são questões relevantes para se entender a dinâmica do desenvolvimento econômico e social em cada um desses países.

    Ao investigar e comparar as estratégias nacionais de desenvolvimento na Suécia e na Noruega e sua importância para a fundamentação material dos renomados Estados de bem-estar social nesses países, esse livro objetiva suprir uma lacuna nos estudos específicos sobre desenvolvimento, concentrados, essencialmente, no leste asiático e em países emergentes da América Latina e África. Nessas regiões e países, a temática do desenvolvimento se fez presente de forma mais notável em função de seu relativo atraso ainda em meados do século XX. Monografias como MITI and the Japanese Miracle, de Chalmers Johnson (1983), Asias’s Next Giant, de Alice Amsden (1989), sobre a Coreia do Sul, Governing the Market, de Robert Wade (1990), sobre Taiwan, Embedded Autonomy (Autonomia e Parceria, na edição em português) de Peter Evans (1995) e The Rise of the Rest (A Ascensão do Resto, na edição em português), de Alice Amsden (2003), sobre os países em desenvolvimento, e State-Directed Development, de Atul Kohli (2004), com foco na Coréia do Sul, no Brasil, na Índia e na Nigéria, tornaram-se, com muita justiça, referências obrigatórias na literatura sobre o desenvolvimento.

    Há, todavia, uma carência de pesquisas nesse sentido que tenham por objeto os países mais desenvolvidos, em particular Suécia e Noruega. Algumas obras seminais como Small States in World Markets, de Peter Katzenstein (1985), European Industrial Policies, editado por James Foreman-Peck Giovanni Federico (1999), e Industrial Policy in Europe after 1945, editado por Cristian Grabas e Alexander Nützenadel (2014), trazem reflexões e informações fundamentais para o tema, porém tais estudos privilegiam o âmbito microeconômico das políticas industriais, sem focalizar sistematicamente a integração das políticas industriais ao desenvolvimento, aqui entendido como processo macro-estrutural politicamente construído por estratégias nacionais, tal como definido adiante, no capítulo 2.1 desta obra.

    Em outras obras, como Kicking Away the Ladder (Chutando a Escada, na edição em português), de Ha-Joon Chang (2002) e O Estado do Bem-estar Social na Idade da Razão, de Celia Lessa Kerstenetzky (2012), a social-democracia sueca/escandinava é retratada em seus aspectos desenvolvimentistas, porém de forma bastante sumarizada, uma vez que esse não era o tema central das respectivas pesquisas. Ademais, dentre as obras recém-citadas, a Noruega constitui objeto de análise apenas em Katzenstein (1985) e em Kertenetzky (2014), nessa última como parte dos países escandinavos analisados em conjunto. A dissertação O modelo sueco e o pleno emprego: a crise da década de 1990, de Alexandre Guedes Viana (2007), apresenta uma análise mais pormenorizada do plano Rehn-Meidner de desenvolvimento sueco no pós-II Guerra Mundial e do esfacelamento desse modelo nas décadas de 1980 e 1990, e a tese Estratégias de Desenvolvimento e Política Industrial de Petróleo e Gás: uma comparação entre Brasil, México e Noruega, de Maurício Ebling (2016), aborda a instrumentalização do petróleo como peça-chave de uma estratégia de desenvolvimento. Ambas as pesquisas diferem desta obra na medida em que selecionam objetos distintos – um, as políticas de pleno-emprego adotadas na Suécia e, outro, as políticas de desenvolvimento fundamentadas na exploração de um recurso natural - que, aqui, são analisados dentro do arcabouço histórico-comparativo do desenvolvimento de cada país. Este livro procura, pois, situar analítica, descritiva e comparativamente as trajetórias de desenvolvimento de Suécia e Noruega no rol de pesquisas acadêmicas sobre desenvolvimento, demonstrando minuciosamente que seus respectivos modelos nacionais foram erguidos em sucessivo processos de desenvolvimento dirigidos pelo Estado em parceria e coalizão com diferentes segmentos sociais e grupos de interesse.

    Para tanto, a pesquisa baseia-se nos métodos histórico-dedutivo e quali-quantitativo, em contraposição ao hipotético-dedutivo. O tema e o objeto escolhidos, próprios de ciências substantivas como a ciência política, a economia política e as demais ciências sociais, requerem, para a sua adequada investigação, não a adoção de pressupostos e axiomas a partir dos quais todas as conclusões são deduzidas aprioristicamente, como no método hipotético-dedutivo, adequado a ciências metodológicas como a econometria e à teoria dos jogos, mas um método fundamentado na análise da realidade histórica e empírica, a partir da revisão de literatura e da coleta, análise e organização de dados estatísticos, como o histórico-dedutivo, combinando-o com aspectos indutivos, a fim de possibilitar a descoberta de regularidades e tendências, a verificação das hipóteses levantadas e a construção de generalizações teóricas e de uma exposição narrativa com base na observação, descrição e mensuração da realidade complexa e mutável (Bresser-Pereira, 2009).

    Esta obra utilizará, ainda, duas diferentes metodologias: o estudo de caso, para analisar, nos capítulos 2 e 3, as estratégias nacionais de desenvolvimento e as diferentes configurações políticas, sociais e econômicas delas resultantes na Suécia e na Noruega, respectivamente, e o método histórico-comparativo, para comparar, sumarizadamente, as trajetórias e os processos de desenvolvimento de cada país, no capítulo 4.

    O estudo de caso pode ser definido como uma abordagem de pesquisa que é usada para gerar uma compreensão profunda e multifacetada de uma questão complexa em seu contexto da vida real (Crowe et al., 2011, p. 1 – tradução livre⁴). Diferencia-se do estudo de caso cruzado (cross-case study) por enfatizar um ou poucos casos individuais, em vez de vários. A limitação da amostra justifica-se por buscar um escopo de proposição mais intenso e profundo, embora não tão amplo quanto o estudo de caso cruzado (Gerring, 2009, p. 1139). Assim, "a pesquisa de estudo de caso é toda sobre casing – definição do tópico, incluindo a(s) hipótese(s) de interesse primário, o resultado e o conjunto de casos que oferecem informações relevantes em relação à hipótese" (ibid: p. 1142).

    O estudo de caso afigura-se como a opção metodológica mais adequada para, separadamente, explicar, descrever e explorar a construção política do desenvolvimento econômico na Suécia e na Noruega, buscando, assim, a compreensão das relações causais entre a formação e a sustentação de diferentes coalizões sociopolíticas e político-institucionais e a conformação das estratégias, das decisões-chave de políticas públicas e dos processos de desenvolvimento em cada país. Essa metodologia permite observar e compreender como a interação entre as variáveis analisadas condiciona as modificações nos processos políticos de desenvolvimento ao longo do tempo. Por permitir um exame intensivo de cada caso, o estudo de caso possibilita uma interpretação mais acurada dos fenômenos abordados e, assim, favorece a verificação das hipóteses levantadas (Collier, 1993, p. 107).

    Adota-se aqui também uma perspectiva essencialmente diacrônica, isto é, observa-se o caso ao longo do tempo (Gerring, 2009, p. 1138), para compreender as modificações nas estratégias de desenvolvimento e na configuração histórica do desenvolvimento econômico no quadro das instituições políticas e das coalizões. A fim de aprofundar o estudo de caso nessas condições, será utilizado, também, o método process tracing, ferramenta adequada a análises empíricas com metodologia qualitativa em que se analisam trajetórias de mudança e causação. O process tracing é útil para compreender, a partir da iteração entre momentos dedutivos e indutivos, os mecanismos e as inferências causais que conectam as variáveis aos resultados e permitem encadear a formulação e a validação de hipóteses com o fito de explicar os resultados obtidos. Esse método geralmente é utilizado para descrever e extrair inferências causais de evidências situadas em sequências temporais de eventos e fenômenos (Collier, 2011; Bril-Mascarenhas et al., 2017).

    Por sua vez, o método histórico-comparativo, utilizado no capítulo 4, ao analisar sistematicamente um pequeno número de casos para focalizar as similaridades e contrastes entre eles, é bastante útil para, de forma indutiva, criar novas ideias e hipóteses e extrair novos insights e teorias. Os dois casos selecionados, Suécia e Noruega, são comparáveis entre si, na acepção de Lijphart (1971), por apresentarem muitas características comuns tidas por constantes, como o fato de terem definido suas estratégias nacionais de desenvolvimento pela construção de Estados de bem-estar social de feição social-democrata, mas, também, serem dessemelhantes a respeito das variáveis as quais se deseja relacionar, como, por exemplo,  o timing da industrialização e as respostas de cada país ao cenário internacional pós-Crise do Petróleo, bem como suas capacidades de atualização e preservação de estratégias nacionais de desenvolvimento num mundo caracterizado pela maior abrangência e volatilidade dos mercados internacionais de capitais.

    A contiguidade geográfica dos dois países, ainda de acordo com Lijphart (1971), é um dos fatores que justifica a comparação, pois se associa a uma evidente proximidade sociocultural entre eles, que pertencem a uma mesma área, chamada Escandinávia, e possibilita o estabelecimento de controles cruciais. Não se trata de tomar a abordagem de área como um fim em si mesmo ou como um ponto de apoio para dispensar o esforço comparativo, mas como um critério possível de seleção de casos comparáveis.

    Em relação a processos históricos de desenvolvimento em particular, o método histórico-comparativo explica os resultados do desenvolvimento considerando como vários fatores se combinam para formar combinações ou pacotes coerentes maiores, usando o que pode ser chamado de análise configuracional (Mahoney, 2015, p. 79 – tradução livre⁵). Permite, então, o controle das variáveis para se compreender os mecanismos pelos quais, ao longo do tempo, as causas e as configurações causais se modificam e influenciam os casos particulares. Desse modo, pode-se, inclusive, estabelecer uma relação de dependência da trajetória (path-dependence) entre diferentes configurações temporais no longo-prazo, para ampliar o conhecimento acerca dos padrões e das condições de mudança em cada caso e a formulação de explicações gerais a partir da comparação entre casos distintos, permitindo elucidar as semelhanças e diferenças entre processos singulares.  (ibid: p. 80-81).

    Enquanto o capítulo 1 é essencialmente teórico e qualitativo, os capítulos 2, 3 e 4 possuem em comum o enfoque quali-quantitativo, no qual a abordagem qualitativa é o carro-chefe. Ao longo do livro, os dados quantitativos balisam as análises qualitativas, visando respaldar as levantadas, mensurar o impacto e a eficiência das variáveis e das relações causais entre elas e alcançar um conhecimento mais preciso dos objetos estudados. A mensuração estatística é uma ferramenta poderosa para verificar hipóteses e validar exposições qualitativas, não havendo, assim, uma oposição entre os enfoques qualitativos e quantitativos, mas uma sustentação recíproca que ajuda a compreender com mais profundidade os objetos estudados.

    O levantamento de material utilizado apoiou-se na consulta à bibliografia existente sobre os objetos investigados. Utilizaram-se fontes primárias, como as estatísticas oficiais de Suécia e Noruega, relatórios governamentais e sindicais e discursos, pronunciamentos e entrevistas dos líderes políticos e dos planejadores econômicos envolvidos com os processos de desenvolvimento analisados, e, também, fontes secundárias como livros, capítulos de livros e artigos sobre a história econômica e política desses países, a fim de organizar os dados qualitativos e quantitativos necessários à investigação do tema proposto.

    A estrutura desse livro está disposta da seguinte forma: o capítulo 1 expõe o referencial teórico adotado no conjunto da obra e o painel histórico geral, os capítulos 2 e 3 dedicam-se, respectivamente, ao estudo de caso das trajetórias e estratégias de desenvolvimento na Suécia e na Noruega, e o capítulo 4 apresenta uma análise comparativa entre os processos históricos de desenvolvimento em ambos os países, com o fito de retomar e avançar, em perspectiva comparada, as discussões dos dois capítulos anteriores, assim como jogar luz sobre as semelhanças e diferenças entre os dois países no que diz respeito às suas formas e desempenhos de desenvolvimento. 

    Finalmente, as considerações finais apresentarão um apanhado geral do trabalho e a ratificação da validação, formulada ao longo de todo o livro, das hipóteses levantadas.

    1 - ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL, SOCIAL-DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO

    Na Suécia e na Noruega, desde a ascensão de governos social-democratas, na primeira metade da década de 1930, como resposta à Grande Depressão, o desenvolvimento econômico, entendido como o processo de aumento da produtividade social do trabalho por meio da incorporação sistemática do progresso técnico às relações gerais de produção⁶, fez parte do núcleo da estratégia nacional de construção dos Estados de bem-estar social, de modo que o seu caráter redistributivo esteve fortemente vinculado ao objetivo de desenvolvimento e contribuiu para impulsioná-lo e dinamizá-lo. Antes de desenvolver, analisar e verificar esse argumento no plano histórico e comparativo entre Suécia e Noruega, é preciso esclarecer a relação conceitual e histórica geral entre Estado de bem estar social, social-semocracia e desenvolvimento.

    O Estado de bem-estar social pode ser entendido, de forma sumária, como o compromisso político-institucional com a proteção da sociedade, em especial dos trabalhadores assalariados, contra certos riscos associados à participação em uma economia de mercado (Kerstenetzky, 2012, p. 5).

    O seu surgimento se inscreve no contexto de emergência da sociedade industrial na Europa do século XIX, que, em função da desregulamentação do trabalho e do seu enquadramento em relações competitivas de mercado, engendrou o fenômeno do pauperismo e criou uma classe trabalhadora operária que, desprovida de direitos democráticos e sociais, passou a se mobilizar social e politicamente, advogando, em muitos casos, ideais revolucionários, de substituição da ordem capitalista por uma ordem socialista. Houve, assim, uma pressão pela ampliação dos direitos democráticos e da participação política dos trabalhadores, que se concretizou com a universalização do voto masculino entre meados do século XIX e início do século XX, permitindo aos trabalhadores se representarem institucionalmente e incorporarem suas demandas ao processo político oficial.

    Nesse cenário, as ideias liberais de não intervenção e de livre contratualismo, predominantes desde o final do século XVII, perderam espaço, e, em seu lugar, a questão social ganhou cada vez mais proeminência, suscitando uma série de intervenções protetivas para assegurar o equilíbrio social. O Estado social, ou de bem-estar social, surgiu, assim, como uma solução intermediária para um capitalismo liberal obsoleto ameaçado por mobilizações trabalhadoras revolucionárias. O Estado de bem estar social visava assegurar a coesão interna da nação por meio do desenvolvimento da propriedade social, isto é, dos serviços públicos e garantias coletivas que impediriam a exploração do trabalho e solucionariam o pauperismo sem necessidade de recorrer à expropriação dos meios de produção (Kuhnle e Sander, 2012; Castel, 2015).

    As primeiras formas de Estado de bem estar social surgiram na Alemanha bismarckiana na década de 1880, na forma de leis previdenciárias dirigidas a idosos, mulheres e acidentados. Embora tenham surgido em um contexto bastante específico, de investida do governo centralista alemão contra as organizações operárias de esquerda e de afirmação do poder governamental sobre os capitalistas, elas se tornaram referência internacional e passaram a ser emuladas em diferentes países a partir de então, sendo apoiadas tanto por liberais progressistas, conservadores sociais e socialistas reformista (Kuhnle e Sander, 2012).

    Essas medidas sociais tinha, contudo, um viés basicamente corretivo dos desequilíbrios sociais, e não se integravam propriamente às políticas de desenvolvimento adotadas. A partir da Grande Depressão, porém, os governos social-democratas eleitos nos países escandinavos modelaram o Estado de bem-estar social como cerne das estratégias de desenvolvimento, dando a ele um caráter pró-desenvolvimento.

    Essa característica se aperfeiçoaria a partir da II Guerra Mundial, quando se estruturou, a partir da liderança geopolítica e geoeconômica dos Estados Unidos, o Sistema de Bretton Woods, que consagrou, em relação à moeda e às finanças, o que Benjamin Cohen (2014) chamou de modelo vestfaliano centrado no Estado, ou seja, a nacionalização do dinheiro e do crédito, cujas fronteiras seriam delimitadas pelos seus respectivos Estados. A moeda e as finanças seriam circunscritas, essencialmente, às fronteiras nacionais, e subordinadas aos comandos políticos dos Estados, em sua maioria dirigidos por governos democraticamente eleitos. Ao regularem o sistema financeiro e o mercado de crédito, eles impuseram constrangimentos ao ganho especulativo e facilitaram o investimento nos marcos da produção e do consumo nacionais de maneira a criar políticas voltadas à industrialização, ao crescimento econômico, ao pleno emprego e à ampliação dos serviços públicos de previdência e assistência social, atendendo às reivindicações das coalizões empresariais-trabalhistas nacionais (Helleiner, 1994; Gilpin, 2000; Belluzzo, 2012; Eichengreen, 2012).

    O Estado de bem-estar social passou a consistir, então, num Estado organizacional, no qual

    Nem nos mercados de capital e trabalho, nem no de bens de consumo e serviços, o jogo da oferta, da procura e do preço está agora livre em qualquer grau substancial. É regulado pela legislação estatal, provincial e municipal e sua administração, e pelas organizações semipúblicas e particulares e grandes empresas, que funcionam, todas, dentro do quadro do Estado e sob seu controle (Myrdal, 1962, p. 177).

    O crescimento das responsabilidades estatais e da capacidade de intervenção econômica, no bojo de uma economia mista, foram instrumentalizados para acelerar o desenvolvimento econômico, entabulando um jogo de soma positiva entre as diferentes classes e interesses nacionais, criando, assim, as bases materiais da estabilização social e política do período. A elevação dos níveis gerais de produtividade e de bem-estar se retroalimentavam num círculo virtuoso. Em toda parte,

    o Estado do Bem-Estar revelou uma influência tão poderosa na liberação da produtividade latente do povo que, no processo dinâmico da sua realização gradual, a melhoria nas condições de vida e de trabalho dos pobres pôde ser executada numa economia economicamente progressista, sem causar depressão nas condições da maioria daqueles que inicialmente se achavam em melhor situação e que, no primeiro caso, tiveram de pagar pelas reformas (ibid: p. 170).

    Cabia ao Estado, como poder reordenador do regime, fomentar o desenvolvimento como forma de preservar a coalizão e o equilíbrio de classes e de interesses no escopo de uma política nacional. O Estado de bem-estar acompanhou, então, por parte dos governos, uma observação cuidadosa de todo o desenvolvimento econômico e uma coordenação planejada de todas as diretivas econômicas (ibid: p. 83).

    A conjugação retroalimentante de um continuado crescimento econômico e dos níveis de produção com a ampliação da segurança econômica aos trabalhadores, mediada pela expansão da atividade pública, responsável por coordenar, ainda que muitas vezes de forma incompleta, o equilíbrio social entre os serviços públicos e a produção privada, e entre os setores público e privado de modo geral, definiu o que o economista estadunidense John K. Galbraith alcunhou de sociedade afluente, característica do pós-guerra (Galbraith, 1987 [1958]). O compromisso político dos governos com o planejamento do desenvolvimento econômico e com o pleno emprego, ampliação da seguridade social e a redução da desigualdade de renda promoveu, assim, uma democratização do mercado consumidor, proporcionando à maioria das pessoas o acesso a bens de consumo que, até então considerados de luxo, passaram a ser necessários. A formação da sociedade de consumo em massa foi correlata à sociedade de bem-estar  (Hobsbawm, 1995, p. 264).

    Houve, ainda, uma crescente dependência e associação das grandes companhias privadas frente aos governos e administrações públicas, por meio de contratos de longo prazo, patrocínios e requerimentos governamentais, etc. A crescente intervenção estatal para garantir a estabilidade e a expansão econômicas, o progresso técnico-científico, a educação e a defesa vinculou, de forma decisiva, os interesses econômicos privados aos interesses estatais. Isso tornou o planejamento dos investimentos uma atividade público-privada, capaz de suplantar os mecanismos competitivos de mercado na determinação dos preços e dos índices de oferta e procura, bem como na criação de novas tecnologias, fundamentais para o desenvolvimento produtivo. O desenvolvimento, longe de ser um resultado espontâneo das forças de mercado, foi dirigido pelas decisões conjuntas e cooperativas dos planejadores governamentais e corporativos (Galbraith, 1985 [1967], p. 131-193, 217-231).

    Robert Castel apelidou tal regime social-econômico de Estado de crescimento, "um modo de gestão política que associou a sociedade privada e a propriedade social, o desenvolvimento econômico e a conquista dos direitos sociais, o mercado e o Estado. [...] O desenvolvimento econômico integra, assim, o progresso social como uma finalidade comum aos diferentes grupos em concorrência" (Castel, 2015, p. 478-479 – itálico do autor).

    O Estado de bem-estar social, constituindo um compromisso entre os interesses do mercado e as reivindicações do trabalho (ibid: p. 278) e imbuído, pela ordem monetária e financeira vigente no período, de alta capacidade executiva sobre as finanças nacionais, atuou "para definir os grandes equilíbrios e escolher os domínios privilegiados de investimento e, simultaneamente, para manter o consumo através de políticas de reconstrução da

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