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Desenvolvimento em Minas Gerais: Projetos, Agentes, Viveres
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E-book384 páginas4 horas

Desenvolvimento em Minas Gerais: Projetos, Agentes, Viveres

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Sobre este e-book

O estudo do desenvolvimento em Minas é tema de permanente interesse, como deixa clara a leitura desta obra. Minas são muitas. E os assuntos referentes à nossa história, antiga e moderna, são também muitos. O foco principal é o norte de Minas, especialmente o vale do Rio São Francisco, como objeto de políticas de desenvolvimento regional. Eis uma importante contribuição do livro, pois esse é um assunto pouco conhecido fora da região e que oferece boas perspectivas para análise – preenchendo lacunas na nossa visão de Minas e do Brasil.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de out. de 2017
ISBN9788546207329
Desenvolvimento em Minas Gerais: Projetos, Agentes, Viveres

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    Desenvolvimento em Minas Gerais - Laurindo Mékie Pereira

    final

    Apresentação

    As pessoas aprendem com a história, ensina Eric Hobsbawm, quando se refere ao pensamento e sentimento bastante difundidos no pós-1945 segundo os quais era necessário construir dispositivos políticos e econômicos que assegurassem um mínimo de paz e prevenissem novas catástrofes econômicas. Para o autor, a memória do crash de 1929 e a dolorosa experiência nazifacista somada às duas guerras mundiais condicionavam fortemente esse debate (Hobsbawm, 1995, p. 266).

    Os dois desafios, o político e o econômico, colocaram em relevo a necessidade do planejamento e a proeminência do papel do Estado. Gradativamente se construíram as bases do que o historiador britânico denominou a era de ouro do capitalismo: o crescimento materializado pela industrialização e inovações tecnológicas crescentes e pela produção e consumo em massa (fordismo) sob a direta intervenção do Estado, regido pelas receitas keynesianas (Hobsbawm, 1995; Harvey, 2005).

    Esse foi também um tempo de reformas, conforme expressão de Reginaldo Moraes (1987). Cresceu o prestígio dos teóricos do desenvolvimento, forjou-se um consenso de que os países periféricos deveriam ser reformados-modernizados, embora fossem intensos os debates acerca do como efetivar esse processo (Moraes, 1987).

    O desenvolvimentismo, assentado no tripé industrialização, intervenção do Estado e planejamento, emergiu com vigor na América Latina desde os anos 1930 e tornou-se hegemônico na década de 1950, para o que muito contribuiu a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), escola latino-americana do desenvolvimento (Bielschowsky, 1996; 2000).

    Os anos 50 e 60 do século XX foram um tempo de entusiasmo intelectual, sintetizou Raul Prebisch, um dos personagens principais dos debates político-econômicos no período (Prebisch, 1981, p. 7).¹

    Embora arriscada, a comparação em história serve para que, pelo contraste, se perceba mais didaticamente certas características de determinada conjuntura histórica. Se nos tempos que correm colocam-se em xeque as ideias de processo histórico e revolução, desaparecem as certezas (Reis, 2005), o conceito de desenvolvimento

    é reformulado e ampliado (Sen, 1999), em meados do século XX, ao contrário, as convicções eram quase graníticas: a revolução era uma consequência lógica da história, acreditavam alguns segmentos marxistas, a industrialização é o único e até mesmo suficiente caminho para o desenvolvimento² e bem-estar da nação, asseguravam os nacional-desenvolvimentistas (Toledo, 1997).

    Curiosamente, enquanto a historiografia, particularmente o movimento inspirado pelos Annales e certa versão do marxismo, enfatizavam o peso das estruturas e/ou das classes e instituições no curso da história (Braudel, 1982; Arostegui, 2006), na América Latina e particularmente no Brasil, o pensamento social então prevalecente, divulgado pela Cepal, Partido Comunista Brasileiro (PCB), Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), apostava fortemente na ação e engajamento dos sujeitos. No caso específico do Iseb, seus pensadores se colocavam como os responsáveis por formularem ideias que seriam o suporte para os processos sociais e políticos (Toledo, 1997).

    Essa cultura do engajamento espraiou-se. O nacionalismo nos anos 1950, em suas diversas correntes, mais do que um conjunto de ideias, foi um movimento social (Moreira, 2003). Analisando uma dessas correntes, a historiadora Lucília de Almeida Neves assinalou:

    Esperança, reformismo, distributivismo e nacionalismo eram elementos integrantes da utopia desenvolvimentista que se constituiu como signo daquela época [...] caracterizada pela crença de expressivos segmentos da sociedade civil brasileira de que a modernidade só seria alcançada se apoiada em um programa governamental sustentado pela industrialização, por políticas sociais distributivistas e por efetiva defesa do patrimônio econômico e cultural do país. (Delgado, 2001, p. 172)

    Ampliando a definição de Prebisch, pode-se dizer que foi um tempo de entusiasmo intelectual, mas também social e político. É razoável dizer que o tamanho do entusiasmo só se equipara à profunda frustração experimentada em meados da década de 1960: a industrialização se fez sem apagar as desigualdades sociais, apenas conferiu-lhes nova forma, o avanço do capitalismo no Brasil se processou sem que se reformasse a estrutura fundiária, a democracia eleitoral soçobrou frente ao avanço da aliança conservadora reunindo frações nacionais e internacionais do grande capital, segmentos urbanos e rurais e amplos setores de classe média (Mendonça, 1988; Mattos, 2008; Oliveira, 1989).

    A aliança de classe vitoriosa em 1964, reunindo o que até então se classificava como modernos e atrasados ou, respectivamente, polo nação e polo anti-nação, para usar a linguagem isebiana (Toledo, 1997), não era exatamente uma novidade: observadas de perto, percebe-se que as lideranças sociais e políticas que pontificavam no período moviam-se entre e eram apoiadas por variadas figuras do espectro ideológico. Os projetos modernizadores discutidos e implementados desde 1945, com o fim da ditadura do Estado Novo, expressavam um multifacetado conjunto de interesses de segmentos, classes e regiões, como nos parece indicar as démarches pela implementação de uma política de desenvolvimento para o Vale do São Francisco.

    O estado de Minas Gerais foi, entre as décadas de 1940-60, locus importante de aglutinação de técnicos nacionais e estrangeiros na formulação de políticas nas áreas de energia, transportes e siderurgia, que seriam definidoras do modelo industrial, em termos regionais e nacionais. No caso específico do Vale do São Francisco, as propostas de intervenção ganharam uma forte referência a partir da Constituição de 1946 que estipulou, no artigo 29 das suas Disposições Transitórias, a aplicação de um 1% das receitas tributárias no referido território por um prazo de 20 anos (Brasil, 1953).

    Instituída essa norma, os debates para a sua concretização foram acalorados e longos no Congresso Nacional até a instituição da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) em fins de 1948, órgão responsável por implementar um amplo Plano de Aproveitamento das Possibilidades Econômicas do Rio São Francisco, priorizando os investimentos em usinas hidrelétricas e redes de distribuição, infraestrutura de transporte e comunicações, irrigação, saneamento rural e urbano, regulação das águas fluviais, estímulo à produção agrícola, à colonização e imigração, entre outros (Paula, 2012, p. 237)

    Um conjunto variado de projetos, personagens, partidos e instituições intervieram nos debates e nas negociações que resultaram no referido plano. A título de exemplo, pode-se citar o embate entre uma proposta de um planejamento integral filiada ao pensamento cepalino e de Celso Furtado e a proposta de uma intervenção mais pontual, inspirada na ideia de um planejamento seccional, tese esposada por Roberto Campos e Lucas Lopes e que, ao final, tornou-se hegemônica na CVSF (Paula, 2012, p. 239-240).

    Muitas das demandas estaduais foram canalizadas na Constituinte de 1946 e depois nas Comissões, como foi o caso da CVSF. A partir dela foi implementado o projeto da barragem e usina hidrelétrica de Três Marias, cuja primeira fase foi concluída em 1961, em um dos últimos atos do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Outro projeto foi o Plano de Eletrificação de Minas Gerais, que realizou um amplo diagnóstico da economia mineira propondo, inclusive, a criação das Centrais Elétricas de Minas Gerais S.A. (Cemig), em 1952. Tais projetos, nas suas especificidades, expressaram estratégias de planejamento e de desenvolvimento articulando diversos interesses políticos, econômicos e sociais.

    O desenvolvimento mineiro já foi objeto de estudos diversos, entre eles os textos já clássicos de Clélio Campolina Diniz (1981), Ignácio Godinho Delgado (1997) e principalmente Otávio Soares Dulci (1999), cuja obra expõe com riqueza a complexa interação de fatores econômicos e políticos no processo histórico do Estado no século XX.

    Nesta coletânea reunimos estudos com recortes mais específicos. Trata-se de um desdobramento de um projeto de pesquisa então em execução, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).³ Resolvemos reunir, além dos pesquisadores envolvidos diretamente nesse projeto e em projetos anteriores sobre o Vale do São Francisco,⁴ alguns outros que enfocam direta ou indiretamente a problemática do desenvolvimento em Minas Gerais, em seus trabalhos, dissertações e teses.

    Nesse variado espectro temático, teórico e temporal, investigam-se projetos e ações que focalizam majoritariamente o Vale do São Francisco, mas não exclusivamente, tratando também de que forma se articularam intelectuais e/ou diversos sujeitos sociais caracterizados como desenvolvimentistas, suas práticas e ideologias; as agências envolvidas, as relações locais e supralocais; a transformação nos viveres de agricultores, pescadores e ribeirinhos; o papel de integração atribuído ao Rio São Francisco e os interesses que se articularam em torno desses ideais, a imprensa, seus interesses e memórias instituídas. Buscou-se também tratar de processos históricos recentes, a fim de refletir sobre o conjunto de mudanças e permanências relativas ao desenvolvimento capitalista na região, com seus muitos vícios e poucas virtudes.

    O século XXI tem trazido algumas amargas experiências no que se refere às consequências sociais e ambientais do desenvolvimento capitalista, tanto em termos mundiais, quanto locais. Além da coerção em cada novo projeto implantado, são tecidas finas redes de consenso, obtendo hegemonia (no sentido atribuído por Antônio Gramsci), mas, de formas variadas, as reações sociais estão também sendo sempre articuladas. É o que esta coletânea busca evidenciar.

    O texto que abre a coletânea, assinado por Daniel Henrique Diniz Barbosa, recupera o debate historiográfico e político sobre o desenvolvimento em Minas Gerais entre 1933 e 1969. Essas balizas temporais não são arbitrárias. A primeira assinala o surgimento da Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho de Minas Gerais (Saict), locus principal da articulação e implementação de medidas em prol do desenvolvimento do estado até 1951. A segunda, 1969, é a data de publicação do Diagnóstico da Economia Mineira, um amplo estudo promovido pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, instituição que, junto com as empresas públicas de capital misto e os conselhos técnicos, tomaram o lugar da Saict como formuladores e executores das estratégias que visavam arrancar Minas Gerais do atraso relativo. Barbosa reconstitui o processo de formação e amadurecimento desse arranjo institucional, identificando as transformações e as linhas de continuidade presentes na atuação da burocracia mineira naquele período, indicando com lucidez o papel que este segmento desempenha na reconfiguração do lugar de Minas Gerais na divisão inter-regional do trabalho no Brasil.

    Seguramente um capítulo importante do desenvolvimento mineiro é a história da Vale do Rio Doce. Maria Letícia Corrêa reconstitui o processo de formação da empresa, retomando a análise do imbróglio Itabira Iron e apontando os caminhos políticos e econômicos percorridos até a consumação dos acordos nos anos 1940, em plena vigência da Segunda Guerra e em boa medida condicionados por ela, que viabilizaram a fundação da companhia. A autora se apoia principalmente em artigos da revista O Observador Econômico e Financeiro, dialogando com a historiografia concernente ao tema. Tal percurso indica a multiplicidade de forças e interesses, a exemplo dos empresários mineiros e das demandas inglesas e norte-americanas, explicitando as complexas relações entre as instâncias do Estado e o capital privado, no plano interno e externo, presentes nas démarches que levaram à constituição da companhia.

    No texto seguinte, Dilma Andrade de Paula examina a história da construção das usinas de Paulo Afonso e de Três Marias, situando-as na conjuntura maior dos embates políticos e sociais que mobilizaram diversos agentes individuais e coletivos no Brasil dos anos 1940 e 1950. Ancorada na análise teórica de matriz gramsciana e em abundante material empírico, a abordagem desvenda os interesses e projetos classistas que informavam a discussão do desenvolvimento do Vale do São Francisco e, em certa medida, de todo o país. A partir de um painel geral do período, a autora elege para investigação mais detida a intervenção do engenheiro agrônomo Apolônio Sales e seus planos de expansão agrícola e industrial em Pernambuco, beneficiando-se de Paulo Afonso, e dos novos técnicos representados por Lucas Lopes, um dos grandes formuladores da política energética e industrial em Minas Gerais, processo indissociável da história de Três Marias.

    A intervenção dos intelectuais aparece também no capítulo redigido por Laurindo Mékie Pereira. O autor estuda as démarches para a criação da Comissão do Vale do São Francisco em fins dos anos 1940, privilegiando para análise as participações do engenheiro Geraldo Rocha e dos deputados Manuel Novais (UDN-BA) e José Maria Alkmin (PSD-MG). O texto problematiza a relação dos sujeitos com os diversos coletivos a que pertencem, apontando os condicionantes sociais que pesavam sobre as falas, ações e opções desses personagens históricos, contrastando a ênfase discursiva centrada no interesse da nação e do Vale do São Francisco com as injunções mais concretas e imediatas provenientes dos embates no campo político, do território em escala local e da filiação a determinada classe social.

    A hegemonia do pensamento desenvolvimentista no debate público no Brasil dos anos 1950, evidentemente, não se fez no vazio. Um conjunto variado de agentes e instituições concorreram para forjá-la, entre os quais os órgãos de imprensa escrita, especialmente relevantes em tempos de televisão incipiente. O capítulo de Rejane Meireles Amaral Rodrigues traz importante contribuição para o discernimento deste processo ao focalizar o papel do Jornal Folha de Minas na construção e difusão de uma memória sobre os anos do governo Juscelino Kubistchek em Minas Gerais. Mais do que informar, o periódico celebra a gestão JK, em palavras e em imagens, como bem assinalado pela autora. Concretamente, a construção da Usina de Três Marias e outras obras sintetizadas pelo conhecido binômio energia e transportes aparecem com frequência nas páginas da Folha de Minas, produzindo a memória de um tempo de grandes mudanças, que criavam as condições para o desenvolvimento, lideradas por um realizador do progresso.

    Na contramão da visão idílica proposta pelo Folha de Minas, Roberto Mendes Ramos Pereira analisa a trajetória de moradores do São Francisco, gente que experimentou efetivamente as transformações porque passou o rio nas últimas décadas, colhendo os frutos do desenvolvimento. Nas palavras do próprio autor, a chave para compreender essa história é o contraste entre o tempo da fartura, representado pelos meados do século XX, e o tempo da escassez, vivido no presente. A partir desses marcos, o autor rastreia a progressiva intervenção pública no São Francisco, sua exploração, apropriação, poluição, assoreamento e as consequentes transformações acarretadas sobre os modos de vida dos pescadores. Ao fim e ao cabo, parece que o pescador Ranulfo Silva (entrevistado), justamente quem mais conhece o rio, se equivocou – o rio tem dono, mas não é o peixe, nem a nação, nem o pescador.

    Os trabalhadores ribeirinhos são também os personagens principais do capítulo de Auricharme Cardoso, recortando para análise as experiências vividas pelas famílias envolvidas no projeto de irrigação em Jaíba-MG. Coerente com a sua visão da história enquanto processo, o autor examina a política modernizadora executada no norte de Minas Gerais na segunda metade do século XX e refaz o histórico do chamado Projeto Jaíba, no bojo do qual investiga as trajetórias de homens e mulheres, enxergando-os não apenas como força de trabalho ou dados estatísticos, mas como agentes efetivos da história, gerando tensões e resistências ao projeto hegemônico, apesar da flagrante desproporção de forças, aspecto evidenciado em suas lutas por terra, moradia, trabalho e preservação de suas práticas culturais. O texto constituiu um contraponto indispensável à visão grandiloquente predominante na opinião pública em que se festeja o maior projeto de irrigação da América Latina e pouco ou nada se diz da vida de quem habita na Califórnia brasileira, gente como Maria Ilza, Valdomira Inácio e Gerci Gonçalves.

    O contraste entre o discurso do desenvolvimento divulgado pelos grandes empreendimentos e as narrativas dos trabalhadores beneficiários desses projetos aflora também no capítulo de Gisélia Maria Campos Ribeiro, que analisa as transformações nos modos de vida dos moradores atingidos pela construção da hidrelétrica de Candonga, rebatizada de Risoleta Neves (com operação iniciada em 2004), entre os municípios mineiros de Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce. A fala do senhor Adelson (entrevistado) indica o formato das negociações entre a Companhia Vale do Rio Doce, proprietária da hidrelétrica, e a população local: "o trator aqui de frente desta casa, deu volta longe, chegou lá rebentô a cerca e entrou dentro da roça destruindo nosso milho, feijão, abróba, quiabo, mendoim". A síntese do processo não poderia ser mais exata do que faz a autora: os trabalhadores deixam de ser pobres, em São Sebastião do Soberbo, para se tornarem miseráveis, em Nova Soberbo.

    O capítulo que fecha essa coletânea, de autoria de Valéria de Jesus Leite, discute dilemas antigos e atuais do desenvolvimento. Embora recorte para análise o caso do norte de Minas Gerais, sua análise evidencia as estreitas relações existentes entre a modernização em escala regional com a dinâmica maior, internacional, das transformações nos processos de reprodução do capital. Entre as mudanças, destacam-se a emergência, nas últimas décadas, da problemática da sustentabilidade e a abertura de brechas no sistema hegemônico para a participação dos segmentos populares organizados. A autora examina a trajetória do Fórum Popular de Desenvolvimento Regional nos anos 1990 e 2000, com ênfase em sua presença nas Audiências Publicas Regionais organizadas pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Nesse percurso, Leite levanta e enfrenta questões espinhosas: qual o custo político da interação institucional dos movimentos populares com as instâncias estatais? Quais as implicações da adesão ao chamado desenvolvimento sustentável? Em que medida as mudanças no interior do Fórum significou um abandono do projeto original, de tintas contra-hegemônicas? Inevitavelmente, o leitor é instigado a refletir sobre estas e outras teias do desenvolvimento o que, de resto, é o objetivo maior de todo este livro.

    Nós, organizadores desta coletânea, acreditamos que, tal como apontou Julio Pinto Vallejos para as experiências da modernidade vivenciadas na América Latina (séculos XVIII-XX), modificando tempos, hábitos e atitudes de maneira contínua e irreversível, o século XXI continua renovando as formas de construção de projetos (para poucos), mas também novos desarraigos (para muitos): [...] La experiencia de la modernidad fue un tapiz tejido a base de proyectos y desarraigos; de resistencias, derrotas y conversiones; de tragedia y de epopeya (2000, p. 8).

    Esperamos demonstrar a vitalidade de pesquisas históricas recentes que estão revisitando velhos temas, como abordagens problematizadoras que (re)contam a história de Minas Gerais, cadinho complexo do Brasil. Retornando a Hobsbawm, será que, de fato, há um aprendizado social com a história? Gostaríamos que esses capítulos seduzissem e provocassem os leitores em direção à compreensão e questionamento da trajetória do desenvolvimento capitalista no país.

    Agrademos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) o apoio ao projeto que originou esta coletânea (CHE – APQ-00508-14/Fapemig, 2015-2016).

    Uberlândia – Montes Claros, janeiro de 2017

    Dilma Andrade de Paula e Laurindo Mekie Pereira – organizadores

    Notas

    1. Raul Prebisch, economista argentino, foi o presidente da Cepal entre 1949 e 1963.

    2. O próprio desenvolvimento é apresentado como algo universal, inevitável, quase como uma religião secular contra à qual seria completamente insensato resistir. Cf. Ribeiro, 2008, p. 116-117.

    3. Pereira, Laurindo Mékie (coordenador); Paula, Dilma A. (participante). Os intelectuais e o desenvolvimento: uma análise da dialética sujeito-estrutura na trajetória de Geraldo Rocha, Manuel Novaes, Jose Maria Alkmin e Apolônio Sales (CHE – APQ-00508-14/Fapemig, 2015-2016).

    4. Destacamos o projeto anterior que envolveu professores e alunos da Universidade Federal de Uberlândia e Universidade Estadual de Montes Claros. Paula, Dilma A. (coordenadora); Pereira, Laurindo Mékie; Nunes, Leandro José; Pereira, Roberto M. R.; Rodrigues, Rejane M. A. (participantes); Silva, Douglas S.; Pereira, Marcos Vinicius V. (bolsistas). Projetos de desenvolvimento, política, cultura e viveres no Médio São Francisco, em Minas Gerais (séculos XX e XXI). (CHE – APQ-01482-12/FAPEMIG, 2013/2015). E, ainda a recente publicação, originada e financiada por um projeto de pesquisa de Maria Letícia Corrêa (FFP/UERJ/FAPERJ) em torno da temática do desenvolvimento, envolvendo pesquisadores de todo o país: Paula, Dilma A.; Corrêa, Maria Letícia (orgs.). Intelectuais e desenvolvimento: perspectivas da pesquisa em História. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2015.

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    Capítulo 1

    Das secretarias, dos conselhos, das MIGs: o arranjo institucional do planejamento econômico no poder público mineiro (1933-1969)

    Daniel Henrique Diniz Barbosa

    É comum, na literatura atinente ao desenvolvimento econômico dos países latino-americanos, a recorrência ao estudo do desenvolvimentismo. Seja pela relevância da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e o Caribe) a partir de meados do século XX ou mesmo pelo peso que determinada agenda intervencionista alcançou em alguns desses países, a ideia de uma política econômica desenvolvimentista permeia boa parte da interpretação acerca dos destinos e das opções escolhidos pelos atores centrais das economias estudadas, concordando-se ou não com sua proposta de análise.

    É fato, no entanto, conforme sublinha Fonseca (2004, p. 2), que não é incomum alguma imprecisão na definição do conceito, bem como alguma dificuldade em situar historicamente seu surgimento no caso brasileiro, sobretudo. Para o autor, três características conformam o que ele define por núcleo duro do conceito de desenvolvimentismo: i) a defesa da industrialização; ii) a defesa do intervencionismo pró crescimento econômico e; iii) um nacionalismo difuso, que pode ser mais ou menos vertical a depender do quadro analisado (Fonseca, 2004, p. 2). Pensar o desenvolvimentismo, nesse sentido, implica compreender um fenômeno que, necessariamente articula essas três variáveis estruturando uma política pública específica. Segundo Fonseca, portanto,

    O desenvolvimentismo, tal como tomou vulto no Brasil e na maior parte dos países latino-americanos, ia além de um simples ideário, mas emergiu como um guia de ação voltado a sugerir ou justificar ações governamentais conscientes. Estabelece-se, portanto, a hipótese de que sem uma política consciente e deliberada não se pode falar em desenvolvimentismo. Este não pode ser reduzido, como fenômeno histórico, a simples medidas de expansão da demanda agregada, a manifestações nacionalistas ou a reivindicações corporativistas em defesa da indústria. Além da união dos três elementos, o salto maior ocorre quando o conjunto de ideias, como toda boa ideologia, passa a justificar a si mesmo, ou seja, quando há a defesa explícita de que a principal tarefa do governo consiste na busca do desenvolvimento econômico, que esta é seu principal dever, seu objetivo central, no limite, sua razão de ser. (Fonseca, 2004, p. 2)

    Não obstante se compreenda o avanço do desenvolvimentismo no Brasil especialmente a partir da década de 1950, notadamente do segundo Governo Vargas (1951-54), é possível observar experiências que congregam este núcleo duro desenvolvimentista (com maior ou menor ênfase em suas variáveis, a depender do caso analisado) em alguns contextos históricos muito específicos, mormente aqueles em que, quando da aceleração do desenvolvimento econômico brasileiro e sua consequente divisão inter-regional do trabalho, perceberam-se em situação de atraso relativo. Este é, por exemplo, o caso de Minas Gerais.

    A ideia de que Minas está estiolada, resumida exatamente nesta frase por Américo Renne Giannetti quando de sua posse na Secretaria de Agricultura em 1947 (Giannetti, 1947, in: Guimarães, 1990, v. 2, p. 18-19), não era, então, nova. Do contrário, é possível perceber a mesma entonação alarmista sobre o quadro econômico regional desde ainda os anos finais do Império, numa interpretação que adentrou a República presente tanto na organização dos primeiros governos estaduais quanto, sobretudo, no auge desse primeiro momento: a realização, em 1903, do I Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de Minas Gerais.¹ Mas, também não se encerra na década de 1940, podendo ser encontrada a mesma observação, embora já mais bem aparada pela terminologia cepalina, em fins da década de 1960 quando, ao se publicar em janeiro de 1969 o Diagnóstico da Economia Mineira (DEM), se conclui que o sistema econômico-social de Minas Gerais apresenta todas as características de subdesenvolvimento, quer no seu aparelho produtivo como no seu quadro institucional (DEM, v. 1, 1969, p. 21).

    Em linhas gerais, portanto, pode-se perceber que certa noção de atraso relativo não apenas circunscreveu as elites regionais: ela foi operada de forma organizada sempre que se fez necessário sistematizar os interesses mineiros para conter conflitos internos ou mesmo para solicitar apoio do governo central. Por outro lado, a percepção desse atraso relativo, desde fins do XIX, ao mobilizar energia política, engendrou, no poder público, agenda grau a grau mais dedicada à intervenção no arranjo econômico – mesmo quando o discurso liberal impunha-se como tônica da Primeira República.

    A proposta deste texto,² neste sentido, será a de observar como o poder público mineiro articulou sua estrutura institucional, entre

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