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A vida de Esmeralda - A Mentira
A vida de Esmeralda - A Mentira
A vida de Esmeralda - A Mentira
E-book391 páginas5 horas

A vida de Esmeralda - A Mentira

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Sobre este e-book

Esmeralda é uma jovem mulher como todas as outras, a única diferença é que ela é a Princesa, a Herdeira de um Trono constituído por uma linhagem de impiedosos antecessores como líderes.
Criada para ser a diferença, esculpida para ser Única, vive conformada com as diretrizes dos seus pais na expectativa de que, no futuro, possa ser digna da aprovação e do amor deles.
Mas o que acontece quando ela descobrir que eles não são quem dizem ser?
O que acontece quando Esmeralda descobrir que o futuro legado que lhe será atribuído para zelar e reinar é, nada mais nada menos, de que um poço fundo repleto de segredos sombrios, com uma grande mentira a acobertá-los?
Ou quando ela descobrir que, além de ter de lutar contra os seus inimigos exteriores, irá ter de guerrear contra os estragos causados por eles, presentes na sua própria mente?
E o que acontecerá quando ela concluir que o amor é mais complexo do que ela imaginava?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de fev. de 2024
ISBN9789895790272
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    Pré-visualização do livro

    A vida de Esmeralda - A Mentira - Marta Ferro

    Dedicatória

    Dedico este livro a toda a gente que luta contra o seu tenebroso passado, mas mesmo assim não permite que isso os defina. Dedico a toda a gente que, apesar das provações terríveis que enfrentaram, conseguiram recolher lições positivas e que se esforçam todos os dias para serem melhores. Dedico a todos os adolescentes e jovens adultos que pensam que é o fim, pois, segundo Nancy, Não existe tal coisa como o fim.

    Agradecimentos

    Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus pela sabedoria que me deu para escrever este livro.

    Quero também agradecer aos meus pais e à minha irmã por sempre me apoiarem durante todo o processo e acreditarem que eu seria capaz de escrever esta obra. E só de saber que tinha a confiança deles depositada em mim, fez-me sentir muito mais confiante ao escrevê-la. Gostaria de agradecer à minha melhor amiga que sempre esteve do meu lado a incentivar-me, à minha prima que é como uma irmã mais velha para mim e sempre esteve lá para dar a sua opinião sincera sobre todas as fases do livro. E a todos os meus amigos que sentiram uma alegria imensa e contagiante ao saber do livro, e não menos importante aos meus tios e tias, primos e primas e à minha família em geral que sempre esteve ao meu lado, a acreditar em mim e a encorajar-me.

    Obrigado a todos, sem vocês nada disto seria possível!

    Prefácio

    Como amiga íntima da Marta tive o privilégio de acompanhar o processo de escrita e publicação deste livro. Foi cativante poder ver as personagens e o seu mundo ganhar forma. Aos poucos, fui-me familiarizando com estas personagens que se mostram ser multifacetadas. Pessoalmente, interesso-me por personagens moralmente ambíguas. Nem boas nem más. A Vida de Esmeralda inclui exatamente isso. Explora situações que podem trazer à superfície o pior do ser humano e reflete até que ponto certas ações podem ser justificadas.

    Escrever uma obra de ficção é um feito admirável. Exige o uso de nuance e de se passar a mensagem pretendida através do subentendido. Romance, Mistério, Amizade e Vingança são alguns dos temas abordados. Até que ponto se pode chegar em busca de vingança ou justiça? Será que certas verdades devem ser mantidas em segredo? E pode o amor, nas suas diferentes vertentes, tudo vencer? A Marta consegue fazer várias reflexões com que muitos de nós se conseguem identificar, acredito. Esta é uma faceta da beleza da ficção, providencia escapismo e aprendizagem. Cabe ao leitor escolher.

    Ao ler e acompanhar as mudanças feitas ao manuscrito, várias emoções foram provocadas em mim. Recorrentemente pedia à Marta por atualizações e tinha as minhas expetativas superadas com a entrega dos capítulos seguintes. Terminei a leitura de A Vida de Esmeralda com plena satisfação e muita admiração pela minha amiga.

    Caro leitor, devo admitir que a minha opinião é tendenciosa pois reservo muito estima por este livro e pela sua autora. Mas posso objetivamente afirmar que se depara perante uma obra fascinante. Espero que possa apreciá-la tanto como eu.

    Leonor Albano

    Nas páginas deste livro, mergulharemos na extraordinária jornada de uma jovem aluna chamada Marta Ferro, cuja vida ganhou novas cores e perspetivas a partir do momento em que entrou dentro da biblioteca da escola. Com enorme encanto e prazer, acompanhei os segredos de um mundo mágico que a cada página tomou vida diante de seus olhos ávidos por conhecimento.

    A timidez de Marta, outrora uma barreira que a impedia de explorar seu potencial pleno, começou a desvanecer-se à medida que as palavras se transformavam em portais para um universo desconhecido. Todos os intervalos e nos seus tempos livres, Marta encontrou refúgio, inspiração e a liberdade de imaginar além dos limites da realidade quotidiana, no seio da biblioteca escolar.

    Nesse cenário encantado, um livro especial chamado A Vida de Esmeralda - A Mentira, tornou-se o catalisador de uma jornada inesquecível. Conduzida por páginas repletas de mistérios, Marta embarcou numa aventura de autoconhecimento e descobertas sobre si mesma e sobre o mundo à sua volta. Enquanto as linhas da história avançavam, ela percebeu que, assim como a protagonista Esmeralda, as mentiras que a cercavam podiam revelar verdades ocultas.

    O vínculo especial criado entre mim e a Marta foi além da relação entre professora e aluna. Desvendámos os segredos de cada capítulo da vida de Esmeralda com paciência e dedicação, e tentei proporcionar um ambiente propício para a nossa autora crescer não apenas academicamente, mas também emocionalmente. A biblioteca, outrora um local somente de silêncio e estudo, transformou-se num espaço de amizade e conexão.

    A Vida de Esmeralda - A Mentira não é apenas um livro, mas um espelho que reflete a jornada universal de autoconhecimento e crescimento pessoal.

    Marta, a descoberta e a busca pela verdade e pelo autoconhecimento é uma jornada sem fim, repleta de descobertas e lições para toda a vida!

    A tua professora que muito se orgulha de ti,

    Elisabete Torrado

    Dia 30 de Setembro

    — Então é assim? Tu vais desistir de mim tão facilmente? Vais desistir de tudo, do que lutámos e ultrapassámos até agora, para chegarmos até aqui?

    — Estou cansada – afirma a Lídia com uma voz tediosa, como se estivéssemos a falar de que vestido usaríamos amanhã, ou sobre o que iríamos fazer nas férias.

    — Porque afirmas que estás cansada? – replico, indignada – EU ESTOU CANSADA, ESGOTADA, eu fui traída. Tudo o que pensava que era verdade na minha vida não passava de um teatro, mas eu não desisto, eu luto, luto e luto e sabes porquê?

    Ela não responde, só se limita a fixar-me.

    — Porque eu sei que para um arco-íris surgir no céu, uma trovoada tem de surgir primeiro, por isso, tenho bravura suficiente para me manter de pé a lutar. Contrariamente a ti que não passaste nem metade do que eu passei e vais apenas desistir.

    — Eu já tentei de tudo, é demasiada pressão para mim, eu gosto muito de ti, Esmeralda, mas eu preciso de refazer a minha vida, transformá-la em algo estável. Não posso andar a fugir sem rumo, não posso acreditar em algo que ambas sabemos…

    — Ambas sabemos o quê? AMBAS SABEMOS O QUÊ? FALA! Porque não terminas a frase? Fala, porque a única forma de seguirmos em frente é por meio de clareza, da verdade. Então, fala.

    — Esmeralda, ambas sabemos que tu nunca vais conseguir, desde o início sempre foi uma luta perdida, mas fechámos os olhos porque só o facto de imaginarmos o gosto doce da justiça fazia-nos sentir imparáveis, fazia-nos sentir bem, e seguras...

    — Ah, entendi, e como já encontraste uma outra forma de te sentir segura de forma estável e fácil abandonas-me? – pergunto, interrompendo-a – então vais abandonar-me depois de tudo, eu, eu… – afirmo a soluçar – eu confiei em ti, que não me irias abandonar, que tu dentre todos não irias desistir de mim nas situações mais difíceis e olha para nós agora, desde o início era uma farsa…

    — NÃO ERA, eu...

    — EU O QUÊ? Sentiste-te emocionada no momento. Tu sabias o que implicava e escolheste mesmo assim acompanhar-me. Eu contei-te sobre as minhas ansiedades, traumas, eu confiei em ti… eu cheguei ao ponto de que, se tivesse de escolher entre as nossas vidas, eu escolheria a tua, EU ESCOLHERIA A TUA! – afirmo a gritar com todas as minhas forças.

    A Lídia fica perplexa sem saber o que dizer e com lágrimas a formarem-se nos seus olhos. E eu, psicologicamente esgotada, deixo-me cair simplesmente no chão, coberto de galhos partidos e folhas alaranjadas e amarelas; apenas sinto uma forte dor nos meus joelhos e depois o meu sangue a sair de mim e a escorrer no chão, mas não me importei, a dor e a desilusão que estou a sentir neste momento, são como uma cortina que não me permite ver e sentir mais nada além de desilusão.

    — Esmeralda, estás a sangrar – afirma a Lídia que se aproxima rapidamente para me ajudar.

    — SAI DAQUI – berro eu – não te aproximes, provaste ser igual a toda a gente, desistes das pessoas que amas porque fica difícil para o teu lado, fica difícil para a tua imagem e reputação, por isso deixa-me sozinha, segue a tua vida, casa-te, arranja um marido da alta sociedade, tem um casarão, não me importa; faz-me só um favor, quando eu conseguir aquilo que afirmas ser impossível, não voltes. Espero que sejas feliz, e consigas viver em paz ciente de quem foste e de quem és agora. Viver a saber que abandonaste e destruíste a vida da única pessoa que alguma vez foi capaz de sacrificar tudo por ti. – digo isto à Lídia a olhar para o chão, com a cabeça baixa, com uma ferida aberta no joelho, sem forças e as mãos no chão a tremer, porque acabei de perceber que estou completamente sozinha.

    Ela afasta-se, vira-me as costas e caminha, depois para, olha para trás e grita:

    — Eu vou, mas não vou sair com a consciência de que te destruí a vida.

    Eu não respondo, simplesmente não consigo, é demasiado angustiante, por isso quando ouço o som dos seus passos a caminhar outra vez, murmuro:

    — Destruíste sim, porque pela tua traição eu nunca mais vou ser capaz de confiar em alguém outra vez.

    Dia 27 de Outubro (um mês antes)

    Estava no meu quarto a ler um livro, deitada de barriga para baixo com as pernas a baloiçar, e ouvi um leve toque na minha porta, mas como estava deliciada com a minha leitura ignorei e continuei a ler, até que ouvi o mordomo, Carl, num tom de voz severo:

    — Princesa Esmeralda, não vou repetir! Venha almoçar e despache-se antes que a comida esfrie, sabe que a sua mãe, a Rainha, gosta pouco disso!

    Depois, ele afasta-se e desce as escadas. Eu suspiro, saio da cama, endireito o vestido, dou uma escovadela rápida no cabelo e saio do quarto. Chego à sala de jantar, abraço o meu pai e, quando me preparo para cumprimentar a minha mãe, ela diz-me com um tom de voz forte:

    — Mas o que é que lhe aconteceu?

    E eu, não entendendo nada, pergunto com um tom suave para tentar diminuir a sua raiva:

    — Minha mãe, não a entendo, o que quer dizer?

    — Como assim, o que quero dizer? Está a brincar, não está? Olhe-me para esse vestido! Por onde andou? – pergunta a minha mãe.

    Baixo a cabeça e olho para o meu vestido, noto que está todo amarrotado. Sei o que aconteceu para o meu vestido ter ficado nesse estado, mas eu finjo-me desentendida, porque tenho medo de a dececionar. Toda a minha vida foi traçada para ser um exemplo, para ser um modelo para todas as mulheres, um objeto de admiração e orgulho; desenhada e esculpida para ser a diferença, a minha mãe relembra-me vez após vez sobre o meu papel como integrante da realeza, e só de imaginar como irá ficar ao saber que desperdicei um vestido de ceda pura bordada porque estava a ler… ela é capaz de ter um enfarte.

    Por isso respondo, mentindo:

    — Eu estava a treinar a dança do baile, mas como tropecei várias vezes amarrotei o vestido.

    — Olha que estranho, eu não ouvi nenhum som de música a ecoar pelo quarto piso, que é onde se encontra a sala de música. – afirma a minha mãe.

    —  É que eu estava a treinar no quarto mãe, sinto-me mais confortável a dançar lá pois é o meu sítio privado.

    — Mas que barbaridade, o palácio contratou o professor Pietro precisamente para te ensinar a dançar as valsas reais. Que desperdício, uma futura rainha devia preocupar-se mais com as despesas económicas, pois posteriormente também irão afetar o povo, eduquei-a melhor! – afirma a minha mãe escandalizada.

    — Peço desculpas mãe, tem toda a razão, não irá voltar a acontecer.

    Em seguida, sento-me à mesa, graciosamente estendo o guardanapo enrolado nos talheres no meu colo e, quando me preparo para começar a comer, o Carl dá um grande suspiro, daqueles suspiros que, na realidade, querem dizer Ei, olhem para mim. E ele conseguiu a atenção da pessoa mais importante que estava sentada à mesa, o Rei, o meu pai.

    O meu pai pergunta:

    — O que se passa Carl, tens algo a dizer?

    O Carl dá um passo em frente e responde:

    — Se me permite, senhor, já é altura da Princesa se comportar como uma verdadeira menina da realeza, pois uma verdadeira Princesa e futura Rainha não deve mentir, por isso peço que a Princesa tenha dignidade e fale a verdade, ou então, falarei eu.

    Dentro da minha cabeça estou a ter um ataque de pânico, a pensar nos piores nomes que existem para chamar ao Carl. Por que razão se intromete tanto na minha vida? Quem pensa que é? Ele é só um mordomo; eu neste momento quero tanto pô-lo no seu devido lugar, mas não o faço, por mais chateada que esteja com ele não o consigo humilhar de tal forma. Sempre abominei a forma como as pessoas ricas e poderosas tratam as pessoas com menos condições financeiras de formas tão nojentas. De forma alguma irei contra os meus princípios, só porque ele se atreveu a desafiar-me com a verdade. Além o disso, o Carl esteve mais presente na minha vida do que alguma vez os meus pais estiveram. Por isso, por mais que o meu orgulho esteja ferido e por mais raiva que tenha do Carl neste momento, simplesmente afirmo:

    — Ok, é verdade, eu menti.

    — O QUÊ?? – berra a minha mãe, escandalizada.

    — SUA ESTÚPIDA INGRATA, tanto dinheiro gasto para ter uma excelente educação, para ser um modelo e olhe para si, olhe para o que se tornou. – afirma o meu pai com uma expressão facial enojada.

    — Eu posso explicar, eu estava… – tento explicar-me, quando o meu pai cruelmente me interrompe.— CALE-SE, já para o seu quarto, não posso comer com mentirosos.

    O Carl rapidamente intervém:

    — Majestade, se me permite, eu penso que a vossa atitude para com a Princesa é sem fundamento, ela errou, mas rapidamente mudou esse erro, assumindo a verdade, e isso não a faz ser nenhuma ingrata, nem estúpida. Mas sim alguém que ama demasiado os seus pais para  pensar, sequer, em desanimá-los ou desiludi-los. Por isso, peço para refletir fortemente na punição que lhe deu, ela é sua filha.

    — SEU ESTÚPIDO, QUEM PENSAS QUE ÉS PARA ME DESAFIAR? – o meu pai bate com o punho na mesa e grita.

    — Ele é o meu pai, Carl – retruco eu, depois de escutar o Carl e as insinuações do meu pai– Não se preocupe meu pai, irei retirar-me agora.

    Retiro-me em silêncio, queria responder, justificar-me, mas simplesmente não consigo. Quando passamos a maior parte da nossa vida a lutar por algo e vemos que não há resultado, simplesmente desistimos… e eu desisto, esta atitude do meu pai e da minha mãe para comigo dura desde a minha infância, LUTO E LUTO CONTRA ISSO, contra a sua raiva e desprezo contra mim, luto para fazê-los entender que eu sou uma Princesa, mas também sou humana, também sangro, choro, desespero-me e TAMBÉM ERRO, mas vou fazer 18 anos daqui a uma semana e é demais. Não posso continuar a lutar contra isso, por isso simplesmente aceito a minha sentença e retiro-me. No fundo sei que vai ser uma luta perdida, porque por mais que implore, eles nunca vão mudar essa atitude, já faz parte deles. Por isso, prometi uma coisa a mim mesma, que nunca, mas nunca irei construir a minha vida em volta desta luta, porque enquanto luto desesperadamente para terminar este ciclo, eles nunca irão entender, e quanto mais eu luto contra a maré, mais eu me afundo e me perco pelo fundo do mar, até que desapareço. Não posso deixar que a história da minha vida se resuma a isso, SIMPLESMENTE NÃO POSSO.

    Antes de sair pela porta do salão, viro-me, olho para o Carl e, pela primeira vez na minha vida, vejo lágrimas a escorrerem dos seus olhos, mas volto a virar-me e a dirigir-me ao meu quarto com o único pensamento: porque está o Carl a chorar, afinal sou eu que deveria estar a chorar, certo?

    Dia 27 de Outubro (23:00)

    Estou no meu quarto a ler um livro. Para minha surpresa, ainda não chorei devido ao sucedido… que estranho, porque normalmente sou muito emotiva, mas como estou concentrada a ler o meu livro sobre a triste vida de um personagem, sinceramente nem tenho tempo de pensar na minha, e é isso o que eu mais gosto ao ler. Ficamos tão envoltos na vida das personagens que lemos, que nem temos tempo para pensar nos problemas e ansiedades da nossa própria vida. É muito melhor do que fofocar sobre a vida dos outros, porque quando lemos livros fofocamos com o personagem na primeira pessoa, sentimos os sentimentos, ansiedades e presenciamos os seus erros e a forma de pensar da personagem na primeira pessoa. E, de alguma forma, a personagem do livro também sabe quais são os nossos problemas e ansiedades e vê em primeira pessoa a nossa maneira de pensar. E tudo isto fica fechado com a única chave em que alguma vez poderemos confiar: nós mesmos.

    De repente, enquanto estou a ler, cheiinha de fome, alguém bate à porta e, quando pergunto quem é, ninguém responde. E vejo que já são 23 horas e toda a gente provavelmente deve estar a dormir. Eu devia chamar os guardas, penso por um minuto, só que a minha porta está destrancada, se fosse alguém a querer fazer-me mal, já teria feito. E então, levanto-me para abrir a porta e quem está do outro lado é quem eu menos esperava:

    -— Carl, o que fazes aqui? – fico perplexa quando vejo o Carl do outro lado, com um prato de comida na mão a olhar para mim.

    — Boa noite, Princesa, eu vim trazer-lhe o seu jantar, já que não comeu e deve estar cheia de fome.

    — Não, obrigada, estou bem. – afirmo mentindo. Sim, estou com fome, mas estou com mais raiva do Carl por me ter metido em problemas com os meus pais.

    — Por favor, Princesa Esmeralda, não seja assim, sei bem que isso é mentira, está há quatro horas sem comer, é impossível que não tenha fome.

    — Para ser sincera, tenho sim. Mas tenho ainda mais desilusão ao olhar para ti e não consigo parar de me perguntar… porque o fizeste? Tu sabes bem como são os meus pais, acompanhaste-me desde que nasci, basicamente criaste-me, então porquê? Porque me queres magoar? – pergunto eu, com os olhos embaciados de lágrimas.

    — Eu tomei esta atitude para a proteger.

    — O quê, estás bem?? – questiono, incrédula – Como é que desmascarares-me aos meus pais tem alguma coisa a ver com proteção?

    — Sim, tem, protegia-a de não se amar.

    Literalmente fico a olhar para ele e a pensar se aquele homem à minha frente, que me viu crescer, se encontra bem psicologicamente. Como se lesse os meus pensamentos, o Carl afirma:

    — Vamos ser sinceros, a única razão de a Princesa ter mentido é porque sabia muito bem que os seus pais dizem que, para se tornar uma Rainha, é irrelevante ler, mas sim persuadir e controlar e, por isso, mentiu.

    — E? – pergunto eu.

    — A Princesa desde criança finge ser quem não é à frente dos seus pais, simplesmente porque sabe que o seu verdadeiro eu não é a idealização de filha perfeita para eles. Mas já chega. Tenha amor próprio.

    — Mas eu tenho. – Interrompo eu.

    — Não, não tem, ter amor próprio não é só ver-se ao espelho e achar-se bonita, não é gostar de si sozinha, mas é ter coragem para ser você mesma à frente dos outros e gostar de quem é.

    — Mas eu gosto de quem eu sou, à frente dos outros.

    — Não gosta não, porque se gostasse não se importaria com o que os outros pensam quando veem o seu verdadeiro eu.

    — Mas tu ensinaste-me que devo ser humilde quando os outros apontam um erro meu. – afirmo, confusa.

    — Disse bem, um erro. E desde quando é que ler virou um erro, rir alto virou um erro, amar intensamente virou um erro, ser espontânea virou um erro? No mundo as pessoas procuram tanta perfeição que, atualmente, uma característica rara e diferente da nossa personalidade vira um defeito, um erro. Mas não, não consigo, a minha menina, que lutei tanto para que se tornasse uma mulher de bem. Pode não ser minha filha, mas cuidei de si como se fosse minha e não vou permitir que as pessoas apaguem características bonitas na sua personalidade porque para elas lhes convém pensar que é um erro. Querida Princesa, gostar de ler ao invés de dançar não é um erro, tampouco irrelevante, e não deixe que ninguém a faça pensar que ser você mesma alguma vez será um erro ou um defeito. No mundo em que vivemos é raro encontrar pessoas que são verdadeiras consigo mesmas e à frente dos outros. NÃO PERCA ISSO. – depois do Carl afirmar isso, rapidamente entra, pousa o prato na minha mesa de cabeceira e retira-se, dizendo:

    — Com licença, o resto de uma boa noite.

    E eu, simplesmente, deixo-me cair, sentada na minha cama a pensar na lição que o Carl me deu, até que a minha barriga ronca e pego no prato para comer. Quando acabo, ponho o meu pijama e durmo com a esperança de que amanhã será um dia melhor.

    Dia 29 de Outubro

    Hoje é dia da visita anual ao povo, ( só às partes ricas do Reino, como é óbvio) que eu odeio, porque é literalmente um dia inteiro a apertar mãos e a compactuar com um monte de gente gananciosa e malvada, e sinto-me sempre tão enojada quando lá estou, por isso a única coisa boa que me deixa feliz ao participar nesta visita é que vou ver a Lídia, a minha única e grande amiga. Ela trabalha na casa do Lorde Hamilton, na cozinha, e sempre que lá vou digo aos meus pais que vou apreciar a sala de antiguidades de caça dos Hamilton, quando na verdade todos os anos que lá vou fico num compartimento isolado da cozinha a fofocar e a desabafar com a Lídia enquanto ela corta um monte de legumes e frutas e eu ajudo de vez em quando com as coisas simples, porque sou horrível nisso. Mas não me importa, o tempo com a Lídia compensa sempre este dia horrível, porque com ela não preciso de ter medo de ser eu.

    Enquanto visto um vestido cor-de-rosa, de seda brilhante com um monte de flores na sua borda, e a precetora Nancy me entrelaça os cabelos ruivos em duas tranças grossas para me fazer depois uma coroa de tranças e meter a  tiara, faço uma lista mental de todas as coisas que tenho para dizer à Lídia. Afinal já passou um ano. E 12 anos da primeira vez que a conheci e nos tornámos inseparáveis.

    Dia 29 de Outubro (12 anos atrás)

    — Ai mamã, não me puxe o braço, já lhe disse que não quero ir, quero ficar a brincar com a minha cachorrinha, Rose. – exclamo eu.

    — Só que o problema é que não me importa minimamente o que quer ou não fazer, vai fazer e pronto. Além disso, uma verdadeira Rainha não reclama dos seus afazeres reais. – afirma a minha mãe.

    — Mas eu não entendo por que razão comer numa mesa cheia de comida e cumprimentar lordes é um afazer real.

    — Cale-se sua pirralha, vai envergonhar-me. – Rapidamente, puxando-me pelo braço, vai ter com o Carl e afirma, berrando:

    — Carl, rápido, toma conta dela, está a comportar-se como uma verdadeira rebelde e vai causar-me rugas.

    O Carl pega-me ao colo e leva-me para um outro salão, enquanto eu estou a chorar desalmadamente porque a minha mãe me chamou rebelde, o que me faz ficar triste porque fui ensinada que boas princesas não são rebeldes.

    — Querida Princesa – afirma o Carl com uma voz doce e pacífica, enquanto me pousa delicadamente no chão e me enxuga as lágrimas que caem infinitamente da minha cara com o seu dedo – acalme-se, vai correr tudo bem, estou aqui. Porque chora tanto?

    — É que eu… eu… eu sou uma rebelde – afirmo a soluçar.

    — Oh, minha querida, porque diz isso? – pergunta de forma calma.

    — A mãe disse que sou uma rebelde.

    — Oh, pequenina, ela não o quis dizer dessa forma. Olha, sabes, às vezes quando os pais estão zangados dizem coisas feias aos filhos sem o querer.

    — Como assim? – pergunto ainda a soluçar, mas com as mãos nos olhos a limpar as lágrimas.

    — Lembras-te quando o Carl te disse que também tinhas de ajudar a Nancy a arrumar os brinquedos, porque tinhas de ser responsável? Lembras-te do que me disseste depois?

    — Eu disse-te que não gostava mais de ti… mas Carl, eu pedi desculpa depois e ajudei a Nancy. – digo eu aflita, questionando-me se ele acreditou.

    Dando-se conta da minha aflição ele afirma:

    — Eu sei, minha querida, eu sei.  Disseste uma coisa que não querias porque estavas chateada, e com os adultos também acontece isso. – afirma, passando a mão nas minhas costas.

    — Então a mãe não falou a sério? – questiono, finalmente sem lágrimas a escorrer do meu rosto e a olhar fixamente para os olhos do Carl, à espera que confirme a minha resolução.

    — Sim, querida, exatamente. – afirma ele, abraçando-me.

    Depois, o Carl diz que vai buscar-me um gelado e pede-me para esperar numa sala perto da cozinha. De repente, vejo a Lídia, uma menina negra do meu tamanho com um cabelo incrível que, sinceramente, na altura me fez ficar com alguns ciúmes. Disse-lhe Olá e ela não me respondeu. Por isso, afirmei:

    — Não responder quando nos cumprimentam é uma extrema falta de educação, o Carl disse-me.

    — Quem é o Carl? – retruca ela, fico feliz por me ter respondido, porque já estava a ficar sem ideias para obter a sua atenção.

    — É o meu amigo e mordomo-chefe da minha casa, tu também tens um amigo?

    — Sim, o mister Sprikle.

    — O mister Sprikle, que nome engraçado, posso vê-lo?

    — Claro, vem comigo.

    Levanto-me rapidamente e lá vou eu com ela, curiosíssima para conhecer o mister Sprikle e ser sua amiga também.

    — Está aqui. – afirma ela depois de caminharmos dois minutos em silêncio.

    — Onde?

    — Aqui. – Aponta para uma gaiola onde se encontra um hamster.

    — Mas isso é um rato. – afirmo eu, confusa.

    — Não é não. É um hamster e é meu amigo.

    — Ah ok, desculpa. – aproximo-me para o ver melhor e é uma bolinha laranja e branca muito gira e peluda.

    — É muito giro. Já agora, o meu nome é Esmeralda. E tu, como te chamas?

    — O meu nome é Lídia.

    Depois estendo o meu braço e digo:

    — O prazer é todo meu – afirmo, feliz por ter feito uma amiga que pela primeira vez me agrade, não aquelas princesas com quem sou obrigada a ir todos os fins-de-semana tomar chá e que tenho a certeza de que falam mal de mim.

    A Lídia pensa durante um tempo se me deve apertar a mão também, mas depois sorri e aperta, afirmando:

    — O prazer é meu.

    E aí começa o início de uma linda amizade.

    Dia 29 de Outubro (12 anos depois – agora)

    — Esmeraldaaa! – berra a minha mãe.

    — Ai, mãe, que susto, porque está a gritar? – pergunto eu.

    — Porque estou a falar consigo e não me está a ouvir – exclama ela.

    — Desculpe, estava com a cabeça noutro sítio, mas fale, estou a ouvir agora.

    — Eu vim dizer que daqui a dois dias vai apresentar-se perante o povo na varanda do enorme salão.

    — Hã? Como assim?

    — Eu disse que se vai apresentar perante o Reino, está com algum problema de audição que eu não tenha conhecimento?

    — Sim, mãe, eu entendi, o que não consigo perceber é o porquê?

    — Porque, juntamente com o Rei, vai dançar a valsa campestre.

    — Mas eu já vos disse que tinha mentido e que nunca a tinha sequer praticado.

    — Eu não perguntei, o meu objetivo ao encaminhar-me para o seu quarto foi simplesmente o de informar que daqui a dois dias tem a função

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