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Mágoa
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E-book134 páginas2 horas

Mágoa

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Sobre este e-book

Mágoa trata de confinamento. Aquele do marido preso, de sua mulher e filha proscritas, certamente. Mas, mais do que isso, o confinamento sem fim, onde se abrem espaços, possibilidades, lacunas. O confinamento num sistema mental que se torna mais fechado à medida que se torna mais claro, numa falha que pesa ainda mais porque nos recusamos a considerá-la, numa solidão que exacerba a maternidade como a presença de terceiros – bêbados, inermes, em princípio esquivos e tacanhos.
Mágoa trata de esforço. Zinaïda Shadrina, revolucionária desiludida, está inteiramente voltada ao verdadeiro, o justo, a explicação. Mas, sobretudo, para o outro, que ela ignora. A começar pelo destinatário de seu longo monólogo, cartas que ficarão sem resposta, que página após página prescindem melhor disso. Dificilmente se pede notícia do amado, pois não se teria – recusamo-nos a imaginá-lo –, então como é que se ama? É certo, é a forma certa do que talvez ele não chamaria de amor? Ao falar de amor ao amado, é preciso imaginar sozinha as suas reticências, as suas reservas, mas talvez seja pura maiêutica, o desafio é chegar à justa definição do amor tal como deve ser, e partindo de encontrar a paz.
Que as grades da sua prisão sejam os troncos da floresta de bétulas, que o seu comunismo exclua os seus reputados irmãos e o faça excluir, que a sua prisão seja o próprio impulso que a leva carta após carta ao amado cuja forma se esgota, amado que suas palavras a cada frase condenam mais, o que pode fazer a respeito, ela que só procura dizer com mais precisão?
Mágoa trata justamente do esforço de dizer bem, de ter dito claramente, porque dizer bem é pensar com clareza, mas não só: é elevar-se, sempre tensa, ao nível do marido sacrificado, é ser a boa esposa, aquela que se expressa com calma, recusa a perturbação; não há nada que valha, comparado ao esforço em si. Tal exigência, por mais ingênua que seja, não é menos mortífera; trata-se de ossos, o essencial bem rígido sob a pele macia – ossos, o que sobra quando é tarde demais. O sacrifício é belo, a heroína não ignora isso quando se queima no altar de uma causa... Mas que causa exige tanto dela?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de jan. de 2024
ISBN9786557591345
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    Mágoa - Emmanuel Tugny

    Livro, Mágoa. Autor, Emmanuel Tugny. Sulina.Livro, Mágoa. Autor, Emmanuel Tugny. Sulina.

    Ela entrava plenamente na relação direta e incessante, numa espécie de identificação com o Infinito, por uma absorção, para além de qualquer ideia e palavra humana, onde se devorava o seu coração. Morta para o que é eu pensante e ativo de uma pessoa, sua sensitividade suspensa por uma surpreendente e milagrosa paralisia, uma verdadeira catalepsia santa – ela parecia voar, transportando-se mais alto que aqui embaixo, para um lugar celeste onde, com seus olhos terrenos, a mulher via Jesus expandir, em torno de sua cabeça pressionada contra a dela, sua coroa dilacerante, aproximando-se dela e fazendo-a partilhar da metade de seus espinhos e pregos!

    Edmond e Jules Goncourt,

    Madame Gervaisais, CXIV

    "Ah, os sábios! Talvez estejam dispostos a reconciliar-se com a revolução, desde que não haja uma ‘situação excepcionalmente complexa’."

    Lênin, Revista Prosvéchtchénié,

    n. 1 - 2, outubro 1917

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de rosto

    Apresentação à edição brasileira

    Prefácio da edição francesa

    Mágoa

    Ficha catalográfica

    APRESENTAÇÃO

    À EDIÇÃO BRASILEIRA

    A MÁGOA INEVITÁVEL

    Prefácio de Gilberto Schwartsmann

    ¹

    Os sentimentos de solidão, de saudade e de isolamento são parte de nossa chamada dor existencial. Quando iniciei a leitura do livro intitulado Mágoa, de Emmanuel Tugny, e defrontei-me com as correspondências de Shadrina, logo percebi que ela se dirigia a alguém que muito amava, mas que havia sido retirado de seu convívio. Desde as primeiras páginas da obra, eu senti muita dor e tristeza: Ela tenta confortá-lo: ... sei que você supera tudo... é muito importante para mim que se mantenha firme....

    Dei-me conta de que a minha leitura não seria possível sem uma boa dose de sofrimento. Ainda que a personagem de Shadrina busque alento na poesia, que tentamos encontrar em algum lugar dentro de nossos corações, ou que a personagem tente enganar a si mesma, com a esperança de ver a luz do Deus de Spinoza, as primeiras páginas da Mágoa, de Emmanuel Tugny, nos fazem imaginar que será infrutífera a sua desesperada e angustiante espera.

    A fatalidade, o destino e o absurdo da existência humana são temas que costumam produzir literatura. As experiências humanas que envolvem isolamento e solidão são sempre motivo de medo e de curiosidade para o leitor, pois nós, seres humanos, fomos condicionados a viver em sociedade. Ao final do século XIX, não havia livro mais lido do que Robinson Crusoe (1719), de Daniel Defoe, em todo o mundo ocidental. Esta atração produzida pela obra no leitor existia e se mantém até hoje porque nós nos identificamos quase instantaneamente com a solidão do jovem perdido na ilha deserta, após o naufrágio.

    Na derradeira frase do clássico Cem anos de solidão (1967), Gabriel Garcia Márquez lembra ao leitor que as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra. O ser humano teme e foge da solidão. É por esta razão que a leitura de Mágoa produz desconforto e ao mesmo tempo uma imensa vontade de seguir adiante. Do mesmo modo que não foi uma tarefa trivial a de Dante, ao seguir o poeta Virgílio pelos horrendos círculos do Inferno, tampouco foi fácil a decisão do herói grego Ulisses, de penetrar no mundo dos mortos – o Hades – na Odisseia, de Homero. Por isso, não seria sem sofrimento que o leitor – e eu – seguiríamos a dor de Shadrina, nas páginas da obra de Emmanuel Tugny.

    "As correspondências cheias de poesia e de amor, enviadas pela esposa de mais um entre os milhares de condenados pelo regime stalinista, deverão ter um final triste", eu pensei. Ou seja, haveria de se esperar muita dor ao longo desta leitura. É como sentencia o narrador, na Crônica de uma morte anunciada (1981), de Gabriel Garcia Márquez, ao referir-se ao destino fatal de Santiago Nasar. As prisões do regime stalinista não perdem tempo com os assuntos do coração. Assim, a história de Shadrina não pode ser uma simples história de amor, mas a descrição de uma profunda tristeza, de um sentimento de crescente resignação, alimentado diariamente pelas desilusões que corroem as vidas das vítimas das separações forçadas, violentas e definitivas. Noutras palavras, são as dores do exílio.

    Peço ao leitor que deixe de lado as suas memórias dos amores dos romances de cavalaria e de Amadis de Gaula, do século XVI; os tórridos encontros da aristocrata Anna Karenina com o seu amante, o Conde Vronsky, na obra homônima de Liev Tolstói (1877); ou o amor tão belo e inseguro do casal de jovens do clássico do cinema francês Baisers volés (1968), de François Truffaut. Emmanuel Tugny não escreve sobre a singeleza das paixões.

    Tampouco o autor de Mágoa quer que percamos o nosso tempo com o amor idealizado entre duas pessoas, que o grande escritor português Luís de Camões – de Os Lusíadas – descreveu no século XVI, em seu conhecido soneto, que diz sobre o amor "que dias há que na alma tem posto, um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porquê". Ao contrário, Mágoa fala de tristezas. Mais do que tristeza, a obra descreve um ser humano em grande desespero, causado por um forte pressentimento.

    Refiro-me ao sentimento de que possa haver na vida dores sem fim ou barreiras intransponíveis. Ou que existam circunstâncias terríveis, contra as quais não temos como reagir. Eu penso que, no fundo, a personagem pressente que jamais poderá rever a pessoa que mais ama. É essa a sensação que toma conta das famílias ou dos casais vitimados por separações violentas ou abruptas, cujas causas são completamente alheias à sua vontade.

    Quando alguém é retirado à força de seu convívio normal, cria-se uma situação semelhante ao drama do exílio. É como o prisioneiro, de quem é retirada, por um tempo indeterminado, qualquer possibilidade de contato com seus entes queridos ou com as coisas que fazem parte de seu cotidiano. Ou como as situações de impedimento de voltar, em que o indivíduo se vê obrigado a viver para sempre fora de seu ambiente habitual, como num desterro forçado, decorrente da imposição de um poder.

    Para estas pessoas só resta sonhar, manter acesa a chama da esperança. Na Literatura, há vários exemplos de autores, cujas obras foram produzidas no exílio, ou em condições de isolamento ou confinamento. Dante Alighieri escreveu a Divina Comédia no século XIV, em meio aos sentimentos e ressentimentos que se seguiram a sua condenação in absentia em Florença. Ao viajar para Roma, como representante das lideranças políticas florentinas numa negociação com o Papa, Dante se vê vitimado por uma inesperada reviravolta política, na qual ele resulta condenado por suposta traição, jamais podendo retornar à sua amada Florença. Sua obra tem as marcas das dores do exílio.

    Nos primeiros anos do primeiro século da Era Cristã, o poeta romano Ovídio, diz a história que por escrever obras que causaram indignação no Imperador Augusto, foi também um desterrado. Uma das produções associadas à decisão de exilá-lo, tomada pelo Imperador, sua obra máxima intitulava-se Metamorfoses, e teria incomodado Augusto por descrever transfigurações de homens e de deuses em animais, árvores, rios e pedras, no início dos tempos. Outra foi A arte de amar, a qual revelava certas imoralidades dos líderes de Roma. Nela, Ovídio fala de seu desejo desesperado de voltar, da saudade da cidade, da família e da vida que antes levava.

    Há outras formas de exílio. Há aqueles que, por sua própria decisão de se distanciar, pela premência de fugir de alguma coisa ou da perseguição de uma doença, decidem isolar-se do mundo, às vezes dentro de seu próprio lar. Considere-se igualmente o caso daqueles que decidem, por sua conta, viver em condição de afastamento permanente de seu ambiente familiar ou de trabalho, de seu círculo de amizades, ou por razões de doença, para dedicar-se à produção de uma obra ou mesmo para buscar um ambiente que considere melhor para resolver questões mais íntimas.

    Foi esse o caso do grande escritor francês Marcel Proust, acometido por uma severa doença pulmonar, a qual hoje sabemos tratar-se de asma brônquica. Proust exilou-se em seu próprio apartamento em Paris, não sem antes revestir as suas paredes com cortiça, para não ser perturbado pelos ruídos da bela metrópole, que tanto o distraíam. E assim, ele escreveu a obra clássica Em busca do tempo perdido (1913-1922). Thomas Mann, em seu clássico romance A Montanha Mágica (1924), descreve outra forma de exílio. A personagem do jovem Hans Castorp vive uma espécie de confinamento humano forçado, num sanatório da cidade suíça de Davos, para onde iam os indivíduos mais abastados, portadores de doenças consideradas fatais, como era o caso da tuberculose.

    Há quem sofra uma expatriação voluntária, fruto de seu próprio desejo, para tentar uma nova vida, a qual ele imagina ser melhor do que a que viveu antes. Há também formas de exílio decorrentes do imponderável, como a ameaça de uma doença contagiosa. Na obra A Peste (1947), Albert Camus descreve o exílio forçado de uma população inteira dentro de suas próprias casas, na cidade portuária de Oran, na Argélia, por ocasião de uma estranha epidemia.

    José Saramago apresenta algo semelhante em sua obra intitulada Ensaio sobre a cegueira (1995), após o surgimento de uma estranha doença ocular – uma tal cegueira branca, que faz todas as pessoas perderem a visão. O mais interessante é que as reações das personagens não são diferentes das descritas por Giovanni Boccaccio, na Florença do século XIV, nos habitantes que sofreram com a peste negra, em seu clássico Decameron.

    A Mágoa, de Emmanuel Tugny, contudo, é muito diferente disto. É uma forma de desterro mais profundo e sofrido. Shadrina escreve ao marido preso pelos tiranos da União Soviética stalinista: ...você me escreve que acordar é doloroso... o que você está passando sem ter nada a ver com isso não é fácil... Claro que vai precisar de muita coragem... Não tenho dúvidas de que a intercessão do Comissário será bem-sucedida. Você será libertado... nada lhe pode ser imputado!...

    Como forma de lutar contra a possibilidade de um final triste para a sua crônica de uma morte anunciada, ela precisa alimentar-se com a chama da esperança: "...enquanto isso, escreva-me mais, pois só recebi uma carta sua...diga-me, por exemplo, que nada mudou em

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