A PUXADA: Apenas quem viveu essa história poderá contá-la
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Sobre este e-book
Decidi escrever esse livro, para mostrar aos jovens de hoje, que o crime é podre e não há futuro. A minha preocupação é que cada vez mais jovens estão sendo seduzidos para o crime organizado e isso precisa ser combatido, pois há apenas dois caminhos para quem o escolhe: cadeia ou morte.
Não se iluda.
Vivi o mundo do crime em todas as suas facetas. Primeiro como criminoso e depois ao lado da polícia. Tudo levado ao extremo. Eu sempre achei que os fins justificavam os meios.
Matei para não morrer, matei para salvar amigos, matei para ganhar dinheiro. Montei a minha própria equipe, e com ela manipulei a polícia e os criminosos, sem regras e sem limites. Fiz com que todos jogassem o meu jogo. Eu dei as cartas, decidi por anos quem seria preso e quem ficaria nas ruas vendendo a minha droga.
Por vinte anos trabalhei infiltrado para os maiores departamentos de polícia especializada do Brasil.
Fiz uma enorme rede de contatos e aprendi que quem tem informação tem poder… E na vida, tudo é um jogo de interesses.
Homicídio, roubo, latrocínio e muitos outros crimes são motivados pelas drogas. Confirmo isso com toda minha experiência de vida: As drogas são a maior desgraça da humanidade.
Todos os textos desse livro foram escritos durante os nove anos em que estive cumprindo pena em regime fechado. Nomes de pessoas, cidades e departamentos foram alterados, ao abrir esse livro, você acionará um portal que irá levá-lo a lugares que, com certeza, não gostaria de conhecer fisicamente. Seja bem-vindo ao meu mundo, seja bem-vindo à Puxada.
Pode me chamar de Júnior.
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A PUXADA - Miguel Arcanjo Júnior
PRÓLOGO
Uma moto subiu pela rampa com dois caras e o portão se fechou. O garupa estava carregando uma mochila. Eles desceram e foram ao encontro do grupo na edícula. Um deles olhou de cima a baixo para Júnior, subiu a jaqueta e mostrou um 38 em sua cintura enquanto dizia:
— Se você for polícia, eu me garanto. – ele piscou.
— Vai se foder! – respondeu Júnior, lentamente encarando o fulano.
— Para com essa mula, cara!! - Cigano advertiu seu funcionário, entrando na edícula.
O cara armado ficou ao lado de Júnior, mudou o semblante e disse:
— Tô brincando, irmão. Murilo falou que vocês são sangue bom. – disse lhe abraçando.
Nessa hora Júnior começou a encarar Bruno como se dissesse a ele:
Levanta dessa porra desse sofá
.
Júnior estava próximo a porta quando Cigano jogou a mochila e disse:
— Pesa aí e confere, Júnior.
Como de costume, Júnior pegou a droga, furou com um canivete que tinha no seu bolso, experimentou um teco na boca, e foi colocando na balança para pesar, olhando para Bruno que permanecia inerte no sofá, só observando.
O combinado era enquadrar lá fora, então seguindo com o plano Júnior disse:
— É, Cigano, o bagulho é bom mesmo, vou tirar o estepe do porta-malas do carro e jogar lá dentro, aí você vai contando o dinheiro...
Quando Júnior virou as costas para ir em direção ao portão, Raimundo disse:
— Cê tá louco? Só sai com a droga depois que der o dinheiro.
Júnior o encarou e percebeu que logo atrás dele vinha o funcionário armado em sua direção.
Naquele momento todos se movimentam e iam para fora da edícula. Júnior pegou os maços de dinheiro, jogou nas mãos de Cigano e disse:
— Se é dinheiro que você quer, está aí!!
Ele precisava agir rápido. Assim que Cigano começasse a contar o dinheiro, iria perceber que era falso.
Então, Júnior quebrou o disfarce e deu o flagrante gritando:
— Polícia! Deita no chão, filho da puta, senão vou atirar na sua cabeça!!
Ele apontou sua arma para Cigano e para o homem que já sabia que estava armado. Nesse momento ouviu um barulho estridente, zunindo muito próximo ao seu ouvido, e na sequência mais três tiros.
Foi quando viu o caipira caído no chão com um 38 em punho, rapidamente percebeu que o funcionário de Cigano tentava sacar sua arma. Então, disparou um tiro em seu peito e ele caiu sangrando.
Os três tiros que atingiram o caipira foram disparados por Bruno.
Enquanto tudo acontecia, o cara que pilotava a moto pulou o muro achando que iria fugir. Só não esperava que policiais estivessem cercando o local.
Os outros se deitaram com as mãos na cabeça, após muitos gritos e tiros.
Quando conseguiu perceber melhor a cena, Júnior viu que os policiais estavam invadindo a casa pelos muros.
— Cara, ele mirou na sua cabeça! - disse Bruno apontando para um buraco na parede que dava na direção a cabeça de Júnior. — Não sei explicar como ele errou, você nasceu de novo.
— 1 —
A ORIGEM
Júnior nasceu e passou a infância e pré-adolescência em berço de ouro
. Filho de um empresário bem-sucedido, sempre desfrutou do conforto de uma vida luxuosa, com direito à governanta, empregadas domésticas, motorista particular e até jardineiros para cuidar da mansão onde morava. Carros novinhos na garagem, casa na praia, estudou nas melhores escolas e teve acesso ao que o dinheiro pode proporcionar. Fez francês, espanhol, inglês, teatro, piano e artes marciais, mas o que mais gostava era da escolinha de futebol, conheceu muitas pessoas nessa área, disputava vários campeonatos amadores pela cidade, até seus 16 anos de idade, foi quando tudo mudou radicalmente.
O Senhor é meu pastor e nada me faltará.
Ele me faz descansar em pastos verdes e me leva às águas tranquilas.
O Senhor renova as minhas forças e me guia por caminhos certos, como Ele mesmo prometeu.
Ainda que eu ande por um vale escuro como a morte, não temerei nada.
Pois tu, ó Senhor Deus, estás comigo, tu me proteges e me diriges.
Preparas um banquete para mim, onde meus inimigos não podem me ver.
Tu me recebes como convidado de honra e enches o meu copo até derramar.
Certamente a tua bondade e o teu amor, ficarão comigo enquanto eu viver.
E na tua casa, é Senhor, morarei todos os dias da minha vida. (SALMOS 23:1-6)
Agora você vai descobrir por que esse salmo faz parte dessa história.
O ano era 1988, mês de dezembro, até então tudo estava normal quando, inesperadamente, seu pai deu a notícia:
— Estamos falidos! Perdemos tudo!
Aquilo caiu como uma bomba no mundo de todos naquela mansão. Como assim? O que isso significaria na prática? Seu pai não suportou e se entregou à bebida e aos jogos de azar, aniquilando assim qualquer chance de recuperação financeira, perdendo uma por uma de suas lojas para credores e para os bancos, restando apenas a mansão onde moravam, bem localizada num bairro nobre em uma cidade com aproximadamente um milhão de habitantes.
A solução foi alugar as suítes que compunham a mansão, num total de sete, para assim arcar com as despesas. Também foi necessário ir atrás de emprego e dos 16 aos 18 anos de idade, Júnior trabalhou como manobrista, vendedor de discos, vendedor de calçados e fitas K7 pirateadas, até que um anúncio, num poste sobre um curso de detetive particular, mudou o seu destino para sempre. Aquilo o atraiu imediatamente e pouco tempo depois já estava com seu diploma nas mãos, confiante de que era isso que gostaria de fazer para sobreviver. E assim o fez.
Antes disso, mais precisamente dois anos antes, aos 16 anos de idade, seu tempo e esforço eram dedicados em grande parte aos treinos de futebol. Júnior treinava num time do bairro chamado Estrela Futebol Clube. Tinha um amigo inseparável, o Marcinho, se conheciam desde que o garoto viera morar no seu bairro, tinham aproximadamente uns sete anos de idade na ocasião, e mantinham a amizade muito forte até então. Jogavam sempre juntos, sempre no mesmo time, eram inseparáveis. Marcinho era tão habilidoso que foi convidado para compor a equipe oficial do Estrela FC, o time dos maiores de 18 anos, consequentemente, passou a receber um pouco de dinheiro por cada jogo.
Tudo parecia estar indo muito bem, não fosse pelo fato de Marcinho ter mudado seu comportamento desde então. Passou a fazer uso de maconha todo dia depois do treino e a cheirar cocaína sempre antes dos jogos.
Certa vez, um pouco antes do time entrar em campo, Júnior o flagrou cheirando uma carreira no vestiário, na companhia do dono do time, um homem gordo cheio de tatuagens. Como não era bobo, fez de conta que não viu, se retirou para um canto e não opinou. Logo que o jogo começou, em campo, Marcinho teve uma queda muito estranha, não havia ninguém ao seu lado, nenhum adversário o tocou e mesmo assim desabou. Júnior, muito preocupado com seu amigo de infância, correu e se abaixou ao seu lado para ver o que estava acontecendo, nisso veio o gordão
do vestiário e falou no seu ouvido:
— Se é seu amigo, você vai acompanhá-lo ao hospital.
Júnior tremeu, já sabia o que estava se passando, Marcinho estava tendo uma overdose. Seguiram com ele para o hospital mais próximo, ao chegar no local, os dois foram colocados na calçada em frente a unidade de pronto atendimento e Júnior recebeu as instruções, que entrasse de boca fechada com o amigo, e que se contasse o que tinha visto no vestiário, o homem gordo, que também era o dono do time e o traficante local, viria atrás dele e arrancaria a sua cabeça. Dito isso, arrancaram com o carro, deixando seu amigo jogado na calçada e Júnior ali sozinho com ele.
Desesperado, entrou correndo pedindo ajuda para seu amigo e foi atendido prontamente, enquanto os enfermeiros levavam Marcinho para dentro da unidade, tentando reanimá-lo, Júnior o chamava de volta desesperado pelo medo de perder seu amigo.
Já era tarde demais.
Marcinho não respondeu, estava partindo, foi uma despedida silenciosa, dolorida e inesquecível.
Um misto de medo e de raiva tomou conta de Júnior que fez ali mesmo uma promessa para si de que aquela seria a última vez que sentiria medo. A perda de seu amigo tão precocemente para as drogas deixou uma cicatriz que jamais seria fechada, e no momento certo essa dor retornaria como motivação para que Júnior agisse com a energia necessária, impulsionado por essa mistura de dor, raiva e sede de vingança.
Aos 20 anos de idade, sua irmã chorando confessou-lhe que seu marido estava perdido pelo consumo excessivo de drogas, tinha virado um nóia
, estava trocando tudo na biqueira, suas roupas, utensílios domésticos, até alimentos. No momento tinha acabado de pegar o relógio de sua irmã e levado para trocar por drogas numa biqueira próxima.
Aquele relógio tinha um valor sentimental, tinha sido de seu pai, e agora estaria no pulso de algum traficante, aquilo foi como um estopim para uma tomada radical de decisão. Júnior precisava agir, então saiu com seu carro, um Chevette velho à época, que trocou por duas armas, um revólver calibre 38 e uma pistola 765, mais duas caixas de munição, agora estava a pé, porém armado e com sede de vingança.
Decidido de que faria justiça com as próprias mãos, pegou sua bicicleta, colocou a arma na cintura e foi até o ponto de venda de drogas observar o movimento.
À espreita, sentiu um forte arrepio ao ver o relógio que tinha sido de seu pai no pulso de um homem corpulento, cheio de tatuagens, certamente o traficante local. Ao se aproximar um pouco mais, seu coração gelou, pois reconheceu o homem como o mesmo que há quatro anos o deixou sob ameaça na porta do hospital para ver seu amigo morrer.
Era ele, o gordão tatuado, o destino tinha-os aproximado novamente. Não desprezaria assim um presente do destino. Então, ao ver a casa em que esse homem morava e tinha acabado de entrar, decidiu usar seu distintivo de detetive particular, pensando que se cobrisse com a mão a palavra particular
e mostrasse apenas o brasão poderia se passar por policial. E assim o fez.
Com a sola do pé abriu a porta aos berros:
— Polícia, vagabundo! Perdeu, perdeu.
O homem se assustou e fez menção de se levantar do sofá onde estava literalmente enterrado, quando Júnior efetuou um disparo próximo ao seu ombro que o derrubou e o fez rolar pelo chão, deixando cair um bolo de notas e uma quantidade de drogas.
Júnior pensou consigo: Agora tá com medo, né? Chegou sua vez de sentir medo, seu escroto
- e atirou mais uma vez em uma de suas pernas e em uma de suas mãos. O homem agonizava e chorava implorando para que não o matasse. A vontade era de encher sua cara de tiros, mas em consideração à memória de Marcinho, que era um moleque muito de boa, Júnior não o fez, mas encheu sua cabeça de coronhadas até deixá-lo inconsciente.
Feito isso, pegou todo o dinheiro e enfiou nos bolsos, tirou o relógio de seu pulso, as drogas despejou numa privada suja, dando descarga e fazendo descer esgoto abaixo.
Saiu daquela pocilga extasiado, correndo com sua bicicleta e os bolsos cheios, mas o que mais comemorava era a sensação de dever cumprido, tinha vingado a morte de seu amigo e dado uma lição naquele traficante, e ainda por cima ganhado
um bom dinheiro com isso. O homem iria fazer o que? Denunciá-lo à polícia? Um traficante de drogas? Imagina! Iria inventar uma história ao chegar no hospital e amargar o prejuízo.
Em casa, contou tudo para sua irmã e decidiram que parte daquele dinheiro custearia o tratamento de seu cunhado, que era uma boa pessoa apenas tinha feito escolhas erradas, mas não passava de um doente precisando de ajuda. Naquela semana pagou as contas de casa que estavam vencendo, ou já tinham vencido, e pode pagar três meses adiantados para uma clínica de reabilitação por um tratamento para o cunhado.
Uma chave virou em seu cérebro naquele momento, a partir dali tudo seria diferente, o poder o seduziu, estava começando a trilhar um caminho sem volta, faria da sua vida uma profissão de risco.
Não conhecia o significado da palavra limite
, realmente era o início de uma aventura constante, de um flerte com a morte que duraria muitos anos e traria muitas consequências para ele e para muitos poderosos.
Motivado por uma sensação de justiça, desrespeitou todas as regras da sociedade, cometeu injustiças
para fazer justiça, matou para não morrer, tirou vidas para salvar vidas, num frenético e alucinante jogo paradoxal, viveu os extremos tanto do poder paralelo quanto do poder do Estado, esteve nas duas pontas da balança, alternando de lado, manipulando, arquitetando e colocando em prática vários planos mirabolantes, como um maestro à frente de uma orquestra sinalizava e conduzia a música de acordo com sua vontade. E ele gostava disso, do gosto do poder.
— 2 —
SENTINDO O GOSTO DO PODER
Júnior levou seu cunhado para uma clínica de reabilitação, desejando-lhe boa sorte. Porém, a sorte
estava com ele, pois voltou para casa com alguns pertences de Nivaldo que não puderam entrar na unidade devido às regras. Entre esses pertences havia um pequeno caderno, com vários nomes e contatos telefônicos, nomes muito curiosos como Zé do Mato, por exemplo, então ele decidiu ligar para ver no que dava.
Zé do Mato atendeu do outro lado, então Júnior identificou-se, falando a verdade inicialmente, apresentando-se como cunhado de Nivaldo. Logo que falou esse nome, percebeu o homem mudar o tom de voz, ficou enraivecido e disse que ia matar seu cunhado, porque estava devendo na biqueira dele. Foi aí que Júnior percebeu o quanto era preciosa e valiosa a informação, inventou rapidamente uma história acalmando o tal do Zé do Mato, dizendo que tinham feito um assalto, ele e Nivaldo, e que já estava com o dinheiro referente à dívida com o traficante.
Ao ouvir essas mentiras, Zé do Mato ficou feliz e mudou até o tom de voz, passando