Libertas entre sobrados: Mulheres negras e trabalho doméstico em São Paulo (1880-1920)
()
Sobre este e-book
Mas o olhar da autora vai além: interpreta os registros colhidos à luz de uma perspectiva que vê comportamentos e situações a partir do ângulo da emancipação possível do sujeito, no caso as mulheres pobres, as domésticas
de São Paulo no fi m do século XIX e início do XX.
A historiografia sobre esse período nos mostra uma presença maciça de escravas em São Paulo, adquiridas pelos cafeicultores abastados. Dado histórico que explica o alto número de domésticas negras entre nós.
Era preciso sim, que uma historiadora paulista se ocupasse delas, para iluminar a face obscura dessas mulheres.
Ecléa Bosi
Relacionado a Libertas entre sobrados
Ebooks relacionados
Pós abolição e cotidiano Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSilêncios e Transgressões: O Protagonismo das Mulheres Brasileiras no Século XX Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Revolta Dos Búzios Ou A Conspiração Dos Alfaiates Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação Nota: 5 de 5 estrelas5/5Luiz Gama: o herói abolicionista Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCidadania Doméstica: a Confluência entre o Público e o Privado na Emancipação da Mulher Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Prostituição e a Lisboa Boémia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNoites ilícitas: histórias e memórias da prostituição Nota: 0 de 5 estrelas0 notasGênero e imigração: Mulheres portuguesas em foco (Rio de Janeiro e São Paulo – XIX e XX) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDespetaladas: mulheres populares, crimes e honra na capital de Sergipe (1900-1930) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMulheres Amazonas E O Poder Patriarcal No Séc.xxi: Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDevir quilomba: antirracismo, afeto e política nas práticas de mulheres quilombolas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasÁguas, Flores & Perfumes: Resistência Negra, Atabaques e Justiça na República (Salvador - BA, 1890-1939) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA CIDADE ANTIGA - Coulanges Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNas sendas do progresso: Cidade, educação e mulheres (Pindamonhangaba - 1860-1888) Nota: 5 de 5 estrelas5/5É possível ser feliz no casamento?: discurso médico e crítica literária feminista no Brasil Moderno Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO trem para branquinha: Dos engenhos às usinas de açúcar no nordeste oriental: histórias familiares (1796-1966) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTecendo histórias e memórias das cidades Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Negro: de bom escravo a mau cidadão? Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMalês: A revolta dos escravizados na Bahia e seu legado Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO abolicionismo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHistória dos feminismos na América Latina Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA favela reinventa a cidade Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMulheres e caça às bruxas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Resiliência e alteridade na construção de identidades sociais negras no sul do Brasil Nota: 5 de 5 estrelas5/5Memória e libertação: Caminhos do povo e os murais da Prelazia de São Félix do Araguaia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEncruzilhadas Suburbanas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasVirgindade Inútil e Anti-Higiênica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEscravidão na Roma Antiga Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMulheres transatlânticas: Identidades femininas em movimento Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
História para você
Fundamentos da teologia histórica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasYorùbá Básico Nota: 5 de 5 estrelas5/5Marrocos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasComo fazíamos sem... Nota: 5 de 5 estrelas5/5Quebrando Maldições Geracionais: Reivindicando Sua Liberdade Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCrianças de Asperger: As origens do autismo na Viena nazista Nota: 5 de 5 estrelas5/51914-1918: A história da Primeira Guerra Mundial Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA história da ciência para quem tem pressa: De Galileu a Stephen Hawking em 200 páginas! Nota: 5 de 5 estrelas5/5Umbandas: Uma história do Brasil Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Origem das Espécies Nota: 3 de 5 estrelas3/5Feitiço caboclo: um índio mandingueiro condenado pela inquisição Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSe liga nessa história do Brasil Nota: 4 de 5 estrelas4/5História medieval do Ocidente Nota: 5 de 5 estrelas5/5Missionários Guerreiros De Deus Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs Maiores Generais Da História Nota: 5 de 5 estrelas5/5Cidadania no Brasil: O longo caminho Nota: 5 de 5 estrelas5/5História do homem: Nosso lugar no Universo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCivilizações Perdidas: 10 Sociedades Que Desapareceram Sem Deixar Rasto Nota: 5 de 5 estrelas5/5A história em discursos: 50 Discursos Que Mudaram O Brasil E O Mundo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasGuerra pela eternidade: O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista Nota: 5 de 5 estrelas5/5Mulheres Na Idade Média: Rainhas, Santas, Assassinas De Vikings, De Teodora A Elizabeth De Tudor Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHistória De Israel Vol. I Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA história de Jesus para quem tem pressa: Do Jesus histórico ao divino Jesus Cristo! Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs Bnei Anussim Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEspiões, Espionagem E Operações Secretas - Da Grécia Antiga À Guerra Fria Nota: 5 de 5 estrelas5/5A História Secreta do Ocidente Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Avaliações de Libertas entre sobrados
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Libertas entre sobrados - Lorena Féres da Silva Telles
Capítulo 1
libertas e escravas: da província à capital
em 2 de janeiro de 1886, o jornal O Correio Paulistano anunciava a fuga de Balbina, mulata, de 30 annos, estatura pequena, rosto comprido, testa e olhos grandes, cabellos não bem pretos, bons dentes e falla com doçura, tendo em uma das faces abaixo do olho uma cavidade mui pequena e compridinha
.¹ Balbina usa sempre trocar seu nome e o de seu senhor
.² Na edição de 6 de janeiro, José Antonio de Souza, seu senhor, acrescentava ao texto do anúncio novas qualidades da escrava: bonita figura, prosa de corpo
.³ O periódico comprometia-se com a causa do senhor, disposto a bem gratificar quem capturasse a escrava prosa evadida de seu domínio em Itu, cujo paradeiro desconfiava ser a capital da província. Os anúncios de Balbina deixam entrever o discurso de um homem saudoso e frustrado, cativo das qualidades da mulata que poderíamos supor escrava doméstica e sexualmente abusada. Os anúncios revelavam as estratégias de sobrevivência da cativa Balbina, seus atos de recusa e rebeldia: a fala jeitosa, com a qual conquistava estrategicamente seu senhor, inventaria outro nome para escapar a seu algoz.
Na edição do dia 2 de janeiro eram publicados outros dois anúncios de fuga de escravas:
Fugio da residência de Antonio de Oliveira Porto no dia 29 de abril de 1883, a escrava de nome Antonia com os signaes seguintes: mulata clara, bons dentes, estatura baixa, grossa de corpo, tem um signal de queimadura em um dos braços, que termina nas costas da mão, signal este muito saliente; é bem desenvolvida para qualquer serviço; quem aprehender ou der noticia certa sera gratificado. Resende, 20 de dezembro de 1885.⁴
O senhor oferece no anúncio uma imagem opaca de Antonia, descrevendo-lhe as marcas físicas do cativeiro, que pouco a singularizam: apta a qualquer serviço, as cicatrizes no corpo, mulata clara, bons dentes. Antonio parece reviver no anúncio a manhã daquele dia, quando se dera falta e conta de que a escrava não voltaria, em 29 de abril de 1883, em algum sobrado de Resende. Dia 24 de outubro de 1885, escapava do domínio de Maria Amalia Braga, residente no município de Santa Branca, no Vale do Paraíba, a 15 quilômetros de distância de Jacareí, a escrava Antonia, alta, côr preta estatura mais que regular, anda um pouco arcada, pés grandes e chatos, bocca grande, bons dentes, nariz chato, e ri-se quando falla
. A descrição senhorial do corpo de Antonia revela as experiências de trabalho intenso da escrava em fuga. A proprietária acrescentava informações vagas sobre os possíveis rumos da cativa, que estaria para os lados de Guararêma, ou Mogi
.⁵
Os discursos senhoriais sobre as escravas fugidas revelam imagens contrastantes do cativeiro doméstico. José Antonio de Souza descrevia com cores vivas a escrava, detalhando-lhe a doçura no jeito de falar, a bonita figura, corpo prosa, sua altura, cor da pele e dos cabelos, até a cavidade pequenina no rosto. O corpo que descreve não contém cicatrizes, nenhuma marca de violência, castigo ou trabalho. Balbina empreendia outra fuga, quiçá bem-sucedida, silenciando marcas invisíveis, trocando os nomes, distante do senhor. A imagem da escrava doméstica de Resende que Antonio revelava apresenta outra consistência. O desejo deste senhor em recapturá-la ele explicita, assim como as razões da escrava que partia, abandonando-o à saudade da mulata clara de bons dentes, jovem e inesquecível mão de obra bem desenvolvida para qualquer serviço
. Antonia levava no corpo a memória de um cativeiro antigo, cicatriz profunda de senhores cruéis, um castigo pelo trabalho malfeito, aprendizado doloroso de uma jovem escrava, cozinheira imprudente… Quais os horizontes que se abririam a elas na capital?
Balbina, 30 anos, não conhecera a África de sua mãe ou de sua avó: nascia escrava em 1856, seis anos depois da aprovação da lei imperial de 1850, promulgada sob pressão inglesa e a contragosto dos fazendeiros, que punha termo ao tráfico intercontinental.⁶ A mão de obra africana resolveria por pouco tempo a permanente necessidade de escravos jovens e adultos que o sudeste cafeeiro e seu regime intenso de trabalho não tardavam em adoecer e incapacitar.⁷ Estancada a fonte abundante de renovação da mão de obra escrava, que teria deportado a mãe ou a avó das mulatas rebeldes, a demanda dos fazendeiros por braços na fronteira agrícola do Oeste Paulista tragaria a preços exorbitantes escravas e escravos das cidades, das regiões norte, nordeste e sul do