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Últimos escritos econômicos
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Últimos escritos econômicos

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Sobre este e-book

Com o intuito de publicar todas as obras de Karl Marx, a Boitempo lança mais um título da coleção Marx-Engels. Últimos escritos econômicos traz dois textos da fase madura do autor em novas traduções para o português.

O primeiro deles, Glosas marginais ao "Tratado de economia política" de Adolph Wagner, faz parte das anotações ao livro de Adolph Wagner intitulado Doutrina geral ou teórica de economia nacional – Primeira parte: Fundamento. Nesse artigo, Marx critica a deturpação, por Wagner, da teoria do valor desenvolvida em O capital e ilumina diretamente polêmicas e questões ainda em disputa nas diversas interpretações e leituras feitas por autores até os dias de hoje. Marx assenta mais uma vez as teses fundamentais da sua doutrina econômica, dissertando sobre a diferença entre sua teoria e a de David Ricardo e sobre seu modo específico de exposição das formas, conceitos e categorias da crítica à economia política. A publicação inclui ainda um manuscrito sobre a Rússia escrito entre 1881 e 1882 (Notas sobre a reforma de 1861 e o que daí se desdobrou na Rússia), texto que mostra o filósofo alemão "em ação", pesquisando uma questão que o interessava à época e que exigiu reelaborações de argumentos de O capital.

Últimos escritos econômicos fornece uma contextualização histórica e teórica que permite uma leitura crítica da teoria econômica marxiana. Ao longo da obra, notas de rodapé recuperam tanto as notas das duas edições alemãs utilizadas na tradução como as da edição inglesa e trazem informações importantes a respeito das nuances presentes na escrita. O livro conta com um glossário comentado e uma apresentação
que localiza o texto de Marx no seu próprio espaço histórico e teórico, nos debates marxistas acerca da teoria do valor que se desenvolveram ao longo do século XX e nos embates atuais que põem em questão a atualidade dessa teoria.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de set. de 2020
ISBN9788575597538
Últimos escritos econômicos
Autor

Karl Marx

Described as one of the most influential figures in human history, Karl Marx was a German philosopher and economist who wrote extensively on the benefits of socialism and the flaws of free-market capitalism. His most notable works, Das Kapital and The Communist Manifesto (the latter of which was co-authored by his collaborator Friedrich Engels), have since become two of history’s most important political and economic works. Marxism—the term that has come to define the philosophical school of thought encompassing Marx’s ideas about society, politics and economics—was the foundation for the socialist movements of the twentieth century, including Leninism, Stalinism, Trotskyism, and Maoism. Despite the negative reputation associated with some of these movements and with Communism in general, Marx’s view of a classless socialist society was a utopian one which did not include the possibility of dictatorship. Greatly influenced by the philosopher G. W. F. Hegel, Marx wrote in radical newspapers from his young adulthood, and can also be credited with founding the philosophy of dialectical materialism. Marx died in London in 1883 at the age of 64.

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    Últimos escritos econômicos - Karl Marx

    Sobre Últimos escritos econômicos

    Edmilson Costa

    "Glosas marginais ao Tratado de economia política de Adolph Wagner e Notas sobre a reforma de 1861 e o que daí se desdobrou na Rússia" – dois dos últimos trabalhos econômicos de Marx – são anotações que, embora esparsas e fragmentárias, como todas as anotações, possuem grande significado para pesquisa, aprofundamento e continuidade da obra marxiana.

    No primeiro texto, Marx trava um debate com Adolph Wagner, então influente professor universitário alemão. Wagner critica a teoria do valor de Marx por dividir o valor em valor de uso e valor de troca. Para o professor, existiria apenas uma classe de valor – o valor de uso. Ele ainda critica Marx por deduzir que o trabalho é a fonte do valor de todas as mercadorias e por não considerar o ganho de capital como seu elemento constitutivo. Marx rechaça de pronto a confusão entre tais categorias, pois ambas teriam em comum apenas a palavra valor.

    O valor de uso é resultado do trabalho concreto, ou seja, da especialidade de cada trabalhador, enquanto o valor resulta do trabalho abstrato, comum a todas as atividades laborais. A forma social concreta do produto do trabalho, a mercadoria, é, por um lado, valor de uso e, por outro, valor de troca, já que este é uma forma de manifestação do valor, não seu próprio conteúdo. Marx também nunca apresentou o ganho capitalista como um roubo contra os trabalhadores. O que o capitalista faz é se apropriar do mais-valor, parcela do trabalho não pago aos produtores diretos.

    No segundo texto, Notas sobre a reforma de 1861 na Rússia, Marx procura avançar na reflexão sobre o capitalismo de sua época a partir da sistematização de materiais quantitativos e informes de militantes russos. O estudo busca apreender as modificações que ocorreram na Rússia após a abolição da servidão, levando em conta que esse processo gerou significativo desenvolvimento das forças produtivas, ampliando exportações e ensejando a construção de um sistema de crédito. Marx estava muito interessado nos acontecimentos na Rússia, a ponto de aprender russo e colecionar pilhas de material estatístico sobre o país. Ele pressentia transformações revolucionárias. Estava certo.

    Em tempos de hegemonia neoliberal, retomar sobre bases sólidas os fundamentos da crítica da economia política do autor de O capital é tarefa urgente.

    Sumário

    Nota da editora

    Apresentação das "Glosas marginais ao Tratado de economia política de Adolph Wagner": contexto político, embates intelectuais e repercussões na teoria social contemporânea, Sávio Cavalcante

    Seção I

    Glosas marginais ao Tratado de economia política de Adolph Wagner

    Nota introdutória, Hyury Pinheiro

    Glosas marginais ao Tratado de economia política de Adolph Wagner

    Seção II

    Notas sobre a reforma de 1861 e o que daí se desdobrou na Rússia

    Nota introdutória, Hyury Pinheiro

    Notas sobre a reforma de 1861 e o que daí se desdobrou na Rússia

    Índice onomástico

    Cronologia resumida de Marx e Engels

    Anexo – O valor de Adolph Wagner

    NOTA DA EDITORA

    Neste 27º volume da coleção Marx-Engels, a Boitempo publica dois dos últimos escritos econômicos de Karl Marx – Glosas marginais ao Tratado de economia política de Adolph Wagner e Notas sobre a reforma de 1861 e o que daí se desdobrou na Rússia –, redigidos entre 1879 e 1882. A organização, apresentação dos textos e das escolhas tradutórias ficaram ao encargo de Sávio Cavalcante e do tradutor Hyury Pinheiro. A editora agradece aos dois pela indicação de publicação, assim como por todo o acurado trabalho de acompanhamento durante a produção do livro. Agradece também aos revisores técnicos Olavo Antunes de Aguiar Ximenes e Luis Felipe Osório, ao economista Edmilson Costa, autor do texto de orelha, a Tulio Kawata, editor da obra, aos profissionais responsáveis pela revisão e diagramação, bem como ao autor da ilustração da capa, o sempre genial Cássio Loredano, e à equipe in­terna da Boitempo.

    Apresentação das Glosas marginais ao Tratado de economia política de Adolph Wagner: contexto político, embates intelectuais e repercussões na teoria social contemporânea

    Sávio Cavalcante[1]

    Prefiro queimar meus manuscritos a publicá-los incompletos, teria adver­tido Karl Marx, segundo relato de seu genro Paul Lafargue. Marcello Musto, ao chamar a atenção a essa declaração com evidentes repercussões editoriais, observa que o autor teria ficado um tanto quanto surpreso se soubesse que manuscritos seus produzidos entre 1844 e 1846 (como os Manuscritos econômico-filosóficos e a chamada A ideologia alemã) alcançaram, com relativo êxito, o mercado de livros em várias partes do mundo[2].

    Na verdade, não há muito com o que se espantar. Trata­-se de uma consequência esperada daquilo que o próprio Marx identificou como uma das tendências fundamentais do modo de produção capitalista: a incontornável força social e econômica que faz que os produtos das mãos e cérebros das pessoas que vivem em sociedades onde domina esse modo de produção assumam a forma-mercadoria. Sem condições, é óbvio, de avaliar se o autor se contentaria com a resposta que iremos oferecer para publicar o que ele mesmo preferia ver em cinzas, resta-nos apresentar aos/às lei­tores/as do presente as razões que nos fizeram sugerir a publicação das "Glosas marginais ao Tratado de economia política de Adolph Wagner", escritas entre 1879 e 1880.

    O livro de Wagner, objeto das glosas, foi publicado pela primeira vez em 1876. Marx utilizou a segunda edição, de 1879, revista e ampliada. Nessa obra, Wagner buscava oferecer um apanhado geral, com pretensões de síntese, da lite­ratura mais influente da economia política até aquele momento e, dentre dezenas de obras e autores indicados, ressaltou a teoria do valor de Marx como de incomparável importância no contexto do debate da segunda metade do século XIX. O motivo (nos termos de Wagner): Marx teria encontrado no trabalho a substância comum do valor de troca e no tempo socialmente necessário de trabalho, a medida das grandezas. O resultado, porém, seria insuficiente, pois Marx não teria dado conta de uma teoria geral do valor; restringia-se, segundo Wagner, apenas a uma teoria dos custos já formulada por David Ricardo.

    Produzidas, então, cerca de três anos antes de sua morte, o que está traduzido aqui são as reações de Marx à lei­tura que Wagner fez de O capital, o que concede um caráter especial ao manuscrito, pois o leva a retomar vários con­ceitos e argumentos de sua crítica da economia política. O caráter fragmentário do material – que combina longas transcrições da obra comentada com respostas ou obser­vações críticas de Marx – não impede que dele sejam ex­traídas ideias e elaborações com grande repercussão em debates de fundo do marxismo, das ciências humanas em geral e do contexto intelectual europeu envolto em grandes conflitos militares, que, décadas depois, desaguou no fascismo.

    Nunca concebi um ‘sistema socialista’

    As ressonâncias das disputas políticas no debate teórico revelam-se já no início do manuscrito. Segundo Wagner, a teoria do valor de Marx seria a pedra angular de seu sis­tema socialista. A reação de Marx foi taxativa. Chamou de fantasia essa alegação, uma vez que eu nunca concebi um ‘sistema socialista’ . De fato, como atestam outras declarações do autor e o fato de que uma quantidade ínfima de linhas dos extensos volumes de sua obra completa é dirigida diretamente ao que seria o socialismo ou o comunismo, Marx não considerou politicamente pertinente estabelecer modelos rígidos sobre os quais seria erigido um novo modo de produção; algo a ser construído pelos agentes efetivos da mudança – a classe trabalhadora e suas organizações polí­ticas – de acordo com as condições existentes em cada processo histórico, não aquelas que o autor gos­taria que existissem. Em vez de elaborar receitas, Marx concentrou seus esforços intelectuais na análise do funcionamento objetivo, e contraditório, do modo de produção capitalista e os modos pelos quais seus limites intrínsecos abriam as portas para processos revolucionários. Evidentemente, por vezes esboçou o que seriam os fundamentos e os princípios de uma sociedade comunista, mas sua arma principal, desde muito cedo reconhecera, era a potência crítica de um pensamento que visava ao questionamento interno e externo do que hoje chamaríamos de narrativa liberal da economia política, ou seja, aquele conjunto de ideias e princípios que pressupunha a naturalidade ou irreversibilidade de um mundo e um ser social – reduzido, em última instância, ao indivíduo que possui algo – à imagem e semelhança do capital. Uma ideologia, enfim, que definia o ser humano enquanto um sujeito de direito necessariamente interessado em maximizar seus ganhos por meio de trocas contratuais pretensamente não coercitivas, baseadas na igualdade, liberdade, propriedade e Bentham[3].

    A fantasia que Marx rejeitou e denunciou serve até hoje como instrumento de acusação, e está mais viva do que nunca. A dissolução do bloco soviético três décadas atrás foi tomada pela ideologia burguesa como prova empírica do fracasso das ideias de Marx ao confrontar o teste da história. O modelo soviético foi convenientemente vinculado como consequência necessária do (nunca elaborado) sistema socialista de Marx. As forças capitalistas vangloriaram-se de sua própria resiliência e, nessa conjuntura ampla aberta em 1989, sentem-se à vontade em entregar muito pouco das promessas emancipatórias do iluminismo que pareciam ser sua fonte de superioridade moral. Ao designar essas experiências como o socialismo real, o liberalismo realmente existente não se envergonha de vir acompanhado do neoconservadorismo moral e do estatismo autoritário[4]. Afinal, se não há alternativas, como vaticinou M. Thatcher, restaria o consentimento ou a resignação. Mas, justamente por não entregar uma forma viável de vida coletiva em sociedade no longo prazo – afinal, ainda segundo Thatcher, essa coisa de sociedade nem sequer existiria, restando apenas os indivíduos –, a hegemonia neoliberal choca nova­mente outros ovos da serpente: eis que boa parte do mundo vê, de maneira atônita, a ameaça autoritária, ou mesmo neofascista, irrompendo na esfera política ao oferecer sua solução para crises de toda ordem: econômica, moral e política.

    Sobre Adolph Wagner, o vir obscurus

    Em meados da década de 1880, ao passar um período na Alemanha e ter contato com as obras de Wagner e outros socialistas de cátedra, Émile Durkheim, então organi­zando o arcabouço teórico a ser mobilizado para a for­mação do campo disciplinar da sociologia, identificou ali um aspecto decisivo: o evidente déficit moral da economia políti­ca utilitarista exigia um projeto no qual a ciência social apreendesse a moral de modo que ela pudesse corresponder à sua função mais importante: tornar a sociedade possível, ajudar pessoas a viverem juntas sem muitos prejuízos ou conflitos, em resumo, dar salvaguarda aos grandes interesses coletivos[5].

    O que chamava a atenção de Durkheim eram os resul­tados da produção de um braço da escola histórica alemã que dirigia suas atenções aos desafios da construção do Estado nacional unificado após a Guerra Franco-Prussiana sob a liderança de Otto von Bismarck. Wagner era um dos representantes – assim como Gustav Schmoller, Albert Schäffle, Lujo Brentano e outros acadêmicos – da chamada Jovem Escola Histórica alemã, responsável por criar, em 1873, a Verein für Socialpolitik (Associação para Política Social), organização profissional de discussão e publicação que procurava lidar diretamente com a questão social (die soziale Frage): o que significa, nessa visão, pensar institucionalmente a burocracia estatal de modo a propor soluções no sentido de absorver as consequências impostas pelo acentuado processo de industrialização capitalista, a emigração rural para os centros urbanos, os conflitos étnicos e culturais entre as regiões e o crescimento das contestações internas, especialmente as fomentadas pelo socialismo internacionalista e revolucionário. O rótulo socialistas de cátedra foi então direcionado aos esforços desses acadê­micos, que procuravam formas de regulamentação estatal da economia no sentido de solidificar o projeto nacional alemão.

    Intelectualmente, esses autores estavam disputando – assim como o próprio Marx nesse aspecto – o conheci­mento já acumulado da economia política no intuito de recuperar um sentido comunitário que o utilitarismo havia abando­nado, ao reduzir as relações sociais às motivações egoístas vistas como exigências de uma suposta natureza humana. Foi esse atributo que chamou a atenção de Durkheim na obra de Wagner e Schmoller, pois ambos perceberam a sociedade como um ser que tem natureza e personalidades próprias, de modo que expressões comuns, tais como ‘consciência social’, ‘espírito coletivo’ e ‘o corpo da nação’ não têm apenas valor linguístico: expressam fatos eminentemente concretos. Não é correto afirmar que o todo é igual à soma das partes[6].

    Destaco esse comentário de Durkheim pois ele sinaliza disputas teóricas, com claras implicações políticas, que mar­caram a trajetória desses economistas alemães. A de Wagner, para além da carreira acadêmica já proeminente na Univer­sidade de Berlim, é emblemática: foi conselheiro econô­mico de Bismarck, deputado da Dieta Prussiana entre 1882 e 1885, líder do Partido Social Cristão e do Congresso Social Evangélico e membro da Câmara Alta do Parlamento prussiano entre 1910 e 1917, tendo influenciado debates sobre reformas, especialmente aquela relativa à questão agrária. Foi considerado um dos expoentes do sistema socia­lista de Estado, influente no contexto imperial alemão[7].

    O sistema preconizado por Wagner consistia em uma estrutura corporativa de representação política, um modelo organicista, capaz dar solução à questão social e de transformar o viés individualista da economia ao substituí-la por uma economia social ou economia nacional (Volks­wirtschaft), na qual "os interesses permanentes e genuínos do gênero (Gattung), do povo como um todo, deverão ser sempre o critério para decidir a maneira e em que medida os desejos e objetivos das classes e dos indivíduos serão satisfeitos"[8].

    Construir uma economia nacional genuína exigia lidar com o fundamento cultural e religioso do povo, o que co­locou Wagner, como tantos nacionalistas alemães, necessariamente diante da questão judaica. Os trabalhos de Clark e Kedar discutem, nesse sentido, as controversas relações do autor com o antissemitismo. Embora tenha negado adesão direta ao movimento, a atuação política de Wagner foi explicitamente marcada pela plataforma antissemita, justi­ficada como legítima na medida em que as forças do grande capital que incitavam a anomia eram vinculadas à comunidade judaica, resistente, então, a compor um corpo nacional coeso. Clark identifica inúmeros pronunciamentos de Wagner que denunciavam a corrupção econômica, social e moral promovida pela raça dos judeus[9].

    Foi por essa via que o legado da obra e atuação política de Wagner foi reivindicado, posteriormente, pelo ideário fascista do nacional-socialismo. Embora seja impreciso traçar uma linha de continuidade necessária entre os dois contextos, suas propostas de regulamentação corporativa da ordem capitalista por meio de um programa nacional-socialista e as críticas contundentes aos que corrompem o corpo nacional alemão tornaram possível que, após sua morte, já sob o domínio nazista, a efeméride de cem anos de seu nascimento fosse saudada por militantes nacional-socialistas declarados, como Wilhelm Vleugels, como uma celebração importante do maior defensor da Economia Nacional Alemã, um líder do socialismo alemão[10].

    Ler O capital ou ... Meu método analítico não parte do ser humano, mas do período da sociedade economicamente dado

    Na polêmica "Advertência aos leitores do Livro I de O capital , feita para a edição francesa de 1969 e reproduzida pela edição brasileira da Boitempo de 2013, Louis Althusser sugere duas dificuldades principais que enfrentam os lei­tores da obra máxima de Marx. A primeira é ideológica e, em última instância, política: há uma divisão entre os lei­tores que possuem experiência direta com a exploração capita­lista e aqueles que não a têm, sobretudo se forem muito eruditos". Para os últimos, há uma incompatibilidade polí­tica entre o conteúdo teórico do livro e as ideias mais comuns pelas quais essas pessoas elaboram o mundo e informam suas práticas. A segunda dificuldade é de ordem teórica: há um sistema com conceitos, articulados em uma problemática específica, que põe em movimento noções abstratas para compreensão do objeto de investigação, que não é a Inglaterra (ou a Alemanha ou a França) do sé­culo XIX, mas o modo de produção capitalista.

    Retomo essas dificuldades apontadas por Althusser, pois ambas se apresentam de alguma maneira na leitura que Wagner faz de O capital, o que explica também a reação um tanto quanto indignada de Marx ao ver fundamentos de suas teses sendo mal compreendidos ou mesmo deturpados. A importância das Glosas... está no fato de que, ao reagir a essas incompreensões, Marx retoma – último texto conhecido e não publicado de Marx em que ele trata da crítica da economia política em geral e da teoria do valor em particular – o que seria o sentido mais preciso de suas formulações construídas como crítica da economia política, material que oferece aos/às leitores/as do presente a oportunidade singular de avaliar o que Marx pensa do que fizeram de sua obra. Com isso, não se quer afirmar que o manus­crito deva ser lido como a palavra final sobre como ler O capital ou alguma pretensão que só faria sentido num re­gistro de interpretação de textos sagrados. Trata-se, em vez disso, de entender o que mais o incomodou e quais as ên­fases que deu em suas respostas. Para oferecer um quadro mais amplo do debate, Hyury Pinheiro também traduziu trechos do Tratado de economia política em que Wagner aborda o problema do valor na literatura dos economistas políticos[11]. As duas dificuldades apontadas podem ser identificadas por meio de dois problemas ressaltados por Marx na leitura de Wagner. Ambos sinalizam para questões cruciais da abordagem de Marx do modo de produção capitalista.

    O primeiro ponto diz respeito à crítica de Wagner a Marx – e também a Rodbertus – por não apenas reduzir o problema do valor ao dos custos de produção, como também retirar o papel do capitalista da geração de valor. Segundo Wagner, determinar o valor somente pelo desempenho do trabalho seria um procedimento arbitrário, na medida em que pressuporia a viabilidade de um processo de produção não mediado pela atividade de capitalistas priva­dos, os quais formam e empregam o capital. Para Wagner, não seria correto considerar que o valor é apenas gerado por uma subtração ao trabalhador, ou seja, seria equivocado não levar em conta que o ganho de capital é um elemento constitutivo do valor.

    A despeito da provocação do próprio Marx – que vê aí as orelhas de burro do autor –, o questionamento de Wagner tem raízes mais profundas do que se apresenta à primeira vista, pois é sintoma da barreira ideológica imposta pela estrutura jurídica burguesa, que, ao viger, tem como efeito justamente neutralizar a relação de exploração[12]. Assim como não era um roubo (e imoral) se valer do tra­balho escravizado ou de servos em outros modos de produção, nunca seria um roubo acumular capital por meio da compra de trabalho assalariado de pessoas que não têm alternativa a não ser vendê-lo sob condições não impostas por elas mesmas. Segundo Marx,

    Apresento, ao contrário, o capitalista como funcionário necessário da produção capitalista e demonstro, muito minuciosamente, que ele não apenas subtrai ou "rouba", mas compele a produção de mais-valor; portanto, o que subtrai ajuda primeiro a criar. Mostro detalhadamente, além disso, que, dentro da troca de mercadorias, mesmo se apenas equivalentes fossem trocados, o capitalista – assim que paga ao trabalhador o valor efetivo de sua força de trabalho –, com todo o direito, isto é, o direito correspondente a esse modo de produção, ganharia o mais-valor. Tudo isso não faz do ganho de capital elemento "constitutivo do valor, mas evidencia apenas que há, inserido no valor constituído sem a mediação do trabalho do capi­talista, um pedaço do qual ele pode se apropriar juridica­mente", isto é, sem infringir o direito correspondente à troca de mercadorias.[13]

    Ao chamar a atenção para uma dificuldade de leitura enfrentada por aqueles/as que não têm a experiência de exploração direta de seu trabalho por uma empresa capitalista, Althusser evoca a determinação[14] social do conhecimento que, no contexto em que vivemos, é mobilizado em debates, acadêmicos ou políticos, sobre o lugar de fala. Quanto a esse aspecto, é importante reconhecer a longa trajetória percorrida na tradição materialista sobre esse embate epistemológico caro às discussões do presente – que mostra a relevância de um outro conjunto de experiências vividas, que necessariamente se articulam às experiências de classe, como aquelas determinadas pela

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