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Peixe-elétrico #08: Guerra
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Peixe-elétrico #08: Guerra
E-book211 páginas7 horas

Peixe-elétrico #08: Guerra

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Sobre este e-book

"Atirar pedras, espancar, torturar ou fazer barulho, ou bater panelas..., para assustar o inimigo evocando um estado de guerra primitiva, imaginária ou real, são traços e operações de poder arqueológicos, que deixaram a marca de horror que pressupunham na própria linguagem do futuro, reduzindo o sabido voo do espírito ao ato material sobre o corpo do outro. São traços do passado distante que podem voltar, como memória da forma, do ato e da coisa, e não do sentido, trabalho do pensamento que não existe aí."
Trecho de "Fascismo comum, sonho e história", de TALES AB'SÁBER
E AINDA NESTA EDIÇÃO:
Marxismo e Guerra – ÉTIENNE BALIBAR
Deslocamentos e instabilidades na ficção de Luiz Alfredo Garcia-Roza – ADRIANO SCHWARTZ
A Félix Guattari – GILLES DELEUZE
Rubem Fonseca e o caso do testemunho ficcional – LARA NORGAARD
Que horas são? – FRANCISCO ALVIM e ZUCA SARDAN
Canções pela vida toda – RONALD POLITO
Tentação. Uma leitura do conto de Clarice Lispector – FABIANE SECCHES
Nós não vamos pagar nada. Notas sobre Machado de Assis: por uma poética da emulação, de João Cezar de Castro Rocha – PEDRO MEIRA MONTEIRO
A obra como vontade: uma experiência de escritura com Roland Barthes – SOCORRO ACIOLI
Rap da República de Pindorama na "Alemanha – RENATA MARTINS
Chernobyl, 30 anos e um dia depois do desastre nuclear – BIANCA VASCONCELLOS
IdiomaPortuguês
Editorae-galáxia
Data de lançamento26 de set. de 2018
ISBN9788584742370
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    Peixe-elétrico #08 - Adriano Schwartz

    nomenome

    Sumário

    Marxismo e Guerra – ÉTIENNE BALIBAR

    Fascismo comum, sonho e história – TALES AB’SÁBER

    Deslocamentos e instabilidades na ficção de Luiz Alfredo Garcia-Roza – ADRIANO SCHWARTZ

    A Félix Guattari – GILLES DELEUZE

    Rubem Fonseca e o caso do testemunho ficcional – LARA NORGAARD

    Que horas são? – FRANCISCO ALVIM e ZUCA SARDAN

    Canções pela vida toda – RONALD POLITO

    Tentação. Uma leitura do conto de Clarice Lispector – FABIANE SECCHES

    Nós não vamos pagar nada. Notas sobre Machado de Assis: por uma poética da emulação, de João Cezar de Castro Rocha – PEDRO MEIRA MONTEIRO

    A obra como vontade: uma experiência de escritura com Roland Barthes – SOCORRO ACIOLI

    Rap da República de Pindorama na Alemanha – RENATA MARTINS

    Chernobyl, 30 anos e um dia depois do desastre nuclear – BIANCA VASCONCELLOS

    nome

    Marxismo e Guerra

    [1]

    Étienne Balibar

    Tradução: Ricardo Lísias

    A Guerra para o Marxismo não é exatamente um conceito, mas com certeza é um problema. Ainda que o marxismo não tenha inventado um conceito de guerra, ele o re-criou, por assim dizer – ou seja, colocou a questão da guerra no interior da sua própria problemática, e produziu uma crítica marxista da guerra, uma teoria crítica do estado de guerra, das situações e processos de guerra, com um conteúdo completamente original. Em certo sentido, pode-se compreender isso como um tipo de teste para a capacidade do Marxismo de se estabelecer como um discurso de genuína independência. A análise do que diz respeito à guerra em geral e aos específicos tipos de guerra na história do marxismo pode trazer ganhos iluminadores. Mas aconteceu algo estranho: em vez de ampliar o alcance e confirmar a coerência do marxismo, o problema da guerra ao contrário produziu um efeito profundamente desconstrutivo, levando o materialismo histórico aos seus limites e mostrando que ele não poderia na verdade dar conta desses limites.

    E vai além: a intervenção do marxismo nos debates sobre a guerra, e portanto também sobre a paz e a política, abalou profundamente esse padrão de simetria ao impor a consideração de revolução como um termo adicional (e em grande medida as lutas de classes são apenas o pano de fundo da revolução). Os efeitos de perturbação sobre o conceito de política podem ser observados não apenas no interior do próprio marxismo, mas também na assim chamada teoria burguesa. No entanto, pelo ponto de vista marxista, como expressado por Marx inicialmente em A miséria da filosofia e no Manifesto comunista, os conceitos de luta de classe e revolução não são políticos; eles antecipam o fim do Estado político, ou suprimem a autonomia da esfera política. Por outro lado, no final, a combinação de guerra e revolução como realizações da, e obstáculos para, a luta de classes parece ser profundamente apolítica. Em outras palavras, não apenas a compreensão e a administração da guerra continuam um problema para os marxistas, e não apenas se caracterizam como um limite para o Materialismo Histórico, mas, por meio de seu confronto com o Marxismo, o caráter apolítico da guerra acaba se revelando. Isso comprova a relevância do Marxismo como uma das tentativas mais profundas de teorizar a política e o político na Era Moderna, mas também parece indicar que a solução marxista ou uma solução para as questões da política da guerra, continua inacessível.

    É ao redor dessas questões, e com o intuito de analisar suas implicações, que desejo examinar a articulação entre o Marxismo e a guerra seguindo sucessivamente três linhas de orientação, conferindo em cada uma delas um privilégio a certos autores e certos textos. Com certeza eles não são na verdade independentes, e continuamente se sobrepõem, mas merecem ser examinados separadamente. São, em primeiro lugar, o problema da conceitualização da luta de classes em termos de uma guerra civil ou guerra social; depois, o problema da relação entre o capitalismo e a guerra, e as guerras capitalistas, ou a forma específica, os objetivos e as consequências políticas das guerras no capitalismo, de um ponto de vista marxista. Um terceiro momento será dedicado ao problema da relação histórica entre revolução e guerra, e portanto à questão crucial das guerras revolucionárias, a tensão dialética entre os elementos militares e os políticos nos processos ou situações revolucionários. Isso leva a questões desagradáveis a respeito da reversão de políticas revolucionárias em políticas contrarrevolucionárias por meio da militarização das revoluções.

    Luta de classes como guerra civil: um novo conceito do político

    A equação de luta de classes (Klassenkampf) com guerra civil (Bürgerkrieg) foi proposta no Manifesto comunista e teve consequências duradouras no e ao redor do Marxismo. Precisamos compreender de onde ela veio, o que exatamente significa, quais as dificuldades que envolve, quais traços deixou no discurso marxista, para renascer poderosamente na compreensão leninista de ditadura do proletariado. Por sua vez, esse renascimento leninista é crucial caso desejemos interpretar alguns dos dilemas que estruturam o discurso político hoje, especialmente na forma do que irei pintar como a alternativa entre os conceitos Schmittiano e Gramsciano de política.

    A saliência dessa questão foi aprimorada em tempos recentes por uma intervenção provocadora de Michel Foucault. Em suas palestras no Collège de France de 1976, ele propôs que, de um ponto de vista crítico e histórico, o bem conhecido lema do Vom Krieg de Clausewitz deveria ser invertido: não é a guerra, ele escreve, que deve ser considerada "uma continuação (Fortsetzung) da política por outros meios", mas na verdade a própria política é outra forma de guerra.[2] Na verdade, Foucault diz muito pouco sobre Clausewitz, mas propõe uma genealogia da expressão luta de classes que retorna aos historiadores que, entre os séculos

    xvii

    e

    xix

    , interpretaram as hierarquias da sociedade feudal e a oposição entre aristocratas e burgueses em termos de guerras de raça decorrentes da conquista. Ele vê a noção de luta de classes (cuja invenção, notavelmente, Marx nunca reivindicou para si mesmo) como um subproduto tardio da transformação da guerra da raças, assim como seu rival no século

    xix

    sobre o campo contrarrevolucionário: a luta de raças (der Rassenkampf). Essa interpretação aponta para um fundo de invenção da teoria baseada na luta de classes da história universal no Manifesto comunista, e nesse sentido é útil. Mas isso também de alguma forma distorce o que é percebido no contexto e, surpreendentemente, para usar contra Marx algo que ele localizara precisamente no centro de sua teoria, nomeadamente a ideia de um antagonismo irreconciliável – cujo melhor nome é exatamente guerra no sentido geral.

    Temos que retornar às formulações reais. A equação da luta de classes e uma guerra social e civil[3] resulta de duas frases encontradas no início e no fim do capítulo 1 do Manifesto comunista:

    A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrícia e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; e uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito.

    Esboçando em linhas gerais as fases do desenvolvimento proletário, descrevemos a história da guerra civil mais ou menos oculta na sociedade existente, até a hora em que essa guerra explode numa revolução aberta e o proletariado estabelece sua dominação pela derrubada violenta da burguesia.[4]

    Essa equação oferece um bom número de problemas excitantes. Em primeiro lugar, a respeito de suas fontes imediatas, que também determinam parte de seu significado. Sabemos que o texto do Manifesto é um palimpsesto: quase toda frase foi retirada de outros autores, antigos ou contemporâneos, mas o resultado dessa combinação é impressionantemente novo e original. Nesse caso dois contextos são particularmente relevantes. Uma importante noção de antagonismo, de origem mais kantiana que hegeliana, veio da Exposition de la Doctrine Saint-Simonienne, um texto crucial que também ofereceu os padrões binários de classe exploradora e explorada, começando com escravagistas e escravos, e no final com capitalistas e classe trabalhadora.[5] Mas os próprios saint-simonianos adotaram, ou até mesmo sistematizaram, a ideia que se tornaria um dos pilares da tradição sociológica, nomeadamente a ideia que a industrialização envolve a superação de formas militares de dominação na história, uma tendência a substituir a guerra pelo comércio e pela produção. Marx em certo sentido reverteria essa conclusão, explicando que a Revolução Industrial e o processo de proletarização lançaram apenas outra forma de guerra. Ao fazer isso, ele recorre a uma terminologia e a um discurso metafórico que tem tanto uma base estreita quanto mais ampla. Falando estreitamente ela vai diretamente no discurso Blanquist da guerre à mort entre les classes – um discurso neojacobino da qual uns poucos anos depois também derivaria a ditadura do proletariado.[6] A base mais ampla, igualmente importante, diz respeito a todo um discurso crítico da nova sociedade burguesa e industrial nos anos 1840 nos termos das Duas Nações lutando uma contra a outra, como no romance de Benjamin Disraeli,[7] ou nos termos de uma guerra social como em Honoré de Balzac, que sabemos ter exercido enorme influência em Marx e Engels.[8]

    Sobre o sentido dessa formulação, concentro-me em três pontos:

    1. Ainda que Marx a compreendesse como uma crítica radical da ideia de política, ou a autonomia da política como definida por partidos políticos depois das revoluções burguesas, o modelo de guerra para a luta de classes sem dúvida envolve um novo conceito de política. Parece que a melhor forma de compreender isso é desenvolver a indicação do texto a respeito de uma oscilação entre fases quando a guerra civil está latente, ou invisível, e outras fases quando ela se torna aberta ou visível. A política em sentido essencial diria respeito precisamente à transição de uma fase à outra, a visível da guerra latente (portanto também sua face organizada) – talvez também o contrário. Portanto sua orientação para uma decisão no antagonismo social, chamada de uma vitória ou uma derrota (e não deveríamos esquecer a terceira possibilidade incômoda: der gemeinsame Untergang der kämpfenden Klassen, um caso trágico reminiscente das formulações hegelianas a respeito da queda das civilizações antigas). Seria já muito interessante discutir as correspondências entre esse conceito de política e o que está envolvido na fórmula de Clausewitz, mesmo que Marx e Engels naquele momento não o tivessem lido, mas é efetivamente verdadeiro que sua fórmula se torna aqui de certa maneira invertida.

    2. Uma representação da luta de classes como uma longa Guerra civil, recobrindo épocas históricas inteiras e por fim toda a história, implica que as próprias classes sejam vistas como campos ou exércitos. Curiosamente, essa representação das classes como exércitos é anterior a qualquer consideração de Marx sobre o class-party, ou a consciência de classe, que são subordinadas a ela.

    3. Por fim, a ideia é diretamente ligada à representação de uma polarização de classes, e um desenlace catastrófico do processo econômico no capitalismo. Há toda uma teleologia envolvida aqui. Quanto mais progredimos na história da luta de classes em direção ao capitalismo moderno, e mais progredimos na revolução industrial no interior do próprio capitalismo, mais a sociedade civil se torna efetivamente dividida em grupos antagonistas radicalmente sectários, estranhos para o outro, e o confronto final ocorrerá quando a velha ordem social for inteiramente dissolvida e os capitalistas burgueses tiverem reduzido o proletariado a uma situação desesperada de fome ou revolta – ou seja, revolução.

    Era para tudo isso ter deixado marcas profundas no discurso marxista, e, como veremos, depois de um período de latência poderia ser reativado em uma nova situação em que a revolução e a catástrofe apareceriam novamente e com muita proximidade interligadas. No entanto, em um curto prazo isso foi rapidamente abandonado, e esse abandono causou a emergência da crítica marxiana da economia política e a doutrina engelsiana do materialismo histórico possível: temos que entender as razões disso.[9] Minhas hipóteses são as seguintes:

    1. O equilíbrio entre Klassenkampf e Bürgerkrieg teve que ser deixado de lado, pois as revoluções e a contrarrevolução de 1848 a 1851 revelaram um padrão de guerras civis verdadeiras em que o proletariado não apenas foi derrotado, mas viveu a inadequação de suas representações da relação entre crises e a classe política: a polarização funcionou na direção oposta do comunismo. Também experienciou a insuficiência de seu entendimento do poder do Estado e do aparato do Estado. Como consequência, a relação entre a ideia de um exército de classe e um partido político de uma classe inteira tendia a acabar revertido.

    2. Essa experiência trágica foi repetida inúmeras vezes na história do Marxismo até hoje. Mas também: cada nova forma de guerra civil levantaria novos problemas a respeito da estrutura de classe das guerras civis, ou a maneira como elas dividem e distorcem as estruturas de classes.[10]

    3. A grande exceção a essa tendência diz respeito à teoria e prática de Lênin da ditadura do proletariado entre 1918 e 1921. Esse revival tem tido consequências incalculáveis. Na verdade, inúmeras preliminares seriam necessárias aqui, indo de uma discussão de entendimentos sucessivos da noção de ditadura entre marxistas para uma descrição de conjuntura de guerra que impeliram Lênin e os bolcheviques a lançar o lema da transformação da guerra imperialista em uma guerra civil revolucionária. Basta aqui indicar que a ditadura do proletariado é concebida por Lênin como uma longa batalha de vida e morte entre a nova e a velha sociedade, que combina táticas pedagógicas de massa militares e administrativas, violentas ou terroristas e não violentas, portanto confronta a liderança política (ou o partido) com um dilema estratégico permanente.[11] Em muitos aspectos essa guerra de classes é portanto também uma não-guerra, ou uma anti-guerra – exatamente como o Estado na ditadura do proletariado é descrito como um não-Estado, ou um anti-Estado, já na fase de seu enfraquecimento[12] e também muitas formulações dialéticas na verdade ocultam enigmas inextricáveis, tais como a combinar uma intensificação da ideologia proletária, que é necessária para forjar a unidade da guerra de classes como um exército, e assegurar sua hegemonia sobre as classes aliadas, com uma progressão em direção à sociedade sem classes.[13]

    4. O ideal seria terminar essa primeira revisão com uma descrição dos novos dilemas que surgem de uma reflexão sobre essa experiência, que eu expressaria na forma emblemática: Carl Schmitt ou Antonio Gramsci – qual o conceito pós-leninista de política? Não por acaso, essa alternativa foi particularmente explorada no marxismo ou pós-marxismo italiano nos anos 1980 e como consequência também em

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