Sobre este e-book
Paolo Giordano
Paolo Giordano nació en Turín en 1982 y es licenciado en Física Teórica. Con apenas veintiséis años se convirtió en el fenómeno editorial más notable de los últimos tiempos en Italia. La soledad de los números primos fue galardonada con numerosos premios, entre los que destacan el Campiello Opera Prima y, especialmente, el Premio Strega 2008 -el más importante de Italia-, además de cosechar un éxito sin precedentes para un autor novel: se publicó en cuarenta países y se vendieron más de dos millones de ejemplares solo en Italia. En España recibió el Premio de los Lectores 2009 de la revista Qué leer. Cinco años más tarde, su segunda novela, El cuerpo humano (Salamandra, 2013), fue recibida con enorme entusiasmo en el mundo entero. De la tercera, Como de la familia, La Stampa dijo que abría para su autor «un camino mucho más complejo e interesante de lo que muchos de sus admiradores se habrían atrevido a imaginar».
Relacionado a Tasmânia
Ebooks relacionados
O Último Dia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs últimos melhores dias da minha vida Nota: 4 de 5 estrelas4/5A Questão do Tempo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasIsaak Foster E A Origem Da Extinção Nota: 0 de 5 estrelas0 notasKerigma: A Conclusão de Pantokrátor Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDiário da catástrofe brasileira: Ano I – O inimaginável foi eleito Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSobriedade Subversiva Nota: 0 de 5 estrelas0 notasQuarenta em quarentena: 40 visões de um mundo em pandemia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCorpos hackeados: Romance policial Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA máfia dos mendigos: Como a caridade aumenta a miséria Nota: 2 de 5 estrelas2/5Lady Power Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAlexandre Garcia, Mente Brilhante Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOlhar para o "fim do mundo": Percepções e imagens da crise ecológica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Vida Breve dos Cães Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Tempo não havia passado para as crianças Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDuas novelas de outono: Cante o hino antes de entrar e A grande ideia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEncontros uma história de amor Uma conversa com Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSete histórias perdidas – Uma década futura Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFernando Sabino na sala de aula Nota: 5 de 5 estrelas5/5Jogo vertiginoso Nota: 0 de 5 estrelas0 notasti amo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Visita De Silvana Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNavalhas Pendentes Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMinha Guerra Na Itália Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAmarguras Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSete dias pro fim do mundo Nota: 5 de 5 estrelas5/5Nossa casa está em chamas: Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Extinção Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Herança Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBaile de máscaras Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Ficção Geral para você
Pra Você Que Sente Demais Nota: 5 de 5 estrelas5/5Para todas as pessoas intensas Nota: 4 de 5 estrelas4/5O Segundo Cu Nota: 3 de 5 estrelas3/5Canção para ninar menino grande Nota: 4 de 5 estrelas4/5MEMÓRIAS DO SUBSOLO Nota: 5 de 5 estrelas5/5Palavras para desatar nós Nota: 4 de 5 estrelas4/5Poesias de Fernando Pessoa: Antologia Nota: 4 de 5 estrelas4/5Contos Eróticos Nota: 1 de 5 estrelas1/5A Morte de Ivan Ilitch Nota: 4 de 5 estrelas4/5A História de Pedro Coelho Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Irmandade Secreta Do Sexo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasQuincas Borba Nota: 5 de 5 estrelas5/5Jogos vorazes Nota: 4 de 5 estrelas4/5Dom Casmurro Nota: 5 de 5 estrelas5/5O Morro dos Ventos Uivantes Nota: 4 de 5 estrelas4/5Crime e castigo Nota: 5 de 5 estrelas5/5Para todas as pessoas resilientes Nota: 5 de 5 estrelas5/5Invista como Warren Buffett: Regras de ouro para atingir suas metas financeiras Nota: 5 de 5 estrelas5/5Sexo Na Minha Vida Sexual Proibida Nota: 5 de 5 estrelas5/5Em chamas Nota: 4 de 5 estrelas4/5
Categorias relacionadas
Avaliações de Tasmânia
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Tasmânia - Paolo Giordano
Instare
1
Paolo Giordano
Tasmânia
Título original
Tasmania
Tradução
Wander de Melo
Miranda
Preparação
Pedro Fonseca
Revisão
Tamara Sender
Cláudia Alves
Projeto gráfico
CCRZ
Produção gráfica
Daniella Domingues
Imagem da capa
Test Baker, 1946
Direção editorial
Pedro Fonseca
Coordenação editorial
Sofia Mariutti
Assessoria de imprensa
Amabile Barel
Conselho editorial
Simone Cristoforetti
Zuane Fabbris
Lucas Mendes
©Paolo Giordano
Giulio Einaudi editore
Torino, 2022
Published by special arrangement with Paolo Giordano in conjunction with their duly appointed agents MalaTesta Lit. Ag. and The Ella Sher Literary Agency
©Primeira edição, 2024
Editora Âyiné
Praça Carlos Chagas
Belo Horizonte
30170-140
ayine.com.br
info@ayine.com.br
Isbn 978-65-5998-131-1
Sumário
Primeira parte
Em caso de apocalipse
Segunda parte
As nuvens
Terceira parte
As radiações
Agradecimentos
Tasmânia
Would you agree times have changed?
Bright Eyes, Clairaudients
(Kill or Be Killed)
Primeira parte
Em caso de apocalipse
Em novembro de 2015, eu me encontrava em Paris para assistir à conferência das Nações Unidas sobre a emergência climática. Digo me encontrava não porque não estivesse buscando aquela situação: pelo contrário, a questão ambiental vinha ocupando minha cabeça e minhas leituras havia tempos. Mas se não houvesse essa conferência sobre o clima é provável que eu inventasse alguma outra desculpa para partir, um conflito armado, uma crise humanitária, uma preocupação diferente e maior do que as minhas e pela qual eu seria sugado. Talvez esteja aí a fixação que alguns de nós sintam com desastres iminentes, a inclinação para tragédias que achamos ser nobre, aquilo que constituirá, eu acho, o centro desta história: a necessidade de encontrar a cada passo muito complicado da nossa vida algo ainda mais complicado, algo mais urgente e ameaçador no qual diluir nosso sofrimento pessoal. E talvez a nobreza não tenha mesmo nada a ver com tudo isso.
Era um período estranho. Por muitas vezes minha mulher e eu tínhamos tentado ter um filho, insistimos por cerca de três anos, nos submetendo a práticas médicas cada vez mais humilhantes. Na verdade, para ser mais exato, eu deveria dizer que sobretudo ela se submeteu àquelas práticas, já que, no meu caso, de certo ponto em diante, tratava-se principalmente de desempenhar o papel do espectador aflito. Apesar da nossa determinação cega e de uma discreta quantidade de dinheiro investida, nosso plano não havia funcionado. Nem as injeções de gonadotropina, nem os procedimentos in vitro, nem mesmo três viagens desesperadas ao exterior, sobre as quais não contamos para ninguém. A mensagem divina contida naqueles repetidos fracassos era clara: tudo isso não faz parte do destino de vocês. Já que eu me negava a admitir isso, Lorenza havia decidido por mim também. Numa noite, com lágrimas já secas ou sem nem ter chorado (nunca vou saber), ela me disse que não tinha mais intenção de. Ela usou essa expressão suspensiva, não tenho intenção de. Eu me virei de lado, dando-lhe as costas, e recolhi a raiva que sentia por uma escolha que me parecia injusta e unilateral.
Naqueles dias, minha pequena catástrofe pessoal me importava mais do que a planetária, o efeito estufa na atmosfera, o degelo das geleiras, o aumento do nível do mar. Mais para sair dali do que por qualquer outra coisa, pedi ao Corriere della Sera que me credenciasse para a conferência do clima em Paris, mesmo já tendo passado o prazo para pedir o credenciamento. Tive de suplicar, como se de fato se tratasse para mim de um encontro irrenunciável. Teriam de me pagar só o voo e os artigos que escrevesse. Para dormir, eu me arranjaria na casa de um amigo.
Giulio alugava um apartamento escuro de dois quartos no 14º, Rue de la Gaîté. Rua da Alegria?, eu lhe disse enquanto entrava. Não combina muito com você.
De fato. Se eu fosse você não teria muitas ilusões.
Anos antes tínhamos dividido um apartamento em Turim, Giulio como aluno de fora, eu como alguém privilegiado que desejava ter sua primeira experiência fora de casa, mesmo que meus pais estivessem a meia hora de ônibus. Ao contrário de mim, depois da graduação, Giulio continuou na física. Havia mudado inumeráveis vezes de instituição, mas sempre na Europa, porque nutria uma aversão política insuperável pelos Estados Unidos. Nesse meio-tempo, havia se casado e se separado, tido um filho e, enfim, desembarcado na França, com uma bolsa de pesquisa na École Polytechnique, onde estudava modelos do caos aplicados às finanças.
Jantamos como jovens, duas porções de macarrão sem pôr a mesa, e lhe falei do motivo pelo qual eu estava em Paris, do motivo oficial. Giulio buscou um livro na prateleira. Você já leu este aqui?
Respondi que não, fazendo deslizar a borda das páginas com o polegar. Colapso, murmurei, me parece perfeito.
Tem um ponto de vista interessante sobre a extinção. Fique com ele.
A palavra «extinção» rodou um pouco em minha cabeça, como se fosse a etiqueta de um desfecho pessoal. Tirei os pratos enquanto Giulio me atualizava rapidamente sobre Adriano, que já havia completado quatro anos. Eu estava um pouco sonolento por causa dos carboidratos, mas tínhamos acabado com o vinho, então saímos de casa para continuar bebendo.
Fora, Paris estava militarizada, tétrica. Poucos dias antes, um grupo de terroristas havia entrado numa sala de concertos, durante a apresentação dos Eagles of Death Metal, e disparado por vários minutos na multidão compacta. Outros terroristas haviam atacado alguns bistrôs e dois haviam se explodido fora do Stade de France. Naquela noite, Lorenza e eu havíamos recebido um casal de amigos para jantar e foi a mãe dela que nos avisou. Lorenza não respondeu à primeira chamada, nem à segunda, mas aquela insistência era suspeita e, finalmente, ela se rendeu. Sua mãe disse para ligarmos a televisão, só isso, enquanto chegava uma enxurrada de mensagens nos celulares de todos nós. Acompanhamos as atualizações ao vivo por mais de uma hora, em silêncio, e depois os amigos foram embora, convocados pela necessidade totalmente irracional de tomar conta do filho em casa. Lorenza e eu ainda deixamos a televisão ligada por muito tempo, a faixa vermelha das notícias se movia ininterruptamente, mas as legendas se tornaram cíclicas. Os pratos estavam na mesa, frios, e à nossa incredulidade se somava algo a mais: um terror privado, um sentimento de luto sem perda que pesava sobre o apartamento havia dias, exatamente desde a noite em que ela disse não tenho mais intenção de e eu virei para o outro lado.
Giulio e eu caminhamos um pouco, ao lado de centros de massagem com vidros escurecidos, lojas de sex toys e gastronomias asiáticas. Depois nos sentamos em um lugar qualquer, cadeiras viradas para a rua, e pedimos duas cervejas. Ele voltou a falar sobre os livros que havia lido: manuais de segurança digital, as primaveras árabes e os novos populismos. Giulio lia uma infinidade de livros. Tinha uma visão da realidade muito mais complexa do que a minha, muito mais dedicada, ele era assim desde que o conheci. Na universidade, coordenou por dois anos seguidos o coletivo do auditório BI, no subsolo, onde estavam pendurados os manifestos No Nuke e uma foto de Oriana Fallaci, com seu nome mutilado ORINA. Eu, enquanto isso, descia até o BI só no intervalo do almoço e só para estar com ele, como se estar perto dele bastasse para me tornar um pouco mais consciente, um pouco mais ético.
Na Rue de la Gaîté o escutei falar enquanto bebericava a cerveja. Deixei meu espírito se limpar por sua competência infalível, pelo barulho dos carros e pelo movimento browniano das pessoas. Nas breves pausas da conversa, ambos deixávamos correr o olhar em outros lugares e me parecia que naqueles instantes víssemos acontecer diante de nós a mesma cena: um fantasma negro que emergia da multidão e levantava os braços para o céu antes de ventilar o local com rajadas de mitra. Pelo jeito como eu me sentia no fundo – estéril, arrancado do futuro –, uma parte de mim desejava que aquilo acontecesse de verdade. Era uma fantasia idiota e culpada, cheia de comiseração para comigo mesmo, mas me concedi isso, mesmo não tendo dito nada a Giulio. Nunca havíamos conversado sobre a questão filhos. Sempre tivemos uma amizade na qual discutíamos o mundo exterior, evitando o máximo possível a nós mesmos, e talvez por isso ela tenha durado tanto tempo.
Na manhã seguinte peguei o RER B e depois um ônibus para chegar a Le Bourget, onde acontecia a COP21. A fiscalização na entrada era enervante, mas uma vez lá dentro dava para se mover livremente. Pavilhões, auditórios pequenos ou médios, sessões plenárias e paralelas divididas por cores. Uma recepcionista me mostrou a sala de imprensa com uma mesa para mim, conexão por cabo e tudo que fosse necessário. Ostentei uma familiaridade que não tinha.
Depois de alguns dias participando de painéis de todo tipo, escolhidos um pouco ao acaso, tive de admitir que não havia grande coisa para contar. Nas assembleias, discutiam-se alíneas e parágrafos específicos, até mesmo simples termos que apareceriam no tratado. As falas eram engessadas ou então excessivamente genéricas. O meio ambiente era um assunto entediante. Lento, desprovido de ação e de tragédia, exceto as eventuais. Sobrecarregado, em compensação, de boas intenções. Eis o problema oculto da emergência climática: o tédio atroz. Assistir à elaboração de um acordo internacional conseguia ser soporífero. Era preciso testemunhar cada avanço milimétrico apresentando-o como uma revolução, mas a quem isso poderia interessar? A quem, se eu era o primeiro a cochilar nos pequenos auditórios em penumbra, me sentindo pesado pelos sanduíches que comia continuamente, embalado pelas falas monocórdias dos delegados senegaleses, cubanos, ou daqueles vestindo túnicas tradicionais do Tibete?
Depois de cinco dias eu não havia produzido sequer um artigo. Do jornal começaram a me perguntar qual era meu plano. Estou elaborando, respondi, estou quase lá.
No jantar falei disso com Giulio. A coisa mais interessante que encontrei foi essa instalação, uma minitorre Eiffel, construída com cadeiras encaixadas. Mas não me parece suficiente para um artigo.
Quão mini?
É alta assim.
Não, então não é suficiente.
Eu tinha feito bistecas para nós dois, vendidas a vácuo num supermercado orgânico. Era para ser um gesto de reconhecimento. Enquanto as cozinhava, subiu muita fumaça, mas Giulio, quando entrou, não disse nada.
Sim, o clima é um verdadeiro pé no saco, admitiu.
Pensei que a conversa terminaria assim. Mas, ao contrário, após refletir um instante, ele disse: você poderia encontrar Novelli. Quem sabe ele te conta algo diferente.
E quem seria?
Um físico, como nós.
Idade?
Menos de cinquenta. Em Roma, fazia os treinamentos de método. Todo simpático durante o curso, depois infame no exame oral. Naquele tempo era furiosamente anticapitalista.
Como você?
Giulio sorriu: pior. Reencontrei-o aqui em Paris. Agora investiga modelos climáticos, alguma coisa a ver com nuvens. Se quiser, ponho vocês em contato.
Devo ter erguido os ombros, fingindo refletir, mas eu já havia me agarrado àquela possibilidade. Tudo para evitar mais uma jornada vagando pelos pavilhões ecoantes de Le Bourget, com frases feitas sobre o mal-estar do planeta girando na minha cabeça.
O que eu não esperava era ser convocado por Novelli naquela mesma noite para uma cerveja na Rue Monge. Fui a pé, embora fossem quase 3 quilômetros. Durante todo o trajeto mantive os olhos no celular, recolhendo o máximo de informações sobre Jacopo Novelli, PhD. Não que na web houvesse muita coisa, naquela época ele não era tão conhecido (nem tão famigerado) a ponto de ter uma página na Wikipédia, mas tinha uma página pessoal, um pouco tosca, de um autodidata de WordPress. Listava seus papers mais recentes e dava indicações a respeito de seu curso de sistemas complexos. Havia também uma galeria onde apareciam fotos de céus nublados, acompanhadas de breves legendas que classificavam seu tipo de formação gasosa: altostratus, cirrus, cumulonimbus, a nomenclatura que me recusei a aprender para a prova de meteorologia, porque valia só três créditos.
Não te esperei para fazer o pedido, me disse Novelli sem se sentir minimamente culpado. Calculei que você gastaria menos tempo.
Vim andando.
Do 14º?
Parecia surpreso, mas não acrescentou nada. Seguiu meu olhar em direção ao seu prato e ao monte de coisas que havia nele.
Admirável, né? Venho aqui de propósito. Ainda que não seja aconselhável comer hambúrgueres desse tamanho. Por causa das emissões de CO2, obviamente. Mas sobretudo por causa das artérias. Só que esses são realmente irresistíveis. Está vendo?
Levantou o sanduíche para me mostrar a seção lateral. Todos os estratos estão bem separados. Alface, queijo, carne e cebola. Não é como aquelas gororobas que geralmente fazem. Pede um.
Já comi, obrigado.
Pior para você.
Dava dentadas no sanduíche enquanto eu aproveitava o tempo para estudá-lo. Tinha o ar gasto de certos cientistas no auge da carreira. Se na juventude era descuidado ao se vestir, como muitos estudantes de física (eu, inclusive), agora o assunto devia ser bastante central para ele.
Conhece a síndrome de Kessler?, me perguntou. Balancei a cabeça.
Giulio me disse que você quer falar do fim do mundo. Como todo mundo esses dias, aliás. Ainda que seja o caso, no entanto, de percebermos que não falamos do fim do mundo, mas quando muito do fim da civilização humana, o que é bem diferente. Porém, enquanto eu estava aqui te esperando, me veio à mente a síndrome de Kessler.
Lambeu a maionese do indicador antes de pegar o telefone e procurar uma imagem. O que você vê aqui?
Uns óvnis?, arrisquei, mais por graça.
Óvni, exato, é o que todos dizem. Pena que os óvnis não existam e essa seja uma foto de verdade. São satélites lançados continuamente por uma dessas novas companhias de internet chinesas. Você não imagina a quantidade de metais que giram sobre nossa cabeça, na prática já saturamos as órbitas mais baixas.
Girou o hambúrguer, atacando-o ainda pela beirada. Talvez quisesse deixar a parte central, mais suculenta, para o final.
Imagine que um parafuso se solte de um desses satélites. Acontece com frequência, né? Parafusos se soltam. Bem, o parafuso viaja a cerca de 30 mil quilômetros por hora, é um projétil. Nessa velocidade, pode perfurar a espessura do aço. Ora, imagine que o parafuso atinja outro satélite, que acaba em pedaços e dispara uma grande quantidade de outros projéteis metálicos ao seu redor, os quais atingem outros satélites.
Uma reação em cadeia.
Isso mesmo, uma reação em cadeia. No final, o que será de todo esse material em redemoinho? Ninguém tem ideia. Mas uma parte poderia também cair na Terra, como uma espécie de chuva de asteroides. Chama-se síndrome de Kessler, e sabe qual é a verdade? É uma ameaça real. As pessoas não pensam nisso porque não sabem. Só as pessoas que lançam satélites no ar sabem e, na verdade, com o dinheiro que ganham, elas constroem refúgios antiatômicos para si mesmas. Mas as pessoas sentadas aqui nessas mesas, não. Agora todos estão com a cabeça no Estado Islâmico e no aquecimento global, mas na verdade existe uma infinidade de ameaças mais originais. A seca, o envenenamento das reservas hídricas, as pandemias – ele disse isso, ele disse mesmo isso! –, a revolta das inteligências artificiais. Além, obviamente, daquelas que parecem ter passado de moda, como o bom e velho inverno nuclear.
Por um momento, escutando-o, pensei no meu pai, quando aos domingos seguia minha mãe pela casa, perseguindo-a como um drone: na área de serviço, na varanda, na cozinha, sem parar de falar da crise do petróleo, da poluição atmosférica e da poluição luminosa. Uma catástrofe por mês. Perguntei-me se Novelli também era um marido desse tipo. Se, no final das contas, eu também seria um marido desse tipo.
E as nuvens?, perguntei.
Novelli deu um sorriso irônico. As nuvens são complicadas. As altas retêm a umidade, logo, contribuem para superaquecer o planeta. As baixas refletem a luz solar, por isso o resfriam. Fazem bem e mal juntas, ou seja, uma bagunça. Algumas pessoas pensam que a mudança climática vai nos dar um mundo sem nuvens. Céu límpido de dia e de noite, trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Suponho que agradaria a alguns. A mim, não.
Vi que você reúne fotos no seu site.
É uma competição para os estudantes. Fotografar a nuvem mais interessante. É aberta também a outras pessoas. Você pode participar, se quiser.
Eu não sei fotografar.
Como queira.
Não consigo recuperar o que mais dissemos naquela noite, mesmo porque ficamos juntos muito tempo, primeiro fora da cervejaria, sob o calor excessivo dos aquecedores a gás, depois na rua, costeando o Jardin des Plantes. Com certeza falamos da conferência das Nações Unidas, sobre a qual Novelli nutria uma esperança morna, e falamos da saudade que ambos sentíamos de uma física desligada do mundo. E, claro, depois de algum tempo, ele me perguntou se eu o estava entrevistando.
Acho que não, não exatamente.
Pode me entrevistar se quiser, ele disse, e percebi aquele momento de vaidade em meio a todo o falatório sobre o fim do mundo.
Em certo ponto do passeio me perguntou se eu tinha filhos. Devolvi-lhe imediatamente a pergunta. Ele? Dois. O segundo havia chegado um pouco depois da primeira, que já tinha sete anos. Comentei que talvez fosse uma contradição quando se via diante de si um futuro como o que ele via. Mesmo sem querer, fiquei mais sério. Novelli disse: como pensar em sobreviver a tudo, senão confiando nos filhos?
Quando chegamos na frente de seu portão, a conversa já havia terminado, durante os últimos dez minutos havíamos caminhado e só. Na rua não havia mais ninguém. Com o silêncio me voltou a preocupação com os atentados e pensei que evitaria o metrô para voltar, ainda que isso não fizesse muito sentido. Os atentados camicases supõem uma multidão, uma certa espetacularidade.
E então, com o que você trabalha exatamente?, Novelli me perguntou, como se essa dúvida lhe tivesse martelado a cabeça durante toda a noite.
Sou escritor.
Giulio me disse que você trabalha para um jornal.
Trabalho para um jornal, mas sou escritor.
Por alguma razão me senti contrariado. Como se tivesse entendido mal o sentido da noitada, como se, da síndrome de Kessler em diante, Novelli tivesse dispensado a mim um tratamento standard, com noções chamativas que teria proposto a um aluno seu.
Começou a mexer as chaves, abriu o portão. Bem, boa sorte com seu artigo, então. Você tem meu telefone, se precisar de algo.
Lorenza amadureceu a ideia de passar férias numa ilha enquanto eu estava em Paris, como uma forma contemporânea de terapia de casal. Não há dor, segundo a sabedoria ocidental, que uma semana nos trópicos não seja capaz de resolver. Após uma cúpula sobre mudança climática, pegar um avião ao Caribe em pleno inverno não seria talvez o mais coerente dos gestos: estimando uns mil quilos de anidrido carbônico por cabeça a cada trecho, lançaríamos na atmosfera um total de cerca de 4 toneladas de CO2, para superar a tristeza que havia se instalado em nosso casamento. Valia a pena. Quanto à minha consciência ecológica, foi posta de lado por um instante apenas.
Dizem que Guadalupe tem forma de borboleta. Se é verdade, nosso resort se achava na asa direita, no centro de uma pequena enseada. Ao chegarmos, nos entregaram duas microtoalhas de mão enroladas, embebidas em água perfumada, para limparmos o rosto. As grandes bacias no chão do hall de entrada estavam povoadas de lagostas que mexiam preguiçosamente as antenas. Sentados em sofás brancos, ainda zonzos por causa da viagem, ouvimos as inumeráveis opções de relaxamento à nossa disposição e suas respectivas modalidades de pagamento. Por termos pagado uma taxa extra, tínhamos direito a um ocean room que com certeza nos agradaria, e realmente.
Depois de esvaziar as malas, descemos à praia para aproveitar a última luz do dia. Lorenza usava uma saída de praia nova, com uma estampa geométrica, e deixou-a num tronco que parecia bastante adequado ao contexto para ter sido abandonado ali por uma onda. Entramos na água e uma arraia passou a uns 2 metros das nossas pernas, como um presságio feliz. As ondas eram leves, apenas esboçadas. Lorenza se agarrou em mim com as pernas na cintura e eu me movi cambaleando na água rasa, transportando-a. Não seria nada mau voltarmos a ser só um casal e nada mais, ela me disse no ouvido. Em casa éramos continuamente interrompidos: interrompidos pelo trabalho, interrompidos por Eugenio, interrompidos pelos telefonemas. Ela me apertou com toda a força que tinha nos quadris, senti-a mais jovem, e pela primeira vez em semanas vacilei na minha tristeza, no ressentimento submisso que crescia em relação a ela. Lorenza passou a mão úmida no meu rosto, como que a pôr fim ao meu monólogo interior, qualquer que fosse ele. Nos beijamos e depois nos soltamos, e mesmo assim continuamos a repetir, cada hora um, que lugar magnífico era a ilha em forma de borboleta e como gostaríamos de não ir embora nunca mais.
Aquela perfeição durou só até de noite, quando me pus a segui-la pela sala do bufê, praguejando contra o absurdo de haver três menus diversos, inclusive
