Encontros entre literaturas
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Encontros entre literaturas - Katia Aily de Camargo
© Katia Aily Franco de Camargo, Afonso Henrique Fávero
© Hakabooks.com 2014
Aragón 368, 4º 2ª - 08009 Barcelona
Encontro entre literaturas
ISBN-13: 978-84-94253-71-3
Autoedición e Desenho : HakaBooks.com
Desenho coberta: Daniel Sierra i Cortijos
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ENCONTRO ENTRE
LITERATURAS
Katia Aily Franco de Camargo
Afonso Henrique Fávero
Organizadores
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
LORCA E GREGÓRIO: POESIA,PALAVRA BE(M)DITA
Samuel Anderson de Oliveira Lima - UFRN
REPRESENTAÇOES DA TERRA E DA GENTE BRASILEIRAS DURANTRE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
Katia Aily Franco de Camargo – UFRN
UMA POÉTICA DA DOR EM RIACHO DOCE, DE JOSÉ LINS DO REGO
Marta Aparecida Garcia Gonçalves – UFRN
FAZENDEIRO DO AR
Afonso Henrique Fávero – UFS
A FALA DAS MEMÓRIAS EM SIMÃO DIAS, DE ALINA PAIM
Ana Leal Cardoso – UFS
A CORRESPONDÊNCIA DE JOAOZITO: REVELAÇOES
Paula Pires Ferreira – UFRN
SOBRE OS AUTORES
APRESENTAÇÃO
A velocidade da circulação das informações entre diferentes culturas vêm suscitando reflexões fecundas no campo dos estudos literários. Se o mundo contemporâneo parece mais interligado e, em consequência, mais intercultural graças às novas tecnologias, parece-nos interessante refletir, de maneira diacrônica, sobre os diferentes mecanismos das trocas culturais assim como as marcas desses processos deixadas nos textos.
Considerando que os estudos trans- ou interculturais têm como objetivo maior o reencontro dinâmico de culturas diferentes num quadro nacional ou supranacional, no caso desta obra pretende-se observar a interação dos fatores próprios às diferentes culturas que estão em contato na produção e na circulação de textos literários.
O objetivo do presente livro, portanto, é reunir ensaios que ofereçam uma perspectiva ampla sobre pontos de interseção entre culturas por meio da literatura e dos processos que envolvem a sua produção e recepção.
O primeiro ensaio, Lorca e Gregório: poesia, palavra be(m)dita
, divide-se em duas partes que se justapõem. Na primeira, o autor discute o conceito de poesia baseado no pensamento de Paul Valéry, no qual o trabalho poético acontece como resultado de muito empenho, dedicação, estudo, conhecimento e rigor. E a palavra rigor consubstancia as discussões estabelecidas na segunda parte, que vai estabelecer um diálogo entre dois poetas distantes temporalmente, mas próximos em relação à produção poética: Gregório de Matos e Federico García Lorca. Ambos, iluminados pelo espírito da literatura, tal como idealizado por Valéry, produzem uma poética, cuja matéria-prima é a palavra, que se aproxima ao estilo de Luís de Gôngora.
O segundo ensaio, Representações da terra e da gente brasileiras durante a segunda metade do século XIX
, procura demonstrar a importância da leitura do periódico parisiense Revue des Deux Mondes e de seu Annuaire des Deux Mondes, no Brasil oitocentista, principalmente durante a segunda metade do século XIX, explorando a repercussão que esses periódicos tiveram deste lado do Atlântico, contribuindo, por meio das reações dos leitores brasileiros, principalmente as do Visconde de Taunay, para se pensar a questão da influência da heteroimagem na formação da autoimagem brasílica.
Em seguida, temos o ensaio "Uma poética da dor em Riacho Doce", que analisa a estética própria e diferenciada de Riacho Doce, de José Lins do Rego, evidenciando a forma peculiar como o autor tratou dos corpos, de geografias e de campos de desejo, cujos contornos não estão somente na materialidade do texto, mas estabelecem uma relação de pertencimento com os corpos circundantes. Enquanto leitores, somos levados instintivamente a realizar a dor do pós-ler
e observamos que Lins do Rego, em Riacho Doce, produz o que se poderia denominar de um empuxo, um tremor de sentidos, pois, a partir da singularidade das personagens, dos espaços, da escolha vocabular, desperta a habilidade de interpretação dos símbolos que o romance apresenta. Esse movimento ondulatório, segundo a autora, seria também esse doer após a leitura
: uma dor de prazer, de possibilidades e de desvendamentos que faz perceber uma forma particular de manifestação estética.
No quarto ensaio, Fazendeiro do ar
, Fávero procura mostrar que o primeiro romance de Cyro dos Anjos, O amanuense Belmiro (1937), se impõe com uma característica que percorrerá as obras subsequentes do autor. Trata-se de uma tonalidade lírica de sua prosa, resultado de uma acentuada exploração dos estados de alma a marcar as figuras de narradores que nos contam suas experiências de vida. Também de interesse será observar a maneira como esta obra entra em compasso com as tendências do romance moderno sem deixar de lado um perceptível vínculo com a tradição do gênero. Em outros termos, vê-se ganhar vulto um estilo clássico para ocupar-se de questões próprias à ficção que se fazia naquele período. Eis aí, sem dúvida, um aspecto muito particular das narrativas do autor.
A fala das memórias em Simão Dias
é o próximo ensaio do livro e traz uma reflexão sobre memorialismo/ficção autobiográfica no romance Simão Dias, de Alina Paim, produzido na década de 1940. Esse ensaio mostra que o memorialismo em Paim, que segue uma tradição já expressa por José Lins do Rego, Érico Veríssimo e Graciliano Ramos, tem duplo aspecto: de autobiografia e de elaboração artística. Esse estudo analítico encontra eco nos estudos de Philippe Lejeune, Jean Pouillon, entre outros, por entender que espalham luzes de aproximação entre a produção ficcional e a autobiografia.
Encerrando este volume, temos A correspondência de Joãozito: revelações
que procura olhar para além dos estudos rosianos voltados à exploração dos aspectos linguísticos e semânticos, filosóficos e invenção de palavras, entre outros. Segundo a autora, Paula Pires, cabe examinar os bastidores da obra, Sagarana, para tentar responder algumas questões, tais como: O que está em sua origem? Quais motivações a conceberam? Como foi divulgada? Na busca de respostas a perguntas como essas, contribuiu a mudança de perspectiva mais recente na abordagem do objeto literário com o reconhecimento da importância do contexto histórico e da própria historiografia da obra no que tange a prática escritural dos autores.
O encontro entre essas literaturas, portanto, é o percurso de leitura proposto pelos autores reunidos neste volume. Esperamos lhes trazer, com este livro, alguma contribuição.
Katia Aily Franco de Camargo
Afonso Henrique Fávero
LORCA E GREGÓRIO: POESIA,PALAVRA BE(M)DITA
Samuel Anderson de Oliveira Lima - UFRN
Discutindo o canto da poesia
Ser poeta, não. Poder sê-lo.
Paul Valéry
Poesia. Começo, meio e fim. É começo por estar lá na origem da arte literária, por ser o marco inicial da escritura clássica. As epopeias homéricas apontam para o trabalho importante que a poesia exerceu naquele momento. De lá, esse gênero literário vem caminhando pelo meio dos artistas. Em cada tempo, em cada geração, ela se fez presente. A poesia é também o fim, não no sentido do encerramento ou do que está acabado, mas porque esteve lá no início e está hoje, perdura, e nesse intercurso tem encontrado vários mundos, vários universos; no entanto, ela é a mesma arte. A verdadeira poesia não morre mas renasce a cada momento, ou seja, o que foi antes pode sê-lo agora. Ela é o todo que é nada; é o nada que é tudo. A poesia pode mudar na forma, no conteúdo, mas será sempre a mesma, no sentido de ser arte. É preciso também perceber que nem tudo que se diz poesia o é, e nem todos que se dizem poetas o são. Para isso, necessita-se de algo chamado inteligência, que é dado pelo espírito da Literatura.
O senso comum diz que a arte imita a vida. Sendo assim, analogicamente, a poesia também imita a vida. Aristóteles (2004, p. 30) afirma que a imitação é instintiva no homem, desde a infância
. E, segundo Vinicius de Moraes (apud LYRA, 1986, p. 77),
o material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e sublime. Seu instrumento é a palavra. Sua função é a de ser expressão verbal rítmica ao mundo informe de sensações, sentimentos e pressentimentos dos outros com relação a tudo que existe ou é passível de existência no mundo mágico da imaginação.
A poesia pode parecer sem sentido, sem nexo, mas é aí que ela encontra sua magnitude, sua força criadora. Ela faz os opostos serem um. O que é belo pode se tornar feio e o grande pequeno. Na poesia, tudo é possível.
O fato de a poesia registrar a confluência de opostos ajuda-nos a entender que ela trata do homem (um de seus objetos), visto que o homem é um ser contraditório, permeado de conflitos. O homem é indeciso. Para realizar esse feito, a poesia utiliza uma faculdade humana: a imaginação. Isso não quer dizer que a poesia surja do nada, do ilusório, mas essa imaginação está ligada intrinsecamente ao conhecimento, ao intelecto. Pedro Lyra (1986, p. 32) afirma que ela trabalha com a única faculdade humana que produz beleza sem dependência dos sentidos – a imaginação, a fantasia
. Que beleza seria essa? Pode-se pensar, dessa forma, que beleza aqui se refere ao aspecto físico do texto: rimas, sonoridade, musicalidade, profusão de adjetivos, que emocionam o leitor. No entanto, a beleza da poesia é algo mais, consiste no conhecimento, na inteligência do poeta no processo de construção do texto, no engenho. Poe (1981, p. 913), por sua vez, faz uma crítica ao conceito de beleza estereotipado pela sociedade e deixa claro que o belo em poesia fica distante da pura elevação da alma:
Quando, de fato, os homens falam de Beleza querem exprimir, precisamente, não uma qualidade, como se supõe, mas um efeito; referem-se, em suma, precisamente àquela intensa e pura elevação da alma – e não da inteligência e do coração – e de que venho falando e que se experimenta em consequência [sic] da contemplação do belo.
O poeta não deve estar atrelado ao aspecto da inspiração quando compõe, pois a arte poética se distancia do parâmetro da inspiração, devendo ser, portanto, resultado de muita pesquisa, de muito estudo. João Cabral de Melo Neto (2005, p. 380) é um dos poetas que nos esclarece sobre o papel da inspiração na composição do poema:
A poesia me parece alguma coisa de muito mais ampla: é a exploração da materialidade das palavras e das possibilidades de organização de estruturas verbais; coisas que não têm nada a ver com o que é romanticamente chamado inspiração ou mesmo intuição.
De certa maneira, Poe (1981, p. 914) parece comungar do mesmo pensamento do nosso poeta:
O verdadeiro artista sempre se esforçará em primeiro lugar, para harmonizá-las na submissão conveniente ao alvo predominante e, em segundo lugar, para revesti-las, tanto quanto possível, daquela Beleza que é a atmosfera e a essência do poema.
O poeta trabalha com a linguagem, com a palavra, e é através dela que ele desvirtua a própria linguagem. Há sempre um conflito entre o signo e a coisa, porque o poema parece falar de tudo e de nada, ao mesmo tempo. Isso pode ser observado no processo de construção do poema, que consiste em transformar o símbolo (palavra) em ícone (figura)
, conforme explica Décio Pignatari (1981, p. 14). No corpo do poema, a palavra assume significados diferentes dos que se está acostumado a ver. Ela se incorpora de um estado, muitas vezes, metafísico, que cria um ambiente estritamente metafórico/metonímico, dando origem à imagem. É, portanto, com a proliferação de imagens que sobrevive a poesia. Assim, o poeta precisa saber utilizar a palavra (signo verbal) para que ao fazer poesia, ela saia do plano da linearidade para a não-linearidade: o que importa é o não-linear; o verbal que passa a não-verbal; o real que é irreal.
Octavio Paz (1982, p. 26) afirma que a palavra se liberta no corpo do poema, transformando-se e transfigurando-se, mote criado da imagem que se desprende do plano da linearidade, ampliando-se no corpus da galáxia do conhecimento:
A palavra, finalmente em liberdade, mostra todas as suas entranhas, todos os seus sentidos e alusões, como