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Uma história australiana
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E-book301 páginas4 horas

Uma história australiana

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Sobre este e-book

Narrativa documental feita por um membro vivo da família, 196 anos após a chegada à Austrália de Wiiliam Chalker, ancestral de todos os seus numerosos descendentes. Por meio da montagem de sua árvore genealógica e da história de suas sucessivas gerações, ficamos sabendo como se constituiu a Austrália colonizada por ingleses e irlandeses, principalmente, como era a vida no novíssimo país ao longo desses quase dois séculos, como foi sua participação nas guerras mundiais, como foi se transformando a realidade urbana de suas principais cidades.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de jul. de 2017
ISBN9781507160374
Uma história australiana

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    Uma história australiana - Gordon Smith

    SUMÁRIO

    Prefácio

    Os primeiros anos

    William Charker

    Sydney Town

    A Brigada do Rum vs. O governador Bligh

    As montanhas azuis

    Elizabeth Shackel

    Joseph Henry Chalker

    Mary Anne Chalker (1)

    Thomas Power

    Ilha de Norfolk

    Jane Power

    Adaminaby

    Brumbies

    Edward John Power

    James Power

    Charles Power (pai)

    Georgiana Belcher

    Sir William 6oBaronete Abdy

    Thomas Abdy

    Port Macquarie

    Helen Abdy

    Armadale

    Riverina

    Robert Coleman-Wright

    Ouro em Victoria

    Gilbert Wright

    Iris Anne Evelyn Wright

    Murrumburrah

    Charles (Jerry) Power

    Canberra

    Iris e Jerry se casam

    Cootamundra

    1914 – Nuvens de guerra cobrem os céus da Europa

    Primeira Guerra Mundial

    Austin Power

    Austin Schofield

    William Power

    Austin Schofield

    Thomas Wright

    Arthur Wright

    Thomas Kingston

    Austin Power se alista novamente.

    O lamento de Georgiana

    Paz e os anos 1920

    A ponte do porto de Sydney

    Liga de críquete e rúgbi

    Nova chegada de além-mar

    Os anos 1930

    Verão de 1938

    Crescem os prenúncios da guerra

    40 mil cavaleiros

    II Guerra Mundial

    A guerra de Charlie

    Tobruk

    Grécia

    Creta

    O avanço japonês

    A guerra de Roy

    A rainha Mary

    Malásia

    Changi

    Sandakan

    A guerra de Bill Power

    A guerra de Scotty

    Cabo Banks

    Bateria de Defesa

    Townsville

    Nova Guiné

    Thursday Island

    A Austrália do pós-guerra

    Entrance

    Melbourne

    Fitzroy

    North Balwyn

    Batalhão de Treinamento Aéreo

    Na força de trabalho

    Norte de Melbourne

    Programa de Serviço Nacional

    Diário de guerra de Gordon

    Os anos 1970

    Ballarat

    Os anos 1980

    Os anos 1990

    PREFÁCIO

    O que constitui uma família? Pode-se dizer que são seus genes, seu legado, o ambiente em que vive, a fé que professa, ou uma combinação de todos esses elementos.

    Esta narrativa é sobre uma família australiana cuja história e legado, assim como o mundo em que viveu, tornaram-na memoráveis.

    Embora seja baseada em pessoas e acontecimentos reais, foi preciso incluir na história trechos ficcionais para preencher as lacunas de informações não documentadas. Com esse mesmo intuito, muitos nomes foram alterados e outros eventos tiveram de ser excluídos em respeito aos membros vivos dessa família.

    Também é uma história sobre a Austrália e sobre como foram afetadas sucessivas gerações dessa família. A narrativa celebra os supremos sacrifícios feitos por seus integrantes durante a guerra, ao mesmo tempo em que manifesta orgulho pelas conquistas e realizações da família e do país.

    Sinto-me extremamente honrado em apresentar ao leitor Uma história australiana.

    Gordon G. Smith

    2015

    OS PRIMEIROS ANOS

    "William Charker, por sua participação no assalto à residência de Thomas Evans, em St. Mary Lambeth, e pelo furto de bens avaliados em £33.60, fica condenado, juntamente com seu cúmplice, a sete anos de prisão, a serem cumpridos na colônia de Nova Gales do Sul, para onde ambos serão transportados."

    WILLIAM CHARKER

    William Charker nasceu em Winchester, Hampshire, na Inglaterra, em 16 de dezembro de 1774. Penúltimo de uma prole de quinze, era filho de Elizabeth (Barr, em solteira). Seu pai, Edward Charker, era membro da organização Tallow Chandler, de fabricantes de velas.  Os Charker eram comerciantes prósperos e pequenos proprietários rurais de modo que William recebeu boa educação e condições de levar uma vida independente. Porém, em 7 de dezembro de 1800, inexplicavelmente, William se envolveu (com um cúmplice) num assalto vultoso à residência de Thomas Evans, em St. Mary Lambeth, furtando bens estimados em £33.60.

    Os dois foram presos e julgados em 25 de março de 1801, numa sessão do tribunal periódico de Surrey, sendo condenados a sete anos de prisão cada, embora o crime cometido fosse punível com a pena de morte. No julgamento, o acusado disse que seu sobrenome era Charker, mas ao cumprir a pena tornou-se William Chalker, o que se revelou o primeiro uso registrado de uma alcunha. Na Austrália foi em geral chamado de Chalker, exceto em documentos legais e na correspondência do governo, onde sempre figurou como Charker.

    William sabia pouco sobre Nova Gales do Sul. Tinha dito a Thomas que seu conhecimento não ia muito além disso, depois que a região tinha sido descoberta pelo explorador James Cook, em 1770. Nova Gales do Sul havia se tornado uma alternativa de destino para presos condenados após os americanos, ao término de sua Guerra de Independência (de 1776 a 1781), decidirem que não iriam mais aceitar prisioneiros ingleses em cumprimento de pena.

    Manter os prisioneiros em navios de transporte tinha se tornado uma alternativa viável, tanto física como financeira, ao excesso de sentenciados encarcerados e para os quais não havia mais espaço nos presídios superlotados. A solução de curto prazo era mantê-los em celas em navios desativados, atracados em rios da região sul da Inglaterra.

    Essas naus eram navios mercantes ou da Marinha, já desativados, que ainda flutuavam, mas tinham sido considerados inaptos para viajar. Na maioria dos casos, todas as estruturas do convés superior (mastros etc.) tinham sido removidas e praticamente todo o espaço dos deques inferiores fora convertido em celas. Dada a precariedade das condições vigentes nesses navios, havia necessidade de um número maior de guardas. Além disso, os contínuos surtos de doenças representavam um risco inaceitável para a população em geral.

    Os custos do transporte de prisioneiros eram praticamente os mesmos de mantê-los encarcerados a bordo, mas, assim que chegassem a Nova Gales do Sul, poderiam ser enviados para trabalhar. Assim, em pouco tempo, a colônia se tornaria autossuficiente. Além disso, como não havia o perigo de escaparem e se misturarem à população inglesa como um todo, tornava-se possível reduzir bastante o número de guardas.

    Em 6 de dezembro de 1785, foram emitidas pelo Conselho Penal, em Londres, ordens para a fundação de uma colônia penal em Nova Gales do Sul, em terras reivindicadas para a Grã-Bretanha pelo explorador James Cook em sua primeira viagem pelo Pacífico em 1770.

    The First Fleet [Primeira Frota] é o nome dado aos onze navios que deixaram a Grã-Bretanha no dia 13 de maio de 1787 com a missão de fundar uma colônia penal que se tornaria o primeiro assentamento europeu na Austrália. A frota consistia em duas naus da Marinha Real, três outros navios e seis embarcações com prisioneiros, levando mais de mil passageiros, entre sentenciados, fuzileiros e marujos, assim como uma vasta quantidade de suprimentos. Partindo da Inglaterra, a frota enfunou velas rumo ao Rio de Janeiro, a sudoeste, e dali para a Cidade do Cabo, atravessando o Oceano Glacial Antártico até Botany Bay aonde chegou em meados de janeiro de 1788, num percurso que levou 252 dias entre a partida e o destino final.

    William tinha ido primeiro para a cadeia do condado e depois para a prisão a bordo do HMS Protée. O Protée fora inicialmente um navio de guerra com 64 canhões do arsenal da Marinha francesa, lançado em 1772. Capturado pela Marinha Real inglesa em 24 de fevereiro de 1780, fora convertido em navio-prisão em 1799, e finalmente desmontado em 1815.

    William verificou as condições do ambiente em que se encontrava e mais tarde compartilhou suas lembranças com os filhos: As condições a bordo da prisão flutuante eram terríveis. Os padrões de higiene eram tão baixos que as doenças se espalhavam rapidamente. As acomodações que ocupávamos eram tão ruins que mais parecia que vivíamos num esgoto. O espaço estava atulhado de prisioneiros e tínhamos de dormir acorrentados. Éramos obrigados a ficar em um único deque cuja altura mal dava para um homem se pôr em pé. Os oficiais tinham cabines na popa.

    Assim que subimos a bordo, fomos despidos e lavados em duas grandes tinas d’água. Depois nos deram duas peças de roupa de tecido grosseiro, mal cortadas. Então, nos prenderam com grilhões e nos mandaram descer carregando nossas roupas, que tínhamos pegado de volta deles.

    Agora, estávamos precariamente vestidos, além de doentes. Deveríamos receber uma camisa de linho, um casaco marrom e um par de calças, mas os sujeitos que controlavam os navios geralmente embolsavam o dinheiro que o governo dava para nos fornecerem roupas.

    Éramos quase 600 homens confinados naquele calabouço flutuante. A maioria tinha ferros prendendo seus pés e mãos. Eu via o efeito horrível que era causado pelo contínuo chacoalhar das correntes, pela imundície e pelos vermes naturalmente produzidos por aquela turba de miseráveis, pelos juramentos e xingamentos que bradavam regularmente... Os doentes recebiam poucos cuidados médicos e não eram separados dos sadios.

    "Foi um sopro de alívio quando finalmente, em janeiro de 1802, fui transferido para o barco de transporte de presos chamado Coromandel. Nós, os prisioneiros, fomos confinados no deque inferior em celas com barras de ferro. Em muitos casos, ainda fomos acorrentados e só podíamos subir por pouco tempo ao convés para respirar ar puro e fazer um pouco de exercício. As condições eram péssimas e dormíamos em redes."

    "Partimos de Spithead junto com o Perseus no dia 12 de fevereiro de 1802."

    Assim que deixaram o porto, as condições a bordo da prisão inglesa flutuante melhoraram. Como não havia mais risco de escaparem, diminuíram uma parte das restrições aos presos.

    Seguindo rumo ao sul na direção das Ilhas Canárias, uma rotina diária começou a vigorar assim que ultrapassaram esse ponto.

    Às quatro da manhã, os presos que cozinhavam (que eram três) podiam ir ao deque. Às cinco e meia, o capitão de sua divisão (o preso nomeado chefe) se reunia aos demais capitães no deque superior a fim de encher as tinas de banho enquanto os prisioneiros começavam a recolher suas camas e redes. Às seis, William e a primeira leva de prisioneiros podiam entrar para se lavar.  Depois de meia hora, a outra metade tinha permissão para se banhar. O desjejum era servido às oito e, enquanto durava a refeição, a tripulação limpava o convés superior e os banheiros.

    Enquanto continuavam a jornada através do Atlântico rumo ao Rio de Janeiro, enfrentaram a primeira de muitas tempestades.

    William conseguiu segurar a comida no estômago, mas o navio ficou coberto de vômito. Os experientes marujos faziam piada dos apuros dos condenados. Deve-se ter em mente que a maioria deles nunca tinha visto o mar e ainda estavam se recuperando das terríveis condições que tinham suportado no bojo dos navios-prisões.

    A bordo do Coromandel também havia diversas famílias de colonos livres, mas, como ficavam separadas de todos os presos, William não sabia nada a respeito delas. Ele se admirava de essas pessoas levarem voluntariamente a própria família para um lugar desconhecido sobre o qual se dizia oferecer bem pouco conforto e amenidades.

    William se lembrava: "As nuvens pareceram subir das águas, e transformaram o dia em noite. Então, de repente, o vento começou a uivar e, no início, o barco se inclinou perigosamente para estibordo antes que o timoneiro conseguisse corrigir sua posição. Pensei que seria o nosso fim. Então começou a cair o aguaceiro. Era uma chuva tão feroz que tinha certeza de estar partindo em pedaços o convés acima de nós. O fedor insuportável do vômito dos outros prisioneiros parecia cobrir o deque inteiro. Preferíamos muito mais estar no convés do que confinados naquele buraco infernal em que nos encontrávamos."

    A tempestade durou cerca de dez horas e então o tempo melhorou. Os dias estavam ficando mais quentes conforme atravessavam o trópico e muitas das próximas tempestades tropicais não pareceram tão ruins quanto a primeira, que tinha se abatido sobre nós logo depois de termos passados as Canárias.

    A rotina diária prosseguia e, para a surpresa de William, além da limpeza e das atividades domésticas gerais de manutenção, havia aulas regulares e sessões de educação religiosa. Ele não conseguia entender se isso era para manter a disciplina e os presos sob controle ou se as autoridades achavam que um melhor nível de instrução e doutrinação religiosa seria capaz de levá-los a mudar seus maus hábitos.

    Pouco depois de ter avistado a costa do Brasil, ele percebeu que o navio enveredava para sudeste, acompanhando os ventos que vinham de oeste através do Atlântico, na direção do Cabo. O mar estava engrossando e a temperatura tinha caído, mas ainda continuava muito mais quente do que quando tinham zarpado da Inglaterra.

    A travessia do Atlântico Sul foi relativamente tranquila até que se acercaram do Cabo. Então, o vento aumentou radicalmente, fazendo o navio jogar muito e rodopiar. Nem mesmo a vista da terra, a bombordo, ajudou a animar William, embora, depois de terem navegado por mais um dia e entrado em águas do Índico, o tempo tivesse melhorado.

    Foi nessa etapa que um dos prisioneiros foi violentamente atacado por uma doença e, apesar do esforço dos tripulantes, veio a falecer.

    William ficou espantado quando toda a tripulação e cada um dos prisioneiros se perfilaram no convés para prestar sua derradeira homenagem àquela pobre alma e lhe proporcionar um sepultamento decente no mar.

    "Todos nós nos enfileiramos no convés. Os prisioneiros, os oficiais, os tripulantes, até mesmo os colonos livres. O corpo foi depositado numa prancha, inclinada sobre a amurada e coberta com a bandeira da Rainha. Enquanto o capitão recitava a fórmula ritual de entrega do corpo ao mar, dois tripulantes ergueram a extremidade da prancha e o cadáver deslizou, debaixo da bandeira, mergulhando e afundando em seguida."

    Pensando sobre todos os acontecimentos, William pensou como aquela viagem seguia diferente de todas as horríveis histórias que tinham circulado nas cadeias e nos navios-prisão na Inglaterra. Ele constatou que, em nenhum momento, os tripulantes tinham se comportado como guardas e que alguns deles, inclusive, demonstravam grande compaixão pelo destino dos prisioneiros. William também tinha se admirado com o respeito demonstrado pela tripulação no caso das mulheres condenadas, e com o fato de alguns marujos até cuidarem dos filhos das prisioneiras e brincarem com as crianças.

    No fim de maio, tinham cruzado o Oceano Índico e às vezes, no decorrer das semanas seguintes, viam terra ao norte do mastro de bombordo. A costa continuava frequentemente visível depois de apontarem para o norte e o clima a bordo era de excitação misturada com a ansiedade pelo que os esperava à frente.

    Finalmente, em 13 de julho de 1808, singraram as águas de Port Jackson. Enquanto adentravam a baía, o capitão resolveu autorizar aos prisioneiros que subissem ao convés em grupos. Cada grupo tinha quinze minutos. O capitão sabia que, se os mantivesse ali – confinados como estavam – por mais tempo, corria o risco de um motim a bordo, pois, se enxergassem – ainda que rapidamente – seu destino, começariam a descontrair e possivelmente um clima de excitação acabaria substituindo o desespero que alguns deviam estar sentindo.

    Era inacreditável, William recordou mais tarde. Aquele grande porto parecia ter quilômetros de extensão. O macio capim verdejante, que se estendia mais além de uma sequência de praias ora de seixos, ora de areia dourada, e ainda a densa mata rasteira depois da orla faziam aquele lugar parecer o paraíso.

    O navio tinha viajado sem fazer nenhuma parada – o primeiro navio-prisão a realizar essa façanha – e o governador King, em 9 de agosto de 1802, ficou tão impressionado com o tratamento dispensado aos prisioneiros e com as condições em que eles se encontravam ao chegar que redigiu o seguinte relatório:

    "O estado saudável em que o Coromandel e o Perseus chegaram obriga-me a chamar especialmente sua atenção para os comandantes desses navios. A julgar pelos diários de bordo, pelas anotações do médico-cirurgião e pelos depoimentos unânimes de todos que estavam a bordo desses navios, os prisioneiros foram tratados com a mais cordial consideração. Isso, associado à adequada provisão do conforto que o governo tão generosamente lhes garantiu, assim como o bom estado de saúde de todas as pessoas embarcadas, induziu o capitão do Coromandel a seguir viagem sem parar em nenhum porto. Ele chegou aqui após quatro meses e um dia, trazendo todas as pessoas em estado de perfeita saúde, aptas para realizar qualquer trabalho. E, embora pareça que o Perseus necessitou parar no Rio e no Cabo, ainda assim os presos estavam em tão boas condições quanto as do Coromandel. Tampouco posso omitir o grande prazer que eu mesmo e outros oficiais em visita sentimos com os agradecimentos dos prisioneiros e dos passageiros pela gentil atenção e pelo cuidado com que foram tratados pelos mestres e cirurgiões, os quais devolveram uma quantidade incomum de artigos oferecidos pelo governo para uso dos prisioneiros durante a viagem."

    Cidade de Sydney

    A primeira vez que William viu a angra de Sydney foi quando desembarcou no píer instável: Fiquei espantado com o desenvolvimento da colônia no intervalo de apenas catorze anos. Embora rudimentar, era um povoado promissor.

    Nos primeiros instantes em terra firme, William se sentiu extremamente abalado, em parte devido à longa permanência nas águas agitadas do mar, mas também em razão do amontoamento que prevalecera a bordo.

    Os odores da orla são incríveis. Ar fresco e limpo, agradáveis aromas de comida de verdade sendo preparada, mas, o que foi mais importante, a falta do fedor de seres humanos vivendo tão empilhados por tanto tempo. Eu podia começar a ver que não ia ser tão ruim quanto eu havia pensado viver nesse suposto ‘buraco do inferno’. Vejo que pode ser possível chegar inclusive a ter uma vida de verdade nesta colônia, se eu me comportar direito.

    A maior parte das construções e da infraestrutura da cidade girava em torno dos militares. As lojas e o comércio eram basicamente de membros da Brigada de Nova Gales do Sul, e a cidade toda mais parecia uma cidade-guarnição.

    O que primeiro me passou pela cabeça foi que os oficiais da guarnição militar de Nova Gales do Sul parecem ter excessiva influência sobre o funcionamento da colônia, e que o trabalho do governador se resume a carimbar as decisões dos militares. Até mesmo a concessão de perdões, além da alocação de terras, parece estar nas mãos das autoridades da Brigada.

    Minha primeira noite em terra foi uma experiência sobrenatural. A ausência do movimento das ondas, juntamente com sons inteiramente diferentes, me dificultou absurdamente cair no sono.

    Despertar pela manhã com os sons das aves nativas chilreando, com os ruídos de fundo dos colonos em seus preparativos matinais para a jornada daquele dia, foi verdadeira música para os meus ouvidos.

    Logo após a chegada, William foi designado para trabalhar nas terras dos rancheiros Jonas Archer e Mary Kearns, em Mulgrave Place, no distrito de Hawkesbury.

    Enquanto viajava para lá, William ficou assombrado com os sons e as paisagens com que ia deparando: A primeira vez que vi cangurus e outros animais nativos me causou estranheza, embora os aborígenes tivessem me perturbado ainda mais.

    Como se viu depois, não demorou muito para que começasse a compreender e criasse uma forte ligação com as tribos locais, o que levaria a um prolongado e pacífico relacionamento com elas. Foi uma infelicidade que todos os colonos não tivessem conseguido criar esses laços e que a desconfiança acabasse redundando em derramamento de sangue em muitas ocasiões.

    Mary Kearns tinha sido condenada por roubo em Dublin, em 1792, sendo sentenciada a sete anos, a serem cumpridos na Austrália. Tinha chegado a Sydney em 17 de setembro de 1793, a bordo do Sugarcane.

    Após ter cumprido a pena, recebeu a concessão de 65 acres de terra na área de Hawkesbury, em Green Hills, região hoje conhecida como Windsor.

    Seu companheiro, Jonas Archer, fora ao seu encontro e, juntos, tinham começado a limpar a terra para montar uma fazenda. Jonas era subordinado a Mary, do que ele provavelmente era muitas vezes lembrado, pois a concessão era dela e, portanto, a fazenda também.

    Era incrível que em dois meros anos, Mary e Jonas tivessem conseguido limpar a terra e construir uma fazenda moderadamente bem-sucedida, naquela planície fluvial a mais ou menos 30 quilômetros do Porto de Sydney. Mary trabalhava muito e, ao mesmo tempo, era uma mulher muito atraente que estava tentando construir um futuro real, apesar de seu início modesto.

    Terem designado William para trabalhar em sua fazenda foi um presente dos céus. Ele era muito esforçado e conquistou a confiança dos patrões. Sempre se mostrava capaz de implantar melhorias e, como tinha passado a infância no meio rural, sendo filho de um casal de pequenos proprietários de terras, tinha uma facilidade natural para a diversificada agricultura de subsistência. Se plantarmos um trecho de hortaliças e legumes entre a casa e o galpão, poderemos controlar melhor por onde os animais pastam livremente, ele apontou para Mary poucos dias após sua chegada.

    Jonas Archer, por outro lado, não gostava do trabalho na fazenda, além de se mostrar uma fonte de prejuízos, pois era dotado de atributos comerciais extremamente negativos, o que o levou, em 1803, a uma fuga repentina para escapar de credores.

    Mary então se tornou a única dona da fazenda. Como sempre tivera uma queda por William, não foi nenhuma surpresa que, pouco depois de Jonas ter ido embora, ela se casasse com ele. Daí em diante, a propriedade passou a se chamar Chalker’s Farm.

    A Brigada do Rum Corps vs.  o governador Bligh

    O governador William Bligh chegou a Sydney em 6 de agosto de 1806 a fim de substituir o governador King, que definitivamente queria retornar à Inglaterra. (O que se dizia na cidade era que King tinha se decepcionado com os oficiais da corporação que, durante seu mandato, haviam desrespeitado sua autoridade e em certo sentido o menosprezavam.)

    Bligh tinha fama de ser extremamente autocrático, e era alvo constante de insubordinações de toda ordem. Depois de perder o controle do HMS Bounty para seus vinte tripulantes tornara-se ainda mais impiedoso.

    Para sua consternação, Bligh tinha descoberto, ao chegar, que a Brigada Militar de Nova Gales do Sul conduzia a

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