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Através Das Noites Mais Escuras
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E-book344 páginas5 horas

Através Das Noites Mais Escuras

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Sobre este e-book

Você sabe quando vai morrer? Como vai ser ou quem estará com você? Se não tiver a pessoa amada ao seu lado lhe consolando no momento final, estará sem ninguém para segurar sua mão? Adriano pode lhe fazer companhia, afinal, ele não tem muita opção. Entre morrer ou trabalhar para a Morte, ele fez uma sábia escolha.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de mai. de 2019
Através Das Noites Mais Escuras

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    Através Das Noites Mais Escuras - Jota S. G.

    Através das Noites Mais Escuras Volume 1

    Jota S. G.

    Jota S. G.

    Copyright © 2019 Jota S. G.

    Livro: Através das Noites Mais Escuras

    Arte e Capas: Victor Oliveira

    Revisão: Raquel Protazio

    Diagramação: Jota S. G.

    S. G., Jota – 1ª ed. – Publicação Independente 2019

    1. Literatura brasileira 2. Terror Todos os direitos do texto reservados a Jota S. G.

    Em memória Maria dos Reis Silva Altamira Pereira da Silva Selles Mácio Oliveira Trindade Graciela Deri de Codina Celair de Brito Conceição Vocês fizeram parte dessa trajetória.

    Muito obrigado.

    Agradecimentos Aos meus pais, Ivan e Jamima, ao meu irmão caçula Timoteo.

    Em especial a Silas Cardoso, que foi o primeiro a conhecer essa história. Bianca Meneghel, por ser a primeira a ler quando tudo começou. Natalia Artilheiro, por ter tido paciência em ler quando terminei. Victor Oliveira que me estendeu a mão e acreditou no potencial desse livro. Joyce Miliati por me ajudar a mostrar meu trabalho ao mundo.

    As pessoas que me apoiaram, estas sabem o bem que me fizeram, seja por me incentivar, não desmotivar, sempre acreditando em mim mesmo com tanta demora, muito obrigado a vocês por torcerem genuínamente por mim.

    QUI AUTEM GLORIATUR

    IN DOMINO GLORIETUR

    Sumário

    E

    m memória

    ................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3

    A

    gradecimentos

    ........................ . . . . . . . . . . . . . . . . . .4

    P

    rimeiro Capítulo

    ........... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .6

    S egundo Capítulo

    .................................. . . ..74

    Te

    rceiro Capítulo

    .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .150

    Qua

    rto Capítulo

    ................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .239

    Qui

    nto Capítulo

    ....... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .356

    Primeiro Capítulo "Não fique alarmado pela minha confissão A não ser que você não dê a mínima Para a redenção.

    Eu sei, Cristo está vindo E eu também."

    - Puscifer - Rev 22:20

    São Paulo tem em suas entranhas prosperidade e infortúnio, uma amálgama de aromas, sensações, imagens, cacofonias e do amargo que forma seu caleidoscópio cognitivo.

    Nos trilhos passam os grandes vermes metálicos nos veios sintéticos desse monstro urbano.

    Dentro estão as lavas operárias, tão cedo levantaram e tão tarde estão voltando aos seus respectivos lares. Tão apertados e conformados que se distraem com livros, músicas ou desligam suas mentes da agonia que seus corpos estão passando, em nome da Máquina.

    No meio deles está um corpo invasor disfarçado, entre eles se faz um semelhante sofredor que suporta a labuta diária em suas costas como todos o fazem honrosamente.

    Observa uma mulher incomodada pelo rapaz estar sentado no lugar que desejava tanto, um senhor que generosamente aquietouse em pedir seu lugar por direito para uma jovem que dorme com sua mochila no colo cansada de seu dia universitário. Tantas pessoas apertadas umas nas outras que não se admira em notar um homem excitado, uma outra mulher falando alto em seu telefonema, outro rapaz que nitidamente está doente e dissiminandose naquele local fechado.

    Todos são intimos involuntáriamente.

    Para o invasor nada disso o distrai devidamente, usa sua mente para sair daquele lugar e pela janela consegue assistir como uma antiga projeção em preto e branco tudo que a paisagem urbana condensada numa pequena tela pode conceber.

    Na Faria Lima pede um carro para o endereço que lhe foi enviado. Vai fazer a manutenção de algo que a Máquina hoje tem como essencial. Quando lhe perguntam sobre o que faz para se sustentar responde que conserta as brechas que o sistema não se dá conta. Todos entendem, mesmo que pouco, que seu trabalho deve ser bem requisitado.

    Adentrando o prédio e parando no quarto andar, tem que lidar com um cliente repulsivo.

    Sente nojo do tipo de pessoa que ele é, não por causa de ser gordo como uma orca ou qualquer coisa superficial como trejeitos ou opiniões, seu caráter empesteava com um odor digno de perder o almoço, todos viravam o rosto por onde passava com receio de ter a atenção deste homem.

    — Adriano! Até que enfim chegou. Horário de almoço é meiodia, duas da tarde é hora de trabalhar! – diz com grande tom de voz o chefe da contabilidade, o cliente laranja qual vai prestar seus serviços.

    Uma massa gorda aproximase move pelo andar entre os cubículos, batendo a mão forte em seu ombro e guiandoo a força pelo andar.

    Nada responde, era desprezível e por isso manterse em silêncio evitaria ouvir a voz dele além do que precisa. A mão pesava uma tonelada, era mais alto e por isso sua calvície nem era notada com facilidade. Pior era o suor azedo com perfume doce.

    Era externo o que tinha por dentro.

    Mostra sua autoridade para que Adriano soubesse quem mandava quando para em um dos cubículos e fala com uma jovem que falhou em tentar disfarçar a ansiedade e estresse da aproximação dele.

    — Heloisa, já disse pra me mandar essa papelada inteira até o almoço e cade essa porra?! – bate no plástico divisório do cubículo dando um susto na moça de olhos castanhos assustados. Ri e continua a guiar Adriano pelo andar dandolhe tapas no ombro como se fosse um grande amigo.

    Adriano precisa usar o que eles têm, para não se sentir tão culpado escolheu um lugar com grandes recursos, procuraria pelo chefe mais idiota e nitidamente odiado e ali, naquele departamento, injetaria o problema sendo o único capaz de resolvêlo.

    Passa duas horas fingindo que trabalha para deixar o otário impressionado, depois aproveita para achar qualquer coisa pessoal, afinal, ele era do tipo ignorante e convencido, um burro fenomenal.

    Provavelmente usava o computador da empresa como se fosse pessoal e por isso coisas constrangedoras estariam estampadas prontas para serem encontradas.

    Havia pressa da parte do balofo para apagar tudo que o computador tinha, isso era um ótimo sinal. Depois do backup feito, prova por A+B que fez seu trabalho, seu desempenho foi convincente como um mágico de rua, sempre conduzir a atenção da pessoa para o lado oposto onde o truque acontece.

    Ser louvado por um cretino que era viciado em coprofilia não era o alto de sua vida, era o mundo que vivia, aturar toda sorte de bestiais humanos entregues à lua cheia de seus desejos.

    Compra um refrigerante de guaraná bem gelado, faz uma ligação avisando ter feito mais um serviço e quando se dá conta voltou a pé para a estação Faria Lima, debaixo de um sol de primavera. Joga algumas moedas para um mendigo para se sentir melhor e depois adentra aquele labirinto.

    As estações passam, pessoas entram e saem e ele sabe que todo dia será assim até que possa enfim descansar, cumprindo suas metas planejadas minuciosamente para sua vida. Cada passo que dava era importante. O preço era passar por essa fase entediante e passiva mas no fim ele sabia que sentiriase completo, finalmente o fim desse ciclo.

    Como uma puta de pernas abertas a estação Tatuapé recebe o falo metálico e ele pode até ouvir seu gemido de prazer. As pessoas se esmurram para sair e sem olharem para o lado elas se digladiam apenas por espaço, a moeda mais cara nesse tipo de lugar.

    Pega o ônibus ali mesmo e desce no ponto e caminha para chegar em seu prédio dando bom dia aos senhores donos do bazar que fica ao lado da entrada de sei prédio. Vê o mendigo que fica ali deitado debaixo do toldo do estabelecimento, ele nunca atrapalhou ninguém, decide dar um trocado, afinal, devia fazer o bem.

    Seu prédio é comum, pensava em morar longe de repúblicas, não gostava da vida estudantil que acreditava ser banal. Era como pensava, bebiam até suas veias se limparem do vermelho do sangue e tornarse puro como o álcool. Fumar até enegrecer seus pulmões rosados. Sem falar das drogas, isso ainda o deixava enojado. Finalmente chega em seu apartamento pensando nas águas térmicas massageando seu corpo.

    Putz! O velho Souza!, pensa. Professor casca grossa, daqueles que não têm dó de aluno nenhum.

    Uma Ferramenta que a Máquina preza muito bem.

    Apesar de serem velhos conhecidos, Adriano era um aluno e Souza um professor e precisavam se comportar dessa maneira.

    Ele gira a chave, faz o mesmo com a maçaneta, o barulho dos céus, a porta se abre revelando o cheiro de seu lar, nada de sujeira ou cheiros artificiai, só o cheiro de casa. A sala é logo de vista o maior cômodo, à direita tem sua cozinha a quem logo vai fazer uma visitinha. À esquerda, um quarto onde perfaz de escritório improvisado e ao lado um banheiro, com espaço suficiente para girar trezentos e sessenta graus. À direita tem seu aconchegante e carinhoso quarto, que sempre o chama com uma voz dengosa irresistível, ainda mais a cama, sempre o seduzindo e querendo que ele deite sobre ela e a faça feliz com seu corpo, ela o satisfaz a noite toda com o melhor aconchego. Os travesseiros parecem mãos carinhosas fazendo cafuné e o cobertor, os braços, que envolvem seu corpo e o esquenta, mantendoo confortável a noite toda.

    Seus olhos passam pela sala vazia, enxerga a TV desligada, as janelas sempre trancadas e as cortinas acompanhando, isolando a casa do mundo, do cheiro pútrido que a Máquina deixa no ar. Seu sofá tenta chamálo, ele o ignora. Até sua poltrona, fiel companheira de noites de filmes antigos, de jantares rotineiramente solitários, de cochilos no fim de semana enquanto chove intensamente, nem mesmo este conseguiu sua atenção.

    Uma aquisição confortável foi ter comprado uma secretária digital como nos filmes, retrô e moderno ao mesmo tempo, acoplado a qualquer conta que escolher, ela redireciona qualquer mensagem de voz que queiram deixar para ele. Seus dedos logo passam na fofoqueira e ela apita e começa a tagarelar.

    Primeiro recado ele escuta do quarto, já que a tagarela fala alto o suficiente pra vizinhança saber quem ligou para ele. Enquanto arruma suas roupas, escolhe algo mais suave, básico e com certa elegância.

    O recado vem com uma distorção incrível, carros de fundo e ainda ela fez questão de deixar a boca perto enquanto fala. A voz gritada, o estalo em seguida, ele sabe quem é e adora aquilo.

    OI AMOR! TE AMO! SAUDADE!

    Um beijo estala no final.

    Ele sorri, sente seu coração arder, a voz dela consegue aquietar aquele caos virulento que constantemente lhe tira a paz do coração.

    Vai pra cozinha beber um pouco d’água, aliviar a garganta da sujeira que veio lá de fora e o segundo recado deixa seu coração raivoso.

    Oi, filho. Precisamos conversar. Fim de semana eu estou em casa. Vamos tentar nos resolver. Pelo menos pela sua mãe. Por favor. Abraço.

    Adriano sentia como se tivessem discutido apenas por trivialidades entre pai e filho, como se o carro fosse proibido naquele fim de semana, o cartão de crédito fosse cortado, qualquer coisa que nem ao menos coçasse a superfície dessa pele. A terceira mensagem enfim o tira do sossego que segundos antes havia experimentado.

    Quase ia me esquecendo, quando vier passe naquela padaria e compre aquele bolo de maracujá que sua mãe tanto adora, tá? Ela vai gostar da surpresa.

    Quem confirmou alguma coisa aqui? Típico de seu pai, ele tem o controle e quando quer, consegue.

    Se sentir que não vai conseguir por mérito próprio, apela com sutilezas. Era um homem silencioso e calculista, quando menos se esperava poderia ser encontrado por ele no meio da Praça da Sé no meio da multidão do horário de pico. Irritante.

    Se prepara para o banho pensando terem acabado as mensagens, algo lhe toma mais atenção.

    Não que as próximas mensagens fossem algo importante, na verdade não teve mensagem alguma.

    Silêncio e depois algum chiado ou respiração, logo desligava.

    Já estava acontecendo há algum tempo esse tipo de ligação, a seguinte mensagem foi quase a mesma coisa. Seu programa pegou o número de quem anda ligando e já estava com a certeza de quem poderia ser. Não havia bloqueador ou redirecionamento que impediriao de achar quem brincava com ele.

    Ele retorna a ligação sem preocupação nenhuma.

    Sua voz se mantém firme e faz a pergunta como se nem soubesse quem estava do outro lado da linha.

    — Com licença, com quem eu falo?

    — Você que deveria dizer quem é que tá falando, não acha? Quem liga é que se apresenta – uma voz feminina responde num tom sério.

    Um jogo antigo começou, quem estava no controle da situação. Ele não dará o braço a torcer e por isso mantémse ainda mais indiferente do que ela. Talvez ela tenha sido surpreendida por ele retornar a ligação, talvez fosse o plano dela para ressurgir covardemente em sua vida.

    — Quem ligou primeiro é que deveria se identificar, não acha não?

    Ela solta um suspiro aborrecido.

    Sim, ele se sente vitorioso na disputa de quem é mais cara de pau, o campeão, os aplausos e urras se ouvem no vazio de sua alma. Como se tudo aquilo realmente importasse.

    — Sou eu, Letícia, – ela diz com tanto desânimo que afeta até o orgulho dele. Tanto para ele quanto para ela a situação é horrível. O que havia acabado agora sendo exumado o deixava transtornado.

    — É, eu sabia. Fala o que você quer – queria ser o Campeão dos Orgulhosos.

    — Não é nada. – ela desconversa.

    Ambos se conhecem muito bem para tentar enganar um ao outro, ele sabia que ela estava querendo avisar que estava de volta.

    Seu coração aperta, o passado está do outro lado do telefone, gritando para se tornar um presente mas o preço é a dor constante que isso traria. Mais do que isso, seu coração implora para não permitir que aconteça, não deixar o passado voltar, tudo está tão novo, estável, caminhos que devem ser seguidos, progressos alcançados e agora ela de volta. Isso o irrita. Para que ela voltou? Isso o incomoda como uma mosca zanzando seu prato de comida. Audaciosa demais. Ele desliga tão rápido que percebe apenas alguns segundos depois.

    A água o massageia como uma mulher, aqueceo e relaxa.

    Ele sai do banho quente e ainda molhado se olha no espelho, seus cabelos castanhos molhados na frente do rosto. Ele sacode para secar mais rápido.

    Falta pouco para poder amarrálos. No quarto, fica de frente de seu grande espelho para poder se arrumar.

    Sua fértil criatividade e suas lembranças começam a desenhar traços em néon, Letícia vai surgindo do banheiro atravessando a sala com aquela toalha enrolada no corpo, o andar naturalmente sedutor e sua pele morena, molhada, seus cabelos negros grudados em sua pele molhada.

    Ela para no batente da porta, intimidandoo enquanto seduz . Quando juntos, ela o seduzia de qualquer forma. Ela cruza os braços acentuando seus seios firmes, fazendo da toalha um vestido com um decote tentador, mas nada daquilo importava quando ela fazia aquela cara e aquele tom de voz.

    — Você não tem que resolver tudo sozinho.

    Eu estou aqui, sabe disso.

    Ela costumava dar um beijo em seguida, sorria para ele, mesmo ele sabendo que minutos antes podiam ter discutido como deuses gregos num apocalipse cristão. Ele fecha os olhos e suspira, sabendo que ao abrilos aquela lembrança não estaria mais ali.

    Inevitavelmente abre os olhos em direção a cama, onde uma outra lembrança dela, deitada e com seus cabelos lisos e negros jogados pelo travesseiro pintavam um quadro que nunca se esqueceu durante todos esses anos.

    — Você é meu herói, sabia? – e ela sorria fechando os olhos como se fosse para o céu.

    Tudo começa a voltar ao normal, como se ele tivesse a maior das vertigens, nota que está com o coração tão disparado, a respiração tão forte que quase se dá o direito de estapear a própria face. Ele se recompõe, não precisa dessas lembranças mais.

    Não agora que tem alguém que não vai desistir de tudo e abandonar ele, alguém que não deixa ninguém para trás como uma covarde.

    Sua roupa está bem passada, perfeitamente vestida em seu corpo. Não era vaidoso demais mas gostava de se vestir com conforto e sentirse bonito.

    Pega sua mochila e suas coisas mais necessárias estão no carro. Gostava de dirigir.

    Observa sua sala vazia, ainda isolada do mundo lá fora, pensa nesse fim de semana abrila um pouco para arejar. Passa olhando a cozinha, sentindo fome, pensando que no caminho ou na faculdade ele possa comer alguma coisa.

    Ele sai com pressa, deixando sua solitária casa para voltar mais tarde e ocupar espaço naqueles cômodos, ao bater a porta corre um forte arrepio que o paralisa. Não foi o telefone, no fundo da alma bem que gostaria que fosse, nem precisa ir tão fundo assim, ele queria que fosse qualquer um ligando agora. Também não podia ser uma ilusão de ótica, pois há confusões que fazemos que podem nos pregar peças, neste caso infelizmente não era. Tem certeza que por um segundo viu alguém sentado, além de ouvir Melhor não sair agora antes de bater a porta.

    A voz era masculina em um tom normal, amigável, sossegado. O gelo vem do sul até o norte bem rápido, um susto daquele que você se prepara para tomar alguma atitude em que tudo pode acontecer e é você contra o mundo.

    Reabre a porta devagar para olhar quem é o dono daquela voz, quem é que está falando de dentro da sua casa, o sagaz bandido que se escondeu por entre seus cômodos enquanto se arrumava, que conseguiu a proeza de conseguir não ser notado em um espaço que não favorece nem as baratas que sobem pelo ralo.

    De porta aberta, ele vê a figura de um rapaz não mais velho que ele, sentado em sua poltrona com um sorriso no rosto e um tom de voz jocoso.

    — Adriano, entre e vamos conversar, parceiro!

    Roupas sociais pretas, completamente foscas, sem saber discernir se havia uma gravata ou um cinto. Um corpo médio, aparentemente atlético, cabelos escuros como as roupas e penteado curto e elegante, se não fosse a falta de brilho poderia jurar que ele usava gel, além de não ter nenhum pelo no rosto. Sua pele branca deixava mais evidente a escuridão de suas vestes. Os olhos acompanham a mesma dicotomia.

    — Amigo é a puta que te pariu!

    Adriano que já passou por isso antes sempre pensou que ao se repetir, estaria passos à frente, e de fato está. Conseguiria fugir pois possui sua inúmeras rotas de fuga daquele prédio. Isso se não entrar e conseguir chegar próximo de qualquer arma que escondeu pela casa e só ele poderia encontrar.

    Precisava apenas daquele espasmo, da intenção nos olhos, da ação desse estranho homem, para ter certeza se deveria temêlo ou parálo.

    O sujeito sorri imóvel no conforto daquela poltrona: — Espero que me desculpe. Só quis ser agradável e não te assustar tanto, já que é comum não me virem chegar. Vim em paz, juro.

    Ele se levanta com as mãos levemente erguidas como um sinal de paz e vai caminhando na direção de Adriano de forma tão tranquila que triplica a dificuldade para Adriano saber se há hostilidade vindo dele. Apavorante para ele não saber o que aquele estranho quer.

    O coração bate forte, bombeando adrenalina até sair pelos poros. O estranho é que não sentia a necessidade de reagir, se ele é tão bom a ponto de camuflar sua intenção, esse cara no mínimo era um profissional. Adriano permite a aproximação mas completamente atento.

    — Adriano, vim lhe oferecer um trabalho que não deveria recusar. Fazer algo maior do que pretende para sua vida, ser relevante nesse mundo do jeito certo. — lambe o beiço antes de abrir um sorriso de vendedor.

    Como reagir àquela situação tão ímpar? A curiosidade parecia sobrepor o instinto de sobrevivência e seus paradigmas pessoais para lidar com adversidades no seu pautado estilo de vida.

    — Que papo é esse? – pergunta Adriano.

    — É um trabalho que requer mãos no arado, não ficar em casa digitando sem parar. Recusar ouvir sobre seria a pior burrada da sua vida. Sério, cara.

    — Ouvir. Só isso? Eu ouço, se achar que é um trabalho merda, e eu vou achar, você vai seguir seu rumo?

    — E nunca mais me veria tão lindo. — pisca.

    — Ainda penso que poderia ter me ligado, me abordado de forma mais decente, desse jeito eu não consigo me sentir à vontade e isso pesa na minha decisão sobre ideias ridículas. Tipos como você acham que criar um clima psicológico como esse dá vantagem sobre alguém como eu, primeiro erro. Isso faz de você alguém que não me enche os olhos para dar créditos.

    — Estou realmente com as calças arriadas aqui, parceiro. Me pegou. Parece que estou enrascado. — com as mãos agora na cintura, assovia rápido insinuando sua derrota diante da inteligência de Adriano.

    — Não está armado, suas mãos parecem muito delicadas para quem usa ferramentas pesadas ou qualquer coisa que o valha. Peso e altura, corpo num peso abaixo do ideal e uma pele extremamente branca, que te faz alguém noturno e que fica em um ambiente por muito tempo. Por ser isolado, deve ser dificil de conviver. Não me intimida nem me agrada, como é que alguém pode enviar você para me chamar? — cruza os braços e com cenho fechado.

    O sujeito começa a aplaudir sorrindo.

    — Você é incrível! Errou uma coisa ali e aqui, por que seu critério sobre meu perfil é a pressuposição de igualdade. Fora que sei que é péssimo para montar perfis psicológicos por que ler pessoas, para você, é como ver um quadro do Piet Mondrian, mas é um rapaz que viveu e decorou maneirismos e numa soma simples monta um perfil superficial. Te perdoo, agora termine sua análise tão precisa. — com o sorriso desenhando nos beiços, provoca com seus olhos escuros.

    Adriano, que está oficialmente mal humorado por ter sido corrigido por alguém que julga debochado demais, mede o sujeito rapidamente e responde: — Um matador – responde Adriano, bem mais preparado.

    Uma risada seguida de uma palma domina o apartamento e o corredor para qual ainda permanece aberto. A mão do sujeito estende para cumprimentar Adriano.

    Sem baixar a guarda Adriano aperta sua mão firme, desdenha aquele sorriso carismático mas sentiuse cair em uma armadilha. Quando o aperto de mão se tornou firme o bastante para saber que não sairia de perto dele, o medo que o orgulho não deixa ser expresso aumenta quando o sorriso do visitante fica estático, seus olhos se abrem um pouco mais para que encare suas írises negras e sem brilho. O toque era real mas não sabia diferenciar o calor de sua mão, ou se era um toque frio.

    O maldito nem parece estar nervoso, suas narinas não se mexem, ao contrário de Adriano, sim, ele está apreensivo e em pior situação. Se revelou ao engolir seco e agora é vítima da presença do visitante.

    Os três segundos mais longos que Adriano pôde experimentar na vida foram naquele momento, segurando a mão de um estranho. A curiosidade o corrói para saber que batismo lhe foi dado, quase perguntando Qual sua graça, filho da puta?. E por um momento ele pensa Fala logo o nome!, como se com isso ele pudesse ter mais vantagem, estar com mais chances de estar no controle. Apesar de ser loucura e tão pouco perto da realidade, o nome assustaria qualquer um.

    — Prazer, Adriano, me chamo Morte.

    ***************

    Sentado em um sofá de couro preto, fedendo à extinção, em uma sala no topo do mundo, iluminada apenas por uma Lua Cheia e uma luz fluorescente azul do outro lado, o Arrependido ouve seu colega tagaralando a própria desumanização. Quem não tem uma alma não tem consciência. Acreditava piamente de que ainda tinha a própria enquanto seu colega, ao seu ponto de vista, já estava vazio. Ouve o desfecho do discurso do colega: — Construir celeiros é o que transforma o fazendeiro? Não. São os chacais que chegam à noite, comem os animais e destroem as plantações. A sensação de ser amaldiçoado. É a vilania dos predadores noturnos que desgasta o bom coração do fazendeiro. Essa é a transformação que ele precisa para erguer seu celeiro. — o Pecador suspira satisfeito pelo monólogo.

    Sentiase muito bem realizado, tudo que havia planejado estavam em ação, irrefreavelmente as consequências iam gerar mais ações e mais consequências, era belo e excitante. Revira os olhos em imaginar que joga pérolas ao porco ao ouvir a indagação deste: — Já acabou? – se ajeita no sofá.

    — Sim, meu caro. – apesar do sorriso malicioso, o tom de voz é nervoso.

    — Como consegue se sentir tão bem assim?

    — Soa muito ingênuo para alguém como você, não acha? Você foi pior do que eu, não se esqueça disso. — apontando o dedo como que falando a uma criança levada.

    — O que fiz teve uma razão, um propósito maior e muito mais nobre.

    — Isso te transforma em um tipo de herói isento dos próprios crimes?

    Do sofá, naquela penumbra, não permite revelar sua expressão. Sabe que não é tão limpo quanto o seu colega mas nunca imaginou assinar sentença de morte de pessoas inocentes. Não era justo.

    — Não quero ser herói, só estou discordando com o que está fazendo. Eles são inocentes, não podem pagar por algo que terceiros fizeram.

    — Que azarados.

    — Você é igual a eles, um pobre coitado que para ferir alguém atinge aqueles que estão em volta do seu alvo. Do que vale fazermos tudo isso se vai se transformar naquilo que odeia?!

    O Pecador não apreciava muito da hipocrisia do Arrependido.

    — Não. Diferente de você eu faço um trabalho bem feito.

    — É, deve ter sido

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