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Propriedade intelectual e relações internacionais nos governos fhc e lula
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E-book538 páginas7 horas

Propriedade intelectual e relações internacionais nos governos fhc e lula

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Sobre este e-book

A forma como cada país define sua inserção internacional nas negociações globais em propriedade intelectual é fundamental para o seu desenvolvimento econômico, científico e tecnológico. Durante décadas de economia fechada, o Brasil deixou de aproveitar janelas de oportunidade para a construção de um parque industrial verdadeiramente competitivo que conferisse prioridade à inovação. Adotou-se nesse período uma postura diplomática predominantemente de resistência e baixo perfil no campo da propriedade intelectual, condizente com o ambiente protecionista vigente. A predominância de uma concepção de industrialização de inspiração nacional-desenvolvimentista entre os anos 30 e 70 não favoreceu, contudo, o fortalecimento da capacidade endógena de produção e de proteção do conhecimento e da tecnologia nacionais.
A abertura econômica promovida a partir dos anos 90 e as mudanças importantes nas normas globais de comércio levaram à necessidade de transformações no padrão de inserção do Brasil no regime internacional de propriedade intelectual. Nos Governos FHC e Lula, o país passou gradualmente por modificações em sua via diplomática, abandonando uma posição tradicionalmente reativa e de resistência para uma de mais engajamento e proposição. Não obstante, mesmo na passagem do Governo FHC para o Governo Lula, diferenças importantes se observaram em relação ao modo como o Brasil formulou a sua política externa e planejou sua articulação com outras políticas públicas, particularmente a política industrial. Essas diferenças se concentraram em três variáveis fundamentais: as ideias, as instituições (como o Ministério da Indústria e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e as lideranças, com desdobramentos relevantes para o Brasil nos rumos das negociações globais e das políticas públicas nacionais.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de jul. de 2017
ISBN9788581922300
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    Propriedade intelectual e relações internacionais nos governos fhc e lula - Carlos Maurício Ardissone

    http://www.cultura.eov.br/site/wp-content/uploads/2008/02/deceipi.pdf.

    CAPÍTULO 1

    ASPECTOS TEÓRICOS: IDEIAS, INSTITUIÇÕES E LIDERANÇAS NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

    Neste capítulo, são discutidos os aspectos teóricos e as principais abordagens, categorias e conceitos tomados da Análise de Política Externa, do pensamento econômico brasileiro e dos estudos de Economia Política Comparada que permitem demonstrar a importância da ideia do desenvolvimento na formulação de políticas públicas de propriedade intelectual no Brasil – particularmente a política externa e a política industrial – durante os Governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva (1995-2010).

    As discussões auxiliam a verificar que embora ideias exerçam impacto decisivo na formulação de políticas, não podem ser compreendidas fora do ambiente institucional em que operam. É preciso examinar de que modo instituições podem interferir na forma como novas ideias são assimiladas ou não. Novas ideias podem se encerrar definitivamente no ambiente institucional e estimular mudanças de longo prazo e duradouras, como podem muito bem ser refratadas e não exercer grande influência. Estas discussões foram desenvolvidas em dois níveis de formulação de políticas públicas – o da política externa e o da política industrial. O referencial permite avaliar como instituições estatais reagiram a diferentes ideias sobre o desenvolvimento, durante os Governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, e como tais diferenças repercutiram na formulação de políticas públicas de propriedade intelectual.

    O ambiente institucional não pode ser entendido exclusivamente em termos materiais. Ideias são também instituições, isto é, são hábitos de pensamento difundidos e não perceptíveis (CRUZ, 2008b, p. 188). Assim, não basta examinar as instituições do Estado no sentido material. É necessário compreender quem são alguns dos tomadores de decisão que ocupam postos-chaves no Governo e o que pensam e quem são os conselheiros e formuladores de políticas que os influenciam.

    Instituições refletem pensamentos e valores de indivíduos. Embora as ideias e as instituições sejam vitais para analisar o processo de formulação de políticas públicas, há igualmente uma dimensão cognitiva, relacionada aos atributos da personalidade de alguns dos principais tomadores de decisão ou líderes, que não pode ser desconsiderada. Além das instituições, determinadas lideranças individuais também atuaram como variáveis intervenientes entre as ideias e a formulação de políticas públicas de propriedade intelectual durante os Governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

    O exame das políticas públicas de propriedade intelectual no Brasil é empreendido em duas frentes: no campo da política externa e no da política industrial. Em termos teóricos, o institucionalismo racional de GOLDSTEIN e KEOHANE (1993) é valioso por auxiliar a verificar como as ideias, entendidas como crenças sustentadas por indivíduos, podem afetar o processo de formulação da política externa. Já o institucionalismo histórico de HALL (1989) e McNAMARA (1999) e o cognitivismo-institu- cional de FINNEMORE (1997) e SIKKINK (1991; 1997) constituem instrumental para compreender como instituições e lideranças influenciaram o processo de formulação de políticas públicas de propriedade intelectual no Brasil, entre 1995 e 2010. Desvelam porque determinadas ideias sobre o desenvolvimento (e sua relação com a propriedade intelectual) encontraram ambiente mais adequado para a sua aceitação no Governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), em contraste com o Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando enfrentaram maior resistência.

    Inicialmente, são apresentados conceitos e esclarecimentos preliminares. Reflete-se, após, sobre o lócus ocupado pela Análise de Política Externa no campo mais amplo da disciplina de Relações Internacionais, com destaque para as limitações das abordagens teóricas dominantes na interpretação do comportamento estatal, dada a pouca ou inexistente relevância conferida aos fatores ideacionais.

    GOLDSTEIN e KEOHANE (1993) demonstram o impacto que ideias podem exercer na formulação da política externa, não obstante as críticas que invariavelmente apontam para a aceitação, pelos autores, da premissa de que indivíduos (os tomadores de decisão) sempre atuam racionalmente. Procura-se conceituar as ideias, não obstante as dificuldades de ordem epistemológica de separá-las de outra categoria: a dos interesses.

    Examina-se também o institucionalismo histórico e a contribuição de HALL (1989) no dimensionamento da influência das ideias na formulação de políticas públicas de propriedade intelectual no Brasil entre 1995 e 2010 e na averiguação do processo de incorporação dessas ideias nas instituições estatais.

    O esforço, em seguida, é o de caracterizar o desenvolvimento como ideia econômica e vetor ideacional da política externa brasileira e de resgatar a trajetória intelectual de sua apropriação pelas mais diferentes correntes teóricas do pensamento econômico brasileiro. O (neo) liberalismo e o desenvolvimentismo tendem a conferir tratamentos bastante distintos à ideia do desenvolvimento, o que repercute de forma significativa na formulação de políticas.

    Por fim, apresentam-se algumas reflexões sobre o lugar conferido às instituições e às lideranças individuais no processo de formulação de políticas públicas. Defende-se que não é possível discutir as ideias sem compreender o papel interveniente desempenhado por instituições e lideranças que afetam diretamente a forma como aquelas são transmitidas. O poder de persuasão das ideias é passível de interferências de algumas lideranças individuais e de alguns de seus atributos pessoais como a história de vida, a capacidade argumentativa e a credibilidade. Destes atributos depende muito o alcance que as ideias podem ter na formulação de políticas públicas, quando se infiltram nas instituições.

    O conceito de persuasão, desenvolvido por HALL (1989), revela como lideranças podem muitas vezes contribuir para o fracasso ou a aceitação de ideias. Tanto no que tange à política externa de propriedade intelectual, quanto à política industrial, lideranças individuais exerceram papel proeminente.

    O capítulo se encerra com uma síntese do aparato teórico. Frise-se que não se trata de negar às abordagens materiais sua validade explicativa, mas apenas de sublinhar como aspectos ideacionais também podem contribuir para o entendimento de formulação de políticas públicas de propriedade intelectual no Brasil.

    1.1 A POLÍTICA EXTERNA E A POLÍTICA INDUSTRIAL COMO POLÍTICAS PÚBLICAS

    A caracterização da política externa e da política industrial como políticas públicas demanda esclarecimentos de ordem conceitual. O que são políticas públicas? E o que se entende por política externa e política industrial? Por que ambas podem ser caracterizadas como políticas públicas?

    De acordo com MARTINS (2003, p. 13) políticas públicas são:

    um conjunto articulado e estruturado de ações e incentivos que buscam alterar uma realidade em resposta a demandas e interesses dos atores envolvidos. Uma política pública é fruto de um processo de decisão política, usualmente consubstanciado em uma disposição normativa (lei, decreto, documento de governo ou outra forma de policy outcome) que demanda competência autorizativa no âmbito governamental (executivo ou, na maior parte das vezes, executivo e legislativo). As políticas públicas dispõem usualmente sobre o que fazer (ações), onde chegar (objetivos relacionados ao estados de coisas que se pretende alterar) e como fazer (princípios e macro-estratégias de ação).

    LIMA (2010) também discute o conceito de políticas públicas e reflete sobre a possibilidade de a política externa poder ou não ser caracterizada como tal. A definição clássica de política pública é a do Estado em ação. Ressalta também o traço autorizativo que demarca as políticas públicas, ou seja, a necessidade de que haja a chancela ou a sanção do Estado para que aquelas sejam formuladas e implementadas (Ibid.). LIMA enfatiza que, mesmo as ações do Estado que resultam em acordos internacionais, para que sejam legitimadas no plano doméstico, devem ser autorizadas pelas autoridades competentes, neste caso, o Congresso Nacional (Ibid.).

    LIMA aponta, ainda, para uma tendência que estaria contribuindo para aproximar cada vez mais a política externa da dimensão das políticas públicas: o da politização da política externa. Trata-se de fenômeno recente e gradual do cenário político brasileiro, a partir da redemocrati- zação e da inserção do Brasil no processo de globalização da economia via políticas liberalizantes, que estimulou a gradual incorporação das questões externas à agenda de políticas domésticas por meio da mobilização de diferentes grupos de interesse nacionais que, antes, não se sentiam incentivados a tentar participar de forma proeminente do processo de formulação da política externa, tradicionalmente insulado no Itamaraty. Enfim, a partir da redemocratização nos anos 80 e da abertura econômica nos anos 90, a tarefa da diplomacia brasileira deixou de ser a de representar interesses antes presumidos como unânimes no plano internacional¹⁰. A missão tornou-se mais complexa e passou a ter que considerar a defesa de interesses setoriais, por vezes concorrentes, com maior ou menor acesso aos canais de decisão na formulação da política externa, inserindo a atividade diplomática no conflito distribu- tivo (LIMA, 2000). Os assuntos internacionais brasileiros tornaram-se objeto de debate e controvérsia assíduos na política doméstica (o que não ocorria no passado) e divergências intraburocráticas sobre quais devem ser as prioridades da política externa também se tornaram mais frequentes (LIMA & HIRST, 2006, p. 37).

    Mesmo assim, LIMA (2005, op. cit., p. 16) admite que ainda há considerável grau de liberdade para mudanças no rumo da política externa porque ela é menos dependente da capacidade de coordenação política e de gestão administrativa do que outras políticas públicas, já que é conduzida por burocracias especializadas e com capacidade administrativa instalada (Ibid., p. 16).

    DA SILVA, ESPÉCIE e VITALE (2010, p. 8) demonstram que, se por um lado, o conceito de política externa é fortemente influenciado pelas correntes teóricas de análise das relações internacionais, por outro, emergiu outro enfoque capaz de impactá-lo, o de uma nova linha de pesquisa surgida nos Estados Unidos da América, baseada na análise de políticas públicas. Isso ocorre em um momento histórico em que os Estados deixam de deter o monopólio das comunicações com os atores externos:

    Com efeito, com a globalização, resultante da transnacionalização produtiva, financeira e cultural, acompanhada da revolução tecno- científica, a discussão evoluiu, de forma que, uma vez desmistifi- cada, a política externa é considerada apenas mais uma entre as políticas de governo, resultado do embate entre as coalizões de forças domésticas. De modo complementar, entende-se que as políticas interna, externa e internacional compõem um continuum do processo decisório poliárquico. Por esta razão, uma política pública integral deve ser pensada não apenas em seus imperativos nacionais, mas em termos de utilização dos espaços internacionais relacionados (Ibid., p. 9).

    Assim, em um contexto em que as políticas internas se tornam cada vez mais internacionalizadas e a política internacional é progressivamente internalizada, passa-se a compreender a política externa não mais apenas como as relações mantidas pelo Estado com Estados estrangeiros, para ampliar o conceito, de forma a reconhecê-la como o conjunto de programas mantidos por um ator com atores estrangeiros; ampliando-se, assim, os atores que poderão ser interlocutores (não apenas Estados, mas também uniões aduaneiras, organizações internacionais, etc.) e os temas envolvidos (Ibid., p. 9). As autoras ressaltam, ainda, como a diluição entre o interno e o internacional contribuiu para que o processo decisório de política externa passasse também a compreender outros órgãos do Executivo Federal (Ibid., p. 10-11). Esta emergência de novos atores que passam a rivalizar, de certa forma, com o MRE na condução da política externa, levaria à possibilidade de mais incoerências na formulação de políticas, favorecidas ainda por problemas estruturais enfrentados pelas chancelarias como a formação generalista do corpo diplomático em contraposição à necessidade de formações técnicas cada vez mais específicas, encontradas nos ministérios temáticos.

    No mesmo sentido, HILL (2003) salienta a necessidade de romper com a associação da política externa a interesses nacionais autoevidentes. Em um mundo onde importantes disputas internacionais se dão em torno dos temas mais diversos e específicos como o preço das bananas ou a imigração ilegal, seria absurdo concentrar a análise da política externa apenas nas relações entre os serviços diplomáticos nacionais. Embora estes tentem alcançar o status de gatekeepers, na prática têm que se render às evidências cada vez mais presentes do exercício de uma diplomacia paralela por parte de colegas de outros ministérios e agências estatais (Ibid., p. 4).

    Desta forma, a política externa é definida por HILL como a soma das relações externas oficiais conduzidas por um ator independente (habitualmente o Estado) (Ibid., p. 3). A definição alude a ator independente para permitir a inclusão de atores como a União Europeia (UE); reporta-se às relações externas oficiais porque permite a inclusão de resultados obtidos por todas as partes dos mecanismos governamentais do Estado ou de empresas, enquanto ainda mantém parcimônia em relação ao amplo número de transações internacionais que agora são conduzidas; e, ainda, a política é considerada a soma dessas relações oficiais porque, se fosse de outra forma, qualquer ação particular poderia ser vista como uma política externa em separado. Finalmente, a política é externa porque o mundo ainda é mais dividido em distintas comunidades do que uma entidade singular e homogênea. Tais comunidades necessitam de estratégias para lidar com estrangeiros (ou estranhos) em seus variados aspectos (Ibid., p. 3).

    Traçando o objetivo de estimular discussão sobre a extensão por meio da qual a política externa formulada e conduzida pelos governos nacionais lida com o que denominam de mundo em transformação, WEBBER e SMITH (2002, p. 2) apresentam a seguinte definição:

    A Política Externa é composta de objetivos perseguidos, conjuntos de valores, decisões tomadas e ações cometidas pelos Estados e governos nacionais agindo a seu favor, no contexto das relações externas das sociedades nacionais. Ela constitui uma tentativa de planejar, lidar com e controlar as relações externas das sociedades nacionais.

    Entre os fundamentos apresentados na abordagem que apresentam para o estudo da política externa, WEBBER e SMITH enfatizam que ela implica na capacidade de distinguir a política doméstica das relações externas das sociedades nacionais e de formar políticas direcionadas a alvos externos (Ibid., p. 3). Este postulado levanta questionamentos sobre como o externo é definido e perseguido num mundo crescentemente interconectado (Ibid., p. 3). Daí que, ao se estudar política externa, inevitavelmente há uma confrontação com a relação entre política nacional e política internacional e entre a política pública em nível nacional e as formas pelas quais ela é projetada para além (Ibid., p. 4). Desta forma, a política externa é reconhecida como capaz de projetar outras políticas públicas, a princípio vistas como exclusivamente nacionais.

    Além de a política externa poder ser caracterizada como uma política pública como todas as demais, para ser considerada como bem-sucedida, ou seja, com real influência nas negociações internacionais, deve conseguir trazer resultados positivos em termos de políticas públicas domésticas. Da mesma forma, políticas públicas bem-sucedidas podem reforçar a posição negociadora brasileira (OLIVEIRA, ONUKI & VEIGA, 2006, p. 2). É necessária, portanto, uma relação cada vez mais estreita e íntima, em termos sinérgi- cos, entre a política externa e outras políticas públicas para o aperfeiçoamento do padrão de inserção internacional do Brasil¹¹.

    Entre estas políticas públicas capazes de reforçar a posição negociadora brasileira, destaca-se, sem dúvida, a política industrial. Conceituá-la não é tarefa fácil, e o tema gera profundas divisões entre os economistas (ERBER, 2002a, p. 637). Aqui, ela é tratada como a "ação do Estado que visa, explicitamente, alterar o comportamento das empresas industriais" (Ibid., p. 638). Duas características são enfatizadas. Em primeiro lugar, o objeto da política, que são apenas as empresas industriais. Em segundo, a intencionalidade da política. Ficam excluídas as medidas de política que são dirigidas a diversos setores, mesmo que entre estes se inclua a indústria. Desta forma, políticas macroeconômicas ou de constituição de infraestrutura não fazem parte da política industrial. Apesar de tais políticas afetarem o desenvolvimento industrial, entende-se que elas são concebidas com propósitos diversos. Constituem uma política industrial implícita (Ibid., p. 638)¹².

    Outros autores procuram definir política industrial. Para REICH (1982), ela é o

    conjunto de ações governamentais planejadas para dar apoio a indústrias que possuem maior potencial exportador e capacidade de criação de empregos, assim como potencial para auxiliar diretamente a produção de infra-estrutura.

    Já CHANG (1994), frisando o componente seletivo que a política industrial pode adquirir, descreve-a como as ações governamentais que estimulam a geração de produção e de capacidade tecnológica em indústrias consideradas estratégicas para o desenvolvimento nacional. Na mesma linha, PERES e PRIMI (2009, p. 14) identificam a política industrial como:

    o conjunto de instrumentos (essencialmente incentivos, regulações e formas de participação direta na atividade econômica) através do qual o Estado promove o desenvolvimento de atividades econômicas específicas ou de agentes econômicos (ou de um grupo) baseado em prioridades nacionais de desenvolvimento.

    Portanto, não há dúvidas de que a política industrial pode ser compreendida como uma política pública na medida em que exige que o Estado desempenhe alguma espécie de papel ativo na sua condução. O Estado tem a possibilidade de desempenhar quatro tipos de intervenção no apoio ao desenvolvimento industrial: a) como regulador, ao estipular níveis de produção e de tarifas para certas atividades, ou por meio da criação de incentivos fiscais ou subsídios para apoiar setores industriais; b) como produtor, participando diretamente da atividade econômica como no caso de empresas estatais; c) como consumidor, assegurando um mercado para indústrias estratégicas e atividades econômicas por intermédio de programas públicos de compras governamentais e d) como agente financeiro ou investidor, influenciando o mercado de créditos e promovendo a alocação de recursos financeiros públicos e privados para projetos industriais considerados estratégicos por causa do seu impacto na produtividade, ou por sua capacidade de absorver mão de obra (Ibid., p. 14).

    Considerando que a política industrial é uma política pública, muitos países, no entanto, não possuem uma política industrial na forma de um plano consolidado de desenvolvimento industrial (com objetivos, instrumentos e responsabilidades institucionais explicitadas), mas possuem, sim, política industrial de facto que demanda ações governamentais para desenvolver ou fortalecer atividades específicas. Exemplo destas políticas pode ser encontrado nos Estados Unidos, onde a postura do livre mercado exige, pelo menos na retórica, que o Estado desempenhe papel mínimo na economia. Embora a referência a ações do governo como política industrial seja evitada, fato é que o governo as adota, sim, com o objetivo de dar suporte ao desenvolvimento industrial nacional. É o caso da legislação Bayh-Dole de 1980 que regula os direitos de propriedade intelectual associados com inovações surgidas de pesquisas tecnológicas e do desenvolvimento de atividades em universidades e laboratórios que recebem fundos federais. A legislação possui cláusula que dá preferência às indústrias da América do Norte, permitindo licenças exclusivas para inovações patenteadas somente se a inovação foi produzida nos Estados Unidos. A seleção de empresas norte-americanas como beneficiárias destas licenças exclusivas – uma ação alinhada com a estratégia nacional de proteção da competitividade da indústria nacional – é claramente uma política industrial de facto, mesmo que oficialmente seja apresentada como uma medida de gestão dos direitos de propriedade intelectual (Ibid., p. 14-15).

    Esclarecidos os aspectos que permitem caracterizar a política externa e a política industrial como políticas públicas, é preciso frisar as diferenças entre as dimensões da formulação e da execução de políticas.

    A formulação de políticas é uma preocupação central para muitos campos de estudo, o que se constata pelo esforço intelectual considerável empreendido por psicólogos, economistas, cientistas políticos e investigadores de outras disciplinas que, de diferentes formas, tentam compreender como e porque determinadas políticas são adotadas. A formulação de políticas – ou processo decisório – envolve decisões que, algumas vezes, são rotineiras, mas que, por outras, são imprevistas e inovadoras. No campo da política externa este é um traço presente: a monotonia da diplomacia protocolar coexiste com questões que podem ajudar a determinar mesmo o bem-estar e a sobrevivência nacionais (WEBBER & SMITH, op. cit., p. 49).

    Como distinguir o estudo da formulação da política externa do estudo da sua execução ou implementação? O estudo da formulação procura focar a natureza do processo decisório e dos tomadores de decisão, dentro de um contexto em transformação. Para WEBBER e SMITH não se pode presumir que, uma vez que uma decisão foi formulada, ela será automaticamente traduzida em ação e que os resultados destas ações serão fáceis de reconhecer (Ibid., p. 79). É preciso considerar também as ações, os comportamentos e os obstáculos que se podem se colocar em face dos objetivos preestabelecidos durante a fase de formulação. São essas ações e comportamentos – e as reações que eles despertam – que constituem o fluxo e a substância da política em si (Ibid., p. 80). É essa a matéria-prima dos estudos que privilegiam a fase de execução da política externa.

    Estudos de política industrial também apontam diferentes etapas para a sua consecução, entre elas as de formulação e de execução. De acordo com PERES e PRIMI (op. cit., p. 16), o processo da política industrial possui três fases, vinculadas por um mecanismo de retroalimentação: de concepção e criação (ou de formulação); de execução e de avaliação (ou de estimação). A primeira fase consiste no trabalho prévio que é realizado no sentido de criar consenso em torno de prioridades, essencial se o que se pretende é que a política produza ações e resultados.

    É exatamente sobre a fase de formulação, comum à política externa e à política industrial, que este livro se concentra. O foco recai sobre o processo decisório de políticas públicas de propriedade intelectual porque o que se pretende, prioritariamente, é entender as razões de natureza ideacional que estimularam tomadores de decisão no Governo Luiz Inácio Lula da Silva a planejar um novo padrão de inserção do Brasil no regime internacional de propriedade intelectual, em comparação àquele que havia predominado durante o Governo Fernando Henrique Cardoso. Sem entender como as ideias dos tomadores de decisão influenciaram no processo de formulação de políticas públicas de propriedade intelectual, não há como avaliar a forma como elas foram executadas e, mais ainda, como estimá-las em termos da consecução ou não de seus objetivos.

    Mesmo assim, não obstante o foco esteja concentrado na etapa de formulação das políticas públicas, optou-se por discutir também uma parcela particular do início da etapa de execução: o processo de reestruturação institucional empreendido pelo Governo Luiz Inácio Lula da Silva durante a Gestão Roberto Jaguaribe, no INPI, entre 2004 e 2006. Procura-se caracterizar tal processo de reestruturação como um dos reflexos iniciais das mudanças observadas na dimensão ideacional da formulação de políticas públicas de propriedade intelectual do Governo Luiz Inácio Lula da Silva para o Governo Fernando Henrique Cardoso, mudanças estas que foram francamente estimuladas por alterações no perfil ideacional de tomadores de decisão e também por um processo de aprendizado institucional.

    1

    .2 A ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

    Ao colocar a pergunta Uma teoria sem lar?, HOUGHTON (2007) traz à tona uma das principais questões envolvendo a Análise de Política Externa. Para o autor, a disciplina tem sido tratada como uma nau à deriva, desconexa das principais teorias das relações internacionais (2007, p. 24). Por vezes, a Análise de Política Externa é identificada como uma subárea do liberalismo, ao passo que, por outras, não sem dificuldades, estudada no campo do realismo (Ibid., p. 24). Apesar disso, CARLSNAES (2005, p. 331) enfatiza que se há algo sobre o qual os analistas de política externa podem hoje estar de acordo é que o seu campo de estudo tem estreita relação com o domínio disciplinar das Relações Internacionais.

    Contudo, identificar imediatamente a Análise de Política Externa como pertencente a qualquer uma das duas matrizes teóricas dominantes das relações internacionais (o realismo e o liberalismo), equivale a ignorar que os analistas de política externa visam justamente, em grande parte, preencher algumas lacunas presentes nos estudos realistas e liberais. Por essa razão, é preciso frisar as limitações dessas abordagens que privilegiam fatores materiais como fonte explanatória para a compreensão do comportamento estatal. A emergência de elementos ideacionais no campo da Análise de Política Externa só foi possível devido ao amadurecimento de abordagens que se dedicaram a expor as debilidades da presunção do Estado como ator unitário, racional e com preferências dadas no que se refere ao seu comportamento no ambiente internacional (DE MELLO E SILVA, 1998, p. 142).

    De acordo com o modelo da escolha racional, os decision makers ordenam as alternativas de que dispõem, tomam decisões e agem de forma a alcançar os resultados mais eficientes em termos dos fins perseguidos. Contudo, este processo não é isento de valores (VIOTTI & KAUPPI, 1998, p. 404). Em primeiro lugar, a determinação dos objetivos e fins a alcançar envolve, obviamente, escolhas demarcadas por um processo de significação (ou seja, valores). Segundo, a ideia de que os meios escolhidos para se alcançar determinados resultados devem ser os melhores e mais eficientes ou apenas bons o suficiente já é, em si, um valor subjacente ao cálculo de tomada de decisões. Por último, mesmo que os homens de

    Estado (principalmente os diplomatas) possam alcançar consenso sobre quais os valores gerais devem ser perseguidos internacionalmente, pode haver desacordos genuínos sobre como estes valores serão definidos e implementados (Ibid., p. 404-405). Em suma, ao contrário do que se poderia presumir, o modelo racional de tomada de decisões em política externa não é isento de significação, particularmente se considerarmos o amplo leque de valores perseguidos pelos negociadores estatais e as diferentes visões acerca de como eles devem ser definidos e implementados.

    As abordagens de crítica ao modelo racional concentraram-se, inicialmente, nos estudos sobre processos decisórios, dedicando-se em seguida a tentar compreender os mecanismos de cognição e percepção que determinam a forma como os tomadores de decisão processam informações¹³. Em outras palavras, passou-se a reconhecer que o processamento das informações acerca do mundo objetivo podia ser imperfeito e que se impunha uma mediação entre o real e a mente do indivíduo (DE MELLO E SILVA, op. cit., p. 142).

    1.2.1 Limitações das Principais Abordagens Centradas em Fatores Materiais e no Modelo Racional

    Parte dos estudos dedicados à Análise de Política Externa esteve empenhada em criticar o modelo do ator racional. Em um dos trabalhos fundadores do campo de estudo, escrito no final dos anos 50, SNYDER, BRUCK e SAPIN (2002)¹⁴ defendem que é preciso desvendar as variáveis que, dentro e fora do Estado, atuam na formulação das diferentes políticas externas nacionais. De acordo com HUDSON (2002, p. 3), a mais importante contribuição dos autores para as Relações Internacionais foi a de, já naquele momento, identificar o ponto teórico de interseção entre os determinantes mais importantes do comportamento estatal: os fatores materiais e ideacionais. Este ponto de interseção não é, para os autores, o Estado, e sim o indivíduo ou o tomador de decisão. Criticam os autores o que entendem por falácia da sutil transformação do Estado de uma abstração política pertinente em um símbolo que representa, supostamente, uma entidade concreta – ou seja, um objeto ou pessoa com existência própria, aparte das pessoas reais e dos seus comportamentos (Ibid., p. 3).

    Assim, desde o seu nascedouro, a Análise de Política Externa representa um desafio ao realismo e a sua presunção do Estado como ator unitário e racional (HOUGHTON, op. cit., p. 25). Trata-se do que LIMA denomina de modelo clássico (1994, p. 63), segundo o qual a política externa resulta da operação de um duplo filtro: as preferências dos Estados e os incentivos e constrangimentos presentes no ambiente externo (Ibid., p. 63). O que caracteriza este modelo é a premissa de que os interesses são relativamente permanentes no tempo (Ibid., p. 63) já que derivam quer de atributos e capacidades que tipificam um Estado – como território, população, geografia, recursos naturais, materiais e humanos –, quer da posição ocupada, em reação aos demais, em um ordenamento qualquer de poder econômico, político ou militar (Ibid., p. 63)¹⁵.

    LIMA afirma que é justamente por tratar essas preferências como resultado de atributos próprios ao Estado e/ou de sua posição em relação aos demais que, no modelo clássico, o Estado aparece como ator unitário que interage com outros atores da mesma natureza, ainda que com atributos e posições diferentes (Ibid., p. 63). No que tange à versão estrutural do modelo clássico (realismo estrutural ou neorrealismo)¹⁶, os interesses/preferências do Estado são deduzidos da distribuição de poder e este busca políticas consistentes com a configuração particular do sistema internacional (Ibid., p. 63)¹⁷.

    Segundo a tradição realista, os Estados calculam seus interesses sempre em termos de poder – entendido como a habilidade que um deles possui de influenciar outros e os recursos aplicados no exercício desta influência. A noção de imutabilidade da natureza humana proposta pelo realismo derivaria de uma visão conservadora da filosofia política e teria dificuldades de se ajustar a aproximações mais críveis e convincentes sobre os seres humanos, trazidas para o campo da análise de política externa por cognitivistas (HOUGHTON, op. cit., p. 25), que privilegiam a construção de significados e fatores ideacionais e enfatizam a subjetividade e a dificuldade de previsibilidade, inerentes ao comportamento dos atores envolvidos no processo de tomada de decisões (fundamentalmente os indivíduos e as elites envolvidas no processo decisório).

    A associação que pode se buscar estabelecer entre Análise de Política Externa e o institucionalismo liberal, também é problemática. Da mesma forma que o neorrealismo, o institucionalismo liberal privilegia o sistema internacional como gerador de comportamento entre os Estados, ao passo que a Análise de Política Externa persiste na importância de fatores e atores que atuam no nível das unidades, para a compreensão e explicação do comportamento estatal. A diferença básica entre o institucionalismo liberal e o neorrealismo é que os adeptos da primeira corrente questionam a máxima de que os Estados só agem com o objetivo de maximizar poder. O sistema internacional pode facilitar ou inibir o fluxo de informações, desta forma afetando o comportamento dos atores e sua habilidade para cooperar uns com os outros (KEOHANE, 1986). Adicionalmente, o institucionalismo liberal compartilha com o realismo (clássico e estrutural) da presunção do ator racional como ponto de partida: os atores agem sempre de forma autointeressada e procurando maximizar sua utilidade, sujeitos a constrangimentos.

    É na crítica ao pressuposto racionalista, comum ao (neo) realismo e ao institucionalismo liberal, que reside o ponto-chave para a compreensão da proeminência recente que o estudo do papel das ideias na formulação de políticas adquiriu nas Relações Internacionais, sobretudo na Análise de Política Externa. HILL (2003, p. 97) assinala que o conceito de racionalidade é um dos problemas mais centrais e difíceis em todas as ciências sociais e que qualquer tentativa de compreender ou prescrever ações não podem fazer mais do que cálculos com base naquele, já que representa apenas um tipo-ideal tanto para a tomada de decisões individual como para a coletiva (2003, p. 97). Abordagens que privilegiam a escolha racional enfrentaram críticas por parte daqueles resistentes à concepção de que a política é bem explicada em termos das interações entre atores que agem egoisticamente e que continuadamente fazem cálculos sobre o quanto suas preferências serão atendidas por determinado evento. GOLDSTEIN e KEOHANE (1993, op. cit., p. 5) frisam que mesmo os analistas racionalistas de política internacional reconhecem que a presunção de racionalidade é mais uma simplificação teórica útil da realidade do que um verdadeiro reflexo dela.

    Por conta disso, a literatura desenvolveu e sofisticou cada vez mais abordagens para tratar dos elementos cognitivos que incidem sobre a formulação de políticas. Conceitos diversos foram formulados – como os de imagens, mapas cognitivos, sistema de crenças, códigos operacionais e lições do passado – todos com a preocupação central de compreender a brecha existente entre a realidade, supostamente objetiva, do ambiente operacional e a representação subjetiva na mente do tomador de decisão. A esse conjunto de abordagens, a literatura costuma se referir como abordagem cognitiva das Relações Internacionais (DE MELLO E SILVA, op. cit., p. 143). Veja-se, pois, como, a partir da crítica cognitiva ao modelo do ator racional, o conceito de ideia impregnou-se na Análise de Política Externa.

    1.3 AS IDEIAS NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA

    É no contexto de questionamento das limitações dos modelos racionais que deve se compreender como as ideias alcançaram importância na agenda de pesquisa das Relações Internacionais. Estudiosos da área se sentiram cada vez mais motivados a examinar o efeito das ideias na política externa, especialmente através do esforço para conectá-las causalmente às políticas que elas parecem justificar e, em troca, examinar qual o seu impacto sobre a política externa e, assim, sobre a ação estatal. A argumentação dessas abordagens é a de que a explicação da ação política em termos de atores racionais maximizando uma função utilitária baseada em interesses materiais não dá conta dos comportamentos observáveis dos atores estatais. Tanto quanto os interesses, as ideias são importantes para a explicação da política externa (LAFFEY e WELDES, 1997, p. 193-194).

    O institucionalismo racional de GOLDSTEIN e KEOHANE (1993) e o institucionalismo histórico de HALL (1989), SIKKINK (1991; 1997) e FINNMORE (1997) constituem-se em instrumentos úteis e interessantes para analisar a influência das ideias sobre o processo decisório de políticas públicas.

    Da abordagem de GOLDSTEIN e KEOHANE, compartilha-se do objetivo de não querer sugerir uma teoria para a criação das ideias ou um modelo explicativo para justificar o processo por intermédio do qual determinadas ideias são selecionadas, mas sim de querer entender as diferentes formas por meio das quais as ideias possuem potencial de afetar os eventos políticos (1993, op. cit., p. 12).

    Já a opção pelo institucionalismo histórico estimula aproximação com o denominado cognitivismo brando (HASENCLEVER et al., 1997). Cogni- tivistas brandos compartilham algumas presunções. A primeira é a de que entre as estruturas internacionais e a volição humana repousa a interpretação. Antes que as escolhas sejam feitas, circunstâncias devem ser conhecidas e interesses identificados. Por seu turno, a interpretação depende do conhecimento que os atores detêm em um determinado momento e lugar (ou como preferem se referir alguns dos cognitivistas brandos, de suas ideias). São as ideias que moldam a percepção da realidade e informam os tomadores de decisão a respeito dos vínculos entre causas e efeitos e, desta forma, entre meios e fins. Para os cognitivistas brandos, interesses não podem ser tratados como dados; ao contrário, as preferências dos atores devem ser tratadas analiticamente como contingenciais em relação à forma como os atores compreendem o mundo social e natural.

    Outra presunção é a de que os tomadores de decisão demandam de forma crescente de informações científicas e de conhecimento confiável. Em virtude da natureza cada vez mais técnica das questões internacionais, eles experimentam incertezas duradouras sobre os seus interesses e como atendê-los. As inovações tecnológicas desvalorizaram estratégias tradicionais de ação e as mudanças sociais redefinem os parâmetros das relações internacionais. Nesta concepção, os atores estatais não são apenas perseguidores de poder e riqueza, mas também redutores de incerteza. De forma a fazer escolhas inteligentes diante de situações não muito familiares, os tomadores de decisão necessitam de informação de alta qualidade e de conselhos especializados, de expertise. Assim, aqueles que estão em posição de fornecer o conhecimento desejável em termos ideacionais podem exercer influência considerável no processo decisório.

    1.3.1 As Ideias e o Institucionalismo Racional de Goldstein e Keohane

    Entre os estudos dedicados a compreender o impacto das ideias na formulação de políticas, destaca-se, sem dúvida, o de GOLDSTEIN e KEOHANE (1993). BLYTH (1997, p. 239) o qualifica como a tentativa mais bem elaborada de incorporar as idéias dentro de um programa de pesquisa racionalista e institucional. Os autores sugerem que as ideias, compreendidas somo crenças sustentadas pelos indivíduos (Ibid., p. 3) exercem um efeito causal independente sobre a política, mesmo quando os seres humanos se comportam racionalmente para atingir seus objetivos (Ibid., p. 5). Ancorados nesta premissa racional, admitem que as ações levadas adiante pelos diferentes seres humanos dependem da qualidade substantiva das ideias disponíveis, uma vez que estas ideias ajudam a esclarecer princípios e concepções sobre relações causais e a coordenar o comportamento individual (Ibid., p. 5). As ideias podem influenciar a política ao oferecerem mapas que ampliam a clareza dos atores sobre os seus objetivos, ao afetarem resultados de situações estratégicas em que não há um único equilíbrio e ao se encerrarem nestas instituições, situação em que são capazes de generalizar padrões de comportamento.

    Além de discorrer sobre as três formas por intermédio das quais as ideias podem influenciar a política, GOLDSTEIN e KEOHANE (Ibid., p. 8-11) afirmam que elas podem ser de três tipos: a) visões de mundo, que são aquelas que definem o universo de possibilidades de ação no seu nível mais fundamental e afetam a vida social de múltiplas formas ao longo do tempo, como ocorre, por exemplo, com as maiores religiões do mundo e a concepção westfaliana de soberania; b) crenças sobre princípios que remetem a ideias normativas que especificam critérios para a distinção entre o certo e o errado e atuam como mediadoras entre as visões de mundo e conclusões políticas particulares, traduzindo doutrinas fundamentais em guias para a ação humana contemporânea¹⁸ e c) crenças causais, que se

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