Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

O STF e a prisão em segunda instância: contradições da suprema corte nos julgamentos sobre a presunção de inocência
O STF e a prisão em segunda instância: contradições da suprema corte nos julgamentos sobre a presunção de inocência
O STF e a prisão em segunda instância: contradições da suprema corte nos julgamentos sobre a presunção de inocência
E-book250 páginas2 horas

O STF e a prisão em segunda instância: contradições da suprema corte nos julgamentos sobre a presunção de inocência

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Na última década, o STF mudou por várias vezes seu entendimento sobre a possibilidade da prisão em segunda instância, especialmente após a deflagração da operação Lava Jato.
A cada novo julgamento, os ministros utilizavam argumentos e teorias, muitas vezes de maneira inadequada ou contraditória com suas posições anteriores. Neste livro resultante de uma extensa pesquisa de dissertação de Mestrado feito no Brasil e nos Estados Unidos, o autor mostra com inúmeros exemplos como os ministros do STF alteram seus posicionamentos de um caso para outro e utilizam incoerentemente teorias do direito.
Além disso, relata as origens do princípio da presunção da inocência e as diferenças no modo como é aplicado no Brasil e nos Estados Unidos, onde o autor teve acesso a livros, juízes, promotores, compareceu a audiências criminais, e pôde ver in loco as características daquele sistema.
Fruto de dedicada pesquisa, este livro traz importantes elementos de discussão sobre a nossa Suprema Corte e os motivos que levam os ministros a decidir de um ou outro modo
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de mar. de 2022
ISBN9786525226637
O STF e a prisão em segunda instância: contradições da suprema corte nos julgamentos sobre a presunção de inocência

Relacionado a O STF e a prisão em segunda instância

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de O STF e a prisão em segunda instância

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    O STF e a prisão em segunda instância - Fabrício Cavalcante D'Ambrosio

    CAPÍTULO 1. AS CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO

    O constitucionalismo pós-Revolução Francesa teve como tônica, dentre outras coisas, a proteção de valores e princípios caros à sociedade, ao dotar as constituições de rigidez que serviria de escudo à volatilidade da legislação ordinária.¹

    Era uma resposta ao chamado império da lei vislumbrado pelos revolucionários franceses de 1789, que demonstrou vulnerabilidades, à medida que se percebeu que o legislador poderia atuar de acordo com seus interesses pessoais, em contraposição aos da sociedade.²

    A concepção de uma Constituição com apreço pela normatividade, serviria como garantia dos valores caros a determinada sociedade e proteção do indivíduo contra o poder do Estado:

    […] a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo.³

    O constitucionalismo moderno lançou as bases para o desenvolvimento da constituição moderna, tida como o instrumento de limitação do poder político e consagração das liberdades e direitos fundamentais.

    Não obstante, o ato de investigar o significado e o papel das constituições continua sendo um dos objetos geradores de maior discordância e proficuidade no ramo.

    1.1 HISTÓRIA

    Após o germinar do Renascimento, nos séculos XII e XIII, pode-se identificar o nascimento do civil law como sistema jurídico, encontrado em países da família romano-germânica, cujos valores eram partilhados, sobretudo a ideia de justiça.

    Contudo, tratava-se de uma multiplicidade de costumes e leis fragmentárias coexistentes, às quais os juristas dos séculos XVII e XVIII intentaram dar cabo. Daí o apreço por uma codificação que os unisse.

    Aproximadamente depois da segunda metade do século XVII, identifica-se a evolução de um conjunto de doutrinas que tinha como escopo a limitação do poder do Estado e garantia de certos direitos, movimento denominado por Fioravanti como o constitucionalismo moderno.

    O advento das constituições escritas dos Estados Unidos em 1787 e da França, em 1791, revela divergências entre os sistemas jurídicos: no país americano, a Constituição possuía preponderância que alçou o Poder Judiciário a verdadeiro defensor da constituição e guardião dos direitos e liberdades, o que não ocorreu imediatamente no europeu.

    Quanto às famílias de sistemas jurídicos aos quais pertencem, historicamente há uma diferença substancial no papel dos juízes em cada uma delas, de modo que no common law nunca houve problema em se admitir que eles criavam o direito, ao passo que no civil law por muito tempo se acreditou que sua atividade era meramente declaratória da intenção do legislador.

    Essa diferença pode ser creditada ao modo como o absolutismo foi superado na França e na Inglaterra, berços das noções modernas de civil law e common law, respectivamente.

    Enquanto na França se pretendeu restringir os poderes dos juízes, uma classe intimamente ligada à nobreza que se combatia, na Inglaterra eles se juntaram na luta contra o absolutismo, desempenhando papel decisivo no processo que culminou com o Bill of Rights, em 1689, em que foram limitados os poderes do monarca.

    O modelo do common law inglês, como nunca negou a atividade criativa dos julgadores, não precisou lidar com os problemas que essa recusa gerou nos países de tradição romano-germânica.

    Lá, a segurança jurídica seria atingida não em virtude da negação da possibilidade de interpretações diversas pelos juízes, mas de sua vinculação aos precedentes emanados por uma corte superior, a chamada stare decisis.

    À medida que o modelo do civil law de juiz boca da lei se mostra insuficiente para a nova realidade, o parâmetro de julgamento troca a lei escrita pela constituição e seus valores, e o próprio papel do julgador se modifica, ao se submeter não ao Legislador, mas ao conjunto de valores constitucionalizados.

    [...] ao se admitir que o juiz pode decidir que uma lei é invalida por estar em conflito com a Constituição, quebra-se o dogma da separação estrita entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, e, desta forma, abre-se oportunidade para se dizer que o juiz do civil law também cria o direito.¹⁰

    Com isso, o juiz da civil law teve que abdicar dos princípios clássicos que regiam o sistema, para desempenhar um papel tão criativo quanto o de seus pares da common law, conferindo à norma um sentido diverso daquele pretendido pelo Legislativo.¹¹

    O grande traço diferencial entre os sistemas do civil law e do common law, entretanto, reside nas fontes do direito de que cada qual se utiliza primordialmente. No civil law, a principal fonte é a lei em sentido amplo, ao passo que no common law são as decisões judiciárias.¹²

    Essa constatação, entretanto, não deve ser feita de modo simplista. Dizer que determinada fonte possui primazia sobre outra não significa inexistência da preterida: pode haver farta produção legislativa no common law – como há nos Estados Unidos -,¹³ assim como o civil law pode se valer dos costumes, jurisprudência e princípios gerais.¹⁴

    Não há dúvidas de que o juiz do civil law se sente mais à vontade quando pode recorrer a um texto legal para suportar sua decisão. Muitas vezes, aliás, a violação de um artigo de lei é necessária para a interposição de recurso judicial junto a um tribunal superior.¹⁵

    A despeito disso, é salutar a identificação do modo como o jurista concebe a constituição. Nesse sentido, vale salientar a existência de duas correntes antagônicas, a institucionalista, que enfatiza o aspecto material do constitucionalismo, e a positivista, que tenta isolar as Ciências Jurídicas das demais.

    A concepção sociológica, moldada por Ferdinand Lassalle em meados do século XIX, previu a constituição como resultado do jogo de interesses e forças políticas, econômicas e sociais, uma folha de papel em branco a ser preenchida pelos fatores reais de poder que demonstrassem mais força.¹⁶

    Posteriormente, o italiano Santo Romani teorizou que o ordenamento jurídico não se restringe às normas que o compõe, mas inclui e depende do substrato material que o antecede. Por conseguinte, o poder não se institucionaliza somente das leis, mas de todos os elementos da sociedade que formam uma unidade.¹⁷ São

    os numerosos mecanismos e engrenagens, as relações de autoridade e de força que produzem, modificam, aplicam, fazem respeitar as normas jurídicas, sem se identificar com essas. Em outras palavras, o ordenamento jurídico, desta maneira amplamente entendido, é uma entidade que por um lado se move conforme as normas, mas, sobretudo, por outro, ele mesmo as move quase como se elas fossem peões em um tabuleiro de xadrez.¹⁸

    Carl Schmitt, um dos expoentes do antiformalismo, pregava que a democracia deveria se desfazer das diferenciações e despolitizações típicas do século XIX liberal e se redimir da separação e contraposição entre o jurídico e o político.¹⁹

    Para ele, o liberalismo procura o dualismo entre indivíduo e Estado e por isso é avesso às influências políticas nas relações sociais. Todavia, como qualquer outro movimento humano significativo, o liberalismo era político por natureza.²⁰

    Carl Schmitt partia de uma visão oposta à dos liberais, sob o ângulo do Estado, e por isso defendia inclusive o sacrifício do direito à vida, em determinados casos.²¹

    A desconfiança crítica contra o Estado e a política explica-se facilmente a partir dos princípios de um sistema para o qual o singular tem de permanecer terminus a quo e terminus ad quem. A unidade política tem de, em dados casos, requerer o sacrifício da vida.²²

    O antiformalismo concebe a Constituição em um sentido material, situada em um plano anterior e proeminente ao da Constituição positivada. Significa dizer que a Constituição é, de fato, a decisão política voluntária do modo como o Estado vai se concretizar.²³

    Contudo, como proposta pelos antiformalistas, a desvinculação da Constituição da norma positivada carecia de um mecanismo de controle e acabou por legitimar a existência de Estados absolutos e autoritários, de maneira semelhante ao positivismo.²⁴

    Em posição diversa, encontra-se a concepção jurídica, melhor ilustrada por Hans Kelsen, autor da obra Teoria Pura do Direito e expoente do Positivismo Jurídico, que isolava a Ciência Jurídica de toda e qualquer influência externa, seja moral, seja das demais ciências, como a sociologia. Com isso, restringiu o âmbito do Direito ao seu produto: a lei.²⁵

    O positivismo pressupunha que o Estado só existiria a partir de uma Constituição, que moldaria e definiria as feições das instituições e da própria sociedade.²⁶

    A Constituição positivista é formal, rígida, escrita, mutável unicamente pelo constituinte, não pelo intérprete.²⁷

    Ninguém à primeira vista parece defender tanto a juridicidade das Constituições quanto os positivistas formais. E o fazem naturalmente a contento, enquanto o texto escrito não se arreda muito da realidade. Mas quando esta já não se deixa captar pelas regras do direito positivo formal principia a crise, isto é, a perplexidade diante do divórcio entre a norma e o fato, levantando-se de imediato o problema da mudança constitucional. A mudança sempre ocorre, mas o positivismo não sabe e nem pode explicar em que medida ela se atém apenas a variações levadas a cabo juridicamente mediante alteração formal de textos.²⁸

    Chegou-se a um ponto em que se acreditava que a sociedade seria regida submissamente à carta constitucional, ignorando-se as influências sociais sobre o corpo normativo.²⁹

    Como consequência, não se admitiam mudanças na Constituição que não fossem as textuais. Como se a Constituição pudesse controlar, somente pelas suas palavras, a realidade fática.³⁰

    Todavia, argumenta-se que uma Constituição dissonante do contexto histórico em que concebida e dos direitos e valores de sua sociedade, seria fundada em alicerces frágeis e dificilmente se sustentaria.³¹

    Percebeu-se, assim, que o positivismo necessita fortemente de um fundamento historicista, para que a sua Constituição forneça a autoridade e estabilidade essenciais a fim de que perdure.³²

    Em outras palavras, um conjunto de indivíduos pode se formar em um Estado somente se lá já existe um povo, ou ainda se já se encontra em si ordenado. E a medida da ordem é a constituição em sentido material. Esta última não desempenha, portanto, nenhuma função polêmica. Ao contrário, serve para fundar a autoridade do Estado e do seu direito, fixando, ao mesmo tempo, um limite. Por este motivo, para Savigny o direito positivo pode também ter a sua máxima expressão na lei do Estado, mas somente se esta parte da consciência de dever refletir aquela ordem objetiva que fora dada na experiência e que já se encontra presente na constituição entendida em sentido material. E, por outro lado, é precisamente esta ordem que confere à lei, que dessa mesma é a expressão, a sua força soberana. Uma lei do Estado solidamente fundada nos princípios daquela constituição é forte e possui autoridade. Ao contrário, uma lei disforme em relação a tais princípios nasce morta e é, de qualquer modo, destinada à ineficácia.³³

    Denota-se que as posições dos formalistas e dos antiformalistas são antagônicas demarcando um território profícuo de concepções que ora se aproximam ora se afastam desses vieses, como se verá.

    Essa relação adversarial é global e revela uma das disputas mais controversas do Constitucionalismo: aquela travada entre o positivismo e os defensores da Constituição em seu sentido material.³⁴

    [...] o direito positivo da comunidade, predisposto mediante a decisiva obra de mediação da ciência jurídica a se tornar o mais seguro fundamento da legislação do Estado, passava a ser então negado, como no caso de Kelsen, ou retomado em sentido polêmico, como no caso de Schmitt. Para o primeiro não existia mais, de fato, qualquer comunidade, qualquer povo, dotado em sentido material da sua constituição, de modo que a única constituição possível era a que os atores sociais e políticos eram capazes de exprimir mediante o compromisso e a mediação parlamentar; para o segundo, ao contrário, não apenas existia a constituição em sentido material, mas esta era representável – pelo menos em certas situações históricas como a alemã das primeiras décadas do século XX – como a verdadeira constituição, a impor, mesmo com o instrumento da ditadura, quando a formal estivesse degenerada, pois dominada pela dinâmica destrutiva dos interesses fracionários.³⁵

    Embora a divergência entre as concepções política e jurídica remonte aos séculos XIX e XX, ela pode ser observada na atualidade. Os julgamentos sobre a prisão em segunda instância no Supremo Tribunal Federal revelam justamente uma divisão entre os ministros que defendem à necessidade de observância do texto da Constituição Federal e, consequentemente, do seu caráter normativo, face àqueles que se orientam pelo aspecto político, como a pressão social pela maior efetividade do processo penal.

    1.2 CLASSIFICAÇÃO DAS CONCEPÇÕES

    Essas concepções de constituição podem ser divididas em políticas ou jurídicas ao propor, de um lado, desenhos constitucionais para as fases de redação ou de emenda (políticas) e, de outro, critérios interpretativos das constituições positivas (jurídicas).³⁶

    Porém, essas não são qualidades excludentes entre si. Conceber uma constituição em política ou jurídica equivale a distinguir qual dessas propriedades possui proeminência sobre a outra.³⁷

    Essa é a proposta da concepção material da Constituição, uma síntese das duas concepções iniciais, normativa, que prega uma constituição com certa dose de autonomia, com força normativa, mas ainda assim resultante da realidade social, nutrindo entre a norma e a realidade uma tensão permanente, da qual derivam as possibilidades e os limites do direito constitucional.³⁸

    As concepções política e jurídica dizem respeito ao modo como a constituição é utilizada na aplicação da lei e põe em lados opostos a concepção da Constituição como fonte das fontes do Direito e a concepção da Constituição como fonte do Direito.³⁹

    Uma Constituição mais política que jurídica não desempenha função relevante como substrato argumentativo na atividade hodierna dos juízes. Ela se limita a atribuir a determinados agentes a competência de produzir as normas, uma fonte das fontes do Direito.⁴⁰

    Contrariamente, a Constituição de caráter proeminentemente jurídico serve de parâmetro para todas as demais normas, e por isso deve permear e balizar a interpretação jurídica, caracterizando-se por ser uma verdadeira (e principal) fonte do Direito.⁴¹

    Essa diferença de orientação pode ser observada dentro de uma mesma família de sistemas.

    Na Inglaterra, a Constituição não possui status diferenciado. Já o sistema de common law dos Estados Unidos é híbrido, porque orbita em torno da jurisprudência proferida sobre a Constituição de 1787 e suas emendas, numa expressão do chamado controle de constitucionalidade, ou judicial review, instituído a partir do julgamento de Marbury v. Madison, de 1803.⁴²

    O sistema estadunidense é fundamentado em uma constituição cujo procedimento para alteração é rígido, mas cujo conteúdo é aberto e permite uma interpretação flexível de seus dispositivos. O sistema brasileiro, de tradição românica, possui uma constituição rígida para ser emendada e com dispositivos específicos. Em ambos os casos a Constituição é de

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1